Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | AZEVEDO RAMOS | ||
Descritores: | INVENTÁRIO DIREITO DE PREFERÊNCIA ADJUDICAÇÃO DE BENS TÍTULO TRANSLATIVO DE PROPRIEDADE | ||
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Nº do Documento: | SJ200805270013406 | ||
Data do Acordão: | 05/27/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
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Sumário : | I –Tendo sido deliberado, em conferência de interessados, proceder à venda dos bens imóveis relacionados e tendo ocorrido a abertura de propostas em carta fechada que abrangeram os bens a vender e sido aceites tais propostas quanto a determinados bens, foi proferido Acórdão da Relação que concedeu aos interessados o direito de serem admitidos a exercer a preferência na aquisição de determinadas verbas . II – Tendo sido convocada nova conferência de interessados para efeito de se deliberar sobre o indicado direito de preferência, podem ainda os interessados chegar a acordo quanto à composição dos quinhões das referidas verbas . III - O título de transmissão da propriedade difere do auto de abertura e aceitação das propostas, sendo este lavrado no acto da venda e aquele após o depósito do preço . IV – Só o acto de adjudicação opera a transmissão definitiva do direito de propriedade . | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça : No inventário por óbito de AA e de BB, em que é cabeça de casal CC, realizou-se conferência de interessados onde os interessados, quanto às verbas que compõem o acervo hereditário, acordaram, como se vê de fls 153, em eliminar as verbas da relação de bens que então identificaram, em adjudicar outras aos interessados também no acto referidos e em proceder à venda de todos os bens imóveis . * Foi logo designado dia para a abertura de propostas em carta fechada, com vista à venda dos bens relacionados sob os nºs 26 a 35 . * Procedeu-se á abertura das propostas apresentadas em carta fechada que abrangeram todos os bens a vender, de entre as quais se destacam as apresentadas pela aqui recorrente, N..., Imobiliária, L.da, relativas às verbas nºs 30, 31, 32 e 36. * Ouvidos os interessados, foram proferidos despachos onde se aceitaram as propostas desta sociedade para aquisição, pelo preço que ofereceu, das verbas nºs 30, 31 e 32 ( despachos de fls 336 e 337), outro tanto não tendo acontecido relativamente à proposta também por ela feita quanto à verba nº 36, tendo os interessados optado, quanto a esta, pela venda mediante negociação particular, o que igualmente abrangeu as verbas nºs 27 e 33, dado que também quanto a elas não foram aceites as propostas de aquisição apresentadas . * Também as propostas apresentadas para aquisição das verbas nºs 26, 29 e 35 por Etnevic, nº 28 por DD e outros e nº 34 por EE foram aceites por despachos judiciais no acto proferidos . * A interessada FF requereu então que fosse facultado o exercício do direito de preferência na aquisição das verbas nºs 26, 28, 29, 30, 31, 32, 34 e 35, direito que invocou assistir-lhe nos termos do art. 2130 do C.C. Tal pretensão foi-lhe negada com fundamento na inexistência do direito invocado . * E, logo de seguida, ordenou-se que fosse dado cumprimento ao disposto no art. 897 do C.P.C., na sequência do que a N..., Imobiliária, L.da, procedeu ao depósito do preço das verbas cuja proposta de compra, por si formulada, fora oportunamente aceite, igualmente tendo pago o imposto municipal de sisa devido ( fls 364 e 365). * A Relação de Lisboa, no seu Acórdão de 9-3-06, conhecendo do agravo interposto pela FF contra a decisão acima aludida que negara a existência do invocado direito de preferência, revogou-a “determinando que seja deferido o pedido da interessada FF, admitindo-a a exercer o direito de preferência (que naturalmente também assiste aos restantes interessados ) seguindo-se os demais trâmites “ (sic) . * No Tribunal de 1ª instância, designou-se dia e hora para realização de nova conferência de interessados, para tanto se invocando o decidido no referido Acórdão da Relação de 9-3-06, as rectificações entretanto feitas na relação de bens e a necessidade de esclarecimento das questões pendentes, relativas às verbas em relação a cuja compra e venda a interessada FF pretendeu exercer o direito de preferência, que veio a ser-lhe reconhecido no mesmo Acórdão . * Nessa conferência, declararam os interessados que tinham chegado a acordo relativamente à composição dos respectivos quinhões, nos seguintes termos ( fls 738) : - “mantêm-se eliminadas as verbas referidas a fls 153, bem como o passivo; - as verbas relativas a bens móveis não eliminadas, referidas a fls 153, mantêm-se adjudicadas aos interessados aí referidos ; - quanto aos imóveis acordam em que, para efeitos de adjudicação, será tida em conta a relação de bens de fls 584 a 588, tal como já decorria do despacho de fls 657; - as verbas aí constantes: verbas nºs 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37 e 38 são adjudicadas a todos na proporção dos respectivos quinhões ; - todos os interessados que eventualmente tenham direito a tornas prescindem, desde já , das mesmas; - requerem assim a homologação do acordo que antecede, dando o seu acordo previsto no nº6, do art. 1353 do C.P.C.”. * Seguiu-se a decisão de fls 739, que homologou tal acordo, nos termos do art. 1353, nº6, do C.P.C., e ordenou que se procedesse à partilha, compondo-se os quinhões pela forma acordada. * Inconformada com essa decisão na parte em que homologou o acordo dos interessados quanto à composição dos respectivos quinhões, dela interpôs recurso de agravo N..., Imobiliária, L.da, que formulara propostas de aquisição de bens imóveis (conforme atrás referido e oportunamente aceites), tendo apresentado alegações, onde pede a sua revogação ou que lhe sejam adjudicados os bens constantes das verbas nºs 30, 31 e 32 . * A Relação de Lisboa, através do seu Acórdão de 23-10-07 ( fls 802 e segs), decidiu : “concede-se provimento ao agravo e revoga-se em parte a decisão agravada, dela deixando de constar a homologação da partilha quanto às verbas nºs 30, 31 e 32 e a correlativa adjudicação destas verbas a todos os interessados, na proporção dos respectivos quinhões. Na primeira instância se procederá à adjudicação das mesmas verbas à agravante “. * Agora, foram as interessadas CC e FF que recorreram para este Supremo Tribunal de Justiça, recurso que foi admitido como sendo de revista, por estar em causa uma sentença homologatória de partilha, proferida nos termos do art. 1353, nº6, do C.P.C., onde resumidamente conclui : 1- A recorrente FF exerceu o direito de preferência que lhe assiste, no âmbito de um acordo entre todos os interessados . 2 – As recorrentes , ao acordarem na adjudicação dos bens na proporção dos quinhões hereditários, exerceram de facto o direito de preferência que lhes foi reconhecido relativamente a uma quota parte ideal da herança . 3 – Até à adjudicação das verbas que a compõem , a herança permanece indivisa, pelo que o acordo dos vários interessados sempre seria relevante no exercício do direito de preferência da recorrente. 4 – Na ausência de despacho judicial de adjudicação das verbas nenhum obstáculo legal se colocava ao acordo dos interessados na sua adjudicação, na proporção da respectiva quota hereditária . 5 – Ao contrário do que parece resultar da decisão recorrida, não há renúncia da recorrente ao exercício do direito de preferência . 6 – Com a sua conduta, a recorrente FF manifestou a vontade jurídica diametralmente oposta de exercer a sua preferência, em detrimento da interessada N... Imobiliária, L.da, o que fez por acordo com os restantes herdeiros . 7 – A não se entender assim, deveria o Tribunal da Relação ter fixado um prazo para o exercício do direito de preferência, ao invés de liminarmente retirar á recorrente um direito que já lhe fora reconhecido no Acórdão de 9-3-06, transitado em julgado . 8 – Ao decidir como decidiu, o Acórdão impugnado violou o disposto nos arts. 218, 219 e 237 do C.C. e interpretou indevidamente o regime legal do exercício do direito de preferência, os quais deveriam ter sido interpretados e aplicados no sentido de concluir que a conduta da recorrente traduz a vontade jurídica do exercício do direito de preferência que lhe cabia, em acordo com os restantes herdeiros . 9 – O Acórdão recorrido contradiz-se nos seus próprios termos e contradiz frontalmente o aresto proferido em 9-3-06. 10 – Com o reconhecimento do direito de preferência da recorrente, as verbas em questão não se podem dar como vendidas, não assistindo à N... Imobiliária, L.da, qualquer direito sobre elas . 11 – Mesmo depositado o preço e cumpridas as obrigações fiscais relativas às verbas 30, 31 e 32, pela recorrida N..., Imobiliária, L.da, não se gerou na sua esfera jurídica o direito à sua adjudicação . 12 – Terminam por pedir a revogação do Acórdão recorrido e o reconhecimento do direito de preferência da FF . * A recorrida N..., Imobiliária, L.da, contra-alegou, no sentido de se ter por consolidada a compra das verbas nºs 30, 31 e 32 . * Corridos os vistos, cumpre decidir : * Os factos a considerar são os que atrás se mostram relatados . * A primeira instância decidiu : “Em face do recurso interposto por “N..., Imobiliária, L.da, não obstante o depósito por ela efectuado e o cumprimento das obrigações fiscais, os bens sobre os quais recaíram as propostas não chegaram a ser adjudicadas à mesma, o que, para o efeito teria que ser determinado por despacho, tal como decorre do art. 900, nº2, do C.P.C., o qual não foi proferido nos autos . Ora, tal como resulta do art. 293, nº2, do C.P.C., as partes podem transigir em qualquer estado da instância, sendo certo que, estando nós no âmbito de processo de inventário, nada obsta a que as partes cheguem a acordo na presente data, o qual, na posição deste tribunal, só não seria possível caso já tivessem sido adjudicados os bens, o que como referimos ainda não ocorreu. Por outro lado, face á decisão do venerando Tribunal da Relação de 9-3-06, parece-nos, salvo o devido respeito por opinião contrária, que o tribunal teria de dar sem efeito a abertura das propostas, marcar novo dia e cumprir o disposto no art. 892 do C.P.C. em relação aos herdeiros e, nomeadamente, em relação à requerente/ recorrente FF . Assim, não fora o acordo exarado em acta, sempre a abertura de propostas teria que ser dada sem efeito, face à supra citada decisão. Pelo exposto, o Tribunal entende que os interessados herdeiros ainda estão em tempo para chegarem a acordo na composição dos quinhões e, assim, homologo o mesmo . Assim, nos presentes autos para partilha por morte de AA e BB (...). atendendo ao acordo exarado em acta e ao facto de os interessados haverem prescindido de tornas, considero que a partilha reveste simplicidade e determino a forma da mesma e a composição dos respectivos quinhões, nos termos acordados por todos os interessados – art. 1356, nº6, do C.P.C. “. Por sua vez, a decisão da Relação assentou na seguinte fundamentação : “A aqui agravante (N..., Imobiliária, L.da ) procedeu ao depósito do preço e satisfez as despesas de ordem fiscal relativas às verbas nºs 30, 31 e 32. Fez, pois, o necessário para que os bens lhe fossem transmitidos, transmissão que apenas ficou condicionada ao exercício do direito de preferência , exercício esse que actuaria como condição resolutiva da venda . Se a preferência não fosse levada até às suas últimas consequências, a venda à agravante ter-se ia necessariamente como consolidada. A interessada FF, tal como os restantes interessados, teve ocasião para proceder em conformidade, exercendo o direito de preferência que invocara. Absteve-se de o fazer. Logo, a condição resolutiva não se verificou e a venda consolidou-se . E, uma vez consolidada, não poderiam os bens em causa – as verbas nºs 30, 31 e 32 - ser objecto de partilha por acordo, ou qualquer outra, nem a partilha poderia, no que aos mesmos bens respeita, ser homologada. Emitida, como foi, sem quaisquer restrições, a homologação em causa tem de ser reduzida aos seus limites correctos “. Que dizer ? O citado Acórdão de 9-3-06 concedeu à interessada FF e aos demais interessados o direito de serem admitidos a exercer a preferência na aquisição das verbas nºs 30, 31 e 32 , com fundamento no art. 2130 do C.C., que dispõe o seguinte : “1- Quando seja vendido ou dado em cumprimento a estranhos um quinhão hereditário, os co-herdeiros gozam do direito de preferência nos termos em que este direito assiste aos comproprietários . 2 – O prazo, porém, para o exercício do direito, havendo comunicação para a preferência, é de dois meses “ . Tal Acórdão revogou a decisão que havia negado tal direito à FF e que havia determinado que a proponente N..., Imobiliária, L.da, procedesse ao depósito do preço, nos termos do art. 897 do C.P.C. Todavia, o mesmo Aresto não explicitou, nem definiu os termos em que tal direito de preferência devia ser exercido pelos interessados . O direito de preferência, que o art. 2130 concede aos co-herdeiros na venda ou doação em cumprimento a estranhos do quinhão hereditário de qualquer deles “nasce do interesse que a lei tem de reunir nas mãos do menor número deles a titularidade dos diversos quinhões em que a sucessão fraccionou a unidade da herança “ ( Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. VI, pág. 211) . Por outro lado, como ensina Pereira Coelho ( Direito das Sucessões, 2ª ed, pág. 71) “deve acentuar-se que, não obstante a lei equiparar o direito de preferência dos co-herdeiros àquele outro que assiste aos comproprietários, eles não se identificam totalmente do ponto de vista da natureza do seu objecto . Com efeito, não se trata no caso de uma vulgar compropriedade de bens certos e determinados . Pelo contrário, contitularidade do direito à herança significa tanto como direito a uma parte ideal, não de cada um dos bens de que se compõe a herança, mas sim da própria herança, em si mesma considerada “. Na sequência daquele mesmo Acórdão de 9-3-06, foi convocada nova conferência de interessados, nos termos do art. 1353 do C.P.C., para efeito de se deliberar, além do mais, sobre o direito de preferência, tendo então os interessados declarado que se encontravam de acordo quanto à adjudicação dos bens imóveis (entre os quais se contavam as mencionadas verbas nºs 30, 31 e 32), que eram adjudicados a todos os interessados na proporção dos respectivos quinhões . Tal acordo foi homologado por sentença, nos termos do art. 1353, nº6, do C.P.C. Considera-se que, tendo-lhes sido reconhecido o indicado direito de preferência, foi tempestivo e não havia qualquer obstáculo legal à possibilidade do referido acordo dos interessados quanto à composição dos quinhões, nos termos estabelecidos, apesar de já se encontrar depositado o preço pela proponente N..., Imobiliária, L.da e cumprida a obrigação fiscal do pagamento da sisa, quanto àquelas verbas nºs 30, 31 e 32 . Com efeito, o título de transmissão da propriedade difere do auto de abertura e aceitação das propostas, sendo este lavrado no acto da venda ( art. 899 do C.P.C.) e aquele após o depósito do preço e da sisa ( art. 900, nº1, do C.P. C.). A data da transmissão do direito de propriedade sobre a coisa vendida em arrematação ou acto equiparado opera-se apenas com o acto da adjudicação do bem pelo juiz, nos termos do art. 900, nº1, do C.P.C., o que não chegou a acontecer ( Ac. S.T.J. de 15-3-94 ; Ac. S.T.J. de 14-4-99, Col. Ac. S.T.J., VII, 2º, 50 ; Alberto dos Reis, Processo de Execução, Vol. II, pág. 388). Tanto a obrigação da proponente N..., Imobiliária, L.da, pagar o preço como a obrigação dos bens lhe serem entregues são apenas efeitos essenciais do contrato de compra e venda que se colocam para além da celebração do mesmo contrato e que se não confundem com a transmissão do direito real de propriedade ( Baptista Lopes, Do Contrato de Compra e Venda, pág. 89 e 106. E só o acto da adjudicação opera a transmissão definitiva do direito de propriedade . Em face do exposto, impõe-se a revogação do Acórdão recorrido e adere-se à decisão proferida na 1ª instância, que ficará a subsistir . * Termos em que concedendo a revista, revogam o Acórdão recorrido, ficando a prevalecer a decisão proferida na primeira instância . Custas pela recorrida. Lisboa, 27 de Maio de 2008 Azevedo Ramos (Relator) Silva Salazar Nuno Cameira |