Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3561/07.0TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 2º SECÇÃO
Relator: SERRA BAPTISTA
Descritores: RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
CLÁUSULA RESOLUTIVA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 11/19/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Sumário :
1. É admitida a resolução do contrato fundada em convenção sobre a sua extinção. Obrigando-se o autor a alegar e provar o fundamento previsto na convenção das partes.

2. A resolução convencional faculta às partes, de harmonia com o princípio da autonomia da vontade, o poder de, expressamente, por convenção, atribuir a ambas ou a uma delas o direito de resolver o contrato quando ocorra certo e determinado facto (v.g. não cumprimento de uma obrigação). A esta convenção dá-se o nome de cláusula resolutiva expressa.

3. É a inadimplência da específica obrigação prevista que é fundamento e pressuposto indispensável da resolução.

4. Resolução que é imediata, mediante declaração à outra parte (art. 436.º, nº 1 do CC), sem necessidade de intervenção do juiz ou de recurso ao art. 808.º, também do CC (perda do interesse do credor ou recusa de cumprimento, após interpelação admonitória, por banda do devedor.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

TMN – TELECOMUNICAÇÕES MÓVEIS NACIONAIS S. A. veio intentar acção, com processo ordinário, contra U... D... O..., pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 21 474,47, acrescida de juros vincendos, até integral pagamento.

Alegando, para tanto, e em suma:
No exercício da sua actividade de exploração de serviços de telecomunicações móveis, acordou com a ré, nos termos que melhor explana na sua p. i., a prestação desses serviços, encontrando-se em dívida, face ao incumprimento da mesma, o montante do pedido.

Citada a ré, veio contestar, alegando, também em síntese:
Foi a autora quem incumpriu o contrato entre ambas celebrado.
Deve à autora a quantia de € 4 951,92.

Foi proferido o despacho saneador, tendo sido fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.

Realizado o julgamento, foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho de fls 115 melhor consta.

Foi proferida a sentença, na qual, e na procedência da acção, foi a ré condenada a pagar à autora a quantia de € 21 474,47, acrescida de juros.

Inconformada, veio a ré, sem êxito, interpor recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

De novo irresignada, veio pedir revista para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões:

1ª - Dos factos dados como provados, apenas se pode concluir que a R. incorreu em mora e não em incumprimento definitivo.
2ª - Com efeito, só há incumprimento quando a prestação a cargo do devedor se torne impossível, por causa imputável ao mesmo, o credor, em consequência da mora, perca o interesse na prestação em falta, ou tenha procedido à interpelação admonitória prevista no art. 808º, nº l do Código Civil, sem que tenha ocorrido o pagamento dentro do prazo fixado.
3ª - Dos factos dados como provados, não resulta, nem podia resultar, uma vez que não foi alegado, que a prestação a cargo da R. se tenha tornado impossível por causa imputável a esta ou que a A. tenha, nos termos do art. 808º, nº l do Código Civil, interpelado a R., fixando-lhe um prazo razoável, para pagar as facturas em dívida, com a cominação de dar o contrato como não cumprido, caso não ocorresse o pagamento dentro do prazo fixado.
4ª - Também não se pode concluir dos factos provados que a A., em consequência da mora, tenha objectivamente perdido o interesse na prestação a cargo da R.
5ª - Só há perda de interesse na prestação quando esta deixou de ter utilidade para o credor, devendo tal perda ser apreciada objectivamente - art. 808º, nº 2 do C.C., não bastando a perda subjectiva de interesse na prestação em mora.
6ª - Sendo que tal perda de interesse tem de ser demonstrada pelo credor - Art. 342º do C.C., o que não aconteceu no presente processo.
7ª - No comum das obrigações pecuniárias, como na situação em análise, a prestação devida, não obstante a mora do devedor, continua a revestir todo o interesse para o credor. - Vd. Ac. STJ, de 28/04/2009, Processo 0930679, in www.dgsi.pt e Ac. da Relação do Porto, de 08/01/2009, Processo 0837331, in www.dgsi.pt
8ª - A considerar-se que em situações como a presente se verifica a perda de interesse do credor na prestação em mora, resultaria praticamente esvaziada de utilidade prática a segunda parte do art. 808º, nº l do C.C., pois passariam a ser raras as situações em que o credor teria de socorrer-se da interpelação admonitória para converter a mora em incumprimento definitivo, o que não foi, certamente, objectivo do legislador.
9ª - Não havendo incumprimento por parte da R., não pode haver lugar à condenação desta no pagamento da quantia de €14 992,38 peticionada pela A., bem como dos juros moratórios calculados sobre tal quantia.

Não houve contra-alegações.

Corridos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.
*

Vem dado como PROVADO:

1. No dia 4 de Março de 2006, A. e R. celebraram o acordo pelo qual aquela se comprometeu a proporcionar a esta a utilização da sua rede de telecomunicações móveis, atribuindo-lhe cartões de acesso com os nºs ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... e a R. comprometeu-se a pagar as facturas emitidas pela A. de acordo com o tarifário em vigor – alínea A) dos factos assentes.

2. Os cinco primeiros cartões referidos foram activados no "Plano MIX 40" e os restantes no tarifário "TMN Pacote Negócios", com um plafond de 2 400 minutos, comprometendo-se a R. a pagar uma mensalidade fixa no valor de € 40,00, acrescido de IVA, por cada um dos cartões activados no "Plano MIX 40", e no valor de € 441,60, acrescido de IVA, para os outros cartões – al. B).

3. A R. comprometeu-se ainda a manter o seu vínculo com a A. pelo período de 24 meses e, em contrapartida, a A. concedeu-lhe um plafond de € 3 300,00, para compra de telemóveis – al. C).

4. Conforme acordado, "em caso de incumprimento ( ... ), o cliente pagará à TMN a quantia equivalente ao valor das taxas relativas a 24 meses de utilização dos telemóveis deduzido das já pagas" – al. D).

5. Correspondente às mensalidades fixas e aos serviços prestados, a A. emitiu facturas, a 5 de Abril de 2006, no valor de € 472,98, com data limite de pagamento de 24 de Abril de 2006; a 5 de Maio de 2006, no valor de € 220,51, com data limite de pagamento de 26 de Maio de 2006; a 5 de Junho de 2006, no valor de € 382,41, com data limite de pagamento de 26 de Junho de 2006; a 5 de Julho de 2006, no valor de € 240,91, com data limite de pagamento de 26 de Julho de 2006; a 5 de Abril de 2006, no valor de € 923,70, com data limite de pagamento de 24 de Abril de 2006; a 5 de Maio de 2006, no valor de € 730,44, com data limite de pagamento de 26 de Maio de 2006; a 5 de Junho de 2006, no valor de € 691,29, com data limite de pagamento de 26 de Junho de 2006; a 5 de Julho de 2006, no valor de € 875,47, com data limite de pagamento de 26 de Julho de 2006; a 5 de Agosto de 2006, no valor de € 72,72, com data limite de pagamento de 25 de Agosto de 2006; a 5 de Setembro de 2006, no valor de € 0,64, com data limite de pagamento de 26 de Setembro de 2006; a 5 de Outubro de 2006, no valor de € 289,93, com data limite de pagamento de 26 de Outubro de 2006; a 5 de Abril de 2006, no valor de € 25,49, com data limite de pagamento de 24 de Abril de 2006; a 5 de Maio de 2006, no valor de € 25,41, com data limite de pagamento de 26 de Maio de 2006; e a 5 de Julho de 2006, no valor de € 0,02, com data limite de pagamento de 26 de Julho de 2006 – al. E).

6. As facturas referidas foram recebidas pela R. nos três dias subsequentes à sua emissão – al. F).

7. A R. não pagou os valores referidos – al. G).

8. A A. desactivou os cartões de acesso – al. H).

9. Depois de ultrapassadas as datas limites de pagamento, a A. comunicou à R. que desactivaria os cartões de acesso, caso a R. persistisse em não pagar – resposta ao quesito 1.º.

10. A A. apenas facturou quatro taxas mensais quanto aos cartões activados no "Plano MIX 40" e cinco taxas mensais quanto aos restantes cartões – respostas aos quesitos 2.º e 3.º.

11. A A. interpelou a R. para pagar a quantia de € 14 992,38, até ao dia 7 de Janeiro de 2007 – resposta ao quesito 4.º.

12. A A. cedeu temporariamente à R., a pedido desta, 16 telemóveis da marca Nokia – resposta ao quesito 5.º.

13. Conforme acordado, a R. pagaria a quantia de € 5,00, acrescida de IVA, por cada um dos telemóveis, caso os não quisesse devolver à A. – resposta ao quesito 6.º.

14. A R. não devolveu à A. os telemóveis – resposta ao quesito 7.º.

15. A A. interpelou a R., para pagar a quantia de € 96,80, até ao dia 25 de Agosto de 2006 – resposta ao quesito 8.º.

Podendo, ainda, dar-se como assente, tendo em conta o disposto no art. 659º, nº 3 do CPC e o teor do documento junto a fls 14, consubtanciador, entre outros, do acordo aludido A), aceite pelas partes:

Condições Gerais:
7.2 – “A tmn emite mensalmente as facturas respeitantes ao serviço prestado, sendo os pagamentos a efectuar pelo cliente também mensais, devendo as facturas ser integralmente liquidadas nos 15 dias seguintes à data da emissão da factura, se outra data não for indicada na mesma como limite de pagamento.”

13.4 – “O não cumprimento por parte do cliente das suas obrigações contratuais relativamente ao pagamento das facturas confere à tmn o direito à suspensão do serviço e à rescisão do contrato, cumprindo um aviso prévio de oito dias, com informação ao cliente que meio tem ao seu dispor para evitar a suspensão ou a rescisão, bem como à cobrança coerciva da(s) quantia(s) devida(s), ficando a tmn constituída no direito de cobrar juros moratórios, a calcular sobre os montantes em dívida, contados por cada dia de atraso, à taxa legal aplicável às operações comerciais, nos termos do art. 102.º do Código Comercial”.
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Como é bem sabido, as conclusões da alegação dos recorrentes delimitam o objecto do recurso – arts 684.º, nº 3 e 690.º, nº 1 e 4 do CPC, bem como jurisprudência firme deste Supremo Tribunal.
Sendo, pois, as questões atrás enunciadas e que pela recorrente nos são colocadas que cumpre apreciar e decidir.
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As quais se podem resumir à seguinte: não tendo havido incumprimento por parte da ré, não pode haver lugar à condenação desta no pagamento da quantia peticionada de € 14 992,38, bem como dos juros de mora calculados sobre tal montante.

Vejamos:
Não está mais em causa – a ré ora recorrente sempre admitiu que devia à autora a quantia de € 4 951,92 – dever a mesma à autora tal montante, correspondente aos serviços prestados e às facturas emitidas e não pagas, aludidas em E).

Discordando a recorrente da quantia respeitante à indemnização por incumprimento contratual e seus juros de mora.

Sustentando estar apenas em mora, sem ter incumprido definitivamente o contrato.

Resultando o incumprimento do mesmo da conduta unilateral da autora.

Já que, para que a mora se transformasse em incumprimento definitivo, necessário seria que a autora fixasse um prazo razoável para o pagamento das facturas em dívida, com a cominação devida.

O que a mesma, na sua opinião, não fez.

Ora bem:

Admite-se, tal como afirmado na 1ª instância, estarmos perante um contrato de prestação de serviços celebrado entre a autora e a ré – contrato bilateral, sinalagmático, criador da obrigações, para cada uma das partes, sendo a da autora a de proporcionar à ré a utilização da sua rede de telecomunicações móveis (vide acordo celebrado e art. 1154.º do CC) (1) e a da ré, a de pagar as facturas por aquela emitidas, de acordo com o tarifário em vigor (vide acordo celebrado e art. 1154.º). Mais se tendo esta comprometido a manter o seu vínculo com a A. durante 24 meses mediante a contrapartida, por aquela, de um plafond de € 3 300 para a compra de telemóveis.

Contrato este que, como acordo vinculativo de vontades, deveria ser pelos contraentes, pontualmente cumprido, ou seja, ponto por ponto, em toda a linha, em todos os sentidos (art. 406º, nº 1).

Cumprindo o devedor a obrigação quando realiza a prestação - cujo conteúdo resulta da vontade das partes - a que está obrigado (arts 398º, nº 1, 405º e 762º, nº 1).

Só podendo o contrato extinguir-se, por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (citado art. 406º, nº 1).

Sendo admitida a resolução do contrato fundada em convenção sobre a sua extinção – art. 432.º, nº 1.

Sendo o direito de resolução um direito potestativo extintivo, dependente de um fundamento.
Necessitando, assim, de se verificar um facto que crie esse direito.
Sendo tal facto ou fundamento o incumprimento do contrato.

Assentando, assim, a resolução num poder vinculado, obrigando-se o autor a alegar e provar o fundamento previsto na convenção das partes (ou na lei).

Não tendo a resolução em princípio de ser objecto de declaração judicial, impondo-se, porém, como declaração de vontade receptícia, que o seja por via de comunicação do credor ao devedor (arts 224º, nº 1 e 436º, nº 1).

Admitida sendo, pois, a resolução (2) convencional, facultando às partes, de harmonia com o princípio da autonomia da vontade, o poder de expressamente, por convenção, atribuir a ambas ou a uma delas o direito de resolver o contrato quando ocorra certo e determinado facto (v.g. não cumprimento de uma obrigação). A esta convenção contratual dá-se o nome de cláusula resolutiva expressa. Que, por norma, figura no contrato.

Tendo, porém, as partes de fazer uma referência explícita e precisa às obrigações cujo incumprimento dá direito a uma resolução, identificando-as. (3)

E, assim (4), a inadimplência da específica obrigação prevista é fundamento e pressuposto indispensável da resolução.

Dela emergindo um direito potestativo que confere à parte adimplente (ou não inadimplente) o poder jurídico de, por um simples acto livre da sua vontade, e só por si, produzir a resolução do contrato.

Resolução que é imediata, mediante declaração à outra parte (art. 436.º, nº 1), sem necessidade de intervenção do juiz ou de recurso ao art. 808.º (perda do interesse do credor ou recusa de cumprimento, após interpelação admonitória por banda do devedor).

Ora, in casu, convencionado entre as partes ficou – e há que concluir que de forma consciente e voluntária – que o contrato poderia ser resolvido pela autora, prestadora dos serviços, caso a ré, após comunicação nesse sentido, não liquidasse as facturas em dívida.

A ré não pagou as facturas que se venceram.

A A. comunicou-lhe (5) que desactivaria os cartões (6) caso a mesma não pagasse as ditas facturas.

A ré não pagou.

A autora desactivou os cartões e interpelou a ré para pagar também o montante da indemnização acordada, ou seja, a quantia equivalente ao valor das taxas relativas a 24 meses de utilização dos telemóveis, deduzidas as já pagas.

Ficando o contrato, sem mais, resolvido por vontade unilateral da autora.

Sem necessidade, como já dito, de alegação e prova da perda do seu interesse na manutenção do contrato.

Sem necessidade de qualquer outra interpelação, com cominação, a fixar outro prazo razoável para cumprir.

A pretensão da ré não pode, assim, proceder.
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Face a todo o exposto, acorda-se neste Supremo Tribunal de Justiça, embora por razões não inteiramente coincidentes com as do acórdão recorrido, em se negar a revista.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 19 de Novembro de 2009

Serra Baptista (Relator)
Álvaro Rodrigues
Santos Bernardino
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1- Sendo deste diploma legal todas as disposições a seguir citadas sem referência expressa.
2- Esta palavra tem, no Código, um significado que abrange quer a rescisão, quer a resolução – Galvão Telles, Direito das Obrigações, p. 440, nota 1.
3- Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, p. 321 e ss, que temos estado a seguir de perto.
4- E continuamos a seguir os ensinamentos a propósito do Prof. Calvão da Silva, ob. e pags citadas.
5- E incumbiria à ré a alegação e prova que tal comunicação não respeitou o convencionado (art. 342.º, nº 2).
6- Ou seja, que deixaria de prestar o serviço convencionado.