Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
040429
Nº Convencional: JSTJ00010792
Relator: VAZ DE SEQUEIRA
Descritores: FALTA DE ADVOGADO
FALTA DE TESTEMUNHAS
ADIAMENTO
INSPECÇÃO JUDICIAL
QUESITOS
NULIDADE
IRREGULARIDADE
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RESPOSTAS AOS QUESITOS
AMNISTIA
CULPA
Nº do Documento: SJ199106270404293
Data do Acordão: 06/27/1991
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N408 ANO1991 PAG421
Tribunal Recurso: T REL ÉVORA
Processo no Tribunal Recurso: 182/88
Data: 05/23/1989
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR PROC PENAL - RECURSOS.
Legislação Nacional: CPC61 ARTIGO 651 N1 C ARTIGO 666.
CPP29 ARTIGO 1 PARUNICO ARTIGO 29 ARTIGO 30 PAR1 ARTIGO 33 ARTIGO 100 ARTIGO 417 PAR3.
CE54 ARTIGO 67.
CPP87 ARTIGO 422.
L 3/81 DE 1981/03/13 ARTIGO 1 A.
CP82 ARTIGO 136 N1 N2.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO RC DE 1976/10/13 IN CJ ANO1976 T3 PAG568.
ACÓRDÃO STJ DE 1968/07/17 IN BMJ N179 PAG106.
Sumário : No julgamento de pedido civel enxertado em processo penal, a falta de advogado e regulada no paragrafo 3 do artigo 417 do Codigo de Processo Penal.
A falta de testemunhas so determina o adiamento da audiencia quando o tribunal o julgar indispensavel a realização da justiça.
A inspecção ao local não e obrigatoria.
A falta de leitura dos quesitos antes de o tribunal colectivo recolher para deliberar constitui nulidade secundaria, ou irregularidade, que tem de ser arguida no proprio acto pelo interessado, se estiver presente, ou no prazo de 5 dias a partir do seu conhecimento presumido, se não estiver.
O Supremo Tribunal de Justiça so conhece de questões de direito pelo que não pode anular as decisões do colectivo por contradição nas respostas aos quesitos.
A amnistia das transgressões causais não influi na apreciação da culpa do reu.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:
Em 10 de Abril de 1984, na Avenida 25 de Abril, em Castro Verde, do distrito de Beja, ocorreu um acidente de viação que, em resumo, consistiu no seguinte:
O veiculo automovel, ligeiro de mercadorias, FT-..., conduzido pelo seu proprietario, A, circulava por aquela Avenida no sentido Norte - Sul, quando em frente do predio n. 47 atropelou o menor, de sete anos de idade, que surgiu do lado direito do sentido de marcha do automovel.
O dito menor, B, sofreu graves lesões que como consequencia necessaria trouxeram-lhe a morte.
Apos inquerito, o Ministerio Publico, opinou pelo arquivamento dos autos.
Os pais do B, C e D, constituindo-se assistentes nos autos deduziram acusação contra o condutor do veiculo e o atinente pedido civel de indemnização por perdas e danos contra aquele e contra a seguradora Tranquilidade.
Entretanto, as transgressões causais do acidente, pela forma referida na acusação, foram amnistiadas com os correspectivos efeitos.
Realizado o julgamento com intervenção do Tribunal Colectivo - as partes não prescindiram do direito de recorrer o reu foi absolvido do ilicito criminal que lhe era imputado pelos assistentes e a Seguradora condenada numa muito reduzida parcela do pedido formulado.
Esta não recorreu da decisão.
Outrotanto não se deu com os assistentes que interpuseram recurso para a Relação de Evora.
Esta, por seu Acordão de 23-5-89 negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Inconformados, os assistentes recorrem para este Supremo Tribunal de Justiça.
Produziram doutas alegações que mereceram as contralegações ao reu A e do Ministerio Publico.
Neste Supremo, os autos foram com vista ao Excelentissimo Procurador Geral Adjunto.
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
Segundo os recorrentes são seis as questões que gostariam de ver decididas por este mais Alto Tribunal:
1) Falta de advogado do assistente;
2) Testemunhas não prescindidas;
3) Inspecção ao local;
4) Acta de audiencia; a) alegações, b) leitura do questionario,
5) Contradição nas respostas aos quesitos;
6) Nulidades da sentença.
Vejamos de per si cada uma das ditas questões:
I - Da falta de Advogado dos assistentes:
O ilustre mandatario dos assistentes não compareceu a audiencia da discussão e julgamento, tendo este tido lugar sem a sua presença.
Dai que pugne dever ter sido adiado o julgamento, fundando o seu ponto de vista na alinea c) do n. 1 do artigo 651 do Codigo de Processo Civil.
Não tem porem razão.
Com efeito, o paragrafo 3 do artigo 417 do Codigo de Processo Penal estatui que "se faltar o representante da parte acusadora, prosseguira o julgamento, mas sera admitido a intervir logo que compareça.
Nos crimes que dependam da acusação da parte adiar-se-a o julgamento, mas, se não comparecer no dia novamente designado, entender-se-a que a parte desistiu".
E o paragrafo unico do artigo 1 refere que so nos casos omissos, quando as suas disposições não possam aplicar-se por analogia, observar-se-ão as regras do processo civil que se harmonizam com o processo penal..."
Ora não podem os recorrentes pretender lançar mão de um preceito do direito adjectivo civil quando se não esta face a um caso omisso, certo que o Codigo de Processo Penal contempla expressis a hipotese.
De resto, o chamado enxerto civel no processo penal não faz, em qualquer caso, que este perca a sua natureza penal que o acompanhara ate final.
A nossa lei perfilha o sistema de adesão, embora uma adesão mais funda quando o pedido e formulado nos termos dos artigos 67 e 68 do Codigo da Estrada.
O regime por que a nossa lei optou esta, segundo Castanheira Neves, todo subordinado ao principio da dependencia, enunciado nos artigos 29 do Codigo de Processo Penal e 67 do Codigo da Estrada. Os casos de valida petição separada são os previstos nos artigos
30 paragrafo 2 e 33, mas estes casos, verdadeiramente, não excepcionam o principio da interdependencia, pois a autonomização da acção civil e ai justificada apenas pela insubsistencia do termo necessario a dependencia pretendida, (conforme Codigo de processo Penal de Maia Gonçalves, 4 edição pagina 77).
Alias, este entendimento não sofre excepções, havendo ate decisões que contemplam - como sucede no caso em apreço - a situação de amnistia das infracções penais.
Com efeito, por exemplo, no Acordão da Relação de Coimbra de 13/10/76, in C.J. 1976, Tomo 3, 568, le-se:
"Amnistiadas as infracções penais mas prosseguindo o processo crime para fixação da indemnização, o pedido civel segue submetido aos principios que regem o processo penal. (ob. cit).
O segundo paragrafo do paragrafo 3 do artigo 417 do Codigo de Processo Penal tão so se refere aos chamados crimes particulares que dependem da acusação da parte.
E que, como lucidamente diz o Ministerio Publico a pagina 213 verso, a desistencia não se pode presumir em relação a esse crime publico, como e o caso dos autos.
A acção civel enxertada perde a sua autonomia quo tale e passa a sujeitar-se ao regime processual penal.
Dai que, neste campo, o Tribunal agiu de acordo com a lei.
II - Testemunhas não prescindidas.
Outro ponto que os recorrentes atacam e o de não ter sido adiado o julgamento por falta de testemunhas não prescindidas.
Ora o artigo 422 do Codigo de Processo Penal não conduz a esse entendimento.
Quando faltarem testemunhas notificadas o julgamento pode ser adiado por falta delas, mas o mesmo pode tambem iniciar-se e, a dado passo, se o tribunal entender da necessidade da sua audição suspendera os trabalhos para os recomeçar no dia que vier a ser designado ja com a presença de tais testemunhas.
Porem, esta atitude não tomara se, em seu alto criterio, julgar-se perfeitamente esclarecida da questão a se derimir.
Foi isso que sucedeu e a agir dentro dos parametros da lei não constitui nenhuma nulidade.
E que a redacção do citado artigo 422 do Codigo de Processo Penal foi introduzida com o intuito de imprimir celeridade processual, evitando demoras inuteis, deixando o adiamento por falta de testemunhas dependente de o Juiz considerar ou não dispensavel o depoimento (conforme Maia Gonçalves, ob. cit.).
Alias so não podia prescindir quem não tivesse amolado a testemunha faltosa - caso do Ministerio Publico.
Os recorrentes não tendo tido presente a sua mandataria não poderam usar dessa faculdade -
- sibi imputat - como o faz a re Seguradora.
Nesta sede, como decidiu o Acordão recorrido nada de menos legal, teve lugar.
So o Tribunal da 1 instancia e que se encontrava em condições de valorar a prova produzida, aspecto a que e alheia a competencia deste Supremo Tribunal, por versar materia de facto.
III - Inspecção ao local
A inspecção ao local não e obrigatoria e na grande maioria dos casos de sinistros estradais ela não tem lugar se o julgador tem a perfeita noção de como os factos decorreram.
O facto de quando da designação do dia para a audiencia de julgamento nela se ter falado e marcado para o dia daquele, tão so significa que se se viesse a mostrar necessario aquela diligencia ela teria lugar na altura do julgamento.
O tribunal que a não realizou e porque, apos a prova produzida, julgou-a desnecessaria, o que, como e bem de ver, não acarreta qualquer nulidade ou omissão.
IV - Acta de audiencia
Pretendem os recorrentes que da acta de audiencia não ficou a constar que o Ministerio Publico tenha proferido alegações orais.
Nada de menos exacto.
Na forma omnicompreensiva de se referir "produzidas alegações orais" quere-se significar que houve alegações pois produzidas por todos os que a tinham de produzir, sem necessidade de se descriminar, uma a uma, as pessoas que tinham usado da palavra.
Outrotanto não se da quanto a falta da leitura de quesito, imposto pela lei.
Como foi aceite pela Relação o Presidente do Tribunal Colectivo não procedeu a leitura dos quesitos, antes de recolher para deliberar.
Em lugar de proceder a leitura dos quesitos fez a leitura do acordão que absolveu, na parte criminal, o Reu, tornando assim inoportuna qualquer reclamação.
No entanto tal omissão não constitui uma nulidade principal, mas uma mera nulidade secundaria, ou irregularidade, de que trata o artigo 100 do Codigo de Processo Penal.
Ora tal irregularidade tem por força da lei, de ser arguida no proprio acto se presente o interessado na sanação do vicio, ou no prazo de cinco dias a contar, vejamos, do seu presumido conhecimento.
Tal não foi feito donde resulta que o vicio se mostra sanado.
V - Contradição nas respostas aos quesitos
Neste caso diz-se tão so: o Supremo Tribunal de Justiça apenas cuida das questões de direito - artigo
666 do Codigo de Processo Penal.
Porque ao Supremo Tribunal de Justiça e vedado conhecer da materia de facto, deve entender-se que não pode anular as decisões do Tribunal Colectivo por vicios do questionario (deficiencia, excesso, contradição ou obscuridade) nem tão pouco exercer censura sobre o uso que as Relações tenham feito dos seus poderes de anulação das mesmas decisões.
Pode considerar-se pacifica a Jurisprudencia do Supremo neste sentido.
Por todos conforme o Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-7-68, Boletim do Ministerio da Justiça 179/106, que a sumaria: Ao Supremo Tribunal de Justiça funcionando como Tribunal de Revista, não e licito exercer censura sobre a forma como os tribunais ou instancia chegaram as conclusões sobre materia de facto, nem tão pouco anular o julgamento com base em deficiencias, obscuridades ou contradições do questionario; so lhe e licito mandar ampliar a materia de facto, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito".
VI - Das nulidades de sentença:
Somos em crer que a Relação escalpelisou a questão com bastante profundidade.
Para ainda melhor esclarecimento não nos furtamos a transcrever uma curta passagem da posição assumida pelo Ministerio Publico, neste restrito campo:
"A amnistia concedida pelo artigo 1, alinea a) da
Lei 3/81 de 13/3 abrange as contravenções causais do crime de homicidio involuntario, previsto e punivel pelo artigo 59, alinea b) do Codigo da Estrada.
Amnistiadas tais contravenções e dada a natureza da amnistia, o agente so podera ser condenado como autor de um crime de homicidio involuntario da previsão do artigo 368 do Codigo Penal se se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos".
A amnistia das transgressões causais não teria influencia na apreciação da culpa do reu.
Como e bem de ver onde se refere o artigo 368 deve hoje, como que ver-se o artigo 136 n. 1 e 2 do Codigo Penal, e a amnistia de que o Reu beneficiou e a da Lei 16/86, artigo 1 alinea b).
Com efeito, não se entalha que o acordão recorrido e a sentença - o que se refere marginalmente - padeçam de qualquer nulidade que lhe são assacadas.
Sem necessidade de maiores considerações, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se o acordão recorrido.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 27 de Junho de 1991.
Vaz de Sequeira,
Maia Gonçalves,
Lopes de Melo.
Decisões impugnadas:
VII - Acordão do Tribunal Colectivo da Comarca de Ourique de 87.12.10;
VIII - Acordão do Tribunal da Relação de Evora de 89.05.23.