Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P3974
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERNANDO FRÓIS
Descritores: CONCURSO DE INFRACÇÕES
SUCESSÃO DE CRIMES
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
CÚMULO JURÍDICO
REFORMULAÇÃO
PENA ÚNICA
FUNDAMENTAÇÃO
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
FÓRMULAS TABELARES
NULIDADE DA SENTENÇA
Nº do Documento: SJ20090114039743
Data do Acordão: 01/14/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário :
I - Uma pluralidade de infracções/crimes cometidas pelo mesmo arguido/agente pode dar lugar ou a um concurso de penas (quando os vários crimes/infracções tiverem sido cometidos antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles) ou a uma sucessão de penas (nos demais casos de pluralidade de crimes/infracções cometidos pelo mesmo arguido/agente).
II - Elemento relevante e fundamental para determinar a possibilidade de efectivação de cúmulo jurídico das penas é o trânsito em julgado da condenação pelo primeiro crime.
III - Na verdade, a jurisprudência mais recente e dominante deste STJ vai no sentido de que não poderá haver cúmulo jurídico de penas respeitantes a crimes praticados uns antes e outros depois da primeira condenação transitada em julgado. Depois daquele trânsito haverá sucessão de crimes e de penas.
IV - As regras dos arts. 77.º e 78.º do CP são aplicáveis, também, no caso de reformulação do cúmulo de penas.
V - Neste caso (como se lê no Ac. deste STJ de 30-01-2003, in CJSTJ, Ano XXVIII, tomo 1, pág. 177) as penas «readquirem a sua autonomia (…), por ter sobrevindo conhecimento de novas infracções a cumular, pelo que se torna necessário fazer novo uso da norma do art. 77.º, n.º 1, do Código Penal: determinar uma nova pena única em que são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».
VI - Como refere Lobo Moutinho (in Da Unidade à Pluralidade de Crimes no Direito Penal Português, FDUC, pág. 1324), a formação da pena conjunta simboliza a reposição da situação que existiria se o agente tivesse sido atempadamente condenado e punido pelos crimes à medida que os foi praticando.
VII - A pena aplicada em concurso – como todas as penas - tem de ser fundamentada (cf. art. 205.º, n.º 1, da CRP), fundamentação essa que se traduz na obrigatoriedade de o tribunal especificar os motivos de facto e de direito da decisão (art. 97.º, n.º 5, do CPP).
VIII - É certo que a fundamentação dessa pena de concurso se afasta da prevista, em termos gerais, no art. 374.º, n.º 2, do CPP, tudo se resumindo a uma especial e imprescindível fundamentação, onde avultam, na fixação da pena unitária, a valoração, em conjunto, dos factos, enquanto “guia”, e a personalidade do agente, mas sem o rigor e a extensão pressupostos nos factores de fixação da pena previstos no art. 71.º do CP (cf. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, §§ 420 e 421).
IX - O conjunto dos factos dá a imagem global do facto, a grandeza ou medida da respectiva ilicitude. Na avaliação da personalidade do arguido procura averiguar-se se o facto global exprime ou revela uma tendência ou mesmo uma “carreira” criminosa ou uma simples pluriocasionalidade, sendo, naquele caso, a pena exacerbada e, neste caso, a pena mitigada.
X - A decisão que procede ao cúmulo jurídico das penas aplicadas em sentenças já transitadas em julgado, isto é, a decisão que determina e aplica a pena conjunta, englobadora de penas já definitivamente aplicadas, embora não esteja sujeita ao cumprimento preciso e rigoroso de todos os requisitos previstos no art. 374.º do CPP, deve dar a conhecer as razões concretas e específicas que determinaram a medida concreta da pena conjunta, isto é, que determinaram o quantum da pena única.
XI - Assim, sendo embora suficiente enumerar os crimes em concurso e as respectivas penas, com indicação das datas da sua prática, das condenações e do trânsito em julgado (tornando-se desnecessária a transcrição da enumeração exaustiva e completa dos factos provados e não provados constantes de cada uma das sentenças condenatórias aplicadoras das penas a cumular e da indicação e exame crítico das provas em que cada um dos julgadores se baseou para decidir em cada uma daquelas condenações, o que seria formalismo excessivo e desnecessário, além de moroso), atenta a finalidade da decisão em causa – efectivação do cúmulo jurídico de penas – e dado o critério legal que preside à determinação da pena única a aplicar (como atrás se disse, a consideração, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente – art. 77.º, n.º 1, do CP), após a análise desses factores deve o julgador dar a conhecer as razões específicas que determinaram aquela pena única (concretamente aplicada).
XII - Não basta, pois, para correcta fundamentação da sentença, o uso de fórmulas tabelares, como o número, a natureza e a gravidade dos crimes, sem a indicação concreta dos elementos de facto que foram realmente tidos em consideração na realização do cúmulo jurídico.
XIII - Tendo em consideração que:
- os factos provados transcritos no acórdão recorrido reportam-se tão-somente ao número, natureza e gravidade dos crimes cometidos pelo arguido (sem indicação da(s) data(s) do trânsito em julgado das respectivas sentenças condenatórias), à inexistência de confissão e de arrependimento e ao não ressarcimento dos lesados, tendo o tribunal concluído que «o(s) arguido(s) se dedica(m) desde há mais de uma década a crimes contra o património», e que «o(s) arguido(s) age(m) sempre de modo idêntico denotando, com a sua conduta, que a burla era o seu modo de vida»;
- os factos provados constantes da decisão não permitem, só por si, retirar a conclusão de que a burla era o modo de vida do arguido, pois que esta assenta apenas no número e tipo de crimes por ele cometidos e no período temporal em que os mesmos foram praticados, nada se sabendo sobre as condições pessoais e económicas do arguido – designadamente se tinha emprego ou não, no caso afirmativo de que tipo e qual o rendimento que auferia, se tinha qualquer outro tipo de proventos, qual a composição do seu núcleo familiar, etc.;
- apesar de na fundamentação do acórdão recorrido se dizer que foi considerado o teor do relatório social, não constam da matéria assente quais os concretos factos nele referidos, para se poder avaliar (no que respeita à personalidade do arguido) se o seu conjunto reflecte uma personalidade propensa ao crime ou é, antes, a expressão de uma pluriocasionalidade, que não encontra a sua razão de ser na personalidade daquele, desconhecendo-se também em que medida e de que modo foram valorados e considerados os factos concretos constantes daquele relatório social;
é de concluir que a decisão recorrida omitiu pronúncia sobre factos que permitiriam avaliar a gravidade global do comportamento delituoso do agente, enfermando, portanto, de nulidade resultante de deficiente fundamentação, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I - No Círculo Judicial de Torres Vedras, no processo comum nº 713/01.0 OPATVD, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Torres Vedras, foi o arguido:

AA, divorciado, agente comercial, nascido a 22 de Maio de 1949, natural da freguesia de Pontevel, concelho do Cartaxo, filho de ... e de Maria ...., anteriormente residente na Rua ..., nº 00, 1º Dtº, Praia de Pedrógão, Leiria e actualmente preso no Estabelecimento Prisional Regional de Leiria;

Condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 11 (onze) anos de prisão e 400 (quatrocentos) dias de multa à taxa diária de 5 € (cinco euros), num total de 2000 € (dois mil euros) ou, caso a multa não seja paga voluntária ou coercivamente, 266 (duzentos e sessenta e seis) dias de prisão.

Inconformado com tal decisão, o arguido AA interpôs o presente recurso, pugnando pela revogação da mesma.

Na respectiva motivação formula as seguintes conclusões:

1- O recorrente foi condenado em cúmulo jurídico a uma pena única de 11 anos de prisão e, 400 dias de multa à razão diária de 5€ (cinco euros) num total de 20000 (dois mil euros), a qual considera exagerada.

2- Os crimes pelos quais o recorrente foi condenado, são unicamente contra o património, sendo que a pena mais gravosa que lhe foi aplicada foi de dois anos.

3- Todos os outros crimes foram de uma forma geral punidos com penas de pouca gravidade, sendo que em algumas decisões as penas chegaram mesmo a ser suspensas e, outras eram penas não privativas da liberdade (multa).

4- No cúmulo anterior foi aplicado ao arguido uma pena única de 9 anos de prisão, e se se analisar o cúmulo ora aplicado verifica-se que na realidade foi feita uma soma aritmética entre o anterior cúmulo e as penas parcelares do presente processo que perfazem 1 ano e 11 meses.

5- Agravando na realidade a situação criminal do arguido, violando assim os direitos do arguido subjacentes na CRP nos arts. 29 nº 4 e 30, e o art.409 do CPP.

6- A decisão que efectiva o cúmulo jurídico das penas parcelares necessariamente que terá que demonstrar, fundamentando, que além de indicados foram efectivamente avaliados os factos e a interacção destes com a personalidade.

7 - No caso vertente, num determinado espaço de tempo, o recorrente cometeu alguns crimes, o que mereceu da decisão recorrida a consideração de que existia um modo de vida criminal, que foi valorada em termos de pena conjunta.

8- Independentemente da circunstância de avaliação da personalidade em função dos factos não se poder reconduzir a um apelo de repetidas fórmulas de natureza genérica (que induzem à elaboração de um cúmulo jurídico à revelia dos concretos factos a ponderar), como o fez o acórdão recorrido, é evidente que o denominado modo de vida referido na decisão recorrida, se consubstancia apenas na existência de concurso de infracções quer dá origem à elaboração do cúmulo jurídico.

9- Sendo esta operação um caso especial de determinação da pena que, necessariamente, assume um conteúdo agravativo, é inadmissível definir a pena conjunta em função, exclusivamente, da existência de um concurso de crimes, pois tal constitui uma dupla valoração, que se não pode admitir.

10- Por outro lado, a alusão à personalidade começa e acaba na referência ao modo de vida, não permitindo concluir se o tribunal avaliou, ou não, a personalidade em termos da globalidade dos factos, detectando indícios de uma personalidade vocacionada para a prática deste tipo de infracções, indicando-se uma tendência que se deverá traduzir num sentido agravativo, ou, pelo contrário, apenas apurando uma pluralidade de ilícitos pouco sedimentada na personalidade.

11- Também se deverá atender à idade do recorrente, bem como à sua modesta condição social, cultural e económica para atribuição da medida da pena, não tendo feito foi violado o art. 77 do CP.

12- O Tribunal" a quo" ao omitir a pronúncia sobre esta questão, que tinha de apreciar e decidir, inquinou a decisão com a nulidade a que alude o art. 3790 do CPP.

13- É inequívoca a verificação de uma situação de concurso de crimes, tal como define o art. 30 nº1 do CP, cometido pelo recorrente. Donde a verificação deste pressuposto legal só pode levar à imposição de uma única pena nos termos do art. 77 nº1 do CP.

14- Há concurso de crimes quando hipoteticamente é concebível a possibilidade de realização de um único julgamento por todos os crimes.

15- E tendo em atenção os crimes praticados pelo arguido nomeadamente burla, falsificação cheque sem provisão, a similaridade do modus operandi o que aliás foi dito pelo MMo Juiz" a quo" na sua decisão, a linha ininterrupta em termos temporais da prática dos crimes, sem margem de dúvida que se está perante uma única resolução criminosa/crime exaurido, devendo ser aplicada uma única pena com base numa única culpa, não tendo decidido dessa forma violou o Tribunal" a quo" o art. 30 e 77 nº1 do CP.

Respondeu a Exmª Magistrada do MºPº junto do Círculo Judicial de Torres Vedras.

Na respectiva motivação, sem formular conclusões, sustenta que o acórdão recorrido deve manter-se.

Aquela motivação é, grosso modo, do seguinte teor:

a) Ao proceder-se a novo cúmulo jurídico o anterior é "desfeito", passando a ponderar-se novamente a pena a aplicar.

Assim, a situação verificada nos autos não se trata duma qualquer reformatio in pejus.

O que o tribunal fez foi uma "reponderação", explicando bem qual foi o raciocínio que presidiu à escolha da pena única.

Na verdade e para além doutros factores a que entendeu ser de dar relevância, o tribunal ponderou, e bem a nosso ver, o facto da globalidade da actuação do arguido não ter sido apreciada devidamente com a dispersão dos factos a julgar por processos diversos.

Ora como é bom de ver, o facto de o arguido ter sido sucessivamente julgado por factos similares isoladamente, nunca permitiu que os tribunais pudessem dar a devida relevância à personalidade revelada com a reiteração da actuação.

Com efeito, julgando crimes isolados nunca os tribunais puderam dar a devida relevância ao facto do arguido ter angariado o seu sustento ao longo dum considerável período de tempo mediante a prática de crimes de falsificação e burla.

Assim, o presente acórdão cumulatório mais não é do que o reflexo duma ponderada reflexão que se impunha ao tribunal.

b) Salvo o devido respeito, a factualidade sobre a qual assentaram as sucessivas condenações do arguido não é de molde a configurar o crime exaurido.

Também o facto dos crimes de falsificação terem sido meio empregue na concretização dos crimes de burla não lhes retira a autonomia, tanto mais que as disposições legais que prevêem e punem tais crimes protegem bens jurídicos diversos.

Deste modo e mesmo que o arguido houvesse sido julgado num só processo pela totalidade da sua conduta criminosa, nunca a conduta do mesmo deveria ser tida como um único crime.

Contudo, a questão nem será de apreciar nesta fase processual.

Com efeito, cada um dos acórdãos condenatórios levados em conta no acórdão agora recorrido mostra-se transitado em julgado, pelo que as condenações neles operadas não podem já ser postas em crise.

c) Não tinha o acórdão de fazer qualquer ponderação quanto ao facto assente dado como de que o arguido teria trabalho na REMAX quando fosse libertado.

Na verdade, um tal facto não releva para a escolha da pena quando a pena a aplicar seja de prisão efectiva, apenas podendo relevar quando o tribunal haja que ponderar uma eventual suspensão da execução de pena de prisão.

Ora tal situação não se acha de modo algum em causa nestes autos, uma vez que a pena aplicar em cúmulo ao arguido se afasta bastante dos cinco anos de prisão.

Por outro lado, resulta bem explícito no acórdão os motivos pelos quais o tribunal não atribuiu relevância ao actual arrependimento do arguido, logo o tribunal debruçou-se sobre o mesmo, pelo que o acórdão não é omisso quanto à ponderação do "arrependimento actual".

Sucede é que, justamente por entender não ser de lhe atribuir relevância, tal arrependimento não teve reflexos num "abrandamento" da pena.

Não é também verdade que o tribunal não haja ponderado a personalidade do arguido.

De facto fê-lo e, porque uma tal personalidade se há-de aferir por dados objectivos, será através da análise da conduta do arguido ao longo de anos que se pode aquilatar qual seja a sua personalidade.

Deste modo, ao explicitar qual foi o modo de vida do arguido ao longo dos anos, o facto do mesmo não prestar colaboração em audiência para a descoberta da verdade, etc., o tribunal mais não está do que a referir-se à personalidade do arguido e fazer a ponderação da mesma para aquela que deva ser a pena a aplicar.

Remetido o processo a este STJ, o Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu douto e muito bem fundamentado Parecer no sentido de que este STJ é competente para conhecer deste recurso; o acórdão recorrido enferma de nulidade resultante de insuficiente fundamentação – que é de conhecimento oficioso – na medida em que do mesmo não constam as datas do trânsito em julgado das várias decisões que condenaram o arguido/recorrente AA; para a hipótese de não se julgar verificada tal nulidade, a pena única aplicada mostra-se algo exagerada, podendo sofrer alguma compressão e, nesse caso, com este fundamento, deve conceder-se provimento ao recurso.

Colhidos os vistos, cumpre conhecer.

As questões suscitadas neste recurso, são as seguintes:

1- Medida da pena: a pena única aplicada de 11 anos de prisão e 400 dias de multa á taxa diária de 5 euros, é excessiva (conclusões 1ª a 3ª)?
2- Ao condenar na pena única de 11 anos de prisão e 400 dias de multa à taxa diária de 5 euros, o acórdão recorrido agravou a situação do arguido face ao anterior cúmulo efectuado e violou os artigos 29º-4 e 30º da CRP e 409º do CPP (reformatio in pejus) - (conclusões 4ª e 5ª)?
3- O acórdão recorrido, ao proceder ao cúmulo jurídico avaliou a personalidade do arguido com base em fórmulas de natureza genérica e não em função dos factos concretos, para poder concluir se revela personalidade vocacionada para a prática deste tipo de infracções ou se existe apenas uma pluralidade de ilícitos pouco sedimentados na personalidade (conclusões 6ª, 8ª e 10ª)?
4- O acórdão recorrido tomou em consideração de que existia um modo de vida (do arguido) criminal, o que foi valorado em termos de pena conjunta e, portanto, valorado duplamente (conclusões 7ª e 9ª) ?
5- Na realização do cúmulo jurídico e para determinação da medida da pena, não foi tida em atenção a idade do arguido, a sua condição social, cultural e económica, o que acarreta a nulidade da decisão nos termos do artigo 379º do CPP (conclusões 11ª e 12ª)?
6- No caso verifica-se uma situação de concurso de crimes nos termos do artigo 30º-1 do CP e uma única resolução criminosa/crime exaurido, devendo ser aplicada uma única pena com base numa única culpa, o que não foi feito, tendo, por isso, sido violados os artigos 30º-1 e 77º-1 do CP (conclusões 13ª a 15ª)?


Vejamos então:

No acórdão recorrido foram julgados provados os factos seguintes:

A - A decisão recorrida – cúmulo jurídico, realizado no dia 04 de Março de 2008 - resultou de anteriores condenações e penas parcelares que haviam já sido aplicadas ao mesmo arguido, nos processos e termos seguintes:

1 - no processo comum colectivo, nº 713/01.0 OPATVD, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Torres Vedras, por acórdão de 03.07.2006, já transitado em julgado, pela prática – em 06.12.2001 - de crime de burla, na pena de 11 (onze) meses de prisão;
2 – no processo comum colectivo, nº 713/01.0 OPATVD, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Torres Vedras, por acórdão de 03.07.2006, já transitado em julgado, pela prática – em 06.12.2001 - de crime de falsificação, na pena de 12 (doze) meses de prisão;
3 - no processo nº 192/01.1 GATVD, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Torres Vedras, por acórdão de 07.10.2003, pela prática – em 30.11.2001 - de crime de burla, na pena de 9 (nove) meses de prisão;
4 - no processo nº 192/01.1 GATVD, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Torres Vedras, por acórdão de 07.10.2003, pela prática – em 01.12.2001 - de crime de burla, na pena de 10 (dez) meses de prisão;
5 - no processo nº 192/01.1 GATVD, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Torres Vedras, por acórdão de 07.10.2003, pela prática – em 30.11.2001 - de crime de falsificação de documentos, na pena de 10 (dez) meses de prisão;
6 - no processo nº 192/01.1 GATVD, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Torres Vedras, por acórdão de 07.10.2003, pela prática – em 01.12.2001 - de crime de falsificação de documento, na pena de 12 (doze) meses de prisão;
7 - no processo nº 521/01.8 GBMFR, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Mafra, por acórdão de 20.11.2003, pela prática – em 26.11.2001 - de crime de burla, na pena de 10 (dez) meses de prisão;
8 - no processo nº 521/01.8 GBMFR, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Mafra, por acórdão de 20.11.2003, pela prática – em 26.11.2001 - de crime de burla, na pena de 8 (oito) meses de prisão;
9 - no processo nº 521/01.8 GBMFR, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Mafra, por acórdão de 20.11.2003, pela prática – em 26.11.2001 - de crime de falsificação de documento, na pena de 12 (doze) meses de prisão;
10 - no processo nº 521/01.8 GBMFR, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Mafra, por acórdão de 20.11.2003, pela prática – em 26.11.2001 - de crime de falsificação de documento, na pena de 12 (doze) meses de prisão;
11 - no processo nº 293/01.6 TATMR, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Tomar, por acórdão de 14.07.2003, pela prática – em 24.10.2001 - de crime de burla, na pena de 200 dias de multa á razão diária de 5 €;
12 - no processo nº 293/01.6 TATMR, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Tomar, por acórdão de 14.07.2003, pela prática – em 24.10.2001 - de crime de falsificação de documento, na pena de 150 dias de multa á razão diária de 5 €;
13 - no processo nº 705/95.6 TAVFX, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Vila Franca de Xira, por acórdão de 25.03.2004, pela prática – em 16.06.1995 - de crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 4 meses de prisão;
14 - no processo nº 705/95.6 TAVFX, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Vila Franca de Xira, por acórdão de 25.03.2004, pela prática – em 18.06.1995 - de crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 4 meses de prisão;
15 - no processo nº 337/96.1 TBCTX, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da comarca do Cartaxo, por acórdão de 14.05.2003, pela prática – em 25.05.1995 - de crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 5 meses de prisão (pena perdoada sob condição resolutiva da Lei 29/99, mas tal perdão foi revogado por despacho certificado a fls. 1435);
16 - no processo nº 15798/95.8 TDLSB, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Peniche, por acórdão de 24.04.2002, pela prática – em 06.07.1995 - de crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 90 dias de multa à razão diária de 5 €;
17 – no processo nº 471/96.8 PBCLD, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da comarca das Caldas da Rainha, por acórdão de 04.03.2004, pela prática – em 05.07.1996 - de crime de abuso de confiança agravado, na pena de 2 anos de prisão;
18 - no processo nº 20/01.8 GBLRA, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Leiria, por acórdão de 22.11.2002, pela prática – em 05.11.1999 - de crime de burla, na pena de 9 meses de prisão;
19 - no processo nº 20/01.8 GBLRA, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Leiria, por acórdão de 22.11.2002, pela prática – em 05.11.1999 - de crime de falsificação de documento, na pena de 12 meses de prisão;
20 - no processo nº 20/01.8 GBLRA, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Leiria, por acórdão de 22.11.2002, pela prática – em 05.03.1999 - de crime de burla, na pena de 9 meses de prisão;
21 - no processo nº 20/01.8 GBLRA, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Leiria, por acórdão de 22.11.2002, pela prática – em 05.03.1999 - de crime de falsificação de documento, na pena de 12 meses de prisão;
22 - no processo nº 20/01.8 GBLRA, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Leiria, por acórdão de 22.11.2002, pela prática – em 03.12.1998 - de crime de burla, na pena de 9 meses de prisão;
23 - no processo nº 20/01.8 GBLRA, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Leiria, por acórdão de 22.11.2002, pela prática – em 03.12.1998 - de crime de falsificação de documento, na pena de 12 meses de prisão;
24 - no processo nº 20/01.8 GBLRA, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Leiria, por acórdão de 22.11.2002, pela prática – em 15.07.1999 - de crime de burla, na pena de 9 meses de prisão;
25 - no processo nº 20/01.8 GBLRA, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Leiria, por acórdão de 22.11.2002, pela prática – em 15.07.1999 - de crime de falsificação de documento, na pena de 12 meses de prisão;
26 - no processo nº 20/01.8 GBLRA, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Leiria, por acórdão de 22.11.2002, pela prática – em 16.07.2001 - de crime de furto, na pena de 9 meses de prisão;
27 - no processo nº 434/01.3 GBCNT, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Cantanhede, por acórdão de 06.10.2004, pela prática – em 05.07.2001 - de crime de burla, na pena de 6 meses de prisão;
28 - no processo nº 434/01.3 GBCNT, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Cantanhede, por acórdão de 06.10.2004, pela prática – em 05.07.2001 - de crime de falsificação de documento, na pena de 7 meses de prisão;
29 - no processo nº 434/01.3 GBCNT, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Cantanhede, por acórdão de 06.10.2004, pela prática – em 08.08.2001 - de crime de burla, na pena de 6 meses de prisão;
30 - no processo nº 434/01.3 GBCNT, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Cantanhede, por acórdão de 06.10.2004, pela prática – em 08.08.2001 - de crime de falsificação de documento, na pena de 7 meses de prisão;
31 - no processo nº 779/01.2 GBAGD, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Águeda, por acórdão de 11.11.2003, pela prática – em 11.10.2001 - de crime de burla, na pena de 150 dias de multa à razão diária de € 3;
32 - no processo nº 237/01.5 TAACN, do Tribunal Judicial da comarca de Alcanena, por acórdão de 06.10.2003, pela prática – em 29.06.2000 - de crime de burla, na pena de 8 meses de prisão;
33 - no processo nº 237/01.5 TAACN, do Tribunal Judicial da comarca de Alcanena, por acórdão de 06.10.2003, pela prática – em 29.06.2000 - de crime de falsificação de documento, na pena de 12 meses de prisão;
34 - no processo nº 358/01.0 GAMMV, do Tribunal Judicial da comarca de Montemor-o-Novo, por acórdão de 23.03.2006, pela prática – em 11.12.2000 - de crime de falsificação de documento, na pena de 9 meses de prisão;
35 - no processo nº 358/01.0 GAMMV, do Tribunal Judicial da comarca de Montemor-o-Novo, por acórdão de 23.03.2006, pela prática – em 08.08.2001 - de crime de falsificação de documento, na pena de 9 meses de prisão;
36 - no processo nº 358/01.0 GAMMV, do Tribunal Judicial da comarca de Montemor-o-Novo, por acórdão de 23.03.2006, pela prática – em 08.08.2001 - de crime de burla, na pena de 6 meses de prisão;

B – Em todos os processos acima referidos os crimes de falsificação surgem com o crime meio das burlas.

C - Na verdade, nestes o modo de operar era idêntico - os arguidos ou o arguido, consoante os casos, faziam uma encomenda e pagava(m) com um cheque obtido de forma desconhecida falsificando a assinatura ou com a assinatura previamente falsificada.

D - Nos processos em que arguida e arguido foram condenados foram todos eles co-autores.

E - Os arguidos, na pendência dos processos, nunca confessaram ou manifestaram qualquer arrependimento.

F - De igual sorte nada ressarciram aos lesados.

G - Desde que o arguido AA está preso tem feito um percurso regular no E.P., sendo pessoa reservada, que assume os erros cometidos e que se culpabiliza pela sua passividade perante os acontecimentos que o levaram à prisão.

H - Possui colocação laboral na Remax, como vendedor de imobiliário, quando sair da prisão.


Por outro lado, é do seguinte teor a fundamentação da matéria de facto:

O Tribunal formou a sua convicção na análise do acórdão proferido nestes autos a fls. 884 a 897 e o acórdão do Venerando Tribunal da Relação que o confirmou a fls. 1072 a 1132, no C.R.C. de fls. 1610 a 1639 bem como o teor das certidões de fls. 804 a 883, 1193 a 1220, 1222 a 1237, 1241 a 1321, 1326 a1344, 1374 a 1385, 1402 a 1435, 1446 a 1468, 1471 a 1481,1483 a 1529,1531 a 1544,1547 a 1556,1560 a 1584, 1652 a 1664,1666 a 1671, 1674 a 1693 e 1697 a 1707, o qual foi considerado.

Considerámos ainda o teor da certidão de fls. 1386 e segs, em especial o despacho de extinção da mesma, razão pela qual a pena não entra em cúmulo.

Foi considerado o teor do relatório social de fls. 1367 e segs. e o teor do relatório social de fls. 1595 e o documento de fls. 1718.

Os Factos e o Direito:

Antes do mais, diga-se que está em causa um acórdão proferido pelo tribunal colectivo, que aplicou pena de prisão superior a 5 anos.
Assim sendo e versando o presente recurso apenas matéria de direito, dúvidas não há que este STJ é o tribunal competente para conhecer do mesmo (cfr. artigo 432º-1-c), do Código de Processo Penal).

Apreciemos, então as questões suscitadas.

Por uma questão de metodologia, começaremos por apreciar a 5ª questão supra elencada e suscitada pelo recorrente:

A decisão recorrida será nula?
Ou, como alega o recorrente: na realização do cúmulo jurídico e para determinação da medida da pena, não foi tida em atenção a idade do arguido, a sua condição social, cultural e económica, o que acarreta a nulidade da decisão nos termos do artigo 379º do CPP (conclusões 11ª e 12ª)?

Vejamos:

Dúvidas não pode haver em que, uma pluralidade de infracções/crimes cometidas pelo mesmo arguido/agente pode dar lugar ou a um concurso de penas (quando os vários crimes/infracções tiverem sido cometidos antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles) ou a uma sucessão de penas (nos demais casos de pluralidade de crimes/infracções cometidos pelo mesmo arguido/agente).

Haverá, portanto, sucessão de penas p. ex. quando o mesmo arguido pratica dois crimes, mas o segundo crime é praticado depois do trânsito em julgado da condenação pelo primeiro crime.

Elemento relevante e fundamental para determinar a possibilidade de efectivação de cúmulo jurídico das penas, é o trânsito em julgado da condenação pelo primeiro crime.

Na verdade, a jurisprudência mais recente e dominante deste STJ, vai no sentido de que não poderá haver cúmulo jurídico de penas respeitantes a crimes praticados, uns antes e outros depois, da primeira condenação transitada em julgado. Depois daquele trânsito haverá sucessão de crimes e de penas.

Neste sentido, cfr. o Ac. deste STJ de 10.09.2008, Proc. 2500.08, desta 3ª Secção que refere expressamente: “Tem sido pacífico neste STJ o entendimento de que o concurso de infracções não dispensa que os vários crimes tenham sido praticados antes de ter transitado em julgado a pena imposta por qualquer um deles, representando o trânsito em julgado de uma condenação penal o limite temporal intransponível no âmbito do concurso de crimes, excluindo-se da pena única os praticados posteriormente; o trânsito em julgado de uma dada condenação obsta a que se fixe uma pena unitária em que, englobando as cometidas até essa data, se cumulem infracções praticadas depois desse trânsito
Assim, o momento determinante para a sujeição de um conjunto de crimes a uma pena única é, nos termos do artº 77º-1 e 2, aplicável por força do artº 78º-2, do CP, o trânsito em julgado da primeira condenação, pois os crimes praticados posteriormente a essa decisão transitada em julgado não estão em relação de concurso, devendo ser encarados e punidos na perspectiva da sucessão criminal”.

E, como bem refere o Exmº Magistrado recorrente, o mesmo acontece “havendo condenações por crimes anteriores a uma decisão transitada em julgado após condenações por crimes posteriores a tal decisão”.

A jurisprudência dominante entende que não há fundamento legal para o chamado “cúmulo por arrastamento” que conheceu “alguma aplicação neste STJ até 1997, mas que constituía uma forma de, divergindo dos termos legais, aniquilar a “teleologia” e a “coerência interna” do sistema, “dissolver a diferença entre as figuras do concurso de crimes e da reincidência” (cfr. Vera Lúcia Raposo, in RPCC, Ano 13, nº 4, pág. 592)” – cfr. o citado Ac. deste STJ de 10.09.2008, Proc. 2500/08 – 3ª e o Ac. deste STJ de 10.09.2008, Proc. 1887/08 – 3ª.

Esse cúmulo por arrastamento – seguido por alguma jurisprudência do STJ (cfr. Ac. de 20.10.1988, in CJ, Ano XIII, Tomo IV, pág.18 e segs.) baseia-se numa interpretação do artigo 78º-1 do Código Penal, nos termos da qual “a condenação por crimes cometidos antes e depois de condenações entretanto proferidas, implica a efectivação de um cúmulo jurídico por arrastamento, das penas aplicadas e a aplicar a todos esses crimes”.
Porém, da análise do regime emergente dos artigos 78º-1 e 77º-1, do Código Penal, tanto na redacção emergente da Lei 59/2007, de 04 de Setembro, como na anterior, resulta que o trânsito em julgado da condenação por um crime constitui o limite temporal dos crimes a englobar no cúmulo, inviabilizando a consideração, no concurso, de penas aplicadas por crimes praticados após o trânsito dessa primeira condenação, o que afasta o denominado cúmulo por arrastamento – (cfr. Ac. STJ de 25.09.2008, Proc. 1512/08 – 5ª).

O sistema de cúmulo jurídico, adoptado na nossa lei, visa evitar a acumulação material das penas relativas aos crimes em concurso, aplicando-se uma pena única.

Nos termos do disposto no artigo 77º do Código Penal, “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

E para os casos de conhecimento superveniente do concurso rege o artº 78º, n.º 1 do mesmo diploma, o qual estatui que “se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”.

Ora, as mesmas regras são aplicáveis no caso de reformulação do cúmulo de penas.

Neste caso (como se refere no Ac. deste STJ de de 30/01/2003, in CJSTJ, Ano XXVIII, Tomo 1, pág. 177) as penas readquirem a sua autonomia (....), por ter sobrevindo conhecimento de novas infracções a cumular, pelo que se torna necessário fazer novo uso da norma do art. 77º, n.º 1, do Código Penal: determinar uma nova pena única em que são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

Tento isto em consideração e voltando ao caso em apreciação, há que notar desde logo que não estão indicadas as datas do trânsito em julgado das decisões supra referidas e que condenaram o arguido AA Maltez nas penas que foram objecto do cúmulo jurídico realizado.

Na realidade, quanto a este aspecto, o tribunal “a quo” não incluiu na decisão proferida sobre a matéria de facto a indicação das datas do trânsito em julgado das decisões que condenaram o arguido nas penas objecto do cúmulo jurídico realizado.

Aliás, na decisão recorrida, apenas quanto ao acórdão proferido no processo nº 713/01.0 PATVD do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Vedras, datado de 03.07.2006 (que condenou o arguido pela prática – em 06.12.2001 - de crime de burla, na pena de 11 meses de prisão; e pela prática – em 06.12.2001 - de crime de falsificação, na pena de 12 meses de prisão) é que se refere – genericamente, sem concretizar a data - que tal acórdão transitou em julgado.

Quanto aos demais acórdãos condenatórios, nem sequer refere que transitaram em julgado.

Parte-se do pressuposto de que tais decisões transitaram.
Porém, da matéria de facto assente, nada consta quanto a tal aspecto.

Por outro lado, há ainda que ter em consideração o seguinte:


Como refere Lobo Moutinho in Da Unidade à Pluralidade de Crimes no Direito Penal Português, FDUC, pág. 1324, a formação da pena conjunta simboliza a reposição da situação que existiria se o agente tivesse sido atempadamente condenado e punido pelos crimes á medida que os foi praticando.

Ora a pena aplicada em concurso – como todas as penas - tem de ser fundamentada (cfr. artigo 205º - 1 da CRP), fundamentação essa que se traduz na obrigatoriedade de o tribunal especificar os motivos de facto e de direito da decisão (cfr. artigo 97º-5 do CPP).

É certo que a fundamentação dessa pena de concurso se afasta da prevista, em termos gerais, no artigo 374º-2 do CPP, tudo se resumindo a uma especial e imprescindível fundamentação, onde avultam, na fixação da pena unitária, a valoração, em conjunto, dos factos, enquanto “guia”, e a personalidade do agente, mas sem o rigor e a extensão pressuposta nos factores de fixação da pena previstos no artigo 71º do Código Penal (cfr. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, §§ 420 e 421).
O conjunto dos factos dá a imagem global do facto, a grandeza ou medida da respectiva ilicitude.
Na avaliação da personalidade do arguido procura averiguar-se se o facto global exprime ou revela uma tendência ou mesmo uma “carreira” criminosa ou uma simples pluriocasionalidade, sendo, naquele caso, a pena exarcebada e, neste caso, a pena mitigada.

Porém, a decisão que procede ao cúmulo jurídico das penas aplicadas em sentenças já transitadas em julgado, isto é, a decisão que determina e aplica a pena conjunta, englobadora de penas já definitivamente aplicadas, embora, como se disse, não esteja sujeita ao cumprimento preciso e rigoroso de todos os requisitos previstos no artigo 374º do CPP, deve dar a conhecer as razões concretas e específicas que determinaram a medida concreta da pena conjunta, isto é, que determinaram o “quantum” da pena única.

Assim, sendo embora suficiente enumerar os crimes em concurso e as respectivas penas, com indicação das datas da sua prática, das condenações e do trânsito em julgado, (tornando-se desnecessário a transcrição da enumeração exaustiva e completa dos factos provados e não provados constantes de cada uma das sentenças condenatórias aplicadoras das penas a cumular e da indicação e exame crítico das provas em que cada um dos julgadores se baseou para decidir em cada uma daquelas condenações, o que seria formalismo excessivo e desnecessário, além de moroso), atenta a finalidade da decisão em causa – efectivação do cúmulo jurídico de penas – e atento o critério legal que preside à determinação da pena única a aplicar (como atrás se disse, a consideração, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente – artigo 77º-1 do Código Penal), após a análise desses factores deve o julgador dar a conhecer as razões específicas que determinaram aquela pena única (concretamente aplicada).

Neste sentido, cfr. o Acórdão deste STJ de 16.11.2005 que refere que a fundamentação da pena conjunta não se deve confundir com a de cada uma das penas singulares, visto que na fixação da pena conjunta releva a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos reflecte uma personalidade propensa ao crime ou é, antes, a expressão de uma pluriocasionalidade, que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido.

Não basta, pois, para correcta fundamentação da sentença, o uso de fórmulas tabelares, como o número, a natureza e a gravidade dos crimes, sem a indicação concreta dos elementos de facto que foram realmente tidos em consideração na realização do cúmulo jurídico.

Ora, no caso em apreço, os factos provados supra transcritos reportam-se tão somente ao número, natureza e gravidade dos crimes cometidos pelo arguido (sem indicação da(s) data(s) do trânsito em julgado das respectivas sentenças condenatórias); á inexistência de confissão e de arrependimento; e ao não ressarcimento dos lesados.

E, com base neste factos, o tribunal “a quo” concluiu que “o(s) arguido(s) se dedica(m) desde há mais de uma década a crimes contra o património” e que “o(s) arguido(s) age(m) sempre de modo idêntico denotando, com a sua conduta, que a burla era o seu modo de vida”.

Na verdade, justificando o cúmulo realizado e a pena aplicada, diz o acórdão em causa:

Da medida concreta dos cúmulos

Dispõe o artigo 77º - 1 do Código Penal que “…na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
… Ora, fazendo pois a análise global temos nós dois arguidos que se dedicam, desde há mais de um década a crimes contra o património (sendo que com mais incidência o arguido AA). Os arguidos agiram sempre de modo idêntico denotando, com a sua conduta, que a burla era o seu modo de vida.
Aliás, vistas todas as decisões em concurso em nenhuma delas consta que os arguidos tivessem outro modo de vida. …
Também impressiona, no caso concreto, a ausência de arrependimento demonstrado de pouco ou nada valendo a interiorização do desvalor da conduta num momento em que se está preso e quando desacompanhado de actos tendentes a reparar o mal do crime.
Assim, entendemos como correcto – no que respeita à prisão – a imposição ao arguido AA da pena única de 11 anos de prisão. …
No que tange às condenações em multa …
No que respeita ao quantitativo diário não existe notícia que o(s) arguido(s) tenha(m) fortuna ou bens pelo que se fixa o quantitativo diário em 5 €. …”

Porém, os factos provados constantes da decisão recorrida, não permitem, por si sós, retirar a conclusão de que “a burla era o modo de vida do arguido”.

É que tal conclusão assenta apenas no número e tipo de crimes cometidos pelo arguido e no período temporal em que os mesmos foram praticados.

Porém, nada se sabe sobre as condições pessoais e económicas do arguido, designadamente se tinha emprego ou não e, no caso afirmativo, de que tipo e qual o rendimento que auferia.

Da mesma forma se desconhece, em absoluto, se o arguido auferia quaisquer outros rendimentos (que não resultantes do facto de eventualmente estar empregado), designadamente ser auxiliado por familiares ou se recebia qualquer subsídio.

Também nada consta – na decisão recorrida – sobre o modus vivendi do arguido e sobre o seu núcleo e ambiente familiar: como vivia, com quem vivia, onde vivia, rendimentos que auferia e despesas que tinha.

Isto é, a decisão recorrida é de todo omissa sobre a situação familiar, cultural, social e económica do arguido.

É certo que, na fundamentação daquela decisão se diz que “foi considerado o teor do relatório social de fls. 1367 e segs e o teor do relatório social de fls. 1595 e o documento de fls. 1718”.

Só que, por um lado, não constam da matéria assente, quais os factos concretos referidos naqueles relatórios sociais, que foram devidamente sopesados e tidos em consideração na decisão recorrida, designadamente para se poder avaliar (no que respeita à personalidade do arguido) se o conjunto dos factos reflecte uma personalidade propensa ao crime ou é, antes, a expressão de uma pluriocasionalidade, que não encontra a sua razão de ser na personalidade daquele; por outro lado, também se desconhece em absoluto, em que medida e de que modo foram valorados e considerados, os factos concretos constantes daqueles relatórios sociais.

Isto é, embora a decisão recorrida procure esclarecer as razões que determinaram o concreto “quantum” de pena conjunta, a verdade é que a mesma omitiu pronúncia sobre factos que permitiriam avaliar a gravidade global do comportamento delituoso do agente, pois a lei manda que se considere e pondere em conjunto - e não unitariamente – os factos e a personalidade do agente (neste sentido cfr. Figueiredo Dias in As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 290 a 292), como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global praticado (cfr. Ac. STJ de 08.10.2008, Processo 2835/08, 3ª Secção).

O acórdão recorrido enferma, portanto, de nulidade resultante de insuficiente fundamentação nos termos do artigo 379º-1-a) do Código de Processo Penal.


Decisão:

Nos termos expostos, acorda-se em conceder provimento ao recurso e, em consequência, anula-se o acórdão recorrido por insuficiente fundamentação nos termos do artigo 379º-1-a), do Código Penal.

Sem custas.

Lisboa, 14 de Janeiro 2009

Fernando Fróis (relator)
Henriques Gaspar