Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
210/07.0GBNLS.C1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: RECURSO PENAL
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
VÍCIOS DO ARTº 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
CONHECIMENTO OFICIOSO
CÚMULO JURÍDICO
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
CRIME CONTINUADO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ACORDÃO DA RELAÇÃO
DUPLA CONFORME
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
FUNDAMENTAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
PLURIOCASIONALIDADE
CONDIÇÕES PESSOAIS
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
CULPA
TRÁFICO DE PESSOAS
Data do Acordão: 07/01/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES - CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - SENTENÇA ( NULIDADES ) / RECURSOS.
Doutrina:
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, §55 , pp. 290-292, § 422; in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 109 e ss..
- Maia Gonçalves, “Código Penal” Português Anotado e comentado, 18.ª ed, p. 295, nota 5.
- Oliveira Mendes, in “Código de Processo Penal” comentado, 2014, Almedina, p. 1183.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 5.º, N.ºS 1 E 2, 379.º, N.º 1, AL. A), (1.ª PARTE), E N.º2, 400.º, N.º 1, AL. F), 434.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 41.º, N.ºS 1 E 2, 71.º, 77.º, N.ºS1 E 2, 78.º, 160.º, N.º 1, ALS. B) E D).
Referências Internacionais:
CEDH: - ARTIGO 13.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 17.12.69, IN BMJ 192,P. 192, E DE 10.12.1986, IN BMJ 362, P. 474;
-DE 27-03-2003, PROC. N.º 4408/02 – 5.ª SECÇÃO;
-DE 11-10-2006 E DE 15-11-2006 – 3.ª SECÇÃO, PROC. N.º 1795/06 E PROC. N.º 3268/04, RESPECTIVAMENTE;
-DE 22-11-2006, PROC. N.º 3126/96 - 3.ª SECÇÃO;
-DE 09-01-2008, PROC. N.º 3177/07 – 3.ª SECÇÃO;
-DE 06-02-2008, PROC. N.º 4454/07;
-DE 25-05-2008, PROC. N.º 1313 - 5.ª SECÇÃO;
-DE 18-06-2008, PROC. N.º 1624/08 - 3. ª SECÇÃO.
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ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Nº 14/2013, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA Nº 219, SÉRIE I, DE 12 DE NOVEMBRO DE 2013.
Sumário :
I  -   O STJ apenas conhece do vício do erro notório na apreciação da prova, de forma oficiosa e não como fundamento de recurso suscitado pelos sujeitos processuais, conforme art. 434.º, do CPP, sendo que, ainda assim, no caso em concreto, a decisão de facto é bastante para a decisão de direito, sem contradições insanáveis de fundamentação ou entre esta e a decisão, nem ocorrem situações ilógicas ou contrárias às regras de experiência comum, que qualquer cidadão ao ler a decisão, delas imediatamente se aperceba.

II -   As penas parcelares aplicadas foram todas inferiores a 8 anos de prisão, e o acórdão da Relação de que foi interposto o presente recurso, visando as penas parcelares, e a definição ou qualificação de condutas subjacentes à ilicitude (o alegado crime continuado), confirmou a decisão da 1.ª instância, com a consequente manutenção integral da decisão recorrida na parte concernente ao arguido recorrente, pelo que o mesmo é irrecorrível, nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP. O recurso apenas é admissível quanto à pena conjunta porque superior a 8 anos de prisão, uma vez que o recorrente foi condenado em cúmulo, na pena de 16 anos de prisão.

III -  Na fundamentação de facto, o acórdão recorrido descreve os factos integrantes dos crimes, como como os factos sobre a personalidade do arguido, dondo não há omissão factual que constitua a nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, al. a) (1.ª parte), do CPP.

IV -  Por outro lado, o acórdão sub judicio ao considerar também com referência à pena aplicada em cúmulo, “o acórdão recorrido encontra-se devidamente fundamentado, nos critérios aplicados ao caso”, faz uso implícito, da fundamentação havida na 1.ª instância, que assim corrobora.

V -   A natureza dos bens jurídicos violados, a gravidade dos factos e das consequências é bastante elevada, atentos os crimes em causa (crimes de tráfico de pessoas), em que a dignidade da pessoa humana é posta em causa, de forma astuciosa e intencional, através de engano da vítima, e, subjugando a sua liberdade de actuação e opção, reflectindo-se no seu modo de ser e de viver, e com vista à obtenção de lucros pelo traficante. A intensidade do dolo é específica, sendo certo que os factos delituosos têm as mesma natureza e se encontram conexionados, e provêm de tendência criminosa do agente do tráfico, que motivado exclusivamente pelo lucro tendo por objecto o negócio de pessoas, persiste em revelar falta de preparação para manter conduta ilícita, e uma personalidade que despreza o direito, projectada nos factos e por eles revelada.

VI -  As necessidades de prevenção geral são fortes neste tipo de crime, cuja prática demonstra desprezo e controlo da dignidade humana, provindo de tendência criminosa do arguido, como elucida a sua vida pregressa.

VII - As exigências de prevenção especial são também intensas, na medida em que o arguido demonstrou ter uma personalidade que não respeita a dignidade da pessoa, revelando falta de preparação para manter conduta lícita, com tendência para o crime. O limite da culpa é elevado, atenta a intensidade do dolo, o desvalor da acção e o resultado querido e conseguido, pelo que, tudo ponderado, a pena única aplicada não se revela desproporcional, nem desadequada, sendo, por isso, de manter.

Decisão Texto Integral:

       Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


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            Como consta do relatório do acórdão recorrido, proferido no recurso nº 210/07.0GBNLS.C1, provindo da então comarca de Nelas:


            “1. Após audiência de discussão e julgamento, perante o tribunal colectivo, foi proferido acórdão final com o seguinte DISPOSITIVO:

            1- Absolver os arguidos: - AA; - BB; - CC; - DD; - EE; - FF; e - GG, da prática dos crimes de que vinham acusados.

            2- Condenar o arguido HH:

            a) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 1, als. b) e d), do Código Penal (II), na pena de 3 anos e 10 meses de prisão;

            b) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 1, als. b) e d), do Código Penal (JJ - I), na pena de 5 anos de prisão;

            c) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 1, als. b) e d), do Código Penal (JJ - II), na pena de 5 anos e 2 meses de prisão;

            d) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 1, als. b) e d), do Código Penal (JJ - III), na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;

            e) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 1, al. b), do Código Penal (LL), na pena de 4 anos e 6 meses de prisão;

            f) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 6, do Código Penal (LL), na pena de 3 ano de prisão;

            g) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 1, al. b), do Código Penal (MM), na pena de 5 anos de prisão;

            h) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 6, do  Código  Penal  (MM),  na  pena  de  1  ano  e  2  meses  de prisão;

            i) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 1, als. b) e d), do Código Penal (NN), na pena de 5 anos e 6 meses de prisão;

            j) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 6, do Código Penal (NN), na pena de 1 ano e 4 meses de prisão;

            k) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 1, als. b) e d), do Código Penal (OO), na pena de 5 anos e 10 meses de prisão;

            l) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 6, do Código Penal (OO), na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

            3 – Em cúmulo jurídico, condenar o arguido HH na pena única de 16 (dezasseis) anos de prisão.

            4 – Condenar o arguido PP:

            a) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 1, als. b) e d),  do  Código  Penal  (QQ),  na  pena  de  5  anos  de prisão;

            b) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 1, als. b) e d), do Código Penal (RR), na pena de 3 anos e 10 meses de prisão.

            5 - Em cúmulo jurídico, condenar o arguido PP na pena única de 7 (sete) anos de prisão.

            6 – Condenar o arguido SS:

            a) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 1, al.  b),  do  Código  Penal  (TT),  na  pena  de  4  anos  de prisão;

            b) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 6, do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão.

            7- Em cúmulo jurídico, condenar o arguido SS na pena única de quatro (4) anos e seis (6) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período temporal, sujeita a regime de prova,  e  ainda  à  condição  de  pagar,  no prazo  de  1  ano  a  contar  da  data  do  trânsito  em  julgado  da presente  decisão,  a  quantia  de  €  2.500,00  ao  ofendido  TT.

            8 - Condenar o arguido UU:

            a) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 1, al. b), do Código Penal (LL), na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;

            b) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 6, do Código Penal (LL), na pena de 1 ano de prisão.

            c) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 1, al. b), do Código Penal (MM), na pena de 4 anos de prisão;

            d) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 6, do Código Penal (MM), na pena de 1 ano e 2 meses de prisão.

            e) Pela prática de um crime de furto, p. e p. pelo art. 203º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 10.

            9 - Em cúmulo jurídico, condenar o arguido UU na pena única de 6 (seis) anos de prisão, e na multa de 80 (oitenta) dias, à taxa diária de € 10 (dez euros).

            10 – Condenar o arguido VV, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p, pelo art. 86º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 10 (dez euros).

            11 - Absolver estes arguidos dos restantes crimes de que vinham acusados.”

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            Inconformados com a decisão dela recorreram os arguidos: PP; HH e UU, para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, por seu acórdão de 14 de Maio de 2014, decidiu:

            “1 – Julgar o recurso interposto pelo arguido UU parcialmente procedente, absolvendo-o do crime de furto, p. e p. pelo art. 203º, n.º 1 do Código Penal (pelo qual foi condenado em 1ª instância na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 10) e julgar o mesmo recurso improcedente em relação a tudo o mais em que se mantém a decisão recorrida.

            2- Julgar os recursos interpostos por PP e HH totalmente improcedentes, com a consequente manutenção integral da decisão recorrida na parte que lhes concerne.”

            O arguido PP pagará custas do recurso que interpôs, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC

            O arguido HH pagará 5 UC de taxa de justiça e 1/2 das restantes custas do recurso que interpôs.”

            Ainda inconformados, recorrem conjuntamente os arguidos HH e UU, apresentando as seguintes conclusões na motivação do recurso:

a) No que concerne ao recorrente UU, na fixação das penas pelos crimes praticados e do subsequente cúmulo jurídico, a decisão recorrida violou os comandos dos art.ºs 40.°, n.º 1, 71.° e 77.° do C. Penal.

b) Desde logo porque não se valorou o facto de o arguido não ter antecedentes criminais,

c) Ainda porque, e no que respeita à medida da culpa, ilicitude do facto e intensidade do dolo, não se teve em consideração que o arguido agiu em beneficio do co-arguido seu pai, sendo a sua conduta próxima da simples cumplicidade.

d) Por outro lado, na decisão de que se recorre, foram omitidos os fundamentos da medida das penas,

e) Não se justificando, em tais decisões, a divergência de penas fixadas para crimes idênticos (conforme melhor se explana supra em 8. e 9. da motivação, que aqui se dá por reproduzida).

f) Impondo-se igual tratamento às condutas idênticas, deverá ser o recorrente punido por cada uma das condutas violadoras do art.º 160.°, n.º 1, do C. Penal, com a pena de 3 anos e 6 meses de prisão.

g) Também na decisão recorrida se não justifica, quanto aos dois crimes do art.° 160.°, n.º 6 do normativo citado, a aplicação de penas distintas, em clara violação da norma do n.º 3 do art.° 71.° do C. Penal.

h) Atento o grau de culpa do arguido e as demais condicionantes a ter em conta na determinação concreta da pena, devem, por tais crimes, fixar-se penas próximas do limite mínimo legal, em todo o caso não superiores a 7 meses de prisão para cada um.

i) Face às penas propugnadas, e considerando em conjunto os factos, o grau de culpa do arguido e as exigências de prevenção, deverá fixar-se pena única inferior a 5 anos de prisão.

j) Suspensa na respectiva execução atentos os factos de o arguido não ter antecedentes criminais e de se afigurar como suficiente para o afastar do crime a simples ameaça de efectivação da pena, na esteira, de resto, do já proposto pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação.

k) Quanto ao arguido HH, e de acordo com o explanado nos pontos 20. a 27. da motivação (que aqui se não transcrevem integralmente por evidentes motivos de economia processual), verifica-se erro notório na apreciação da prova quando o mesmo é condenado por dois crimes previstos no art.º 160.°, n.º 6, citado.

1) Efectivamente, resulta da prova assente que a retenção dos documentos dos ofendidos LL e MM foi praticada pelo co-arguido Nuno, que por isso foi condenado.

m) Da análise dos factos dados como provados não resulta minimamente que possa também imputar-se essa conduta ao HH.

n) Por isso, e face a tal erro, deve ele ser deles absolvido.

o) Já no que concerne aos outros dois crimes igualmente previstos no art.º 160.°, n.º 6 (relativos aos ofendidos NN e OO), da prova firmada nos autos resulta haverem sido apreendidos, pelas autoridades espanholas, na casa do arguido, em Espanha, diversos documentos relativos a contas bancárias, folhas de pagamento, ao registo de estrangeiros e à Segurança Social.

p) Porém, nenhuma prova existe de que entre tais documentos houvesse documentos de identificação ou de viagem dos referidos ofendidos.

q) Uma vez que os documentos efectivamente apreendidos não se enquadram no tipo legal constante da referida norma, não poderá o recorrente ser punido, como o foi.

r) Ocorre, pois, também aqui, erro na apreciação da prova, devendo, consequentemente, ser o recorrente HH absolvido destes crimes.

s] Quanto aos crimes do art.º 160.º, n.º 1 pelos quais o HH veio a ser condenado, verifica-se que as penas aplicadas variam entre 3 anos e 6 meses e 5 anos e 10 meses de prisão, não constando das decisões recorridas os fundamentos dessas medidas de pena, em clara violação do art.º 71.º, n.º 3, do C. P. Penal.

t) Tratando-se de crimes idênticos, não poderá de aplicar-se a cada um deles idêntica pena, ou seja 3 anos e 6 meses de prisão por cada um.

u) Acresce que relativamente as condutas de que foi vítima JJ, como atrás se explanou, estamos perante um único crime continuado, e não perante três crimes, atentas as regras do art. ° 30 do C. Penal.

v) Cometeu, pois, o arguido HH, seis crimes de tráfico de pessoas, afigurando-se-nos adequada a pena de 3 anos e 6 meses de prisão para cada um deles.

w) Deverá, subsequentemente, efectuar-se o cúmulo jurídico dessas penas.

x) Na determinação da pena única deverá atender-se às regras do art.º 40.º do C. Penal, ou seja, aos fins de prevenção geral e especial e ao objectivo de reintegração do agente na sociedade.

y) Perspectivando o ilícito global perpetrado, a proporcionalidade entre a gravidade do facto e a gravidade da pena por um lado e a satisfação do fim último da pena que é o da reintegração do agente, deverá fixar-se pena única consentânea com tais exigências.

z) Assim, considerando também a idade do agente e a sua saúde, a pena única a fixar deverá, para ser justa, ser significativamente inferior à fixada nas instâncias.

aa) Não sendo estulto esperar-se que ela possa ser fixada em 5 anos de prisão e suspensa na sua execução.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências se espera a procedência do presente recurso, assim se fazendo

JUSTIÇA!


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            Respondeu o Ministério Público à motivação de recurso, apresentando as seguintes conclusões:

            “1) Não existe erro notório na apreciação da prova, na condenação do recorrente pela 1.ª instância, confirmada pela 2.ª instância, quando, relativamente aos ofendidos LL e MM, condenou o recorrente pela prática, de dois crimes de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art.º 160.°, n.º 6, do Código Penal;

2) Pois, foi condenado, por estes dois crimes, em co-autoria material, com o filho UU, dando, para o efeito, a 1.a instância como provado, nos pontos 5, 12, 73, 77, 83 e 88, que o arguido UU, mediante plano anterior delineado pelo pai HH, e de comum acordo, sob o pretexto de regularizar a situação laboral destes ofendidos, pediu-lhe os documentos e ficou-lhe com eles;

3) Tal como também não existe erro notório na apreciação da prova, quando foi condenado pela prática de dois crimes de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art.º 160.º, n.º 6, do Código penal, relativamente aos ofendidos NN e OO, quando o recorrente afirma que os documentos apreendidos pelas autoridades espanholas na casa do arguido, não são documentos de identificação ou de viagem, mas sim documentos referentes a contas bancárias, folhas de pagamento, registo de cidadãos estrangeiros e inscrição na segurança social espanhola destes ofendidos;

4) Na verdade, o douto acórdão proferido na 1.a instância, confirmado pela 2.ª instância, quanto aos ofendidos NN e OO, respectivamente, nos pontos 100 e 107, deu como provado que o arguido HH sob o pretexto de lhes regularizar a situação laboral pediu-lhe os documentos de identificação e ficou-lhe com eles;

5) Portanto, não foi por causa dos documentos que refere, que foi condenado por mais estes dois crimes, mas sim pela retenção dos documentos identificativos destes ofendidos;

6) No que toca à medida concreta das penas parcelares e da pena única aplicada em cúmulo jurídico, o arguido no recurso que interpôs para o Tribunal da Relação de Coimbra não especificou os fundamentos concretos para por em causa a medida das penas aplicadas pelo tribunal recorrido;

7) Mesmo assim, o Tribunal da Relação de Coimbra, considerou que o acórdão da 1.ª instância se encontra devidamente fundamentado, em função do estabelecido nos artigos 71.°, 40.º e 77.º do Código Penal, e que as penas concretas aplicadas a cada um dos crimes, tal como a pena única, se mostram proporcionadas ao grau de ilicitude e de culpa e às finalidades da punição, confirmando a decisão da 1ª instância;

8) Na verdade, o recorrente foi condenado pela prática de 8 crimes pela prática do crime do art.º 160.º, n.º 1, do Código Penal, em que são ofendidos II (pena de 3 anos e 10 meses de prisão), JJ- I (pena de 5 anos de prisão), JJ- II (pena de 5 anos e 2 meses de prisão), JJ-III (3 anos e 6 meses de prisão), LL (pena de 4 anos e 6 meses de prisão), MM (pena de 5 anos de prisão), NN (pena 5 anos e 6 meses de prisão) e OO (5 anos e 10 meses de prisão);

9) E, em relação a cada um destes ofendidos, o acórdão da 1ª instância, a páginas 3600 a 3606, individualizadamente, fez um resumo da factualidade dada por provada em relação a cada um deles, que depois complementou, a fls. 3610, 3611, fazendo um resumo da globalidade dos factos, por forma a fundamentar as penas parcelares aplicadas;

10) E fê-lo, descrevendo as circunstâncias concretas em que cada uma dessa factualidade ocorreu, pelo que sendo diferente o grau de ilicitude, o modo de execução, a gravidade das consequências e a intensidade do dolo, as penas parcelares, necessariamente, teriam de ser diferentes, em obediência ao critério da determinação da medida da pena definido no art.º 71.° do Código Penal;

11) Depois no cúmulo jurídico, como resulta de fls, 3614 e 3615, foi levada em conta a globalidade dos factos dados por provados, as exigências de prevenção geral e especial, a personalidade do arguido e os seus antecedentes criminais;

12) As penas parcelares não podiam todas ser padronizadas em 3 anos e 6 meses de prisão, como pretende o recorrente, as quais estão devidamente fundamentadas, como impõe o art.º 71.°, n.º 3, do Código Penal, pelo que não se verifica a nulidade prevista no art.º 379.°, ex vi art.º 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal;

13) Em relação às condutas de que foi vítima JJ, esquece o recorrente que os factos dados por provados, em relação a este ofendido, a fls. 3544 a 3546 (pontos 52 a 63 da matéria de facto dada por provada), ocorreram, distinta e separadamente, por três vezes, em 2008 (durante 7 meses, de Março a Novembro), em 2009 (durante 7 meses, de Março a Novembro) e em 2011 (durante 8 a 10 dias do mês de Junho);

14) Atendendo, quer ao tempo que decorreu entre cada um dos crimes, com um interregno de regresso a Portugal do ofendido, quer porque não existiu qualquer circunstância exterior que tivesse facilitado as novas resoluções, como considerou o douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, quer o facto de estar em causa a violação de bens jurídicos eminentemente pessoais, nos termos do n.º 3, do art.º 30.º do Código Penal, não estão preenchidos os pressupostos do crime continuado, como pretende o recorrente;

15) É correcta, por isso, a sua condenação, pela prática de três crimes, p. e p, pelo art.º 160.°, n.º 1, alíneas b) e d), do Código Penal, em relação ao ofendido JJ;

16) Por todas estas razões, não assistindo qualquer razão ao recorrente, deverão ser confirmadas as condenações pelos crimes em que foi condenado, bem assim as penas parcelares e a pena única aplicada, não podendo ser suspensa a execução da pena única, por inadmissibilidade legal, por força do n.º 1, do art.º 50.° do Código Penal, negando-se, consequentemente, total provimento ao recurso.

Mas, V.as Ex.as, como sempre, irão fazer,

JUSTIÇA.”


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            Também o lesado OO, id. nos autos, respondeu à motivação dos recursos, alegando::

            I - DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO APRESENTADO PELO ARGUIDO  UU

            O Arguido UU foi condenado em pena de prisão inferior a 8 anos.

             De facto pela prática dos crimes de tráfico de pessoas e retenção de documentos, foi condenando, em cúmulo jurídico na pena única de 6 anos de prisão.

            E só por aqui, estaria impedido de apresentar o presente recurso, por falta de requisitos ou pressupostos legais de admissibilidade.

            Por outro lado estamos a falar de crimes muito graves, como tráfico de pessoas, exploração que revelam um grau de alarme social muito elevado.

            Sem falar da culpa do arguido que revela especial censurabilidade.

            Pelo que, muito bem andou quer o Tribunal de 1 ª Instância quer a Relação de Coimbra na aplicação de pena de prisão efectiva ao arguido UU.

            Devendo pois ser indeferido o recurso apresentado pelo arguido XX por inadmissibilidade legal ou a não ser assim entendido, manter-se a douta decisão proferida nos autos, tendo em conta a gravidade dos crimes cometidos.

            II - DO RECURSO DO ARGUIDO HH:

            Foi o arguido HH condenado pela prática do crime de tráfico de pessoas, na pena única, em cúmulo jurídico, de 16 anos de prisão efectiva.

            E muito bem andou o Tribunal de 1.ª Instância bem como a Relação em manter a decisão proferia, confirmado a condenação do arguido.

            Relembrem-se os factos que aqui estão em causa - tráfico de pessoas.

            Ora, atenta a gravidade dos factos em causa, o relevante alarme social, a prova produzida, nomeadamente o testemunho sincero e emocionado das inúmeras vitimas.

            Deverá manter-se a douta decisão proferida, com a qual se fará de inteira e acostumada JUSTIÇA!”


-:

            Por despacho de 25 de Fevereiro de 2015, foi admitido o recurso interposto pelo arguido HH, mas, não foi admitido o recurso interposto pelo arguido UU.

            Neste Supremo a Dig.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto Parecer onde, além do mais refere:

            “4.2 - O arguido UU não reclamou da decisão de não admissão do recurso por si interposto, pelo que esta se mostra transitada.

            5 - Assim que, ora sub judice, apenas o recurso interposto pelo arguido HH, condenado em cúmulo jurídico, na pena única de 16 anos de prisão.

            5.1 - Questão prévia – Rejeição do recurso

            5.1 - O arguido HH foi condenado, pela prática de 12 crimes de tráfico de pessoas, em penas parcelares que vão de 1 ano e 2 meses de prisão a 5 anos e 10 meses de prisão.

            É jurisprudência pacífica deste Venerando Tribunal que penas de prisão aplicadas são tanto as penas singulares por cada um dos crimes praticados, como a pena única de prisão fixada em resultado do cúmulo jurídico daquelas efectuado.

            O Tribunal da Relação ora recorrido manteve a decisão de 1ª instância, quer no que concerne aquelas penas parcelares de prisão, quer à pena única de prisão de 16 anos fixada.

            5.2 - Quanto às penas parcelares de prisão aplicadas, verifica-se, assim, uma dupla conforme, que torna inadmissível em parte, o recurso do arguido Carlos Pinto, nos termos dos arts. 400.º, n.º 1, al. f) e n.º 1, al. b), do art. 432.º, a contrario sensu, ambos do C.P.P.

            5.3 - Deve rejeitar-se liminarmente o recurso do arguido HH, nos termos e para os efeitos, dos art. 414.º, n.º 2, 417.º, n.º 6, al. b) e 420.º, n.º 1, al. a), todos do CPP, relativamente às questões levadas às conclusões K) a W) da motivação do seu recurso.

            6 – Questão de Fundo:

            Quanto à pena única de 16 anos de prisão, o recorrente não esgrime razões e fundamentos necessários e suficientes ao provimento do seu pedido.

            É certo que, como afirma, a aplicação de uma pena tem uma dupla finalidade, a protecção de bem jurídicos violados e a reintegração do agente na sociedade, como incontestável é que deve ter-se em conta o ilícito global perpetrado e os princípios da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso.

            Não pode, porém, subalternizar-se a intensidade da culpa, a gravidade dos factos cometidos, a necessidade da reafirmação do valor da norma violada e da manutenção da confiança da comunidade na aplicação da justiça e as exigências de prevenção geral e especial.

            A este juízo de adequação e proporcionalidade procedeu o tribunal recorrido que, citando a obra de Figueiredo Dias, recorda: “A justificação da pena arranca da função do direito penal de protecção dos bens jurídicos, mas esta função da exterioridade encontra-se institucionalmente limitada pela exigência de culpa e, assim, por uma função de retribuição como ressarcimento do dano social causado pelo crime e restabelecimento da paz jurídica violada, o que por sua vez implica a execução da pena com sentido ressocializador – só assim podendo esperar-se uma capaz protecção dos bens jurídicos”. E acrescenta, judiciosamente, o Acórdão ora recorrido: 

            A prevenção geral, no Estado de Direito, por se apoiar no consenso dos cidadãos, traduz as convicções jurídicas fundamentais da colectividade, e coloca assim a pena ao serviço desse sentimento jurídico comum. Acima de tudo, deve dar satisfação às exigências da consciência jurídica geral, estabilizando as suas expectativas na validade da norma violada. Subordinada a função intimidatória da pena a esta sua outra função socialmente integradora, a pena preventiva (geral) nunca poderá ser pura intimidação mas, sim, intimidação limitada ao necessário para restabelecer a confiança geral na ordem jurídica ou, por outras palavras, intimidação conforme ao sentimento jurídico comum.

            Ora, no caso, não são rebatidos especificamente, os fundamentos invocados pelo acórdão recorrido.

            Por outro lado, como decidiu o AC.STJ de 04.03.2004, in CJ/STJ, tomo 1/2004, p. 220, observados os critérios legais de dosimetria da pena, nomeadamente o disposto no art 71° do C. Penal, existe uma margem de actuação do juiz dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar (pelo tribunal de recurso).

            Ora, no caso, para além de não serem especificados fundamentos concretos para por em causa a medida das penas aplicadas pelo tribunal recorrido, as penas concretas aplicada a cada crime, sempre abaixo do meio termo da moldura abstracta aplicável, mostram-se proporcionadas ao grau de ilicitude e de culpa e as finalidades da pena, nos termos referidos.

            Esta jurisprudência espelha-se na decisão recorrida, sendo que, por outro lado, como já se afirmou, o recorrente não carreou para a motivação de recurso e respectivas conclusões argumentos, fundamentos e jurisprudência que possam colocar em causa a bondade da decisão recorrida.

            7 - Pelo exposto 

            emite-se Parecer no sentido de:

            - rejeição liminar do recurso relativamente ao quantum das penas parcelares de prisão;

            - não provimento do recurso no que tange à medida única da pena de 16 anos de prisão aplicada;

            - manter-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.”


-

            Cumpriu-se o disposto no artº 417º nº2 do CPP.

-

            Não tendo sido requerida audiência, seguiu o processo para conferência, cumpridos os vistos legais.

-


            Consta do acórdão recorrido

     “A) – MATÉRIA DE FACTO PROVADA

1. Os arguidos, exceto GG, são membros da mesma família, e alguns têm residências em Espanha e Portugal.

2. Pelo menos os arguidos HH e companheira, AA, PP e companheira, BB, SS e UU viviam, à data dos factos em causa nos autos, em Espanha durante pelo menos alguns meses do ano, designadamente nas épocas das podas (primavera) e da vindima.

3. Os arguidos HH e AA não exercem qualquer atividade profissional donde resultem rendimentos lícitos capazes de suprir as suas necessidades mais elementares.

4. Os restantes arguidos referidos em 2., pelo menos a partir do ano de 2007, não exerceram qualquer atividade profissional de forma regular, donde resultem rendimentos capazes de suprir todas as suas necessidades e os seus gastos ao longo destes anos.

5. Pelo menos desde 2007 que o arguido HH decidiu, de comum acordo pelo menos com o seu filho UU, bem como decidiram o arguido PP e o arguido SS, como forma de obter dinheiro de modo fácil e sem trabalhar, angariar trabalhadores de nacionalidade portuguesa para trabalhar na agricultura em Espanha, assumindo-se como intermediários das entidades patronais espanholas, com o único objetivo de se apoderarem das remunerações correspondentes ao trabalho prestado pelos trabalhadores angariados e as gastarem em seu benefício.

6. Para melhor concretizarem os seus propósitos, estes arguidos decidiram contactar homens que, de antemão, conheciam e sabiam viver sozinhos, sem retaguarda familiar ou integrados em famílias com sérias dificuldades económicas, estando desempregados e sofrendo de alguma dependência ou fragilidade que os tornava mais suscetíveis de acreditar na promessa de elevados salários.

7. Então, os arguidos abaixo referidos prometeram-lhes trabalho em Espanha, na agricultura, com o engodo de uma retribuição elevada, em alguns casos um salário acima dos € 500,00 mensais, e garantia de transporte, alojamento e refeições.

8. Os homens, previamente escolhidos segundo o critério acima descrito, após a abordagem e a promessa segura de um emprego bem remunerado, com transporte, alojamento e refeições garantidos, convencidos, acediam ao desafio e acompanhavam os referidos arguidos.

9. Todos e qualquer um destes arguidos, membros da mesma família, contactavam, aliciavam e transportavam os homens recrutados para as suas casas situadas em Espanha, mantinham-nos alojados nas suas residências e forneciam-lhes a alimentação, sob vigilância permanente.

10. Os mencionados arguidos proporcionaram-lhes ainda o transporte, de manhã, de casa para o local de trabalho e no regresso a casa, ao final do dia.

11. A retribuição era paga pela entidade patronal espanhola aos arguidos, que a não entregavam aos trabalhadores, ou entregavam apenas uma pequena parte, antes ficavam com ela e a gastavam em proveito próprio, ou integrando-a no seu património; ou para uma conta bancária do trabalhador, que um dos arguidos abria e movimentava, levantando todas as quantias que aí iam sendo depositadas, e dando-lhes o mesmo destino já referido.

12. Para facilitar a limitação de liberdade das vítimas, em alguns casos os arguidos referidos retiveram aos trabalhadores “angariados” os documentos de identificação, sob o falso pretexto de que visavam a regularização da situação laboral.

Assim,

- II

13. Em data não concretamente apurada, mas seguramente antes de Agosto/Setembro de 2007, o arguido VV conheceu o II, e soube que este vivia sozinho e não tinha emprego certo.

14. O arguido HH propôs a II trabalhar na agricultura em Espanha, proposta que este aceitou, por lhe ser economicamente vantajosa.

15. Pelo menos o arguido HH transportou o II para Espanha, e alojou-o na casa dele e da arguida AA, sita em ..., e logo lhe arranjou trabalho numa “Hacienda.”

16. O II trabalhou numa exploração agrícola, na vindima, até finais de Outubro de 2007, data em que pelo menos o arguido HH o trouxe para Portugal.

17. O II trabalhou nas vindimas uma época, pelo menos no mês de Outubro de 2007, todos os dias, incluindo sábados e domingos, sem qualquer dia de descanso, pelo menos 8 horas por dia, cujo salário era pago a pelo menos € 5,00 por hora.

18. Foi alojado na casa dos 1º e 2º arguidos, onde estavam também alojados pelo menos mais seis homens, todos de nacionalidade portuguesa.

19. Nessa habitação residiam os arguidos HH e AA e pelo menos um seu filho, sendo que nenhum deles trabalhava.

20. O II e os restantes homens eram transportados diariamente pelo arguido HH ou por um seu filho numa carrinha para os locais de trabalho, situados a alguns kms da casa.

21. Pelo trabalho prestado durante o mês de Outubro de 2007, o II auferiu pelo menos de € 1.240,00 (31 dias x 8 horas x € 5), quantia que o arguido HH recebeu e gastou em proveito de todo o agregado familiar, tendo entregue ao II, quando regressaram a Portugal, a quantia de € 100,00.

- YY

22. No mês de Maio de 2007, YY trabalhou em Espanha, na agricultura, cerca de 8 horas por dia.

23. O YY ficou alojado na casa do arguido PP, sita em ..., e ali recebia as refeições, com exceção do almoço, que tomava no local de trabalho.

- ZZ

24. Desde 2005 que ZZ trabalhou alguns períodos em Espanha, ao serviço de vários patrões, nomeadamente na Hacienda Monasterio, tendo ficado alojado na casa do arguido HH pelo menos em Setembro de 2008, altura em que o arguido lhe arranjou um contrato de trabalho.

- AAA

25. Nos primeiros dias do mês de Março de 2007, pelas 20H00, AAA encontrava-se no café da Casa do Povo de Espariz, concelho de Tábua, quando o seu irmão ... lhe disse que fosse falar com umas pessoas que estavam à sua espera do lado de fora do estabelecimento.

26. No exterior encontrava-se o arguido HH e a companheira deste, AA, que estava no interior de uma carrinha, tendo o primeiro dito a AAA que entrasse na carrinha, após o que lhe fechou a porta, e arrancou, parando apenas perto de Seia.

27. Aí, o arguido HH disse ao CC que telefonasse para casa e dissesse que estava bem.

28. O CC tinha em seu poder um papel com números de contactos telefónicos, e fez a ligação do telemóvel do arguido HH para uma vizinha, e pediu-lhe para comunicar à sua família que estava bem.

29. No dia seguinte, em lugar de o arguido HH o levar para trabalhar ali perto, como lhe havia afirmado anteriormente, e levou-o para Espanha.

30. Aí, foi-lhe pedido o bilhete de identidade, que AAA entregou.

31. Após o fim-de-semana, no dia 13.03.2007, o AAA foi trabalhar numa vinha, pertencente a um espanhol, na recolha de vides, mas cerca das 11,30 horas sentiu-se mal e foi conduzido pelo BBB, que também aí se encontrava a trabalhar, ao Hospital Santos Reis, sito em Arandas de Duero, na província de Burgos, onde ficou internado e onde foi submetido a cirurgia, regressando a Portugal no final do mês de Março, transportado num um táxi contratado pela Segurança Social portuguesa.

- CCC

32. Nos primeiros dias de Abril de 2008, o CCC, que vivia sozinho era doente, e não tinha trabalho certo, foi até Vilar Formoso, de forma não apurada, para trabalhar na agricultura em Espanha, conforme proposta que lhe havia sido feita e que este aceitou, por ter sido convencido de que tal proposta era economicamente vantajosa.

33. Em Vilar Formoso encontrava-se o arguido PP, conhecedor do referido em 32., que transportou o QQ até uma aldeia situada perto de Burgos, onde este ficou, na sua casa, cerca de 3 meses.

34. No período em que o QQ esteve em Espanha, entre Abril e meados de Junho de 2008, trabalhou na agricultura e numa obra do arguido PP, pelo menos dois meses e meio, de segunda a sexta-feira, 8 horas por dia, tendo sido entregue ao arguido PP, ou devendo este pagar ao QQ, uma quantia não inferior a € 1.750,00 (sendo que 10 semanas x 5 dias x 8 horas a € 5 por hora ascende a uma quantia superior), não lhe tendo o arguido PP entregue qualquer quantia monetária.

35. O QQ era proprietário do veículo da marca Audi, modelo 80, de cor azul, com a matrícula PH-..., e nessa altura lavrou uma declaração de venda a favor do arguido PP, por razões não apuradas.

- RR

36. Em meados de Abril de 2008, RR, dependente de álcool e desempregado, viajou na mala do carro do arguido PP para Espanha, a solicitação deste, e ficou alojado na sua casa, onde se encontrava pelo menos o CCC e mais catorze homens de nacionalidade portuguesa.

37. Durante cerca de um mês trabalhou pelo menos na construção civil, sendo-lhe assegurada a alimentação pelo arguido, e nenhum dinheiro lhe tendo sido entregue.

38. O trabalho que executou tinha o valor de pelo menos € 800,00 (20 dias x 8 horas x € 5).

39. Em meados de Maio de 2008, resolveu regressar a Portugal, vindo a pé até Celorico da Beira.

- TT

40. Em dia não apurado do mês de Julho de 2007, em execução de um plano previamente delineado, o arguido SS convidou o TT a entrar no seu carro, dizendo-lhe que iam mais à frente dar de comer a umas galinhas.

41. O TT concordou, porque conhecia o arguido SS há cerca de 4 anos, e durante o percurso o arguido SS disse que tinham que ir a Mangualde.

42. Chegados a Mangualde encontraram-se com o arguido VV.

43. Aí, o arguido SS disse que tinham que ir à Guarda, porque tinham lá um carro avariado.

44. Postos a caminho, só vieram a parar perto de uma quinta, situada em Sortillo de La Ribeira del Duero, em Espanha.

45. O arguido SS alojou o TT na casa onde vive pelo menos com a sua mulher e filhos, encontrando-se aí outros homens de nacionalidade portuguesa que também trabalhavam na agricultura, numa quinta vinícola em Sortillo de La Ribeira del Duero.

46. Sob o pretexto de lhe regularizar a situação laboral, o arguido SS pediu ao TT os seus documentos de identificação e ficou com eles.

47. O TT e os outros trabalhadores eram transportados pelo arguido que residia com eles para uma quinta onde trabalhavam na poda em vinhas, todos os dias, incluindo sábados e domingos, quase sempre sem qualquer dia de descanso, das 06H00 às 15H00, cujo salário era pago a pelo menos € 5,00/hora.

48. Durante este período, desapareceram ao TT pelo menos dois telemóveis.

49. O TT trabalhou pelo menos durante 3 meses na agricultura, nunca tendo recebido qualquer quantia do patrão (ou patrões) espanhol, e tendo estes pago ao arguido SS, pelo trabalho do TT, pelo menos a quantia de € 2.880,00 (8 horas x 6 dias x 12 semanas x € 5).

50. O arguido SS não entregou ao TT o seu cartão de contribuinte.

51. O arguido SS transportou o TT até Santa Marinha – Seia, onde chegou no 1 de Novembro de 2007, e entregou-lhe € 150,00 pelo seu trabalho.

– JJ

52. Em Março de 2008, o arguido HH abordou o JJ e propôs-lhe trabalho em Espanha, contra uma retribuição de € 1.500,00 a € 2.000,00 no final da época da vindima, com transporte, alojamento e refeições em sua casa.

53. O DDD aceitou, e o mesmo transportou-o e alojou-o na casa, sita em Olmedillo de Roa, em Espanha, onde vive com outros familiares, e onde já se encontravam outros homens de nacionalidade portuguesa.

54. O arguido HH ou outro membro da família, consigo residente, logo o conduziram com os outros homens para as “Haciendas”para trabalhar nas vinhas, de 2ª a 6ª feira, das 07H00 às 15H00, cujo salário era pago pelos patrões espanhóis a pelo menos € 5,00/hora, excetuando os dias em que chovesse ou nevasse.

55. A retribuição pelo trabalho prestado pelo DDD, no montante total não inferior a € 5.600,00 (20 dias x 7 meses = 140 x 8 horas = 1120 x € 5 = € 5.600,00), foi paga pela entidade patronal ao arguido HH, que reteve o dinheiro na sua posse e o gastou em seu proveito e do seu agregado familiar, exceto a quantia a seguir referida.

56. Finda a época de trabalho nas vinhas, 7 meses após ter chegado a Espanha, o DDD regressou a Portugal, em Novembro de 2008, tendo-lhe o arguido HH entregue a quantia de € 250,00.

57. No ano seguinte, em Março de 2009, o arguido HH contactou de novo o DDD e ofereceu-lhe o mesmo trabalho nas vinhas em Espanha, com a promessa de igual salário, condições de transporte e alojamento, e ainda de receber o que lhe era devido.

58. O DDD aceitou, ficando alojado na mesma casa, nas mesmas condições, e mais uma vez o arguido HH recebeu o dinheiro correspondente ao trabalho prestado pelo DDD, em montante não inferior a € 5.600,00 (20 dias x 7 meses = 140 x 8 horas = 1120 x € 5 = € 5.600,00), não lho entregou e ficou com ele para os seus gastos.

59. Finda a época da cultura agrícola, em Novembro de 2009, o DDD regressou a Portugal sem que lhe fosse entregue o dinheiro que ganhou com o seu trabalho.

60. No dia 5 de Junho de 2011, um dos filhos do arguido HH, sempre com o mesmo propósito e objetivo, contactou o DDD e disse-lhe que o arguido HH queria falar com ele para lhe pagar tudo o que lhe devia.

61. O DDD acreditou na promessa de que iria receber o seu dinheiro, entrou no veículo conduzido por um dos filhos do arguido HH em direção a Espanha.

No percurso, o DDD disse que não queria voltar para Espanha, mas foi conduzido, contra a sua vontade, até Olmedillo de Roa, começando a trabalhar logo no dia seguinte.

62. Cerca de 8/10 dias depois, o arguido HH perguntou ao DDD se queria regressar a Portugal, e como este disse que sim, transportou-o até à estação de comboio, pagando-lhe metade do bilhete de transporte.

63. A retribuição pelo trabalho – pelo menos 8 dias – prestado pelo DDD, no montante total não inferior a € 320,00 (8 dias x 8 horas x € 5), foi paga pela entidade patronal ao arguido HH, que entregou € 100,00 ao DDD, quando este regressou a Portugal, retendo o restante dinheiro na sua posse, e gastando-o em proveito de todo o agregado familiar.

–EEE

- FFF

- GGG

- HHH

64. Em dia e hora não apurados do mês de Abril de 2008, o FF foi a Águeda falar com FFF, que já conhecia há uns anos e sabia estar desempregado.

65. No decurso da conversa, o arguido FF propôs-lhe trabalho em Espanha, na agricultura, em trabalhos a realizar nas vinhas, com a promessa de ganhar € 30,00 por dia, com direito a comida e dormida, pagas pelo patrão.

66. O FFF falou com o seu filho, GGG, e com os vizinhos EEE e HHH, todos residentes em Águeda, e perguntou-lhes se estavam interessados em trabalhar na agricultura, em Espanha, nas mesmas condições de ganhar € 30,00 por dia, e com comida e dormida asseguradas.

67. Perante estas condições e porque estavam desempregados, todos aceitaram a proposta, e alguns dias depois apareceu em Águeda o arguido FF, levou-os numa carrinha até Espanha, e alojou-os nos anexos da casa onde vive com a mulher e outros familiares, situada nos arredores de Logroño, e onde se encontravam outros portugueses.

68. O EEE, o FFF, o GGG e o HHH, bem como os outros homens que residiam em casa do arguido FF trabalhavam de segunda a sexta-feira, pelo menos das 07H00 às 16H00.

69. O salário era pago a pelo menos € 5,00/hora pela entidade dadora de trabalho ao arguido FF para que este entregasse a correspondente retribuição a cada um dos trabalhadores.

70. Decorridas duas semanas, o III e o EEE regressaram a Portugal, tendo-os o arguido FF levado à estação de comboios de Miranda de Ebro.

71. O arguido FF recebeu da entidade dadora de trabalho a retribuição correspondente ao trabalho prestado durante dez dias pelo GGG e pelo EEE, pelo menos o montante de € 900,00 (10 dias x 9 horas x € 5 x 2).

72. Em Agosto de 2008, FFF e o HHH voltaram a Espanha e ficaram alojados na mesma casa, situada nos arredores de Logroño, tendo aí ficado cerca de duas semanas.

– LL

73. Nos primeiros dias do mês de Fevereiro de 2008, o Ricardo Filipe Henriques Marques, conhecido por Pito, com o conhecimento do arguido Nuno, que atuava mediante acordo prévio e em conjugação de esforços com o seu pai, HH (conforme referido em 5, acima), contactou o LL Rodrigues Santos, propondo-lhe trabalho em Espanha, na manutenção e preparação de vinhas e vindimas, onde começaria a trabalhar logo que pretendesse, com uma retribuição mensal de € 1 000,00 com alojamento e refeições gratuitos, proposta que o LL aceitou.

74. No dia 12 de Fevereiro, o arguido Nuno e o Ricardo Filipe compareceram em Arganil, onde recolheram o Marco e o transportaram até Mangualde; daí, o arguido Nuno levou o LL para Espanha numa viatura da marca Opel, modelo Astra, de cor azul, até Olmedillo de Roa, perto de Aranda del Duero.

75. O LL foi alojado em casa do arguido Carlos e da AA, pais do arguido Nuno, situada em Olmedillo de Roa, onde se encontrava o restante agregado familiar do arguido Nuno, bem como pelo menos mais sete homens de nacionalidade portuguesa que trabalhavam nas vinhas com o Marco.

76. Três ou quatro dias depois, o LL foi transportado com os outros homens para uma vinha, onde começou a trabalhar 8 horas por dia e cujo salário era pago a pelo menos € 5,00/hora pela entidade espanhola.

77. Sob o pretexto de lhe regularizar a situação laboral, o arguido Nuno pediu ao LL os seus documentos de identificação e ficou com eles.

78. O arguido Nuno acedeu ao telemóvel pessoal do Marco, no valor não inferior a € 25,00, e não lho devolveu, apoderando-se dele, bem sabendo que o mesmo lhe não pertencia e que agia contra a vontade do seu dono.

79. O Marco e outro jovem português de nome LL decidiram regressar a Portugal, e abandonaram a casa onde estavam alojados.

80. Logo o arguido Nuno os procurou de carro, intercetou-os e mandou-os entrar no carro para regresso ao mesmo local, não tendo aqueles tentado fugir de novo por receio.

81. Em meados de Julho de 2008, o LL conseguiu fugir, com a ajuda de dois homens de nacionalidade espanhola e ucraniana (tendo-o este último transportado para a localidade de Aranda del Duero), e abandonou o trabalho, regressando a Portugal.

82. Nunca o LL recebeu qualquer quantia pelo trabalho prestado na quinta, durante cinco meses, trabalho esse que foi sendo pago a pelo menos € 5,00/hora, no montante global de € 4.200,00 (21 semanas x 5 dias= 105 x 8 horas= 840 x € 5= € 4.200,00), pelo patrão espanhol ao arguido Nuno ou ao arguido HH, que dela se apropriaram, em prejuízo do LL.

- LL

83. No dia 4 de Janeiro de 2008, pelas 21H00, o LL foi abordado por Ricardo Filipe Henriques Marques, conhecido pela alcunha de Pito, que lhe apresentou o arguido Nuno - que atuava mediante acordo prévio e em conjugação de esforços com o seu pai, HH (conforme referido em 5, acima).

84. Nessa altura, na presença de ambos, foi proposto ao Rogério trabalhar em Espanha, informando-o que o salário seria de € 500,00 mensais, com alojamento e alimentação gratuitos, e que o próprio Ricardo iria para lá trabalhar em iguais condições.

85. O Rogério, que se encontrava desempregado, aceitou a proposta e logo os acompanhou, indo a sua casa recolher alguma roupa e informar a sua mãe, tendo sido transportado pelo arguido Nuno, acompanhado de familiares, para Espanha.

86. O Rogério ficou alojado em casa dos arguidos Carlos e AA, pais do arguido Nuno, situada em Olmedillo de Roa, onde se encontrava cerca de uma dezena de homens de nacionalidade portuguesa, angariados pelos arguidos para trabalhos agrícolas.

87. No dia seguinte, o Rogério foi transportado com os outros homens para uma vinha onde começou a trabalhar, 8 horas por dia.

88. Sob o pretexto de lhe regularizar a situação laboral, o arguido Nuno pediu ao Rogério os seus documentos de identificação e ficou com eles.

89. O Rogério e outro jovem português, de nome LL Rodrigues Santos, decidiram regressar a Portugal e abandonaram a casa, onde estavam alojados.

90. Logo o arguido Nuno os procurou de carro, intercetou-os e mandou-os entrar no carro para regressar com eles à mesma casa.

91. O Rogério só regressou a Portugal em meados de Novembro seguinte, com os arguidos Carlos e Nuno, que lhe entregaram € 150,00 pelo trabalho prestado.

92. Não recebeu o Rogério qualquer outra quantia do montante global de pelo menos € 6.000,00 correspondente ao seu trabalho prestado durante pelo menos 10 meses (25 semanas x 6 dias= 150 dias x 8 horas = 1200 x € 5 = € 6.000,00), sendo certo que o trabalho era pago a pelo menos € 5,00/hora pelo patrão espanhol a um dos membros da família acima referidos, com conhecimento do outro, que dela se apropriou e reverteu a favor da família, em prejuízo do Rogério.

93. Já em Portugal, poucos dias depois, o arguido Nuno fez chamadas para o telemóvel do Rogério, dizendo-lhe que pretendia encontrar-se com ele em Espanha no dia 28 de Dezembro para lhe pagar todo o dinheiro que lhe devia e que pretendia que continuasse a trabalhar.

94. O Rogério rejeitou todo o contacto com o arguido Nuno e a partir daí o arguido Nuno ainda foi a sua casa mais de uma vez à sua procura.

95. António Almeida Rodrigues foi levado para Espanha em 2010 por pessoas de identidade desconhecida, e regressou a Portugal em finais de Outubro de 2010, sem que lhe fosse entregue qualquer dinheiro auferido pelo seu trabalho.

- NN:

96. Em data não concretamente apurada, mas seguramente nos primeiros dias do mês de Julho de 2009, o Mário Rui de Oliveira foi contactado por um filho não apurado do arguido HH, que o contratou para descarregar sucata para o seu pai.

97. O Mário Rui, beneficiário do rendimento social de inserção e desempregado, aceitou.

98. O arguido Carlos transportou-o então para Espanha, alojando-o em sua casa em Olmedillo de Roa, onde se encontravam pelo menos seis homens de nacionalidade portuguesa angariados pelos arguidos para trabalhos na agricultura.

99. Logo, o arguido Carlos lhe arranjou trabalho pelo menos nas vinhas na Hacienda Monasterio, onde começou a trabalhar, pelo menos 8 horas por dia.

100. Sob o pretexto de lhe regularizar a situação laboral, o arguido Carlos pediu ao Mário Rui os seus documentos de identificação e ficou com eles.

101. O Mário Rui trabalhou na Hacienda Monasterio e noutros locais para onde o arguido HH o levava pelo menos até início de Março de 2011, de cujo salário pelo trabalho pelo menos o arguido HH se apropriou e gastou em proveito próprio e do seu agregado familiar, como era seu propósito, em prejuízo do NN.

102. A determinada altura, o Mário Rui tentou fugir para regressar a Portugal, mas foi obrigado a regressar ao mesmo sítio, onde se manteve a trabalhar até Março de 2011, data em que conseguiu fugir, caminhando até Salamanca, onde apanhou boleia num camião da empresa de Transports Demenagements Gonçalves até Macedo de Cavaleiros.

103. O salário, no montante global de pelo menos € 16.800,00 (21 meses x 20 dias= 420 dias x 8 horas= 3360 horas x € 5= € 16.800,00), pelo trabalho prestado durante 21 meses, foi sendo entregue pelos patrões espanhóis, e sendo apropriado pelo menos pelo arguido HH, que ficou com ele e gastou em proveito próprio de todo o agregado familiar, em prejuízo do NN.

104. Alfredo Barbosa da Silva, no final do ano de 2009, foi com o arguido Carlos para casa deste, em Olmedillo de Roa, tendo trabalhado na agricultura após 7.1.2010, tendo sido pago pelo seu trabalho prestado em Janeiro e Fevereiro de 2010 pelo menos € 616,08.

– Carlos Augusto Abrantes Abreu

105. Em data anterior a 27.4.2009, Carlos Augusto Abrantes Abreu foi abordado pelo arguido Carlos Pinto, que lhe pediu ajuda para carregar uns móveis em Mangualde.

106. O Carlos Augusto acedeu, e foi com ele de carro com ele. No entanto, o destino foi Olmedillo de Roa, em Espanha, onde ficou alojado na casa dos arguidos Carlos e AA, local onde tinha cama, refeições e roupa.

107. Sob o pretexto de lhe regularizar a situação laboral, o arguido Carlos Pinto pediu ao Carlos Augusto os seus documentos de identificação e ficou com eles.

108. Logo o arguido Carlos Pinto lhe arranjou trabalho na agricultura, primeiro na Hacienda Monasterio, onde auferia € 7,00/hora, e depois noutros locais, por um valor não inferior a € 5,00/hora, cujo pagamento foi sendo efetuado pela entidade patronal, e que o arguido Carlos Pinto se apropriou em benefício da família, como sempre foi o seu propósito, e em prejuízo do Carlos Augusto Abrantes Abreu.

109. O Carlos Augusto trabalhou sempre na agricultura, todos os dias, pelo menos entre segunda e sexta-feira, exceto quando estava a chover, 8 horas por dia, das 06H00 às 15H00, mantendo-se alojado em casa dos arguidos Carlos e AA até 9 de Agosto de 2011, data em que veio a Portugal para renovar o bilhete de identidade.

110. O salário, no montante global e não inferior a € 21 600,00 (20 dias por mês x 27 meses= 540 dias x 8 horas= 4.320 horas x € 5= € 21.600), pelo trabalho prestado pelo Carlos Augusto, durante pelo menos 27 meses, foi sendo entregue pelos patrões espanhóis, tendo o arguido HH ficado com ele e gasto em proveito próprio e de todo o agregado familiar, em prejuízo daquele, exceto a quantia de € 50, que lhe entregou quanto o Carlos Augusto chegou a Portugal.

– Carlos Alberto Fernandes de Matos

111. Em dia não apurado, mas seguramente na última semana do mês de Maio de 2011, Carlos Alberto foi trabalhar para as vinhas em Espanha.

112. No dia 4 de Julho, como manifestou vontade de regressar a Portugal, foi transportado até umas bombas de abastecimento de combustíveis, e foi-lhe pedido que fosse comprar um maço de tabaco, tendo-lhe sido dada uma nota de € 20,00.

113. Enquanto o Carlos Alberto se deslocou para comprar o tabaco, a pessoa que o levou ausentou-se, abandonando-o, e o Carlos Alberto teve que regressar a Portugal à boleia.

- Joaquim José dos Santos Carvalhas

114. Em data não concretamente apurada, mas seguramente no mês de Dezembro de 2009, o Joaquim José dos Santos Carvalhas foi contactado pelos arguidos PP e Noémia para trabalhar na agricultura em Espanha.

115. O Joaquim José, desempregado, concordou e logo os arguidos PP e Noémia o transportaram para Espanha, dando-lhe alojamento e refeições na sua casa, sita em Torressandino – Burgos.

116. O Joaquim José ainda se encontra a trabalhar na agricultura em Espanha, residindo com os referidos arguidos.

– Carlos Manuel Ferreira Loureiro

117. Em meados de Junho de 2011, o Carlos Manuel Ferreira Loureiro trabalhou em Espanha para o arguido FF.

- José de Figueiredo Henriques

118. Em dia indeterminado do ano de 2007, José de Figueiredo Henriques, viúvo, acompanhou o arguido EE a Espanha, onde trabalhou em vinhas.

119. O José Henriques regressou a Portugal com o arguido EE e ficou alojado em casa deste, trabalhando desde 2007 até à presente data, ininterruptamente, para o arguido EE.

120. LL Sousa Figueiredo Costa trabalha para o arguido André há cerca de 6 anos, ora em Seia, na apanha de sucata, ora em Espanha, na época da vindima, e reside em casa do referido arguido.

121. Em 2009, concretamente a partir de 26.2 e de 3.9, esteve em Espanha a trabalhar, ficando alojado em casa do arguido HH.


*

122. Os arguidos HH, UU, SS, e PP receberam diretamente das mãos dos patrões espanhóis, ou através de transferência bancária para contas bancárias às quais acediam, o dinheiro correspondentes aos salários dos trabalhadores acima referidos, com a responsabilidade de lhes fazerem a sua entrega, mas antes ficaram com todo o dinheiro ou, por vezes, fizeram entregas de pequenos montantes, locupletando-se com todo o resto.

123. Para melhor assegurarem os rendimentos à custa do trabalho e prejuízo dos trabalhadores por eles angariados, retiraram a alguns todos os documentos de identificação, os cartões bancários e os telemóveis pessoais, de forma a dificultar quer os movimentos, quer os contactos com familiares, ou mesmo dissuadi-los de denunciarem a situação em que se encontravam junto das autoridades.

124. As vítimas, apesar de muitas terem possibilidades de fugir, mantinham-se na companhia dos arguidos porque desconheciam o local onde se encontravam, não possuíam dinheiro, não tinham os seus documentos de identificação nem contactos telefónicos e tão pouco conheciam o meio de transporte que os poderia conduzir de regresso às suas casas.

125. Fizeram-no com o propósito de obterem para eles e para a família que integram proveitos económicos à custa do correspondente prejuízo patrimonial dos trabalhadores.

126. Os arguidos HH, Nuno dos Santos Pinto e André dos Santos Pinto, não exercem qualquer atividade profissional com caráter regular, e o arguido PP dos Santos Pinto aufere uma pensão insuficiente para fazer face às suas despesas e do seu agregado familiar, nem detêm rendimentos para fazer face à totalidade das suas despesas mais elementares, vivendo com o dinheiro dessas retribuições de trabalho, disso fazendo modo de vida.

127. Com a descrita atividade criminosa, concretamente com as vítimas acima identificadas, os arguidos apoderaram-se pelo menos das seguintes quantias:

a) O arguido HH, € 44.360 (retribuições menos quantias entregues, menos € 100 por mês, pela “estadia”);

b) Os arguidos HH e UU, € 8.700,00;

c) O arguido SS, € 2.430;

d) O arguido PP, € 2.200,00.

128. Os referidos arguidos fizeram suas as mencionadas quantias, que gastaram em proveito de todo o seu agregado familiar, à custa do trabalho alheio de pessoas especialmente frágeis e carenciadas economicamente.

129. Os referidos arguidos agiram deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.


*

130. No dia 12 de Dezembro de 2011, pelas 12H35, na residência sita no Largo do Eiró – Contenças de Baixo – Santiago de Cassurrães, Mangualde, o arguido VV Monteiro Almeida detinha no interior de uma arca frigorífica, no meio de diversa roupa, uma bolsa de cor preta, com alça a tiracolo, a qual continha no seu interior uma pistola de cor preta, calibre 7,65 mm da marca “MAB BREVETE”, modelo C, com a referência numérica “AF240” que se encontrava municiada com carregador, este contendo seis munições do mesmo calibre e uma caixa de munições da marca “LELLIER & BELLOT”, com dois “pentes” de munições num total de quarenta e seis munições de calibre 7,65 mm.

131. No arrumo/cozinha, detinha ainda o arguido VV dois revólveres, de calibre 32, enferrujados, em mau estado de conservação, apenas com a parte metálica e sem algumas peças.

132. O arguido VV não deu qualquer explicação plausível para a detenção das referidas armas.

133. Não era possuidor de licença de uso e porte de arma e não detinha qualquer autorização que o legitimasse a possuir as armas e munições.

134. O arguido VV conhecia as características de tais instrumentos que eram idóneos a causar ferimentos profundos, irreversíveis e até mortais.

135. Estava ainda consciente de que a aquisição, detenção e posse das armas com aquelas características era proibida e criminalmente punida.

136. Atuou de forma livre, voluntária e consciente.

137. O arguido VV colaborou ativamente na busca referida, tendo entregue espontaneamente às autoridades as armas acima referidas.

138. No dia 12 de Dezembro de 2011, pelas 7H00, na residência sita na Quinta do Prado, Arrifana, Seia, encontrava-se no interior de um baú, duas munições de 9 mm da marca FNM e numa prateleira, sob um pano e um prato, num interior de uma meia, uma pistola da marca ASTRA UNCETA CIA-GUERNICA (SPAIN), modelo CUB, de calibre 6,35, com o n.º de série 1316888, em posição de fogo com o carregador inserido, contendo seis munições.


*

- Mais se provou:

139. Não consta que os arguidos BB, DD, AA, SS, UU, VV e CC tenham antecedentes criminais.

140. O arguido HH foi julgado e condenado:

a) No processo comum coletivo n.º 162/90, da 3ª seção do Tribunal Judicial da Guarda, por acórdão de 18.10.90, pela prática de um crime de homicídio qualificado, um crime de extorsão, e um crime de detenção de arma proibida, foi condenado na pena única de 15 anos de prisão, parcialmente perdoada por amnistia, tendo sido concedida liberdade definitiva a 14.10.2000.

b) No processo comum singular n.º 41/91, da comarca de Oliveira do Hospital, por sentença de 17.4.1991, pela prática de um crime de homicídio negligente, foi condenado na pena de 9 meses de prisão, e 110 dias de multa, pena posteriormente amnistiada.

c) No processo comum singular n.º 177/92, da comarca de Arganil, por sentença de 2.2.93, pela prática de um crime de falsas declarações, foi condenado na pena de 8 meses de prisão, declarada perdoada por amnistia.

d) No processo comum singular n.º 101/98, do 1º Juízo da comarca de Seia, por sentença de 29.4.99, pela prática de um crime de descaminho de objeto colocado sob o poder público, foi condenado na pena de 3 meses de prisão, substituída por igual número de dias de multa, que pagou.

e) No processo comum singular n.º 46/2001, do 1º Juízo da comarca de Seia, por sentença de 29.10.2001, pela prática de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, foi condenado na pena de 180 dias de multa, que pagou.

f) No processo comum coletivo n.º 9/02.0TBFUN, do 2º Juízo da comarca do Fundão, por acórdão de 14.10.2002, pela prática de um crime de aquisição de moeda falsa, foi condenado na pena de 150 dias de multa, que pagou.

g) No processo comum coletivo n.º 111/01.5GASEI, do 2º Juízo da comarca de Seia, por acórdão de 19.12.2006, pela prática de um crime de roubo, foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 4 anos, já declarada extinta.

141. O arguido PP foi julgado e condenado:

a) No processo comum n.º 220/91, do 1º Juízo de Coimbra, por sentença de 17.2.1991, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 120 dias de multa.

b) No processo sumário n.º 81/94, do Tribunal de Seia, por sentença de 9.5.94, pela prática de um crime de condução ilegal, foi condenado na pena de 120 dias de multa.

c) No processo comum singular n.º 73/97, do 3º Juízo de Aveiro, por sentença de 9.2.1998, pela prática de um crime de recetação, numa multa de 70.000$00.

d) No processo comum singular n.º 45/99, da comarca de Gouveia, por sentença de 15.11.99, pela prática de um crime de furto, foi condenado na pena de 7 meses de prisão, suspensa por 2 anos.

e) No processo comum coletivo n.º 4/00 (a que ficou a corresponder o n.º 32/99.0GBGVA), do 2º Juízo de Seia, por acórdão de 17.5.2000, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e de um crime de detenção de arma proibida, foi condenado na pena única de 11 anos e 2 meses de prisão.

f) No processo comum coletivo n.º 254/98.0TASEI, do 1º Juízo de Seia, por acórdão de 4.6.2004, pela prática de um crime de recetação, foi condenado na pena de 10 meses de prisão – e, em cúmulo jurídico com o processo referido em e), na pena única de 11 anos e 6 meses de prisão, tendo sido declarado perdoados por amnistia 18 meses de prisão.

142. Foi concedida liberdade condicional ao arguido PP em 6.3.2007, data em que foi libertado, até 24.4.2009, data a partir da qual ficou em liberdade definitiva.

143. O arguido EE foi julgado e condenado pela prática de crimes de desobediência qualificada, detenção de arma proibida, em penas de multa.

144. O arguido EE foi julgado e condenado pela prática de crimes de desobediência, recetação, contrafação de marca, roubo e furto, em penas de multa e de prisão suspensa na sua execução.

145. O arguido GG foi julgado e condenado pela prática de crimes de condução ilegal, ameaça, posse ilegal de arma, roubo, furto qualificado, falsificação de documento, desobediência qualificada, e burla, encontrando-se atualmente preso.


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B) MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA:

I. Todos os arguidos são membros da mesma família, e todos têm residências em Portugal e Espanha;

II. Todos os arguidos vivem em Espanha durante os meses de Fevereiro a Outubro, por razões que se prendem com os trabalhos sazonais na agricultura, e em Portugal nos meses de Novembro, Dezembro e Janeiro.

III. Nenhum dos arguidos, para além dos que são referidos nos factos provados, exerce qualquer atividade profissional donde resultem rendimentos lícitos capazes de suprir as suas necessidades mais elementares;

IV. Desde 2007 que todos os arguidos, para além dos referidos nos factos provados, decidiram, de comum acordo, como forma de obter dinheiro de modo fácil e sem trabalhar, angariar trabalhadores de nacionalidade portuguesa para trabalhar na agricultura em Espanha, assumindo-se como intermediários das entidades patronais espanholas, com o único objetivo de se apoderarem das remunerações correspondentes ao trabalho prestado pelos trabalhadores angariados e as gastarem em seu benefício.

V. Para melhor concretizarem os seus propósitos, os arguidos não referidos nos factos provados decidiram contactar homens que, de antemão, conheciam e sabiam viver sozinhos, sem retaguarda familiar ou integrados em famílias com sérias dificuldades económicas, estando desempregados e sofrendo de alguma dependência ou fragilidade que os tornava mais suscetíveis de acreditar na promessa de elevados salários.

VI. Então, todos os arguidos lhes prometeram trabalho em Espanha, na agricultura, com o engodo de um salário acima dos € 500,00 mensais, e garantia de transporte, alojamento e refeições.

VII. Os homens, previamente escolhidos segundo o critério acima descrito, após a abordagem e a promessa segura de um emprego bem remunerado, com transporte, alojamento e refeições garantidos, convencidos, acediam ao desafio e acompanhavam os arguidos não referidos nos factos provados.

VIII. Todos e qualquer um dos arguidos, membros da mesma família, não referidos nos factos provados, contactavam, aliciavam e transportavam os homens recrutados para as suas casas situadas em Espanha, mantinham-nos alojados nas suas residências e forneciam-lhes a alimentação, sob vigilância permanente.

IX. Os arguidos não referidos nos factos provados lhes proporcionaram ainda o transporte, de manhã, de casa para o local de trabalho e no regresso a casa, ao final do dia.

X. Para além do referido nos factos provados, a retribuição era paga pela entidade patronal espanhola a todos os arguidos, que a não entregavam aos trabalhadores, antes ficavam com ela e a gastavam em proveito próprio, ou integrando-a no seu património.

XI. Para facilitar a limitação de liberdade das vítimas, e para além do que consta dos factos provados, todos os arguidos lhes retinham os documentos de identificação, sob o falso pretexto de que visavam a regularização da situação laboral.

XII. Em execução do plano acordado, em comunhão de ideias e esforços, sempre com o propósito de se locupletarem com a retribuição auferida pelos trabalhadores por eles angariados e de viverem sem trabalhar, mediante a promessa de emprego bem pago, bem como transporte, alojamento e refeições, visando convencê-los a irem para

Espanha trabalhar, foram todos os arguidos, para além do que consta dos factos provados, que concretizaram as situações referidas.

XIII. Em execução do plano concebido, o arguido VV procurou encontrar-se com II em Nelas, e, nesse contacto, logo tratou de lhe propor um trabalho na agricultura, em Espanha, garantindo-lhe que, ali, aquele trabalho era bem remunerado, com uma retribuição superior a € 500,00 mensais, acrescido de transporte, alojamento e alimentação, prometendo-lhe todo o apoio quer na deslocação para aquele país quer também na hospedagem em casa de familiares.

XIV. Em dia não apurado do mês de Agosto de 2007, o arguido PP, também em execução do plano acordado e em comunhão de ideias e esforços abordou o II, dizendo-lhe que vinha da parte do VV e renovou-lhe a proposta de emprego em Espanha, garantindo-lhe uma retribuição superior a € 500,00 mensais, incluindo transporte, alojamento e alimentação.

XV. Foi o arguido PP Pinto que o conduziu até uma residência sita no Bairro das Colónias em Mangualde, e na mesma encontravam-se os pais deste, os aqui arguidos Carlos Santos Pinto e AA.

XVI. A arguida AA transportou o II para Espanha.

XVII. Sob o pretexto de lhe regularizar a situação laboral, o arguido Carlos pediu ao II os seus documentos de identificação e ficou com eles.

XVIII. Em Outubro de 2007, os arguidos Carlos e AA regressaram a Portugal, razão porque trouxeram com eles II.

XIX. O II trabalhou nas vindimas no mês de Agosto de 2007.

XX. II trabalhava das 06H00 às 15H00, a um salário de € 7,00/hora.

XXI. Este foi alojado no sótão da casa dos arguidos, onde se encontravam mais 12 portugueses.

XXII. O II e os restantes homens eram transportados numa carrinha da marca Mercedes, modelo Vito, de cor branca, com a matrícula 73-72-XD, e os locais de trabalho situavam-se a cerca de 40 km da casa.

XXIII. Pelo trabalho prestado durante o período de Agosto a finais de Outubro de 2007, o II auferiu cerca de € 3 780,00, quantia que o arguido Carlos recebeu e gastou em proveito de todo o agregado familiar.

XXIV. No final do mês de Maio/princípio de Junho de 2007, o YY foi abordado pelo arguido PP, que já conhecia por intermédio do II.

XXV. O arguido PP sabia que o YY vivia sozinho e não tinha trabalho certo.

XXVI. Em execução do plano concebido, o arguido PP Pinto Monteiro prometeu ao YY um emprego na agricultura, em Espanha, garantindo-lhe que ali aquele trabalho era bem remunerado, com uma retribuição superior a € 500,00 mensais, assegurando-lhe todo o apoio quer na deslocação para aquele país quer também na hospedagem em casa de familiares.

XXVII. Posteriormente, na execução do plano acordado, em comunhão de esforços e ideias, o arguido VV contactou o YY, na sua residência em Vila Ruiva, Nelas, apresentando-se como sendo primo do arguido PP, e voltou a prometer-lhe um emprego nos trabalhos agrícolas em Espanha, onde ganharia € 500,00 mensais, incluindo transporte, alojamento e alimentação.

XXVIII. O YY, desempregado, ficou convencido que a proposta dos arguidos PP e VV era vantajosa, aceitou ir logo com o arguido VV para Contenças de Baixo, local onde se encontravam os arguidos PP e Noémia.

XXIX. Os arguidos PP e Noémia deram transporte ao YY fazendo a viagem até uma localidade a cerca de 650 km de Vilar Formoso, e ficou alojado num sótão.

XXX. Este almoçava, no local de trabalho, sandes que os arguidos lhes davam de manhã, à saída para o trabalho.

XXXI. Sob o pretexto de lhe regularizar a situação laboral, o arguido PP pediu ao YY os seus documentos de identificação e ficou com eles.

XXXII. O YY trabalhou no período de fins de Maio/princípios de Junho a finais de Outubro do mesmo ano, todos os dias, incluindo sábados e domingos, sem qualquer dia de descanso das 06H00 às 15H00, cujo salário era pago a € 7,00/hora.

XXXIII. Trabalhou, assim, até finais do mês de Outubro de 2007 e nessa altura, os arguidos apenas lhe entregaram a quantia de € 5,00, bem como os seus próprios documentos que lhe tinham retirado à chegada, não obstante terem recebido da entidade dadora de trabalho quantia não inferior a € 9.450,00, gastando-a em proveito de todo o seu agregado familiar.

XXXIV. Em data não concretamente apurada, mas seguramente no ano de 2007, o arguido Carlos, em execução do plano acordado, sabendo que o Eduardo Pais Marques vivia sozinho, propôs-lhe trabalho em Espanha na agricultura, com a promessa de um salário de € 500,00 líquidos e alojamento, alimentação e refeições em sua casa sem qualquer encargo.

XXXV. O Eduardo a quem, na altura, tinham falecido os pais e a irmã, aceitou a proposta e passou desde então a viver, em Espanha na casa do arguido Carlos e família deste, sita em Olmedillo de Roa – Burgos – Espanha.

XXXVI. O arguido Carlos logo tratou de o pôr a trabalhar na Hacienda Monasterio como trabalhador agrícola, onde auferiria € 7,00 /hora, cujo pagamento era efetuado diretamente ao arguido Carlos.

XXXVII. Sob o pretexto de lhe regularizar a situação laboral, o arguido Carlos pediu ao Eduardo os seus documentos de dentificação e ficou com eles.

XXXVIII. O Eduardo trabalhou desde então e seguramente até Março de 2010 cerca de oito horas por dia, nunca lhe tendo o arguido Carlos entregue o dinheiro correspondente ao seu trabalho, quantia não inferior a € 60 480,00, antes gastou em proveito de todo o seu agregado familiar.

XXXIX. O arguido Carlos Pinto atuou conjuntamente com a companheira, AA, em execução do plano acordado, relativamente a Mário Quaresma.

XL. Os arguidos Carlos Pinto e Maria Pinto perguntaram a Mário Quaresma se queria ir trabalhar para ele, porque tinha umas vinhas nas imediações de Seia a precisar de poda, e que auferiria € 250,00 por mês com comida, cama e roupa lavada.

XLI. O arguido Carlos perguntou ainda ao Mário se sabia podar e convidou-o a ir observar as ditas vinhas.

XLII. O Mário Quaresma começou por não querer ir, dado o adiantado da hora, mas após a insistência do arguido Carlos entrou na carrinha para melhor conversarem, altura em que a arguida AA fechou a porta e a carrinha arrancou, tendo-lhe o arguido Carlos dito que o local era ali próximo.

XLIII. A viagem durou cerca de duas horas em território nacional, e pararam junto a uma casa onde morava uma filha dos arguidos.

XLIV. Mário Quaresma fez a ligação do telemóvel do arguido Carlos para o n.º 968463236, pertencente ao telemóvel de Maria Helena Carvalho Neves, mulher do dono do café “Povo”, e pediu-lhe para comunicar à sua família que estava bem e que estava a chegar a Espanha onde ia tratar de galinhas e coelhos.

XLV. Após o telefonema, o arguido Carlos fez desaparecer o papel com os números de contactos telefónicos que o Mário tinha consigo.

XLVI. Mário Quaresma ficou durante dois dias naquela casa, e ao final do 2.º dia foi com os arguidos Carlos Pinto e AA, para uma casa deles, situada em Arrifana – Seia, onde recolheram um outro homem, conhecido por “Feio”, cuja identidade completa não se logrou.

XLVII. Regressaram a casa da filha do Carlos, onde já tinham estado e este disse ao Mário para ir buscar umas roupas, tendo a filha dele entregue um saco com roupa.

XLVIII. Ao chegarem à fronteira, o arguido Carlos perguntou ao Mário e ao outro homem conhecido por Feio se tinham trazido com eles os bilhetes de identidade, e ambos entregaram os documentos à arguida AA, que os guardou.

XLIX. Durante a viagem, o arguido Carlos Pinto referiu que o Mário e o outro homem iriam ganhar, cada um, “cinquenta contos” e que teriam cama, comida e roupa lavada.

L. Quando chegaram a casa dos arguidos, sita em Olmedillo de Roa, Burgos, encontravam-se lá mais seis homens.

LI. Nos três dias que se seguiram o Mário e o outro conhecido por Feio permaneceram em casa.

LII. Eduardo Pais Martins encontrava-se a trabalhar no mesmo local por ter sido angariado pelo arguido Carlos Pinto.

LIII. O Mário Quaresma trabalhou apenas um dia, das 06H00 às 15H00, pagas a € 7,00/hora, no total de € 63,00 que o arguido Carlos recebeu da entidade dadora de trabalho e gastou em proveito de todo o seu agregado familiar.

LIV. CCC foi abordado pelo arguido VV, quando se encontrava no Centro de Saúde de Gouveia.

LV. O arguido VV sabia que o CCC vivia sozinho, era doente e não tinha trabalho certo.

LVI. Em execução do plano acordado, o arguido VV prometeu ao Leonel um emprego na colheita de maçã e pera, em Espanha, garantindo-lhe que ali aquele trabalho era bem remunerado, com um salário de € 700,00 mensais, assegurando-lhe todo o apoio quer na deslocação para aquele país quer também no alojamento e alimentação em casa de familiares.

LVII. O Leonel encontrava-se desempregado e ficou convencido de que a proposta do arguido VV era vantajosa, o que o levou a aceitar, tendo ido logo a sua casa, acompanhado por este, preparar um saco com roupa para ir para Espanha.

LVIII. O arguido VV transportou o CCC num carro da marca BMW, de cor azul, até uma quinta, em território nacional, onde lhe disse que residia.

LIX. Aí, encontrava-se o arguido Carlos que, conduzindo o dito BMW, transportou o Leonel até Vilar Formoso, onde chegaram pelas 19/20 horas.

LX. O arguido PP transportou o Leonel num carro da marca Renault, modelo Megane, com matrícula espanhola.

LXI. Foi alojado no sótão da casa pertencente ao arguido PP, onde se encontravam mais três homens de nacionalidade portuguesa.

LXII. Ali recebia as refeições com exceção do almoço, que tomava no local de trabalho, constituído por sandes que o arguido PP, a arguida Noémia e o arguido Mário lhes davam de manhã, à saída para o trabalho.

LXIII. O arguido PP, sob o pretexto de lhe regularizar a situação laboral, pediu ao Leonel os seus documentos de identificação e cartões bancários e ficou com eles.

LXIV. Contrariamente ao que o arguido VV prometeu, o Leonel não foi trabalhar na colheita de fruta, mas em obras de construção de uma casa, pertencente ao arguido PP, como servente de pedreiro, sempre controlado pelos arguidos PP, Noémia e Mário, todos membros do mesmo agregado familiar.

LXV. O arguido PP transportou o Leonel de regresso a Gouveia e, nessa altura, entregou-lhe os documentos, mas não lhe entregou o cartão de débito “Multibanco” da C.G.D..

LXVI. Com o propósito de se apropriar do veículo do Leonel e nunca lho pagar, o arguido PP lavrou uma declaração de venda do referido veículo e apresentou-a ao Leonel para que este a assinasse, prometendo pagar-lho.

O Leonel assinou a declaração de venda, esperando, porém, que o arguido PP lhe pagasse o seu valor comercial, não inferior a € 500,00.

LXVII. O arguido PP adquiriu, assim, o Audi e, como foi sempre seu propósito, não pagou ao Leonel qualquer quantia pela aquisição dele.

LXVIII. No dia 12 de Abril de 2008, pelas 15H00, em execução do plano acordado, em comunhão de ideias e esforços, o arguido Artur Anjos Pinto, conhecido por Pinto ou Pintão, sabendo que o João Ribeiro Ventura estava desempregado e era dependente de álcool, foi a casa deste, situada em Gouveia, apontou-lhe uma arma de fogo e disse-lhe que entrasse no carro, de cor verde, em que aquele se fizera transportar ou então que lhe dava um tiro e que iriam a Mangualde resolver um negócio.

LXIX. O João Ribeiro Ventura, perante a exibição da arma, entrou, contra a sua vontade, no carro e o tal homem conduziu-o, dirigindo-se ambos a casa do arguido PP, situada na zona de Mangualde.

LXX. Aí comeram e o RR bebeu quatro copos de vinho branco.

LXXI. O arguido PP entregou ao arguido Artur Anjos Pinto uma quantia em dinheiro, não apurada, e ordenou ao João que entrasse na mala de um carro comercial de cor branca.

LXXII. Este foi alojado no sótão de uma casa, onde se encontravam mais dezoito homens de nacionalidade portuguesa.

LXXIII. Ali recebia as refeições, com exceção do almoço, que tomava no local de trabalho, constituído por sandes que os arguidos Carlos e Maria lhe davam de manhã, à saída para o trabalho.

LXXIV. Sob o pretexto de lhe regularizar a situação laboral, o arguido Carlos pediu ao RR os seus documentos de identificação e ficou com eles.

LXXV. O RR e os outros trabalhadores eram transportados pelo arguido Carlos para uma quinta onde trabalhavam na poda em vinhas, todos os dias, incluindo sábados e domingos sem qualquer dia de descanso, das 06H00 às 15H00.

LXXVI. O RR não recebeu qualquer quantia pelo trabalho prestado na quinta, trabalho esse que era pago pelo patrão espanhol a € 7,00 /hora ao arguido Carlos.

LXXVII. O RR apercebeu-se, em conversas com os outros trabalhadores, que o arguido Carlos nunca entregava aos trabalhadores que estavam alojados na sua casa as retribuições auferidas.

LXXVIII. O arguido Carlos recebeu a retribuição paga pela entidade espanhola correspondente ao trabalho prestado pelo RR, no montante não inferior a € 1890,00 que nunca lhe entregou, antes gastou em proveito de todo o agregado familiar.

LXXIX. O arguido André dirigiu-se com outro homem ao Café Central, sito em Santa Marinha – Seia, e foi aí que abordaram o TT, convidando-o a acompanhá-los ao exterior.

LXXX. O arguido André alojou o José Carlos numa casa onde vive com o seu pai, irmãos e respetivas mulheres e filhos.

LXXXI. O salário de José Carlos era pago a € 7,00/hora pelo patrão espanhol.

LXXXII. O arguido André apoderou-se dos dois telemóveis, com os nºs 969002444 e 962213387, um dos quais da marca Motorola, modelo V980 com o IMEI 34590900871786, de valor não inferior a € 50,00, ambos pertencentes ao

José Carlos, bem como o seu cartão de contribuinte, bem sabendo que não lhe pertenciam e que agia contra vontade do seu dono.

LXXXIII. O patrão espanhol entregou o salário do José Carlos, no montante não inferior a € 7 560,00, ao André, para que este lho entregasse, o que nunca fez, como sempre foi seu propósito.

LXXXIV. O arguido André transportou o José Carlos até Santa Marinha findo o prazo do contrato.

LXXXV. O arguido André disse, em tom sério, ao José Carlos que o matava, bem como à sua mãe se não retirasse a queixa por esta feita, aquando do seu desaparecimento e que deu origem a estes autos, o que lhes provocou receio na concretização.

LXXXVI. Foi no dia 27 de Março de 2008 que o arguido Carlos abordou o António José Silva Figueiredo Santos, e propôs-lhe uma retribuição de € 500,00 mensais, com transporte, alojamento e refeições em sua casa pelo preço de € 100,00.

LXXXVII. O António José ficou na casa onde o arguido Carlos reside com os restantes arguidos.

LXXXVIII. Sob o pretexto de lhe regularizar a situação laboral, o arguido Carlos pediu ao António José os seus documentos de identificação e ficou com eles.

LXXXIX. O António José e os outros homens trabalhavam diariamente, incluindo sábados e domingos, sem qualquer dia de descanso, a partir das 06H00, e o salário era pago a € 7,00/hora.

XC. Pelo trabalho do António José, foi pago aos arguidos um montante total não inferior a € 13 230,00; em Novembro de 2008, os arguidos que consigo residiam não lhe entregaram qualquer quantia.

XCI. Foi em Janeiro/Fevereiro de 2009 que o arguido Carlos contactou de novo o António José; os arguidos receberam o dinheiro correspondente ao trabalho prestado pelo António José no montante não inferior a € 17.010,00.

XCII. Quando ia para Espanha em Junho de 2010, foi-lhe respondido que o arguido Carlos viria ao seu encontro; já depois de Salamanca, num posto de abastecimento de combustíveis, o António José entrou no carro do arguido Carlos, e disse-lhe que não queria ir trabalhar, tendo sido o arguido Carlos quem o conduziu para a sua casa em Espanha.

XCIII. Por 10 dias de trabalho prestado pelo António José, o arguido Carlos recebeu um montante total não inferior a € 630,00, tendo retido todo o dinheiro para si.

XCIV. O arguido FF acordou com Carlos Silva e os restantes 3 homens de Águeda que teriam direito a comida e dormida pagas pelo patrão, para além do vencimento diário. Os 4 residiam na Rua Eng.º Carlos Rodrigues, no edifício Torre de S. Pedro.

XCV. O FF apareceu em Águeda num jipe de cor verde, junto ao edifício Torre de S. Pedro, afirmou que residia em Seia e os transportaria para Espanha, e esclareceu perante todos que o trabalho era pago a € 30,00 por dia com direito a comida e dormida, pagas pelo patrão e com o horário de trabalho das 7H00 às 16H00, de segunda a sexta-feira.

XCVI. Decorridos mais uns dias, o FF voltou a Águeda, com uma carrinha, de cor branca e matrícula portuguesa para os transportar, e o Carlos, o Manuel, o Nuno e o Hélder entraram na carrinha e seguiram viagem até Seia, local onde este recolheu mais quatro homens, de nacionalidade portuguesa, também já recrutados pelo mesmo arguido e com o mesmo destino de irem trabalhar na agricultura, em Espanha.

XCVII. Na casa do arguido FF, em Espanha, viviam um filho, uma nora e dois netos, a casa era conhecida por “El Apartado 22”, e nos anexos, que eram antigos currais, viviam ao todo 22 homens de nacionalidade portuguesa.

XCVIII. Quando chegaram a Espanha, o FF pediu-lhes os documentos de identificação, dizendo-lhes que era para tratar da documentação, e reteve-os na sua posse até à data do termo do contrato.

XCIX. O patrão espanhol pagava ao arguido € 7,00 por cada hora de trabalho dos indivíduos que este levava.

C. O arguido FF entregou ao Nuno André e ao Carlos Alexandre € 110,00 a cada um, e pelos dez dias de trabalho destes o arguido recebeu o montante total de € 630,00 por cada um, que gastou em proveito de todo o agregado familiar.

CI. Decorrido o 1.º mês de trabalho, o Manuel da Branca foi ao banco levantar o ordenado, mas o FF tirou-lhe o envelope com o dinheiro todo que auferira do trabalho prestado no montante de € 1 386,00 e só lhe entregou € 350,00.

CII. Finda a época da cultura das vinhas (princípios de Novembro), o Manuel da Branca decidiu regressar a Portugal.

Este trabalhou durante seis meses, tendo a entidade espanhola pago a correspondente retribuição, no montante global de € 8 316,00; O arguido FF retirou-lhe sempre a retribuição que gastou em proveito de todo o seu agregado familiar.

CIII. Então, o FF transportou-o à estação de comboios de Miranda de Ebro, mas não lhe entregou nenhum dinheiro nem lhe pagou o bilhete para o transporte.

CIV. Decorrido o 1.º mês de trabalho, quando o Hélder foi ao banco levantar o Ordenado, no montante de € 1 386,00, pago pela firma espanhola “Brandolei”, o FF tirou-lhe o dinheiro todo que acabara de receber pelo trabalho prestado. O Hélder trabalhou durante seis meses, tendo a entidade espanhola pago a correspondente retribuição, no montante global de € 8 316,00. O arguido FF retirou-lhe sempre a retribuição que gastou em proveito de todo o seu agregado familiar.

CV. Ao fim de seis meses de trabalho em Espanha, o Hélder decidiu regressar a Portugal e, então, o FF entregou-lhe € 300,00, em notas.

CVI. No final do ano de 2008, em execução do plano acordado, em comunhão de ideias e esforços, um dos filhos do FF, conhecido por Terror, mas cuja identidade não se apurou, contactou o Manuel Branca e o Hélder para voltaram a trabalhar na agricultura em Espanha.

CVII. O Manuel da Branca e o Hélder aceitaram, foram transportados para Espanha e alojados na mesma casa situada nos arredores de Logroño. Ao fim de duas semanas, um dos membros da família informou o Manuel da Branca e o Hélder de que não havia trabalho para eles e era melhor regressarem a Portugal.

CVIII. Nessa noite o Manuel da Branca e o Hélder saíram da casa, onde estavam alojados, e voltaram para Portugal, fazendo parte do percurso a pé e à boleia.

CIX. O arguido Nuno, em execução do plano acordado, contactou o Ricardo Filipe Henriques Marques e propôs-lhe que angariasse homens para trabalhar em Espanha na agricultura.

CX. No dia 12 de Fevereiro, o Ricardo Filipe Henriques Marques contactou o Marco e disse que o indivíduo que poderia transportá-lo ia nesse dia para Espanha e poderia seguir com ele; pelas 16H00 desse dia, o arguido Nuno e o Ricardo Filipe transportaram o Marco até casa do arguido Nuno, em Mangualde, seguindo viagem para Espanha às 21 horas.

CXI. Os sete homens de nacionalidade portuguesa tinham ido para Espanha nas mesmas condições propostas ao Marco, e o salário era pago a € 7,00/hora pela entidade espanhola.

CXII. O arguido Nuno disse ao Marco e ao Rogério, em tom sério, que se voltassem a fugir seriam espancados, o que lhes provocou receio daquela concretização e os inibiu de voltar a abandonar a casa.

CXIII. O trabalho do LL foi sendo pago a € 7,00/hora, no montante global de € 8 400,00, pelo patrão espanhol a um dos arguidos que fazia parte do agregado familiar residente com ele, que dela se apropriou e reverteu a favor de toda a família, em prejuízo do LL.

CXIV. LL encontrava-se no interior do café situado em S. Martinho da Cortiça, concelho de Arganil, quando foi abordado por Ricardo Filipe Henriques Marques, conhecido pela alcunha de Pito, que lhe disse para o acompanhar ao exterior do estabelecimento para conversarem, onde os aguardava o arguido Nuno no interior do carro, tendo sido o Ricardo quem propôs as condições ao MM, mais afirmando que ele próprio iria para lá trabalhar em iguais condições.

CXV. Os arguidos Carlos e Nuno transportaram o MM até uma estação de caminho-de-ferro para este regressar a Portugal.

CXVI. Nada foi pago ao MM, e o patrão espanhol pagou a um membro da pelo trabalho do primeiro o montante global de € 16 800,00, pago a € 7,00/hora, que dela se apropriou e reverteu a favor de toda a família.

CXVII. Em data não concretamente apurada, mas antes de Janeiro de 2008, um dos arguidos, que não se conseguiu apurar, não obstante ser um deste grupo, em execução do plano acordado, contactou António Manuel da Conceição Marques propondo-lhe trabalho em Espanha, na manutenção e preparação de vinhas e vindimas, onde começaria a trabalhar logo que pretendesse, com uma retribuição mensal de € 500,00 com todas as despesas pagas.

CXVIII. O António Manuel da Conceição Marques, que se encontrava desempregado, aceitou a proposta e foi logo transportado para Espanha ficando alojado em casa do arguido PP, situada em Torresandino, onde se encontravam mais homens, de nacionalidade portuguesa, angariados pelos arguidos para trabalhos agrícolas.

CXIX. Logo, o António Manuel e os outros homens foram todos transportados por um dos membros da família para uma quinta onde trabalhavam na cultura de vinhas, 8 horas por dia.

CXX. Sob o pretexto de lhe regularizar a situação laboral, o arguido Mário pediu ao António Manuel os seus documentos de identificação e ficou com eles.

CXXI. O António Manuel regressou a Portugal no final da época, princípios de Novembro do mesmo ano, e não recebeu qualquer quantia do montante global de € 16 800,00, correspondente a todo o seu trabalho prestado durante 10 meses, sendo certo que o trabalho era pago a € 7,00/hora pelo patrão espanhol a um membro da família que dela se apropriou e reverteu a favor de toda a família, em prejuízo daquele.

CXXII. No dia 25 de Fevereiro de 2010, pelas 14H30, o arguido Nuno, em execução do plano acordado, em comunhão de ideias e esforços, contactou o António Almeida Rodrigues, que sabia estar desempregado, e convidou-o a ir com ele a Espanha, onde aquele tinha uma consulta médica.

CXXIII. O António Almeida Rodrigues aceitou o convite, acompanhou o arguido Nuno que o transportou e alojou em casa dos arguidos Carlos e AA, situada em Olmedillo de Roa, onde se encontravam outros homens de nacionalidade portuguesa que trabalhavam na agricultura.

CXXIV. Ali chegado, os arguidos logo lhe arranjaram trabalho nas vinhas, como os demais homens e nas mesmas condições, trabalhando todos os dias, incluindo sábados e domingos, sem qualquer dia de descanso, das 06h00 às 15H00, cujo salário era pago a € 7,00/hora.

CXXV. Sob o pretexto de lhe regularizar a situação laboral, um dos arguidos pediu ao António os seus documentos de identificação e ficou com eles.

CXXVI. O salário, no montante global de € 15 120,00, pelo trabalho prestado durante 8 meses, foi sendo entregue pelos patrões espanhóis a qualquer um dos arguidos residentes com o António, que ficou com ele e gastou em proveito próprio de todo o agregado familiar, em prejuízo do António Almeida Rodrigues.

CXXVII. O António regressou a Portugal em finais de Outubro de 2010, sem que lhe fosse entregue o dinheiro auferido pelo seu trabalho.

CXXVIII. Mário Rui de Oliveira foi contactado pelo arguido DD, conhecido por João Ramos, em execução do plano acordado, em comunhão de ideias e esforços, com o seu pai HH.

CXXIX. O DD conduziu-o até Arrifana – Seia, onde se encontrava o arguido Carlos.

CXXX. O Mário Rui trabalhou na Hacienda Monasterio 9 horas por dia, até finais de Dezembro do mesmo ano, todos os dias, incluindo sábados e domingos, sem qualquer dia de descanso, das 06H00 às 15H00, como os demais, nas mesmas condições, e cujo salário pelo trabalho prestado foi sendo entregue diretamente aos arguidos, ficando os demais arguidos, excetuando HH, com ele e gastando-o em proveito próprio, como era seu propósito, em prejuízo do NN.

CXXXI. Em Dezembro de 2009 que o Mário Rui fugiu até Torresandino, e foi um dos filhos do Carlos Pinto que com este residia localizou e obrigou a regressar ao mesmo sítio.

CXXXII. O Mário Rui auferiu um salário no montante global de € 41 580,00 pelo trabalho prestado durante 22 meses, que foi sendo entregue pelos patrões espanhóis diretamente a qualquer um dos arguidos residentes com o Mário Rui, que ficou com ele e gastou em proveito próprio de todo o agregado familiar, em prejuízo do Mário Rui.

CXXXIII. Em data não concretamente apurada, mas seguramente no final do ano de 2009, Alfredo Barbosa da Silva foi contactado pelo arguido Carlos que, em execução do plano acordado, lhe prometeu emprego na agricultura em Espanha, auferindo € 500,00 mensais, alojamento e refeições em sua casa pelo preço de € 100,00 mensais.

CXXXIV. O Alfredo, desempregado, concordou e o arguido Carlos transportou-o para Espanha dando-lhe alojamento e refeições na sua casa, sita em Olmedillo de Roa.

CXXXV. Sob o pretexto de lhe regularizar a situação laboral, o arguido Carlos pediu ao Alfredo os seus documentos de identificação e ficou com eles.

CXXXVI. Logo lhe arranjou trabalho na agricultura na Hacienda Monasterio, cuja entidade foi pagando diretamente ao arguido Carlos a retribuição auferida pelo Alfredo, no valor de € 7,00/hora.

CXXXVII. O Alfredo trabalhou até finais de Outubro de 2010, todos os dias, incluindo sábados e domingos, sem qualquer dia de descanso, das 06H00 às 15H00, como os demais, nas mesmas condições

CXXXVIII. O arguido Carlos não entregou ao Alfredo as retribuições, no montante global de € 18 900,00 correspondente aos 10 meses de trabalho prestado por este, antes ficou com elas para os seus gastos pessoais e familiares, como sempre foi seu propósito, em prejuízo do Alfredo Barbosa da Silva.

CXXXIX. Em data não concretamente apurada do ano de 2008, Carlos Augusto Abrantes Abreu foi contactado por um dos filhos do arguido Carlos e AA que residia com estes e fazia parte da atividade do grupo, em execução do plano acordado, e foi esse filho que lhe pediu para o ajudar a carregar uns móveis. O Carlos Augusto foi com ele para Mangualde, onde mudaram de viatura, e seguiram para Espanha.

CXL. Nos factos respeitantes a Carlos Augusto Abrantes Abreu intervieram outros elementos da família do arguido HH.

CXLI. Carlos Augusto Abrantes Abreu regressou a Portugal com o arguido VV.

CXLII. OO trabalhou todos os dias, incluindo sábados e domingos, sem qualquer dia de descanso, das 06H00 às 15H00, tendo auferido um montante global não inferior a € 54 810,00, que foi entregue a qualquer membro da família do arguido HH.

CXLIII. Foi o arguido Nuno e outro, cuja identidade não se apurou, em execução do plano acordado, em comunhão de ideias, esforços, quem abordou o Carlos Alberto Fernandes de Matos, e lhe propôs trabalho na agricultura, informando-o que o pagamento se processava à semana ou à quinzena.

CXLIV. O Carlos Alberto acedeu e logo o arguido Nuno o transportou para Espanha, alojando-o em casa do seu pai, o aqui arguido Carlos e restante agregado familiar onde já se encontravam outros trabalhadores, angariados da mesma forma.

CXLV. Sob o pretexto de lhe regularizar a situação laboral, o arguido Nuno pediu ao Carlos Alberto os seus documentos de identificação e ficou com eles.

CXLVI. Logo no dia seguinte, pelas 7 da manhã, o arguido HH transportou o Carlos Alberto para uma vinha, onde começou de imediato a trabalhar.

CXLVII. Foi o arguido Carlos quem transportou o Carlos Alberto às bombas de abastecimento de combustíveis, nas circunstâncias provadas, aí o abandonando sem lhe ter entregue o correspondente salário pelo trabalho prestado nas vinhas, do qual se apropriou, como sempre foi seu propósito, em prejuízo daquele.

CXLVIII. O Carlos Alberto foi ajudado por guardas policiais espanhóis.

CXLIX. O salário, no montante global de € 1 980,00, pelo trabalho prestado pelo menos durante um mês, foi sendo entregue pelos patrões espanhóis a qualquer um dos arguidos residentes com o Carlos Alberto, que ficou com ele e gastou em proveito de todo o agregado familiar, em prejuízo deste.

CL. Joaquim José dos Santos Carvalhas foi contactado pela arguida Noémia que, em execução do plano acordado, lhe prometeu emprego na agricultura em Espanha, com contrato, segurança social, cujo patrão seria um espanhol de nome António e que lhe pagaria diretamente € 5,00/€ 6,00 por hora.

CLI. Os arguidos PP e Noémia asseguraram-lhe o alojamento e refeições em sua casa pelo preço de € 100,00 mensais.

CLII. Sob o pretexto de lhe regularizar a situação laboral, os arguidos PP e Noémia pediram ao Joaquim José os seus documentos de identificação, que retiveram e não lhos entregaram.

CLIII. Logo lhe arranjaram trabalho numa exploração de vinhas, cuja entidade foi pagando diretamente ao arguido PP a retribuição auferida pelo Joaquim José, no valor de € 7,00/hora, para que aquele a entregasse a este.

CLIV. O Joaquim José trabalhou desde então e seguramente até Março de 2010 todos os dias, incluindo sábados e domingos, sem qualquer dia de descanso, das 06H00 às 15H00, como os demais, nas mesmas condições.

CLV. O arguido PP não entregou as retribuições, no montante global não inferior a € 28 350,00, auferidas pelo Joaquim José no período de quinze meses, antes ficou com elas para os seus gastos pessoais e familiares, como sempre foi seu propósito, em prejuízo do Joaquim José dos Santos Carvalhas.

CLVI. Em Junho de 2011 Carlos Loureiro encontrava-se em Espanha a trabalhar numa quinta, quando foi abordado pelo arguido FF que, em execução do plano acordado, lhe prometeu emprego logo para o dia seguinte, auferindo € 1 000,00 mensais, mais a respetiva alimentação e alojamento.

CLVII. O Carlos Loureiro perante uma proposta tão vantajosa aceitou e acompanhou-o, indo para outra quinta a cerca de 30 km de distância.

CLVIII. Decorrida uma semana de trabalho, o arguido FF decidiu que o Carlos deveria regressar a Portugal a fim de ajudar o genro, o aqui arguido EE, na quinta e na recolha e venda de sucata.

CLIX. Então, transportou o Carlos Loureiro até à estação de Miranda de Ebro, pagando-lhe o correspondente bilhete até à estação de Nelas, onde o aguardava o EE e que o transportou para a sua casa, sita no Pinhal da Quaresma, Folgosa da Madalena, em Seia.

CLX. Desde então e seguramente até Dezembro de 2011, o Carlos Loureiro trabalhou para o EE, tendo apenas ido uma vez para Espanha trabalhar nas vindimas, quando o FF o veio buscar.

CLXI. Finda a época, o FF voltou a conduzi-lo à estação de caminho-de-ferro para regresso a casa do EE.

CLXII. O arguido EE apenas lhe entregou por 4 vezes € 5,00.

CLXIII. O Carlos Loureiro dormiu sempre num colchão colocado no chão da garagem, onde não existe casa de banho nem sequer água e onde estão também os dois veículos do arguido EE.

CLXIV. O arguido EE forneceu os alimentos que o Carlos Loureiro confecionou numa lareira.

CLXV. Desde de Junho de 2011 até Dezembro do mesmo ano, trabalhou nas vindimas em Espanha, durante cerca de dois meses, onde a entidade dadora de trabalho pagou diretamente ao arguido FF a retribuição pelo trabalho prestado pelo Carlos Loureiro em valor não inferior a € 3 780,00 e na recolha de lenha, pinhas e sucata, para estes dois arguidos, sem que os mesmos lhe tenham pago qualquer tipo de remuneração, quanto mais não fosse o correspondente ao salário mínimo nacional (€ 485,00) pelos restantes quatro meses, no total de € 1 940,00, como sempre foi seu objetivo.

CLXVI. O arguido EE, sabendo que José de Figueiredo Henriques não tinha família e vivia sozinho, em execução de plano acordado, abordou-o e prometeu-lhe trabalho em Espanha.

CLXVII. O José Henriques aceitou a proposta e logo o acompanhou na viagem para Espanha, juntamente com outros trabalhadores, também angariados pelo arguido EE, para trabalhar na plantação de bacelos, num terreno pertencente a um espanhol de nome Jesus, ficando alojado na casa de FF, situada nos arredores de Logrõno.

CLXVIII. Trabalhou durante um mês e o Jesus pagou a retribuição do seu trabalho, não inferior a 1890,00 ao arguido EE que nunca lha entregou, apoderando-se dela em proveito próprio.

CLXIX. O José Henriques trabalha na recolha de lenha, pinhas, lavagem de roupa e limpeza das lareiras, ininterruptamente desde 2007, sem que o arguido EE lhe pague qualquer remuneração pelo trabalho prestado, quanto mais não seja o correspondente ao salário mínimo (€ 485,00), o que perfaz a quantia de € 22 795,00.

CLXX. O arguido EE apenas lhe entregou por algumas vezes € 1,00.

CLXXI. O José Henriques dormiu sempre num colchão colocado no chão da garagem, onde não existe casa de banho nem sequer água e onde estão também os dois veículos do arguido EE.

CLXXII. O arguido EE forneceu sempre os alimentos que o José Henriques confecionou numa lareira.

CLXXIII. Em dia e mês não apurados, mas seguramente no ano de 2008, o LL Sousa Figueiredo Costa foi abordado pelo arguido SS que, em execução do plano acordado, em comunhão de ideias e esforços, lhe propôs trabalho na agricultura, concretamente nas vindimas em Espanha, ou na recolha de pinhas esucata em Portugal.

CLXXIV. O LL aceitou a proposta e anualmente, desde 2008 até 2011, o fica alojado num quarto que partilha com vários homens em casa dos arguidos Carlos e Maria, situada em Olmedillo de Roa, durante toda a época das vindimas, seguramente dois meses.

CLXXV. O arguido André logo o colocou a trabalhar em quintas para tarefas que decorriam entre as 09H00 e as 18H00 diariamente.

CLXXVI. A entidade dadora de trabalho pagou sempre diretamente a qualquer dos arguidos com os quais residia o LL a retribuição correspondente ao trabalho prestado por este a € 7,00/hora, no montante global de € 15 120,00.

CLXXVII. O arguido André entregou-lhe apenas como salário pelo trabalho prestado uma quantia que oscilou entre os € 100,00 e os € 150,00 mensais, quando mensalmente a retribuição auferida era de € 1 890,00.

CLXXVIII. Os arguidos André e Carlos entregaram fotocópias dos documentos de identificação dos trabalhadores angariados e alojados na sua casa aos patrões das quintas.

CLXXIX. Em Espanha, as refeições diárias foram sempre custeadas pelo arguido André.

CLXXX. No final de cada época, o arguido André regressou a Portugal e deu transporte ao LL.

CLXXXI. Há cerca de oito meses, por razões familiares, o LL foi viver com o arguido André, ficando a dormir no interior do compartimento de carga da viatura da marca Ford Transit, com a matrícula 51-77-EV, propriedade da companheira do arguido André.

CLXXXII. Os arguidos não referidos nos factos provados agiram deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

CLXXXIII. Todos os arguidos da família Pinto agiram de forma organizada e reiterada no tempo, em comunhão de ideias e conjugação de esforços, ao aliciarem homens, especialmente frágeis, com a promessa de elevados salários, com transporte, alojamento e refeições assegurados para trabalharem na agricultura em Espanha, com o único objetivo de se apoderarem das retribuições por estes auferidas pelo seu trabalho.

CLXXXIV. Os arguidos não referidos nos factos provados receberam diretamente das mãos dos patrões espanhóis o dinheiro correspondentes aos salários dos trabalhadores, com a responsabilidade de lhes fazerem a sua entrega, mas antes ficaram com todo o dinheiro ou, por vezes, fizeram entregas de pequenos montantes, locupletando-se com todo o resto.

CLXXXV. Os arguidos não referidos nos factos provados, para melhor assegurarem os rendimentos à custa do trabalho e prejuízo dos trabalhadores por eles angariados, retiraram a alguns todos os documentos de identificação, os cartões bancários e os telemóveis pessoais, de forma a dificultar quer os movimentos, quer os contactos com

familiares, ou mesmo dissuadi-los de denunciarem a situação em que se encontravam junto das autoridades.

CLXXXVI. As vítimas, apesar de terem possibilidades de fugir, mantinham-se na companhia dos arguidos não referidos nos factos provados porque desconheciam o local onde se encontravam, não possuíam dinheiro, não tinham os seus documentos de identificação nem contactos telefónicos e tão pouco conheciam o meio de transporte que os poderia conduzir de regresso às suas casas.

CLXXXVII. Os arguidos não referidos nos factos provados fizeram-no com o propósito de obterem para eles e para a família que integram proveitos económicos à custa do correspondente prejuízo patrimonial dos trabalhadores.

CLXXXVIII. Os arguidos não referidos nos factos provados não exercem qualquer atividade profissional, nem detêm rendimentos para fazer face às suas despesas mais elementares, vivendo em exclusivo com o dinheiro dessas retribuições de trabalho, disso fazendo modo de vida.

CLXXXIX. Com a descrita atividade criminosa, e concretamente com as vítimas acima identificadas, os arguidos apoderaram-se seguramente da quantia global de € 382 000,00, que fizeram sua e gastaram em proveito de todo o seu agregado familiar, à custa do trabalho alheio de pessoas especialmente frágeis e carenciadas economicamente.

CXC. O arguido SS detinha, na sua residência, no interior de um baú, as munições de 9 mm, e numa prateleira uma pistola ASTRA.

CXCI. O arguido André não deu qualquer explicação plausível para a detenção da referida arma e munições.

CXCII. Não era possuidor de licença de uso e porte de arma e não detinha qualquer autorização que o legitimasse a possuir a arma e as respetivas munições.

CXCIII. O arguido André conhecia as características de tais instrumentos que eram idóneos a causar ferimentos profundos, irreversíveis e até mortais.

CXCIV. Estava consciente que a aquisição, detenção e posse da arma com aquelas características era proibida e criminalmente punida, e atuou de forma livre, voluntária e consciente.”


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            Cumpre apreciar e decidir

            Recorreram conjuntamente para o Supremo Tribunal de Justiça, os arguidos HH e UU, em que este questionava as penas parcelares e reclamava pena única inferior a 5 anos de prisão, suspensa na sua execução, e aquele alegou erro notório na apreciação da prova quando o mesmo foi condenado pelos crimes p. e p. no artº 160º, nº 6 do CP pretendendo a absolvição deles ((alíneas K a r,), e que quanto aos crimes do artº 160º, nº 1, em que também veio a ser condenado, não constam “os fundamentos dessas medidas de pena, em clara violação do artº 71º, nº 3, do C.P.Penal”, questionando as penas parcelares,  e ainda que quanto às condutas de que foi vítima António José Figueiredo Santos, se está perante um único crime continuado, e não perante três crimes, atentas as regras do artº 30º do C.Penal (alíneas s) a v)),; por último, quanto à pena única diz deverá ser fixada “em 5 anos de prisão e suspensa na sua execução,” (conclusões W) a aa))..

Como supra se referiu, por despacho de 25 de Fevereiro de 2015, a fls 4290 e v, não foi admitido o recurso interposto pelo arguido UU, “por ilegal”, “visto o disposto no artigo 400º, nº 1, al. f) do C.P.P.”

Vem pois apenas submetido à apreciação deste Supremo Tribunal o recurso interposto pelo arguido HH.

           

Inexistem vícios de que cumpra conhecer nos termos do artº 410º nº 2 do CPP, que têm de constar, quando existam, exclusivamente do texto fáctico da decisão recorrida (a fundamentação de facto: que é integrada pela matéria de facto provada e não provada e pela motivação da convicção do tribunal)

A invocação pelo recorrente do erro notório na apreciação da prova, não traduz a invocação do vício previsto na alínea c) do nº2 do CPP, mas sim a impugnação da convicção do tribunal na ponderação e valoração de prova, que face ao disposto no artº 127º d CPP, apenas podia ser questionada no âmbito do recurso em matéria de facto, que o recorrente alias exerceu em recurso interposto para o Tribunal da Relação, o competente para conhecer do facto, incluindo os vícios do artº 410º nº 2 do CPP, como fundamento de recurso (v. artºs 412º e 427 do CPP)

O Supremo tribunal de Justiça, apenas conhece da existência de tais vícios, de forma oficiosa e não como fundamento de recurso suscitado pelos sujeitos processuais, conforme artº 434º do CPP., sendo certo que a decisão de facto é bastante para a decisão de direito, sem contradições insanáveis de fundamentação ou entre esta e a decisão, nem ocorrem situações ilógicas ou contrárias às regras da experiência comum, que qualquer cidadão ao ler a decisão, delas imediatamente se aperceba,

No recurso interposto para o Supremo, o recorrente questiona a medida das penas parcelares e, a acumulação material de crimes quanto às conduta de que foi vítima A..., que considera haver um único crime continuado,. e insurge-se ainda contra a medida da pena única.

Porém, se as penas parcelares aplicadas, foram todas inferiores a 8 anos de prisão, ( a mais elevada foi de 5 anos e 10 meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artº 160º nº 1, als b) e d), do Código Penal (OO), e atenta a confirmação pela Relação, com a consequente manutenção integral da decisão recorrida na parte concernente ao arguido recorrente, surge a questão prévia da inadmissibilidade do presente recurso, tendo por âmbito as penas parcelares, e por conseguinte, se as condutas que lhe subjazem, na parte invocada pelo recorrente demonstram ou não a existência de crime continuado, pois que::

            1- Por efeito da entrada em vigor da Lei 48/2007, de 29-08, foi alterada a competência do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelos Tribunais de Relação, tendo-se limitado a impugnação daquelas decisões para este Supremo Tribunal, no caso de dupla conforme, às situações em que seja aplicada pena de prisão superior a 8 anos – redacção dada à al. f) do n.º 1 art. 400.º do CPP –, quando no domínio da versão pré-vigente daquele diploma a limitação incidia relativamente a decisões proferidas em processo por crime punível com pena de prisão não superior a 8 anos. 

É certo que o artº 5º nº 1 do CPP, estabelece:

 A lei processual é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior (nº 1)

E, dispõe o nº 2 do preceito:

A lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar:

a)Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa; ou

b)) Quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo.

Porém, a excepção constante do nº 2 do artº 5º do CPP, não tem campo de aplicação no caso concreto, mesmo que se entenda que a lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1ª instância decidiu, uma vez que a decisão da 1º instância de que foi interposto recurso para a Relação, e, que motivou a decisão da Relação ora em questão, foi proferida, muito posteriormente – em 17/7/2013 - à vigência da referida Lei (artº 5º nº 1 do CPP)

2- O direito ao recurso inscreve-se numa manifestação fundamental do direito de defesa, no direito a um processo justo, que não demanda o seu exercício em mais de um grau, satisfazendo-se com a reapreciação, em tempo razoável, por um tribunal independente, imparcial e estabelecido por lei, situado num plano superior àquele de que se recorre, como também resulta do art. 13.º da CEDH.

Conforme jurisprudência pacífica deste Supremo, a lei reguladora da admissibilidade dos recursos é a que vigora no momento em que é proferida a decisão de que se recorre. (v, entre outros v. g. ac.s de 17.12.69 in BMJ 192,p 192 e de 10.12.1986 in BMJ 362, p. 474)

De harmonia com o acórdão de 29 de Maio de 2008, proc. nº 1313 da 5ª Secção, para o efeito do disposto no art.º 5.º, n.º 2, al. a), do CPP, os direitos de defesa, para além dos que têm eficácia em todo o decurso do processo (art.º 61.º, n.º 1), são apenas os que se encontram consignados para a fase processual em curso no momento da mudança da lei.

A prolação da decisão final na 1ª instância encerra a fase processual do julgamento (Livro VII) e inicia, consoante o caso, a dos recursos (Livro IX) ou a das execuções (Livro X).

Ao se iniciar a fase dos recursos, o arguido inscreve nas suas prerrogativas de defesa o direito a todos os graus de recurso que a lei processual lhe faculta nesse momento.

A lei processual posterior que retirar o direito a um desses graus de recurso constitui um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.

É recorrível para o STJ a decisão proferida pela Relação já depois da entrada em vigor da nova lei de processo que não reconheça esse grau de recurso, se a lei que vigorava ao tempo da decisão da 1ª instância o mandasse admitir.

É aplicável a nova lei processual à recorribilidade de decisão que na 1ª instância já tenha sido proferida depois da entrada em vigor dessa lei, independentemente do momento em que se iniciou o respectivo processo.

A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido.

            A lei reguladora da admissibilidade do recurso – e, por consequência, da definição do tribunal de recurso – será assim, a que vigorar no momento em que ficam definidas as condições e os pressupostos processuais do próprio direito ao recurso (seja na integração do interesse em agir, da legitimidade, seja nas condições objectivas dependentes da natureza e conteúdo da decisão: decisão desfavorável, condenação e definição do crime e da pena aplicável), isto é, no momento em que primeiramente for proferida uma decisão sobre a matéria da causa, ou seja, a da 1.ª instância, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido. – v. Ac. deste STJ de 18-06-2008, Proc. n.º 1624/08 - 3.ª.

            A decisão final da 1ª instância, de que foi interposto recurso e que originou a decisão ora recorrida, deu início à fase de recurso, possibilitando ao arguido a inscrição nas suas prerrogativas de defesa do direito a todos os graus de recurso que a lei processual lhe faculta nesse momento.

            3- O limite do quantum concreto da pena aplicada é critério legal do pressuposto do direito ao recurso para o Supremo Tribunal de Justiça

Como se escreveu no acórdão de fixação de jurisprudência nº 14/2013, deste Supremo Tribunal, publicado no Diário da República nº 219, SÉRIE I, de 12 de Novembro de 2013:

“1- A nível da “dupla conforme”

O artigo 400º do Código de Processo Penal, na redacção anterior à Lei nº 48/2007, referindo-se às “decisões que não admitem recurso”, estabelecia:

“1. Não é admissível recurso:

a) De despachos de mero expediente;

b) De decisões que ordenam actos dependentes de livre resolução do tribunal;

c) De acórdãos proferidos em recurso, pelas relações, que não ponham termo à causa:

d) De acórdãos absolutórios proferidos em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância;

e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o Ministério Público tenha usado da faculdade prevista no artigo 16º nº 3.

f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções;

g) Nos demais casos previstos na lei.

Por sua vez, o artº 432º do mesmo diploma adjectivo, referindo-se ao “Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”, determinava:

“Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

a) De decisões das relações proferidas em primeira instância;

            b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º;

            c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri;

            d) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito;

            e) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.

Com a revisão do Código de Processo Penal, operada pela Lei nº 48/2007 de 24 de Setembro de 2007, o artigo 400º passou a estabelecer:

1. Não é admissível recurso:

a) De despachos de mero expediente;

b) De decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal;

c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objecto do processo;

d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância;

e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade;

f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;

g) Nos demais casos previstos na lei.

            Por sua vez, de harmonia com o disposto no artigo 432º nº1 do CPP:

 Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

            a) De decisões das relações proferidas em 1ª instância;

            b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artº 400º

            c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito.

            d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.

            Somente é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos casos contemplados no artigo 432º e, sem prejuízo do artº 433º, do CPP.

           

No que aqui importa, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: “De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º” (artº 432º nº 1 al. b) do CPP)

Face ao art. 400., n.1, f) do Código de Processo Penal na redacção anterior à lei 48/2007 de 29 de Agosto, era jurisprudência concordante do Supremo (v. Ac. de 08-11-2006, Proc. n. 3113/06 - desta Secção, entre outros - que não era admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmassem decisão de 1ª instância, em processo por crime a que fosse aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções, face à denominada "dupla conforme".

Entendia-se que a expressão «mesmo em caso de concurso de infracções», constante da al. f) do n.º 1 do art. 400.° do CPP, significava que, apesar de no caso se configurar um concurso de infracções, a regra primária da referida norma continuava a valer, incluindo nela também as situações em que os crimes do concurso se integrem nos limites da primeira referência a «pena aplicável», isto é, em que uma das penas aplicáveis a um dos crimes do concurso não ultrapassasse 8 anos de prisão havendo identidade de condenação nas instâncias.

Nesta ordem de ideias, desde que a pena abstractamente aplicável, independentemente do concurso de infracções, não fosse superior a oito anos, não seria admissível recurso do acórdão da Relação para o STJ, (na tese usualmente seguida pelo Supremo), sendo que uma outra tese, entendia que na interpretação mais favorável para o recorrente, apenas seria admissível recurso da pena conjunta que correspondesse ao concurso de crimes a que fosse aplicável pena de prisão superior a oito anos.

Com a revisão do Código de Processo Penal operada pela referida Lei 48/2007. a al. f) do artº 400º passou a dispor:

“ De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.”

Deixou de subsistir o critério do “crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos”, para se estabelecer o critério da pena aplicada não superior a 8 anos.

Daí que se eliminasse a expressão “mesmo no caso de concurso de infracções.”

Assim, mesmo que ao crime seja aplicável pena superior a 8 anos, não é admissível recurso para o Supremo, se a condenação confirmada, não ultrapassar 8 anos de prisão.

Ao invés se ao crime não for aplicável pena superior a 8 anos de prisão, só é admissível recurso para o STJ se a condenação confirmada ultrapassar oito anos de prisão, decorrente de cúmulo e restrito então o recurso à pena conjunta.

Há que ter como abrangida na expressão legal "confirmem decisão de primeira instância", constante do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, as hipóteses de confirmação apenas parcial da decisão, quando a divergência da Relação com o decidido se situa apenas no quantum  (em excesso) punitivo advindo da 1.ª instância. 

Como se decidiu no Ac. deste Supremo, de 11-07-2007, Proc. n.º 2427/07, 3ªsecção, se a dupla conforme pressupõe, além do mais, uma confirmação de penas, por maioria de razão, ela não deixa de ocorrer se a decisão posterior melhora os efeitos sancionatórios da anterior decisão.

            É maioritária a posição jurisprudencial deste Supremo Tribunal segundo a qual se deve considerar confirmatório, não só o acórdão do Tribunal da Relação que mantém integralmente a decisão da 1.ª instância, mas também aquele que, mantendo a qualificação jurídica dos factos, reduz a pena imposta ao recorrente, sendo o argumento decisivo fundamentador desta orientação o de que não seria compreensível que, mostrando-se as instâncias consonantes quanto à qualificação jurídica do facto, o arguido tivesse que conformar-se com o acórdão confirmatório da pena mas já pudesse impugná-lo caso a pena fosse objecto de redução.

           

De qualquer modo a jurisprudência reiterada do Tribunal Constitucional antes e depois de Setembro de 2007 é no sentido de não considerar ser inconstitucional a circunstância de haver dupla conforme depois de ter havido redução da pena num acórdão da relação, nos termos do art. 400° n° 1, aI. f) do CPP e por isso não poder haver recurso para o STJ em terceiro grau de jurisdição em matéria penal 

Aliás, também o acórdão de 15 de Dezembro de 2009, do Tribunal Constitucional decidiu:

“a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, na medida em que condiciona a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça aos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.

b) Não julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, e artigo 5.º, n.º 2, do mesmo Código, interpretada no sentido de que, em processos iniciados anteriormente à vigência da Lei n.º 48/2007, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância, proferida após a entrada em vigor da referida lei, e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.”

Por acórdão de 4 de Abril de 2013, proferido no processo nº 543/12, da 1ª Secção, o Tribunal Constitucional decidiu:

a) Não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão

O critério da gravidade da pena aplicada é, pois, determinante na conformação da competência do STJ, o qual intervirá apenas se e quando tiver sido aplicada pena superior àquele limite.”

4- As posteriores leis de alteração do Código de Processo Penal, a Lei  nº 26/2010, de 30 de Agosto, e a Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro,. não alteraram esse entendimento, o qual não é inconstitucional, uma vez que o artº 32º nº 1 da Constituição da República ao garantir o direito ao recurso, garante o duplo grau de jurisdição mas não duplo grau de recurso, sendo este determinado pela forma prevista no diploma legal adjectivo (v. aliás preâmbulo – 1.III. c) - do Código de Processo Penal)

.

            5- A situação jurídica exposta não traduz qualquer diminuição das garantias de defesa nem prejudica o arguido, ou limita o exercício do direito ao recurso, pela recorrente, uma vez que a referida Lei ao não ampliar o direito ao recurso, também o não restringiu, mantendo-se o âmbito legal do direito ao recurso, como vinha sendo entendido.

As legítimas expectativas criadas pelo exercício do direito ao recurso, foram acauteladas constitucionalmente, na situação concreta, com o recurso interposto para um tribunal de 2ª instância, o tribunal da Relação, por força da conjugação do artº 432º nº 1 al. c) e 427º, ambos do CPP, e o contraditório inerente, quer por força do disposto no artº 414º nº 1 do CPP, quer por força do artº 417º nº2, ambos do CPP.

Não há qualquer violação de normas constitucionais.

Parafraseando o Acórdão nº 424/2009, do Tribunal Constitucional, de 14 de Agosto:

“ Não se pode, assim, considerar infringido o nº 1 do artigo 32º da Constituição pela norma que constitui o objecto do presente recurso, já que a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas.

6. A concluir, refira-se o artigo 2º do protocolo nº 7 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (aprovado, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República nº 22/90, 27 de Setembro, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República nº 51/90, da mesma data), cujo texto é o seguinte:

Artigo 2º

1 – Qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal por um tribunal tem o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade ou a condenação. O exercício deste direito, bem como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido, são regulados por lei.

2 – Este direito pode ser objecto de excepções em relação a infracções menores, definidas nos termos da lei, ou quando o interessado tenha sido julgado em primeira instância pela mais alta jurisdição ou declarado culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição.

Como se vê, a parte final do nº 2 ressalva, precisamente, a hipótese que está em apreciação no presente recurso.”

            6. Em 1ª instância, o arguido HH, foi condenado

            a) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 1, als. b) e d), do Código Penal (II), na pena de 3 anos e 10 meses de prisão;

            b) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 1, als. b) e d), do Código Penal (JJ - I), na pena de 5 anos de prisão;

            c) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 1, als. b) e d), do Código Penal (JJ - II), na pena de 5 anos e 2 meses de prisão;

            d) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 1, als. b) e d), do Código Penal (JJ - III), na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;

            e) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 1, al. b), do Código Penal (LL), na pena de 4 anos e 6 meses de prisão;

            f) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 6, do Código Penal (LL), na pena de 3 ano de prisão;

            g) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 1, al. b), do Código Penal (MM), na pena de 5 anos de prisão;

            h) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 6, do  Código  Penal  (MM),  na  pena  de  1  ano  e  2  meses  de prisão;

            i) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 1, als. b) e d), do Código Penal (NN), na pena de 5 anos e 6 meses de prisão;

            j) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 6, do Código Penal (NN), na pena de 1 ano e 4 meses de prisão;

            k) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 1, als. b) e d), do Código Penal (OO), na pena de 5 anos e 10 meses de prisão;

            l) Pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º, n.º 6, do Código Penal (OO), na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

           

            Em cúmulo jurídico ficou condenado o referido arguido, na pena única de 16 (dezasseis) anos de prisão.

            Deste acórdão interpôs recurso o mesmo arguido, para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual, por seu acórdão de 14 de Maio de 2014, julgou o recurso totalmente improcedente, “com a consequente manutenção integral da decisão recorrida”

Houve pois, confirmação na íntegra da decisão de 1ª instância

7 - O acórdão da Relação de que foi interposto o presente recurso, visando as penas parcelares, e a definição ou qualificação de condutas subjacentes à ilicitude (o alegado crime continuado), é, pelo exposto, irrecorrível, pelo que não devia ter sido admitido (artº 414º nº2 do CPP).e, por isso é de rejeitar (artº 420º nº 1 b) do mesmo diploma)

Na verdade a decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior (nº 3 do artº 414º do CPP)


-

8- O recurso apenas é admissível quanto à pena conjunta porque superior a 8 anos de prisão, uma vez que o recorrente HH foi condenado em cúmulo, na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão,

           

            O recorrente impugna a pena única, concluindo em, suma, que. “Perspectivando o ilícito global perpetrado, a proporcionalidade entre a gravidade do facto e a gravidade da pena por um lado e a satisfação do fim último da pena que é o da reintegração do agente, deverá fixar-se pena única consentânea com tais exigências. Assim, considerando também a idade do agente e a sua saúde, a pena única a fixar deverá, para ser justa, ser significativamente inferior à fixada nas instâncias. Não sendo estulto esperar-se que ela possa ser fixada em 5 anos de prisão e suspensa na sua execução. “ (conclusões y),z), e aa)).

Como se sabe, o artigo 77º nº 1 do Código Penal, ao estabelecer as regras da punição do concurso, dispõe: “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”

            Por sua vez, o artº 78º do mesmo diploma substantivo prescreve:

            1, Se depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.

            2. O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.

O sistema de punição do concurso de crimes consagrado no art. 77.º do CP, aplicável ao caso de conhecimento superveniente do concurso, adoptando o sistema da pena conjunta, «rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente». Por isso, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta, cujos critérios legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa.

Nesta segunda fase, «quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que [esteve] na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspectiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido.

Aqui, o todo não equivale à mera soma das partes e, além disso, os mesmos tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete, de caso para caso. A este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação. Afinal, a valoração conjunta dos factos e da personalidade, de que fala o CP.

Com efeito, há que ter em conta o artº 40º nººs 1 e 2 e 71º do CP e, que como ensina FIGUEIREDO DIAS  –As Consequências Jurídicas do Crime, §55  “Só finalidades relativas de prevenção geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma ‘infringida’”

Todavia em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa (ultrapassar a medida da culpa), cuja verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar.”- v. FIGUEIREDO DIAS, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 109 e ss.

Por outro lado, afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstracto, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta, quer no que respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à prevenção, quer, ainda, no que concerne à personalidade e factos considerados no seu significado conjunto.

Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa, numa perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais. Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a actividade criminosa expressa pelo número de infracções, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade.

            Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade, que deve ser ponderado. Ac. deste Supremo e desta 3ª Secção, de 09-01-2008, proc. n.º 3177/07.

Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo) nem pelo da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente: como doutamente diz Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 290-292), como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.

Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso. Ac. deste Supremo e desta Secção de 06-02-2008, in Proc. n.º 4454/07

Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, não já no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993,; . Acs de 11-10-2006 e de 15-11-2006 deste Supremo e 3ª Secção in Proc. n.º 1795/06, e Proc. n.º 3268/04.

Se na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, tem de ter-se em conta a gravidade e conexão recíproca dos factos praticados e mesmo no que respeita à sua personalidade se esses factos revelam tendência para o crime ou se são fruto de factores externos que não radicam na sua personalidade.

Dos factos deve poder saber-se os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a actividade criminosa expressa pelo número de infracções, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade.

A medida da pena do concurso encontrar-se-á “em função das exigências gerais de culpa e de prevenção”(idem, ibidem, p. 291)

     Tal concepção da pena conjunta obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso, só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo – da «arte» do juiz – ou puramente mecânico e portanto arbitrário», embora se aceite que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor nem a extensão pressupostos pelo art. 71.º.

Só assim se evita que a medida da pena do concurso surja consequente de um acto intuitivo, da apregoada e, ultrapassada, arte de julgar, puramente mecânico e, por isso arbitrário.

Note-se que o artigo 71º nº 3 do Código Penal determina que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.

Embora não seja exigível o rigor e a extensão nos termos do nº 2 do mesmo artº 71º, nem por isso tal dever de fundamentação deixa de ser obrigatório, quer do ponto de vista legal, quer do ponto de vista material, e, sem prejuízo de que os factores enumerados no citado nº 2, podem servir de orientação na determinação da medida da pena do concurso. (Figueiredo dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 291)

            Por outro lado se os factores levados em consideração para a determinação da mediada das penas parcelares ou se é proibida a dupla valoração, “deve notar-se que aquilo que à primeira vista poderá parecer o mesmo factor concreto, verdadeiramente não o será consoante seja referido a um dos factos singulares ou ao conjunto deles: nesta medida não haverá razão para invocar a proibição da dupla valoração.” (idem, ibidem, p. 292, § 422.

   O recorrente HH na conclusão 62º da motivação do recurso interposto para a Relação alegava:”Fazendo o cúmulo das penas aplicadas ao Carlos, deverá o mesmo ser condenado em pena única inferior a 5 anos de prisão, suspensa na sua execução (atenta a sua idade e seu débil estado de saúde, já que sofre de enfermidade a nível da bexiga e da próstata - como se comprovará com relatório médico Já solicitado e que se protesta Juntar)”

             O acórdão recorrido não se pronunciou expressamente sobre a pena aplicada em cúmulo, apenas referindo de forma genérica:

            “No que toca à medida concreta das penas parcelares, bem como da pena aplicada em cúmulo, o acórdão recorrido encontra-se devidamente fundamentado, nos critérios, aplicados ao caso, dos artigos 71º-40º e do artigo 77º, nº1, respectivamente do C. Penal.”

           

É evidente que a decisão recorrida não efectua uma ponderação em conjunto, interligada, quer da apreciação dos factos, nos termos expostos, de forma a poder avaliar-se globalmente a gravidade destes, quer da personalidade neles manifestada, de forma a concluir sobre a sua motivação subjacente (se oriunda de tendência para delinquir ou de pluriocasionalidade não fundamentada na personalidade), nem sobre os efeitos previsíveis das pena aplicada no comportamento futuro do agente.

A determinação da pena do cúmulo, exige um exame crítico de ponderação conjunta sobre a interligação entre os factos e a personalidade do condenado, de molde a poder valorar-se o ilícito global perpetrado, nos termos expostos.

            Aliás salienta MAIA GOÇALVES (Código Penal Português Anotado e comentado 18ª ed, pág. 295, nota 5) “na fixação da pena correspondente ao concurso entra como factor a personalidade do agente, a qual deve ser objecto de especial fundamentação na sentença.

Ela é mesmo o aglutinador da pena aplicável aos vários crimes e tem, por força das coisas, carácter unitário”

Porém, na fundamentação de facto, o acórdão recorrido descreve os factos integrantes dos crimes, bem como factos sobre a personalidade do arguido.

Donde não haver omissão factual que constitua a nulidade prevista no artº 379º nº 1 a) (1ª parte) do CPP.

Por outro lado, poderia ainda dizer-se que a decisão recorrida não efectuou qualquer correlato com as exigências de prevenção especial, uma vez que nada analisou sobre os efeitos previsíveis da pena sobre o comportamento futuro do condenado, e que ao omitir esta avaliação o tribunal omite pronúncia sobre questão que tinha de apreciar e decidir, o que determinaria a nulidade da respectiva decisão - art. 379.º do CPP. -Ac. deste Supremo, de  22-11-2006, Proc. n.º 3126/96 - 3.ª Secção, pois que a omissão de pronúncia significa, na essência, ausência de posição ou de decisão do tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa sobre questões que lhe sejam submetidas: as questões que o juiz deve apreciar são todas aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (art. 660.º, n.º 2, do CPC), e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.

Contudo, constando da matéria de facto os elementos necessários à realização do cúmulo, pode o tribunal de recurso suprir a nulidade nos termos do nº 2 do artº 379º do CPP.

Como bem observa Oliveira Mendes, Código de Processo Penal comentado, 2014, Almedina, pág. 1183:

“Por efeito da alteração introduzida ao texto do nº 2 pela Lei nº 20/203, de 21 de Fevereiro, passou a constituir um dever do tribunal de recurso o suprimento das nulidades da sentença recorrida (é o que decorre da actual letra da lei «as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las…»), razão pela qual sobre o tribunal de recurso impende a obrigação de suprir as nulidades de que padeça a sentença recorrida, a menos, obviamente, que a nulidade só seja susceptível de suprimento pelo tribunal recorrido […]”

Para tanto é necessário que a decisão que efectue o cúmulo, descreva ou resuma todos os factos pertinentes de forma a habilitar os destinatários da decisão e o tribunal superior, a conhecer a realidade concreta dos crimes cometidos, bem como os factos provados, que demonstrem qual a personalidade, modo de vida e inserção social do agente, com vista a poder compreender-se o processo lógico, o raciocínio da ponderação conjunta dos factos e personalidade do mesmo que conduziu o tribunal à fixação da pena única.(v. Ac. deste Supremo de 27 de Março de 2003, proc. nº 4408/02 da 5ª secção)

Por outro lado ainda, poderá dizer-se que o acórdão sub judicio ao considerar também com referência à pena aplicada em cúmulo, “o acórdão recorrido encontra-se devidamente fundamentado, nos critérios aplicados ao caso”, faz uso implícito, da fundamentação havida na 1ª instância, que assim corrobora.

E do acórdão da 1ª instância resulta expressamente a seguinte fundamentação quanto ao ora recorrente arguido:

“- HH:

 • o facto de ter sempre atuado com dolo direto, forma mais grave de culpa; • a ilicitude apresenta características de relevo, bem patente no modo de atuação constante dos factos provados nos vários crimes cometidos, não se bastando com a utilização de ardil, mas antes explorando, nas situações respetivas, a vulnerabilidade das vítimas;

 • retira-se igualmente do modo de execução dos crimes, o longo período de tempo que reteve algumas vítimas, a constante vigilância mantida sobre as vítimas, serem graves as consequências dos factos, por ser facto notório que as vítimas dos crimes de tráfico de pessoas cometidos sofreram muito do ponto de vista psíquico, para além de trabalharem afincadamente para nada receberem, antes se vendo retidos em condições miseráveis;

 • decorre daí que o arguido demonstrou um total desrespeito pela dignidade humana, face à forma como tratou com os ofendidos, não se coibindo de viver às custas do seu trabalho, sem curar de entregar sequer uma pequena parte do rendimento aos ofendidos de modo a garantir as mínimas necessidades básicas destes, antes os colocando na sua inteira dependência;

• recorrendo, para tal, à retenção de documentos de identificação das vítimas, nos casos dados como provados, garantindo assim uma maior dependência das vítimas da sua vontade em libertá-las; • através da sua conduta criminosa, o arguido obteve elevados rendimentos, conforme consta dos factos provados, sem que tenha trabalhado; • o período temporal em que decorreram os factos criminosos em causa nestes autos, superior a 3 anos;

 • a total impreparação demonstrada pelo arguido para prosseguir a sua vida honestamente, face aos seus antecedentes criminais, que incluem o cumprimento de uma pena elevada de prisão por um crime contra as pessoas (homicídio), sendo certo que praticou os factos no decurso de um prazo de suspensão de uma pena de prisão que lhe foi aplicada por acórdão de 19.12.2006, pela prática de um crime de roubo;

 • aliás, o arguido desde 1990 que vem sendo sucessivamente condenado pela prática de vários crimes, tendo a 1ª condenação após a sua libertação, que teve lugar em Outubro de 2000, ocorrido logo no ano seguinte”

            E, mais adiante:

            “Nos termos do art. 77º do Código Penal, importa operar o cúmulo jurídico entre as penas aplicadas, situando-se os limites da pena entre 5 anos e 10 meses e os 25 anos de prisão (art. 41º, n.º 2, do Código Penal).

Impõe a lei que, no achamento da pena única, se tenha em conta a globalidade dos factos, e a personalidade do arguido.

Relativamente aos factos, releva tratarem-se todos os ilícitos praticados pelo arguido de crimes de tráfico de pessoas, violadores de bens eminentemente pessoais, e terem sido praticados num período em que decorria o prazo de suspensão de execução de uma pena de prisão aplicada ao arguido por um crime em que foi exercida violência sobre uma pessoa (roubo), sendo certo que anteriormente havia cumprido uma condenação pela prática do crime mais grave, a saber, um homicídio qualificado. Poder-se-á extrair que o arguido denota um total desrespeito pela pessoa humana, não estando assim preparado para viver em comunidade cumprindo as regras vigentes na sociedade normal, necessitando para o efeito de se afastar do percurso criminoso, que parece recusar.

 Não existem, assim, factos donde se possa retirar uma prognose favorável quanto à reinserção social do arguido, antes exige o seu passado criminoso, conjugado com o longo período temporal em que praticou os crimes destes autos, uma pena exemplar, única forma de o arguido poder interiorizar o desvalor das suas condutas, e a necessidade de deixar de delinquir.

Perante os fatores enunciados, e tendo em consideração a gravidade objetiva da generalidade dos factos, entende-se adequada a fixação da pena única em 16 anos de prisão.”

A fundamentação aduzida nas instâncias, é de acolher.

A natureza dos bens jurídicos violados, a gravidade dos factos e das consequências é bastante elevada, em que a dignidade da pessoa humana é posta em causa, de forma astuciosa e intencional, através de engano da vítima, e, subjugando a sua liberdade de actuação e opção, reflectindo-se, no seu modo de ser e de viver, e com vista à obtenção de lucros pelo traficante,

 A intensidade do dolo é especifica., sendo certo que os factos delituosos têm a mesma natureza e se encontram conexionados, e provêm de tendência criminosa do agente do tráfico, que motivado exclusivamente pelo lucro tendo por objecto o negócio de pessoas, persiste em revelar falta de preparação para manter conduta lícita, e uma personalidade que despreza o direito, projectada nos factos e por eles revelada,

Na verdade, o arguido HH e outros receberam diretamente das mãos dos patrões espanhóis, ou através de transferência bancária para contas bancárias às quais acediam, o dinheiro correspondentes aos salários dos trabalhadores acima referidos, com a responsabilidade de lhes fazerem a sua entrega, mas antes ficaram com todo o dinheiro ou, por vezes, fizeram entregas de pequenos montantes, locupletando-se com todo o resto. Para melhor assegurarem os rendimentos à custa do trabalho e prejuízo dos trabalhadores por eles angariados, retiraram a alguns todos os documentos de identificação, os cartões bancários e os telemóveis pessoais, de forma a dificultar quer os movimentos, quer os contactos com familiares, ou mesmo dissuadi-los de denunciarem a situação em que se encontravam junto das autoridades. As vítimas, apesar de muitas terem possibilidades de fugir, mantinham-se na companhia dos arguidos porque desconheciam o local onde se encontravam, não possuíam dinheiro, não tinham os seus documentos de identificação nem contactos telefónicos e tão pouco conheciam o meio de transporte que os poderia conduzir de regresso às suas casas. Fizeram-no com o propósito de obterem para eles e para a família que integram proveitos económicos à custa do correspondente prejuízo patrimonial dos trabalhadores.

O arguido HH, e outros não exercem qualquer atividade profissional com caráter regular. Com a descrita atividade criminosa, concretamente com as vítimas acima identificadas, o arguido ora recorrente apoderou-se pelo menos das seguintes quantias:

a) O arguido HH, € 44.360 (retribuições menos quantias entregues, menos € 100 por mês, pela “estadia”);

b) O arguido HH e outro, € 8.700,00;

O referido arguido e outros  fizeram suas as mencionadas quantias, que gastaram em proveito de todo o seu agregado familiar, à custa do trabalho alheio de pessoas especialmente frágeis e carenciadas economicamente .e agiram deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

      O arguido HH foi julgado e condenado:

a) No processo comum coletivo n.º 162/90, da 3ª seção do Tribunal Judicial da Guarda, por acórdão de 18.10.90, pela prática de um crime de homicídio qualificado, um crime de extorsão, e um crime de detenção de arma proibida, foi condenado na pena única de 15 anos de prisão, parcialmente perdoada por amnistia, tendo sido concedida liberdade definitiva a 14.10.2000.

b) No processo comum singular n.º 41/91, da comarca de Oliveira do Hospital, por sentença de 17.4.1991, pela prática de um crime de homicídio negligente, foi condenado na pena de 9 meses de prisão, e 110 dias de multa, pena posteriormente amnistiada.

c) No processo comum singular n.º 177/92, da comarca de Arganil, por sentença de 2.2.93, pela prática de um crime de falsas declarações, foi condenado na pena de 8 meses de prisão, declarada perdoada por amnistia.

d) No processo comum singular n.º 101/98, do 1º Juízo da comarca de Seia, por sentença de 29.4.99, pela prática de um crime de descaminho de objeto colocado sob o poder público, foi condenado na pena de 3 meses de prisão, substituída por igual número de dias de multa, que pagou.

e) No processo comum singular n.º 46/2001, do 1º Juízo da comarca de Seia, por sentença de 29.10.2001, pela prática de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, foi condenado na pena de 180 dias de multa, que pagou.

f) No processo comum coletivo n.º 9/02.0TBFUN, do 2º Juízo da comarca do Fundão, por acórdão de 14.10.2002, pela prática de um crime de aquisição de moeda falsa, foi condenado na pena de 150 dias de multa, que pagou.

g) No processo comum coletivo n.º 111/01.5GASEI, do 2º Juízo da comarca de Seia, por acórdão de 19.12.2006, pela prática de um crime de roubo, foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 4 anos, já declarada extinta.

            Valorando o ilícito global perpetrado, na ponderação conjunta dos factos e personalidade do arguido, face ao exposto, e  tendo em conta:

 As fortes exigências de prevenção geral neste tipo de crime, pela necessidade acutilante de reposição contrafáctica da norma violada, na dissuasão das condutas violadoras atenta a sua natureza e gravidade, que despreza e controla a dignidade humana, que provêm de tendência criminosa do arguido, como elucida a sua vida pergressa.

            As intensas exigências de prevenção especial, na medida em que o arguido demonstrou ter uma personalidade que não respeita a dignidade da pessoa, revela falta de preparação para manter conduta licita, com tendência para o crime.

            O limite da culpa bastante intensa pelo dolo no desvalor da acção e do resultado querido e conseguido.

 

Há que ter ainda em conta os efeitos previsíveis da pena no comportamento futuro do arguido, atenta a carência de ressocialização e a dissuasão da reincidência, e o limite da pena aplicável, por força do disposto no artº 77º nº 2 do CP, que  se situa entre o mínimo de 5 anos de prisão e 10 meses e o máximo de 25 anos  de prisão, por força do limite máximo legal, - artº  41º nº 2 do CP,

Donde, pelo exposto, se conclui que in casu, a pena conjunta não se revela desproporcional nem desadequada, e que, por isso, é de manter.


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Termos em que, decidindo:

Acordam os deste Supremo – 3ª Secção -. em negar provimento ao recurso confirmando o acórdão recorrido.

            Condenam o recorrente em 5 Ucs de taxa de justiça

           

Supremo Tribunal de Justiça,1 de Julho de 2015

                                               Elaborado e revisto pelo relator

                                               Pires da Graça

                                               Raul Borges