Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00001294 | ||
Relator: | MENERES PIMENTEL | ||
Descritores: | EXECUÇÃO ARREMATAÇÃO VENDA EXECUTIVA NOTIFICAÇÃO NULIDADE PROCESSUAL | ||
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Nº do Documento: | SJ199003010787821 | ||
Data do Acordão: | 03/01/1990 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | BMJ N395 ANO1990 PAG489 | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 676/89 | ||
Data: | 06/22/1989 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | PROVIDO. | ||
Área Temática: | DIR PROC CIV. | ||
Legislação Nacional: | CPC61 ARTIGO 882. CPC67 ARTIGO 892 ARTIGO 902 ARTIGO 909. | ||
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Sumário : | I - E obrigatorio a notificação dos credores reclamantes, do exequente e do executado, do despacho que designa a modalidade da venda em processo executivo. II - Alem da notificação da modalidade da venda e quando esta for por arrematação em hasta publica, torna-se indispensavel que os interessados referidos no numero anterior, sejam notificados do dia, hora e local daquela. III - Se um credor reclamante não tiver estado presente na primeira praça, o dia, hora e local da segunda tem de lhes ser notificados, sob pena de nulidade. IV - Esta, quando tempestivamente arguida, leva a que a venda fique sem efeito, pois a omissão da referida notificação e sempre susceptivel de influir na decisão. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (STJ); I - Relatorio: O Banco A, propos acção executiva para pagamento de quantia certa contra B e C. As executadas não embargaram, pelo que a execução prosseguiu seus termos ate que, em 26 de Outubro de 1988, foi arrematada em hasta publica (segunda praça), por D, fracção autonoma anteriormente penhorada, designada pela letra D correspondente ao primeiro andar esquerdo do predio sito na Avenida General Humberto Delgado, bloco 12, Torres Vedras. O preço foi de 1685000 escudos, mas um credor, titular de credito verificado por sentença, com garantia real sobre o imovel apreendido, arguiu a nulidade de não ter sido notificado do despacho determinativo da segunda praça. Este credor E, viu tal arguição indeferida na primeira instancia e na relação, tendo voltado a agravar com estas conclusões (sintese): a) Do artigo 882, n. 2, do Codigo de Processo Civil (CPC), decorre a obrigação do exequente, executado e credores reclamantes, enquanto partes principais no processo, serem notificados da data e local das arrematações em hasta publica que sejam ordenadas; b) a isso conduz o principio da igualdade das partes no processo civil, alias decorrente, alem do mais, da Constituição da Republica Portuguesa (CRP); c) e a desigualdade verificar-se-a quando o exequente e notificado (atraves da entrega dos anuncios) omitindo-se esta diligencia para os outros, designadamente os credores verificados; d) interpretação diferente da lei conduziria ao absurdo de os titulares de direito de preferencia (partes acessorias) terem melhor tratamento do que os protagonistas principais; e) não e possivel "interpretar e aplicar analogicamente as partes principais a disposição excepcional constante do artigo 902, n. 3 (aplicavel a terceira praça - art. 903), por força do disposto no art. 11 do Codigo Civil" (CC); f) violou-se o disposto nos artigos 882 e 201 do CPC, e o acordão impugnado, ao interpretar o primeiro dispositivo, desrespeitou o principio da igualdade inscrito na CRP. O agravado (arrematante D) contra-alegou. II - Discussão e fundamentação: 1. O acordão recorrido desenha a sua tese e respectiva fundamentação principal nestes termos: " A questão em apreço cinge-se a interpretação do n. 2 do artigo 882 do CPC e foi objecto do douto acordão do STJ, de 16 de Junho de 1970, publicado no BMJ, 198, paginas 101 e seguintes segundo o qual, notificadas as partes-exequente, executado e credores reclamantes - do despacho que ordena a venda e indique a respectiva modalidade, cumprida esta aquela norma do n. 2 do artigo 882 não havendo, pois, que notificar quem quer que seja da 2 praça, caso a primeira fique deserta". 2. Como se ve, o acordão, quanto a fundamentação, limitou-se a receber acriticamente a tese sustentada pelo STJ em 16 de Junho de 1970. Neste ultimo acordão, discutiu-se se os credores deviam ser notificados do dia, hora e local da venda ou se a obrigação decorrente do artigo 882, n. 2 do CPC, e satisfeita apenas com a notificação da venda dos bens e respectiva modalidade. O recorte da questão e assim feito: "... importando fixar se esse preceito (art. 882, n. 2) obriga sempre a notificação do dia, hora e local da venda..... ou se apenas obriga a notificação da venda dos bens e respectiva modalidade, sem qualquer relevancia para a data e para o local....". Optou-se por esta ultima alternativa com os argumentos de que a citada disposição, dada a sua inserção sistematica, aplica-se tanto a venda judicial como a extrajudicial, sendo certo que uma das modalidades desta ultima torna impossivel fixar as circunstancias de tempo e lugar (venda por negociação particular); de que o mesmo preceito, relativamente ao CPC de 1939, contem apenas a inovação resultante do artigo 4 do Decreto n. 33276, de 24 de Novembro de 1943 (onde se procurava por de sobreaviso o Ministerio Publico- MP, como representante da Caixa Geral de Depositos, para as vendas a realizar nas execuções em que esta entidade fosse exequente ou credora), devendo notar-se que a unica referencia a data da venda, feita no paragrafo 1 do referido artigo 4, foi pura e simplesmente eliminada; de que os artigos 892, n. 1, e 902, n. 2 do CPC, conduzem a mesma interpretação, pois o primeiro prescreve que os titulares do direito de preferencia na alienação dos bens são notificados do dia e hora da entrega dos bens ao proponente (ao contrario do que sucede no artigo 882, n. 2) e o segundo dispõe (depois de tratar da publicidade da segunda praça) não se repetir a notificação dos titulares daquele direito de preferencia. 3. Como o caso decidido pelo acordão de 1970 tem identidade com aquela que ora se examina, importa seguir de perto os argumentos daquela douta decisão. O Codigo de Processo Civil de 1939 limitava-se a prescrever na segunda parte do corpo do seu artigo 882 que a venda podia ser judicial ou extrajudicial. Com a revisão feita em 1961, o mesmo preceito alargou o seu campo de aplicação impondo que o despacho determinativo da venda fosse notificado ao exequente, ao executado e aos credores reclamantes de creditos com garantia sobre os bens a vender. O relator do projecto de revisão sobre acção executiva (Conselheiro Lopes Cardoso) justificou este alargamento com o objectivo de "dar satisfação ao preceituado no paragrafo unico do artigo 4 do Decreto n. 33276, de 24 de Novembro de 1943, que, ampliado, se generaliza (1). Esta mesma justificação e dada no Manual da Acção Executiva do referido Autor (2); De facto, o artigo 4 e seu paragrafo 1 do diploma de 1943 (ainda hoje mantido em vigor pelo artigo 18 do DL n. 693/70, de 31 de Dezembro e pelo artigo 161, n. 1, do Decreto n. 694/70, da mesma data) dispõe expressamente (3): " Nos processos em que a Caixa Geral de Depositos, Credito e Previdencia ou algumas das suas instituições anexas sejam exequentes ou reclamantes, o agente do Ministerio Publico logo que designado o dia para a arrematação ou decidida a venda por meio de propostas em carta fechada ou por via de negociação particular, comunicara o facto a Administração da Caixa, remetendo-lhe uma relação dos bens a pracear ou a vender, donde conste, quanto a cada um dos bens, o encargo que o agrava, o valor por que sera posto em praça ou o preço minimo que houver sido fixado para a negociação particular. Tratando-se de predios, apontar-se-a ainda na relação o numero da descrição na Conservatoria e o artigo da inscrição na matriz, se o processo para tanto fornecer elementos. Paragrafo 1: Serão notificados ao agente do Ministerio Publico, no prazo maximo de vinte e quatro horas, os despachos que, nos processos visados pelo artigo designem dia para a arrematação ou decidam sobre a venda por meio de propostas em carta fechada ou por via de negociação particular. 4. A importação feita do regime das vendas efectuadas em processos executivos em que e interessada a Caixa Geral seguiu na linha da transformação profunda operada em 1961 quanto a acção executiva. Isto e: neste sector, as alterações de 61 visaram tornar menos desigual a posição do credor Estado, ou entidades equiparadas, da do credor comum. Por assim ser, julgou-se não existir motivo relevante para excluir a notificação do exequente, executado e credores reclamantes quando se designa a venda. O douto acordão de 1970, para justificar a omissão de notificar o exequente, o executado e reclamantes das circunstancias de tempo e lugar da venda, invoca uma das modalidades desta, ou seja, a negociação particular em que, segundo diz, se torna materialmente impossivel fixar aquelas indicações no respectivo despacho. Assim e com efeito, mas ja não se julga legitimo extrapolar a partir daqui a tese geral de se cumprir o disposto no artigo 882, n. 2, do CPC, desde que seja notificada a venda dos bens com a indicação da respectiva modalidade, sem qualquer outra indicação. A verdadeira razão para não se utlizar a formula do artigo 4, paragrafo 1 do diploma de 1943, foi precisamente a de generalizar a todas as formas de venda (judicial e extrajudicial) o sistema ali preconizado. Na verdade, o alcance do citado preceito ficava limitado por duas vias: por um lado, não abrangia todas as modalidades de venda e, por outro, apenas exigia a notificação com as indicações das circunstancias de tempo para a venda em hasta publica. O actual artigo 882, n. 2 do CPC ampliou o paragrfo 1 do referido artigo 4 por forma a incluir todas as modalidades e com as indispensaveis indicações temporais quando for caso disso. Note-se que, para a venda por propostas em carta fechada, houve necessidade de alterar o artigo 893 do CPC, possibilitando a todos - exequente, executados e credores - a assistencia a respectiva abertura, o que so se torna exequivel se previamente forem, para tanto, notificados (4). E certo que a notificação com as tais indicações de tempo e lugar se torna materialmente impossivel no caso de venda por negociação particular, mas convem não esquecer que so e legal proceder a este tipo de transacção quando tal for requerido pelo executado e credores que representem a maioria dos creditos com garantia sobre os bens a vender ou quando se trate de bens de reduzido valor ou exista urgencia (artigo 886 do CPC). Por isso, pode dizer-se, com Lopes Cardoso (5), que a venda por negociação particular não pode ser, em regra, ordenada oficiosamente. Assim, a maioria de creditos (na qual se inclui o do exequente pois tem garantia da penhora) confere, atraves dos seus titulares, um mandato livremente e dai a sem razão da exigencia da notificação da data e local da venda (note-se que maioria de creditos e uma maioria de valor e não de numero, como alias e indubitavel e vem referido por Lopes Cardoso). Perante o exposto, não tem salvo o devido respeito, qualquer razoabilidade dizer-se, como o faz o acordão de 1970, que "a inovação do artigo 882, n. 2, relativamente ao Codigo de 1939, não teve por finalidade dar qualquer relevo a dia, hora e local da arrematação, mandando notificar de tais circunstancias as partes na acção executiva e os credores com garantia sobre os bens". De resto, como resulta da lei (artigo 890 do CPC), torna-se impossivel cindir o despacho determinativo da arrematação em hasta publica em dois momentos: primeiro dizer que a forma da venda e a da praça e depois a indicação do dia, hora e local. Da mesma forma raciocinou o ilustre Conselheiro vencido no acordão de 1970: o artigo 882, n. 2, "impõe que os credores com garantia tem de ser notificados dos despachos que fixarem a data das hastas publicas visto que e atraves desses despachos que se ordenam as vendas". 5. Argumenta-se ainda a favor da tese ate agora vencedora com os textos dos artigos 892, n. 1 e 902, n. 3, do CPC: "se a diversa redacção dos artigos 882, n. 2 e 892, n. 1 torna bem claro que num caso se manda e no outro se não manda notificar o dia e hora da arrematação, o disposto no artigo 902, n. 3, evidencia que ate os preferentes, apesar do regime especial de que beneficiam, tem de contar apenas consigo, com a sua atenção e a sua vigilancia, apos a primeira praça". Nem um nem o outro argumentos tem consistencia. As razões que levaram a não incluir as palavras "dia e hora" no artigo 882 são (parecem) obvias, não so pelo que ja se disse, como tambem pelo facto desta disposição estar incluida nos preceitos aplicaveis a todas as modalidades de venda e existir em algumas em que tal não e materialmente possivel (negociação particular e venda directa, por exemplo). Por outro lado, a razão que levou a dispensar a notificação dos titulares de direitos de preferencia quando se trate de segunda praça e outra. Ja Alberto dos Reis (6) dizia que se os preferentes forem notificados pessoalmente e não se apresentarem no acto da praça ou da entrega dos bens os proponentes, fim de exercerem nesse acto o seu direito de preferencia, a consequencia e a de o perderem. E acrescentava ainda que, notificado pessoalmente o titular do direito de preferencia, se ele não comparece no momento proprio para exercer o seu direito, o facto não comporta outra interpretação razoavel que não seja esta: não quer preferir, renuncia a exercer o direito de preferencia. Isto deduz-se claramente do disposto no artigo 892, n. 3 (notificação edital dos preferentes), pois neste caso os preferentes, desde que se verifiquem certos indicios, continuam com o direito a preferir. Consequentemente, aparece como logica a disposição do artigo 902, n. 3, ao não exigir a repetição das notificações em caso de segunda praça (e inadmissivel notificar para o exercicio de um direito ja pedido). 6. O acordão recorrido, por via secundaria, ainda refere que no caso de se entender "dever o recorrente ter sido notificado da segunda praça, tal omissão estaria sujeita ao regime prescrito no artigo 201 do CPC, como, alias, o agravante aponta; e, como assim, so constituiria nulidade conducente a anulação da venda - cfr. artigo 909, n. 1, alinea c), do CPC, sendo susceptivel de influir no resultado da alienação". Ate aqui nada se tem a objectar, pois, apesar de criticavel a indusão desta causa de anulabilidade, ela existe e pressupõe nulidade ocorrida nos actos finais da venda ou mesmo nulidade dos seus actos preparatorios, tempestivamente reclamada, mas cuja procedencia venha a ser declarada, em agravo da decisão, posteriormente a venda (7). Tudo isto se verifica no caso concreto e, alias, ninguem põe em duvida. So que o acordão impugnado acrescenta nada garantir que, anulada a venda" viesse a ser obtido melhor preço". E para justificar esta asserção diz textualmente o seguinte: "nem o recorrente o oferece ou ofereceu (melhor preço)- -e podia te-lo feito (artigo 875 do CPC), nem se ve que exista terceiro disposto a oferece-lo acrescentando que tanto assim e que a primeira praça ficou deserta, dela se desinteressou o recorrente (não esteve presente; se tivesse estado teria logo então tomado conhecimento da segunda praça; nem procurou informar-se do seu resultado, se se tivesse informado saberia que fora marcada a segunda praça a tempo de nela comparecer se era essa a sua intenção) e, perante o inexito da primeira praça, não foi usada a faculdade prevista no n. 2 do artigo 901 do CPC". A tudo isto que se acaba de transcrever, responde-se que não se passou de meras conjecturas sem qualquer apoio legal. Parece-nos claro que a omissão referida pode exercer influencia na decisão. Nada garante que o recorrente (credor por 3220000 escudos e graduado em primeiro lugar) não tivesse coberto o lanço oferecido pelo agravado (1685000 escudos) e ja não estivesse interessado em comparecer a primeira praça em que o predio foi a mesma com base no valor de 3220000 escudos, supostamente exagerado para ele. Todavia, isto mesmo não passa tambem de simples conjectura, importando apenas reter que a notificação de mais um interessado para comparecer em hasta publica e sempre relevante. Por outro lado, o não uso da faculdade prevista no artigo 875 ou a do artigo 907, n. 2, ambos do CPC, não passam disso mesmo consequentemente, tambem não são de considerar para os efeitos do artigo 201, n. 1, do citado Codigo. III - Decisão: Com os fundamentos expostos, concede-se provimento ao agravo, pelo que a venda efectuada fica sem efeito, bem como todos os actos posteriores que dela dependam absolutamente. Custas nas instancias e neste STJ pelo agravado. Notas: (1) -Projectos de Revisão do Codigo de Processo Civil, I, edição da Imprensa Nacional de Lisboa, 1958, pag 72. (2) -Edição de 1987, pag 564. (3) -Os sublinhados são obviamente nossos para tornar mais destacavel o nucleo essencial do preceito. (4) -Sobre esta exigencia de notificação e muito terminante Lopes Cardoso, ob. citada em 2. pag 584. (5) -Obra citada em 2, pag 570. (6) -Processo de Execução, vol. 2, pag 342. (7) -Anselmo de Castro, a Acção Executiva Singular, Comum e Especial 3 edição. pag 247. Meneres Pimentel, Soares Tome. |