Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02B1839
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: DUARTE SOARES
Nº do Documento: SJ200209190018392
Data do Acordão: 09/19/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 1112/00
Data: 11/20/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

A e mulher B, deduzem, contra C e Imobiliária D, Lda, embargos de terceiro contra o arresto da fracção autónoma correspondente ao 5º andar esquerdo e respectivo lugar de garagem do prédio constituído em propriedade horizontal denominado "Mosteiro III" descrita na respectiva Conservatória do RP sob o nº 01862/240491-M, decretado a requerimento do 1º embargado.
Admitidos liminarmente os embargos, contestou o embargado C defendendo que os embargos deveriam ter sido liminarmente rejeitados e, quanto ao mais, alegou desconhecer os factos da petição.
Foi, a final, proferida sentença que julgou procedentes os embargos ordenando a restituição da posse da fracção aos embargantes.
Conhecendo da apelação interposta pelo embargado, a Relação de Lisboa julgou-a improcedente.
Pede agora revista e, alegando, conclui assim:
1 - Os embargantes não alegam que a sua posse tenha sido afectada e, por isso, o arresto, por si só, não pode ofender essa posse pelo que nunca poderiam os embargos ser julgados procedentes.
2 - A única forma de defender a referida posse, que advém da mera traditio, era com base no direito de retenção.
3 - Mas o contrato promessa celebrado não possibilita eventual direito de retenção pois não está alegada a existência de qualquer crédito.
4 - O registo do arresto não pode ser cancelado sob pena de ser violada a prioridade que o registo confere.
5 - O acórdão recorrido não fez correcta interpretação dos arts. 351º e 755º do CPC.
Contra alegaram os recorridos batendo-se pela confirmação do julgado.
Foram colhidos os vistos. Cumpre decidir.
O decisão sobre objecto do recurso depende da resposta a dar à questão de saber se o arresto ofende a posse do titular do direito correspondente à posição do promitente comprador de imóvel que antes da celebração do contrato prometido o ocupa por entretanto ter obtido a tradição do bem que prometeu comprar.
No caso trata-se de arresto preventivo decretado para prevenir a garantia da satisfação dum crédito do primeiro sobre a segunda embargada que incidiu, entre outros, sobre uma fracção autónoma que esta segunda embargada prometera vender aos primeiros que, entretanto a vinham ocupando, nela tendo instalado o seu domicílio, por dela terem obtido a respectiva traditio.
Depois, já no decurso despe processo, foi proferida sentença na acção entretanto instaurada pelos ora embargantes contra a segunda embargada para execução específica daquele contrato promessa. A acção foi julgada procedente e, consequentemente, declarou-se a transmissão da propriedade da fracção para os embargantes.
Há que ponderar, antes de mais, que o arresto, enquanto providência cautelar naturalmente destinada a converter-se em penhora, não conflitua, em princípio com quaisquer outros direitos reais de gozo ou garantia.
Nada impede que seja nomeado fiel depositário o detentor ou possuidor dos bens que é, aliás, o que sucede quando o imóvel arrestado está arrendado.
Neste caso, por força das normas dos arts. 841 n. 1 e 406 n. 2 do CPC, o depositário é o próprio arrendatário. Acresce que, ao contrário do que sucede com os móveis, o arresto de imóveis não implica a sua apreensão dos bens, pois ele efectiva-se mediante termo no processo pelo qual os bens se consideram entregues ao depositário - arts. 838º nº 2, 841 nº 1 aplicáveis por força do nº 2
do art. 406 do CPC.
No que respeita à situação jurídica do promitente comprador de imóvel que tenha beneficiado da tradição da coisa, enquanto não é cumprida a promessa, ela traduz-se na atribuição ao promitente comprador, nos ermos da al. f) do nº 1 do art. 755º do CC, do direito de retenção sobre a coisa pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte nos termos do art. 442º do CC.
De tudo decorre que o arresto de imóveis não é susceptível de ofender a posse ou quaisquer outros direitos do promitente comprador de bem imóvel ainda que este beneficie dos direitos que lhe confere a tradição da coisa prometida vender.
No caso em apreço, os ora embargantes nem sequer beneficiam do direito de retenção já que, tendo optado por requerer a execução específica da promessa de venda, não beneficiam de qualquer crédito resultante do não cumprimento do contrato promessa.
Por outro lado, tendo embora obtido a execução específica do contrato, isso em nada contende com o arresto que, aparentemente, sempre beneficiará da eficácia do registo anteriormente efectuado.
O que acaba de dizer-se, que corresponde, no essencial, ao sentido da jurisprudência deste Supremo Tribunal de que são exemplo os acórdãos citados nas alegações da revista, implica, necessariamente, um juízo desfavorável quanto aos embargos.
Por tudo o exposto, concluímos pela procedência, no essencial das conclusões do recurso.
Nestes termos, concedem a revista julgando improcedentes os embargos.
Custas pelos embargantes.
Lisboa, 19 de Setembro de 2002
Duarte Soares,
Abel Freire,
Ferreira Girão.