Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | PONCE DE LEÃO | ||
| Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO RECONSTITUIÇÃO NATURAL | ||
| Nº do Documento: | SJ200402100044686 | ||
| Data do Acordão: | 02/10/2004 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | T REL PORTO | ||
| Processo no Tribunal Recurso: | 2586/03 | ||
| Data: | 07/03/2003 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA. | ||
| Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA. | ||
| Sumário : | I - A trave mestra da reparação do dano ao nível do direito civil rege- se pelo princípio da reposição ou reconstituição natural (artigo 562° do Código Civil), o qual se traduz na obrigação de reconstituir a situação anterior à lesão, ou seja, o dever de repor as coisas na situação em que estariam caso o evento lesivo se não tivesse produzido. II - Para se apreciar se a reposição natural manifestada na reparação integral da viatura sinistrada é excessivamente onerosa para o devedor (artigo 566° no 1 do Código Civil) não é bastante tomar meramente em consideração o valor comercial do veículo versus sua reparação integral, sendo também absolutamente imprescindível tornar em conta o uso que o seu proprietário lhe dá, assim como a possibilidade de que ele dispõe de adquirir um outro igual pelo mesmo valor. III - A excessiva onerosidade não pode resultar apenas da circunstância de a reparação custar mais que o valor comercial, antes devendo ser também aferida em função da situação económica do devedor, sendo evidente que não há nenhuma Companhia de seguro não possa suportar o custo da reparação integral do veículo, desde que o seu proprietário assim o deseje. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: A "A", Lda veio propor a presente acção de indemnização emergente de acidente de viação contra a Companhia de Seguros B, S.A, com sede em Lisboa e sucursal em Penafiel, alegando que o no dia 22 de Novembro de 1996, ocorreu um acidente de viação, com o veículo QP, pertencente à autora mas conduzido por C, na estrada nacional n° 567, lugar de Manhufe, freguesia de Mancelos e o veículo RP, propriedade de D, Lda, e conduzido por um trabalhador assalariado desta, sendo que este se deu por culpa exclusiva do condutor do veículo de matrícula RP, cuja responsabilidade estava transferida para a Ré. Alega que: • em consequência do embate, o veículo QP sofreu danos patrimoniais, nomeadamente em toda a sua parte da frente e frontal direitas, cuja reparação foi orçada em Esc. 1.931 558$00, com IVA incluído. • à data do acidente o veículo tinha 8 anos e encontrava-se em razoável estado de conservação, sofrendo uma desvalorização no valor de Esc. 100.000$00, sendo que a autora destina o seu veículo ao exercício da sua actividade comercial de compra e venda de veículos automóveis, nomeadamente para a circulação dos seus vendedores e demais trabalhadores assalariados. • para a reparação da viatura foram necessários 30 dias úteis, tendo a autora ficado dela privada nesse período, o que importou um prejuízo diário de Esc. 4.000$00, o que dá um total de Esc. 120.000$00. Conclui pugnando pela condenação da ré a pagar à autora a quantia de Esc. 2 151 558$00, acrescida de juros vencidos até integral pagamento contados desde a data da citação. Devidamente citada, veio a Ré apresentar contestação, onde reconhece a culpa do seu segurado na verificação do acidente, impugnando embora o valor da reparação da viatura da autora, sublinhando ainda que o QP é uma viatura de 1988, com lotação para 5 lugares, de 4 portas, utilizando como combustível gasóleo, com motor de 1952 cm3 de cilindrada, contando, à data do acidente, com 263.272 Km percorridos, cujo valor de mercado, à data do acidente, era de Esc. 800.000$00 e valor do salvado de Esc. 150 000$00, donde a reparação revelar-se excessivamente onerosa. Quanto aos mais danos alegados, impugna-os por excessivos, defendendo a improcedência da acção. Foi apresentada resposta. Os autos prosseguiram a sua normal tramitação processual, tendo vindo a ser proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, foi a Ré condenada a pagar ao A. a quantia de 10.233,12 £. Inconformados, vieram Autor e Ré interpor recursos de apelação para o Tribunal da Relação do Porto. O recurso da autora dizia respeito a uma omissão da sentença, originando uma nulidade da sentença integrável na al. d) do artigo 668° do Código Processo Civil, que viria a ser sanada, pelo que meramente se manteve a apelação da Ré Seguradora. As instâncias deram como provados os factos seguintes: 1. O veículo automóvel de passageiros, matrícula QP, marca Nissan pertence à autora (Alínea A) dos factos assentes); 2. No dia 22 de Novembro de 1996, cerca das 9 horas, na EM. n°567, no lugar de Manhufe, freguesia de Mancelos, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o QP e o veículo automóvel de matrícula RP, marca Mazda (Alínea B) dos factos assentes); 3. O QP era conduzido por C e seguia no sentido de marcha Vila Meã - Amarante (Alínea C) dos factos assentes); 4. O RP era conduzido por um trabalhador da firma D, S.A, sob as ordens, por conta e no interesse da mesma (Alínea E) dos factos assentes). 5. Seguia no mesmo sentido do QP, à sua frente (Alínea F) dos factos assentes); 6. O QP seguia na metade direita da estrada, atento o seu sentido de marcha (Alínea G) dos factos assentes); 7. Circulava a uma velocidade de cerca de 50 Km/h e o seu condutor seguia com atenção e consideração com o restante trânsito (Alínea H) dos factos assentes); 8. Atento o sentido de marcha de ambos os veículos, no lugar de Manhufe existe um entroncamento, tendo que virar à direita para se seguir em direcção a Amarante, e para acesso a algumas habitações, e seguir o antigo traçado da estrada, há que virar à direita (Alínea 1) dos factos assentes); 9. Quando o RP se encontrava bem dentro do entroncamento virou para a direita, encostando-se à berma, e após ter circulado alguns metros nessa direcção, sem que nada o fizesse prever, virou à esquerda, atravessando-se na faixa de rodagem e impedindo a circulação de qualquer veículo (Alínea J) dos factos assentes); 10. O condutor do RP pretendia fazer a inversão de marcha e dirigir se a uma obra de construção civil que se situava do lado esquerdo da estrada, atento o sentido de marcha dos veículos (Alínea 1) dos factos assentes); 11. Em consequência da manobra do RP, o condutor do QP, não conseguiu evitar o embate (Alínea M) dos factos assentes); 12. O embate ocorreu entre a frente e lateral direitas do veículo QP e a lateral esquerda do RP (Alínea N) dos factos assentes); 13. Após o embate, o QP foi projectado contra o muro existente junto à berma direita, atento o sentido de marcha do mesmo (Alínea O) dos factos assentes); 14. O condutor do RP tinha transferido a responsabilidade civil por danos a terceiros decorrentes da circulação do RP, para a ré, por contrato titulado pela apólice n° 430-102519 (Alínea P) dos factos assentes); 15. O QP sofreu os danos referidos no art. 23° da P.I. (Resposta ao ponto 1° da B.I. - Por acordo das partes); 16. Cuja reparação importa em Esc. 1.650.905$00, sem IVA (Resposta ao ponto 2° da B.I. - Por acordo das partes); 17. Ao tempo do acidente, o QP tinha cerca de 8 anos, encontrando- se em razoável estado de conservação (Resposta ao ponto 3° da B.I. - Por acordo das partes); 18. A autora destina o QP ao exercício da sua actividade comercial de compra e venda de veículos automóveis (Resposta ao ponto 5° da B.I. - Por acordo das partes); 19. Nomeadamente para a circulação dos seus vendedores e demais trabalhadores assalariados (Resposta ao ponto 6° da B.I. - Por acordo das partes); 20. A reparação do QP demorou 30 dias úteis (Resposta ao ponto 7° da B.I. - Por acordo das partes); 21. Sofrendo um prejuízo diário de Esc. 4.000$00 (Resposta ao ponto 8° da B.I. - Por acordo das partes); 22. À data do acidente, o QP tinha 263.272 quilómetros (Resposta ao ponto 9° da B.I. — Por acordo das partes); 23. Sendo o ano de fabrico, 1988, utilizando combustível gasóleo, e com motor de 1952 Cm3 de cilindrada (Resposta ao ponto 10° da B.I. - Por acordo das partes); 24. Cujo valor de mercado era de 800.000$00 (Resposta ao ponto 11º da B.I. - Por acordo das partes); 25. O valor do salvado era de Esc. 150.000$00 (Resposta ao ponto 12° da B.I. - Por acordo das partes). O acórdão recorrido julgou parcialmente procedente a apelação e condenou a Ré a satisfazer à Autora apenas o valor de Esc. 800.000$00, por, em suma, considerar que os factos provados são suficientes para se poder concluir pela existência de “onerosidade excessiva” (o custo da reparação da viatura sinistrada, pertença do Autor, ultrapassa o dobro do valor comercial do veículo - 1.931.558$00/800.000$00, tomando desaconselhável a sua reparação, uma vez que incorporando no veículo o valor da reparação, nunca o seu valor comercial seria acrescentado de igual montante) na reparação exigida pelo lesado e atribuída pelo tribunal de 1ª instância e também porque a indemnização em dinheiro, nos termos do ano 566°, n° 1 do C Civil, não pode redundar, em caso algum, em sacrifício ou locupletamento injustificados do lesado, e, reciprocamente, em prejuízo ou empobrecimento injustificados do lesante.
Inconformada, veio a Autora interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, defendendo a revogação do acórdão recorrido e a condenação da. Ré a satisfazer-lhe o valor de 9.634,57 £ (Esc. 1.931.558$00), valor este o correspondente ao quantum dispendido na reparação da viatura sinistrada, tendo, atempadamente, apresentado as respectivas alegações, que foram concluídas pela forma seguinte: lª) O veículo acidentado sofreu danos cuja reparação ascendeu a 1.931.558$00; 2ª) O responsável directo pelo acidente não se opôs à reparação da viatura. 3ª) A reparação foi ordenada pela sua proprietária para obviar à urgência que sentia na disponibilidade da viatura, tendo interposto a acção judicial respectiva para pedir o ressarcimento dos danos ao responsável pelo acidente. 4ª) Na sua contestação, a Ré Seguradora, enquanto responsável subsidiária pelo ressarcimento dos danos causados por força do dito sinistro à Autora, apenas requereu que a sua condenação se limitasse aos danos que efectivamente se provassem. 5ª) Em conformidade, o Tribunal de Primeira Instância condenou a Ré no pagamento dos danos que resultaram provados da discussão da causa, no montante de 1.931.558$00. 6ª) Face à condenação, a Ré, contrariamente ao que afirmou na sua Contestação ao aceitar pagar os danos, recorreu da decisão para o Tribunal da Relação. 7ª) O Recurso de Apelação interposto pela Ré de tal decisão, logrou obter a redução da indemnização, alegando a excessiva onerosidade para o devedor prevista no Artigo 566°, n° 1, uma vez que o montante da reparação dos danos (já efectuada) era superior à diferença entre o valor comercial do veículo à data do acidente e o respectivo salvado, sendo, no entender daquela Seguradora o montante correspondente a tal diferença o valor justo da indemnização, pelo que veio pedir a substituição em sede de recurso. 8ª) Ao dar provimento, embora parcialmente, à pretensão da Ré Companhia de Seguros, o Acórdão recorrido fez uma interpretação deturpada das normas dos Artigos 562° e 5 66°, n° 1 do Código Civil respeitantes à obrigação de indemnização, porquanto: - A reconstituição natural é a trave mestra da reparação do dano ao nível do Direito Civil. - A reconstituição natural só será de afastar verificando-se a sua impossibilidade, ou a sua insuficiência para reparar integralmente os danos, ou a sua excessiva onerosidade para o devedor, nos termos do Artigo 566°, n° 1, do C.C.. - A excessiva onerosidade afere-se por uma comparação de valores, comparação essa por certo ignorada na decisão recorrida. Os termos a comparar são o valor necessário à satisfação dos interesses legítimos do lesado, e o valor do custo da restauração natural, e não como pretendia a Ré, de um lado, o valor comercial do bem sinistrado antes do acidente e, por outro lado, o custo da restituição natural (reparação). - Apurada a desproporção de valores, há que determinar se o encargo que daí advém para o devedor é excessivo. - Ora, não apresenta qualquer desproporção a comparação do interesse do lesado, que importa recompor com urgência, com o custo que a reparação natural envolve para a Seguradora. 9ª) É frequente as Seguradoras pretenderem pagar o valor venal de um veículo usado, em lugar de suportarem as despesas da reparação, porventura considerada muito onerosa. 10ª) Mas a perda sofrida pelo lesado não consiste na destruição do valor do bem, mas na necessidade de adquirir outro para substituir aquele. 11ª) E diversamente do que afirma a Ré Seguradora, é do conhecimento geral que o valor comercial de um veículo nunca é suficiente para a aquisição de um outro no mesmo estado de conservação. l2ª) No caso em análise, a reparação dos danos sofridos pelo veículo preenche os objectivos traçados na lei para a indemnização, sendo que o próprio lesado a quis, tendo mesmo procedido já à reparação, sem qualquer oposição do responsável pelo acidente. 13ª) Acresce que o responsável pelo acidente tinha transferido a responsabilidade civil por danos decorrentes da circulação do RP para a Ré Seguradora e o contrato de seguro tem carácter aleatório, sendo certo que a limitação da obrigação a título de excessiva onerosidade não deve intervir nas obrigações assumidas no âmbito de contratos com aquele carácter, visto que o excesso sempre fica abrangido pelas contingências próprias da obrigação do Segurador, pelo menos em, larga medida. 14ª) O que a Ré Seguradora pretendeu com um Recurso em que defende que a sua responsabilidade se baliza nos 650 contos, mais não é que fugir à sua responsabilidade contratual, que assumiu quando aceitou a transferência da responsabilidade civil por danos a terceiros, decorrente da circulação do veículo RP, por contrato titulado pela apólice respectiva. 15ª) As regras do Artigo 566°, n° 1, não respeitam à limitação da indemnização, como conviria às Seguradoras. Respeitam, isso sim, à determinação dos casos em que e lícito substituir a reconstituição natural por uma indemnização em dinheiro. 16ª) Pelo que resulta evidente que a reconstituição da ora Recorrente na situação que existiria se não fosse a lesão impõe a reparação do seu veículo, aliás já efectivada, e o ressarcimento do valor correspondente a essa reparação pelo responsável. 17ª) O Tribunal da Relação entendeu diferentemente o sentido das normas aplicáveis, mas a fundamentação da decisão tomada não é passível de a justificar. E eis-nos perante uma das nulidades de que padece o Acórdão, também por este motivo recorrido, na medida em que os fundamentos estão em oposição com a decisão (Artigo 668°, n° 1, alínea c), do C.P.C.). 18ª) Mas ao ter tomado conhecimento da matéria objecto do recurso, desde logo o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto padecia de nulidade nos termos do Artigo 668°, n° 1, alínea d) do C.P.C., aplicável por força do Artigo 721°, nº 2, uma vez que era a contestação o local próprio para a Ré requerer a substituição do valor da reparação da viatura por indemnização limitada à diferença entre o valor comercial do veículo à data do acidente e o respectivo salvado em dinheiro, incumbindo-lhe não só alegar os factos que de mostrassem a excessiva onerosidade, como prová-los. 19ª) É que toda a defesa deve ser deduzida na contestação, nos termos do Artigo 489° do C.P.C .É esse o lugar próprio para o Réu deduzir qual quer pretensão relativamente aos factos em discussão, de acordo com o Princípio Dispositivo, consagrado nos Artigos 3º, n° 1 e 264° do C.P.C.. 20ª) É esse também o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça plasmado na jurisprudência citada na alegação 34.. 21ª) Se um automóvel danificado deve ser concertado, nada há a apontar nesse sentido à Recorrente, que tomou a iniciativa da reparação, para obviar à urgência que sentia na disponibilidade da viatura, não tendo tomado conhecimento de qualquer expressão de vontade em sentido divergente do responsável pelo acidente. 22ª) A reparação do veículo era perfeitamente possível e meio bastante para alcançar o fim da reparação dos danos, além de ser meio idóneo para tal, não se revelando excessivamente onerosa para o devedor quando este assume a qualidade de “Companhia de Seguros B, S.A.”, sociedade comercial que dispensa apresentações. 23ª) No caso vertente, o lesado já despendera o valor necessário à reparação da viatura, o que acentua ainda mais a injustiça de uma decisão que restrinja o valor da indemnização a Esc. 800.000$00, quando aquele efectivamente já despendeu Esc. 1.932.558$00 em consequência do acidente de viação em causa, sendo esse facto do conhecimento de todos os intervenientes processuais. Foram apresentadas contra-alegações, onde se defendeu a bondade e manutenção do Julgado. Os autos correram os vistos legais. Cumpre decidir. Decidindo: Como é sabido são as conclusões das alegações do recorrente que delimitam o objecto do recurso, pelo que o Tribunal ad quem, exceptuadas as que lhe cabem ex-officio, só pode conhecer as questões contidas nessas mesmas conclusões - artigos 684° n° 3 e 690° n° 1 do Código de Processo Civil e jurisprudência corrente (por todos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23.1.91, 31.1.91 e 21.10.93 in Boletins do Ministério da Justiça números 403°, páginas 192 e 382 e Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, Ano 1, Tomo III, página 84, respectivamente). Antecipando, embora, a decisão a tomar, diremos, desde já, que a revista apresentada pela Autora merece o nosso acolhimento. Na verdade, é consabido que constitui verdadeiro princípio geral da obrigação de indemnizar, consagrado que é no artigo 562° do Código Civil, o da reposição natural (Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação). Por outro lado, só a título excepcional e justamente quando se verifiquem alguma das situações previstas no n° 1 do artigo 566º do Código Civil, que se passa a transcrever (1. A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou se/a excessivamente onerosa para o devedor.), é que a indemnização deverá ser calculada e fixada em dinheiro, e isto em conformidade com o n° 2 do mesmo preceito, que prescreve: “Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos. “ In casu, o pedido formulado pela Autora, ora recorrente, diz respeito, para além do mais (que ora não releva), aos danos efectivamente sofridos pela viatura de que é proprietária (em cujo valor ambas as partes estão de acordo - cfr. factos 15º e 16°), em conformidade com o mencionado princípio geral da reposição natural. A questão surgiu pelo facto do veículo em causa ter um valor comercial de 800.000$00 e a sua integral reparação orçar em 1.932.558$00 e daí advir a possibilidade de se poder considerar excessivamente onerosa a restauração natural, justamente uma das excepções ao prescrito no n°1 do artigo 566° do Código Civil, a que supra se aludiu. Entendeu-se na 1ª instância, pelas razões que infra se referirão, que não se justificava o desvio à regra geral da restauração natural, é dizer, ao pagamento integral do valor da reparação da viatura, repondo-a, assim, no estado em que antes se encontrava. Pelo contrário, o Tribunal da Relação do Porto teve outro entendimento, e considerando ser excessivamente onerosa para a Ré Seguradora a reposição do veículo no estado em que o mesmo se encontrava antes da ocorrência, limitou-se a condenar a então apelante a pagar à Autora meramente o valor comercial do veículo, à época dos factos, é dizer 800.000$00. De resto, é esta a atitude normal das Seguradoras em casos como o presente, limitando-se a querer pagar unicamente o valor venal do veículo. Mas sem razão, assim o entendemos, na linha, de resto, do que vem sendo defendido pela mais recente Jurisprudência do nosso mais alto tribunal, nomeadamente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.2.2003, publicado na Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, Ano 2003, Tomo I, Pág. 112. Neste bem douto acórdão, refere-se: “Como certeiramente se lê no acórdão do S.T.J., de 7/7/1999, C.J.S.T.J., Ano VII, Tomo III, página 17, um veículo muito usado fica desvalorizado e vale pouco dinheiro, mas, mesmo assim, pode satisfazer as necessidades do dono, enquanto a quantia, muitas vezes irrisória, equivalente ao seu valor comercial pode não conduzir à satisfação dessas mesmas necessidades, o que é o mesmo que dizer que pode não reconstituir a situação que o lesado teria se não fossem os danos. Daí que se venha entendendo que, para efeitos de considerar se a re constituição natural traduzida na reparação do veículo é ou não excessivamente onerosa para o devedor, nos termos da parte final do n°1 do artigo 566° do Código Civil, não basta ter em conta apenas o valor venal do veículo, mas, ainda e cumulativamente, o valor que tem o uso que o seu proprietário extrai dele e que se computa pelo facto de o proprietário ter à sua disposição um automóvel que usa, de que dispõe, de que desfruta e que a mera consideração do valor venal “tout court” sonega, elimina ou omite (Cfr. ac. S.T.J., de 16/11/2000, C.J.S.T.J., ano VIII, Tomo III, página 125).”. E não se diga que esta tese, ora defendida, não deverá colher por a autora se dedicar ao comércio de automóveis e, como tal, lhe poder ser mais fácil e acessível “arranjar” viatura idêntica ou similar, ao mesmo preço da sinistrada. E poderia mesmo? Dos autos nada resulta.. .e nem sequer a questão foi aflorada. Não concordamos com a invocada argumentação. Se é certo que cada caso, é um caso, também é certo que, em concreto a Ré não o demonstrou ou mesmo alegou, o que se mostraria absolutamente fundamental para daí poder “partir” para a tese argumentativa por si propugnada. E a não se entender assim, chegaríamos à injusta situação de a lesada (que em nada contribuiu para o acidente) se ver prejudicada por exercer o comércio de compra e venda de automóveis e com isso vir a beneficiar o devedor (representado pela Seguradora, mercê do contrato de seguro outorgado), totalmente responsável pela verificação do sinistro. E tal como afirmamos a nossa discordância com os princípios defendidos no acórdão recorrido, pelo contrário merece o nosso acolhimento a posição, a este respeito, tomada pela 1ª instância, que se subscreve, nomeadamente quando se defende: “...A questão suscitada nesta acção respeita à medida da indemnização quando o custo da reparação do veículo seja superior ao seu valor comercial. Como se postula no já citado art. 483°, n.° 1 do C.C., uma vez verificada essa hipótese, o lesante é obrigado “a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Por forma a realizar tal indemnização, deverá o responsável “reconstruir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (art.562° do mesmo diploma legal). A trave mestra da reparação do dano ao nível do direito civil é, pois, o princípio da reposição ou reconstituição natural, o qual se traduz na obrigação de reconstituir a situação anterior à lesão, ou seja, o dever de repor as coisas na situação em que estariam caso o evento lesivo se não tivesse produzido. Tal princípio só será de afastar em qualquer das hipóteses previstas no art. 566°, n.° 1 do C.C.: impossibilidade da reconstituição natural; insuficiência da reconstituição natural para reparar integralmente os danos; e excessiva onerosidade da reconstituição natural para o devedor. Ora, o que a lei pretende é simplesmente que o lesado seja restituído à situação que teria se não fosse a lesão. E se a reparação dos danos sofridos por um veículo preencher o objectivo da indemnização, de tal forma que o próprio lesado a queira, como no caso dos autos, é indiferente que o custo seja superior ao valor comercial do veículo. O entendimento no sentido de não ser aconselhável a reparação quando o custo desta é superior ao valor comercial do veículo é válido apenas quando o veículo danificado é novo ou a reparação não garanta a restituição do lesado à situação anterior. Em todo o caso, salvo melhor opinião, esse entendimento não pode servir para, em beneficio do responsável, não restituir o lesado à situação que teria se não fosse a lesão. Um veículo muito usado fica desvalorizado e vale pouco dinheiro, mas, mesmo assim, pode satisfazer as necessidades do dono, enquanto que a quantia, muitas vezes irrisória, equivalente ao seu valor comercial pode não conduzir à satisfação dessas mesmas necessidades, o que é o mesmo que dizer que pode não reconstituir a situação que o lesado teria se não fossem os danos. In casu, é evidente que a reconstituição da autora na situação que teria se não fosse a lesão, impõe a reparação do seu veículo, como a autora pede. Visto que a ré não mandou reparar o veículo, a obrigação de indemnizar, nesta parte, terá de consistir no pagamento da quantia necessária a essa reparação, ou seja, Esc. 1.650.905$00, ao qual acresce o IVA à taxa de 17%, no valor de Esc. 280.653$00, no valor global de Esc. 1.931.558$00. Aqui, a obrigação do pagamento do montante necessário à reparação do veículo decorre ainda do princípio da reconstituição, justificando-se a indemnização em dinheiro apenas porque, em conformidade com o pedido, a reparação será, ou já foi feita por ordem do lesado. De resto, a reparação é possível, repara integralmente os danos causados no veículo e não é excessivamente onerosa para a ré seguradora. Só não seria assim se tivesse sido alegado e provado que a reparação não é possível ou não repara integralmente os danos ou que é excessivamente onerosa. A excessiva onerosidade, diga-se, não pode resultar apenas da circunstância de a reparação custar mais que o valor comercial, antes tem de ser aferida também em função da situação económica do devedor, e é evidente que não há nenhuma Companhia de seguros que não possa suportar o custo da reparação em causa. Desde modo, nada aproveita à ré o facto de ser de Esc. 800.000$00 o valor comercial do veículo à data do acidente. Esse valor só seria relevante para efeitos de indemnização se ficasse demonstrado - e não ficou - que, com esse montante, o autor pudesse adquirir um veículo em tudo idêntico ao sinistrado, ficando assim restituído à situação anterior. Pelo exposto, tem o autor pleno direito à reclamada quantia de Esc. 1.931.558$00, necessária para a reparação do seu veículo.”. Concluímos, pois, pela bondade da sentença da 1ª instância, em prejuízo do defendido em sede de apelação. Finalmente, umas muito sucintas observações relativas às invocadas nulidades do acórdão recorrido. Defende a Recorrente que o referido acórdão está eivado por duas nulidades. Mas sem qualquer razão. Quanto à primeira (cfr. conclusão l7ª), será conveniente acentuar, não só que os comandos legais que ao caso dizem respeito (artigos 562° e 566° n° 1 do Código Civil), têm vindo a ter interpretações não inteiramente coincidentes, quer na doutrina, como na jurisprudência, em especial no que concerne à questão da excessiva onerosidade da restauração natural - questão fulcral, no caso presente -, mas também que da tese argumentativa desenvolvida no acórdão recorrido se não constata que a conclusão retirada seja com a mesma de todo incompatível, pelo que se não poderá dizer que tivesse havido uma clara oposição entre a decisão e os respectivos fundamentos, o que a subsistir determinaria, de facto, a nulidade prevista no artigo 668° n° 1 al. c) do Código Processo Civil. Quanto à segunda (cfr. conclusões 18 e 19 deverá referir-se que, muito embora seja certo que a contestação apresentada conclua que “A Ré deverá ser condenada, somente, com base nos danos que efectivamente se de mostrarem”, também é inquestionável que no desenvolvimento do mesmo articulado a Ré alega igualmente que: • a reparação, a efectuar-se pelos valores indicados na p.i., se revela excessivamente onerosa; • O autor não terá direito a indemnização que exceda a diferença entre o valor da viatura se não sofrera o acidente e o do respectivo salvado - (800.000$00 - 150.000$00), seja 650.000$00; • a proposta de indemnização no valor de 800.000$00 efectivamente feita ao autor, é perfeitamente razoável. Isto é: não é inteiramente correcta a alegação de que a Ré na contestação não defendeu ou requereu a substituição do valor da reparação da viatura por indemnização limitada à diferença entre o valor comercial do veículo à data do acidente e o respectivo salvado em dinheiro, só que não provou quais quer factos demonstrativos da excessiva onerosidade, nem tão pouco os alegou. Em suma: ao contrário do alegado pela Autora, não é correcta a afirmação de que a Ré não deduziu logo a sua defesa em sede de contestação. Termos em que ACORDAM os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em conceder a revista e, em consequência, decidem: a) Revogar o acórdão recorrido; b) Condenar a Ré Companhia de Seguros B a satisfazer à Autora a quantia de 9.634,57 euros (equivalente a Esc. 1.931.558$00), correspondente ao valor da reparação da viatura sinistrada, justamente o quantum que foi, efectivamente, peticionado em sede de revista. Custas pela Recorrida.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 2004 Ponce de Leão Afonso Correia Ribeiro de Almeida |