Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | SILVA SALAZAR | ||
Descritores: | INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA DESERÇÃO DA INSTÂNCIA | ||
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Nº do Documento: | SJ200204160009496 | ||
Data do Acordão: | 04/16/2002 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 7944/01 | ||
Data: | 11/08/2001 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO. | ||
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Sumário : | No regime do CPC anterior à reforma de 1995/96, a interrupção da instância deve ser decretada por despacho judicial, sem o que não pode ter início o decurso do prazo de deserção da instância. I.V. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Na acção com processo ordinário com o valor de 11.978.045$00 proposta em 3/3/94 por AA contra a Sociedade Empresa-A, Lda e Companhia de Seguros Empresa-B, SA, foi oportunamente tentada a citação das duas rés, apenas tendo sido conseguida, em 8/4/94, a da ré seguradora, que apresentou contestação em 5/5/94, a que a autora respondeu em réplica apresentada em 23/5/94. Quanto à ré Sociedade Empresa-A, Lda, porém não foi conseguida a respectiva citação, pois naquela data de 8/4/94 foi aposta no envelope a tal destinado a seguinte declaração dos Correios: "Informaram-me no local que se encontra ausente". Esse envelope foi junto ao processo em 11/4/94, tendo no dia 14 seguinte sido remetida ao digno mandatário da autora carta registada para notificação da devolução do mesmo, com o seu conteúdo. Sobre essa falta de citação a autora nada requereu até 17/10/94, data em que os autos foram remetidos à conta nos termos do art. 122º, nº 2, do Cód. das Custas Judiciais, conta elaborada em 20 do mesmo mês de Outubro e notificada aos mandatários das partes por carta de 17/11/94, sem qualquer reclamação. Em 12 de Janeiro de 1995 foi aposto no processo o visto em correição. Depois disso, e sem que tenha havido qualquer outro despacho respeitante ao andamento do processo, não tendo nomeadamente sido proferido despacho a decretar interrupção da instância, veio a autora, em 12/1/01, requerer a citação da ré Sociedade Empresa-A, Lda, na pessoa do seu liquidatário judicial, que identificou, comprovando também ter procedido à notificação desse requerimento ao digno mandatário da ré seguradora. Esta opôs-se a esse requerimento invocando que a instância se interrompera por o processo ter estado parado durante mais de um ano por negligência da autora, ficando deserta por a interrupção ter durado mais de cinco anos; ou seja, ficou deserta no ano de 2000, extinguindo-se então a instância, portanto antes da entrada do requerimento da autora. Pretende, por isso, que seja declarada a extinção da instância por deserção, indeferindo-se em consequência o requerido pela autora. Esta opôs-se, invocando que a interrupção da instância não fora decretada por qualquer despacho, pelo que o prazo da deserção nem sequer se iniciara. Foi então proferido despacho que declarou extinta a instância por deserção. A autora agravou para a Relação, que proferiu acórdão que concedeu provimento ao recurso, revogando o despacho ali recorrido e determinando a apreciação do requerimento da autora de citação da ré Sociedade Empresa-A, Lda. É deste acórdão que vem interposto o presente agravo, agora pela ré seguradora, que, em alegações, formulou as seguintes conclusões: 1ª - O presente processo esteve parado durante mais de 6 anos e um dia por negligência da autora em promover os seus termos; 2ª - Apesar disso, no acórdão agravado entendeu-se que a instância não se extingui, porque não foi proferido despacho nos autos a declará-la interrompida; 3ª - A questão que se coloca e a de saber se a interrupção opera automaticamente ou se está dependente de despacho judicial que a declare; 4ª - O disposto no art. 285º do Cód. Proc. Civil é claro no sentido de que a instância interrompe ope legis pelo decurso de um prazo e não por efeito de qualquer decisão judicial; 5ª - A interpretação contrária esbarra contra o pensamento do legislador, os textos legais, a doutrina e a jurisprudência deste Supremo Tribunal; 6ª - A análise histórica dos art.s 285º e 291º do Cód. Proc. Civil permite concluir que o pensamento do legislador foi sempre no sentido de que a instância se interrompe automaticamente; 7ª - Foi apenas para marcar a ruptura em relação ao passado (no que toca à deserção) que o legislador sentiu necessidade de referir expressamente que a instância se considera deserta "independentemente de qualquer decisão judicial"; 8ª - A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem sido uniforme no sentido de que a deserção da instância é a consequência de o processo estar parado, por inactividade das partes, durante seis anos e um dia, contando-se esse lapso de tempo desde o fim do prazo que a parte tinha para actuar; 9ª - O despacho judicial que, porventura, declare a interrupção da instância, tem natureza meramente declarativa; 10ª - Não existe nenhuma norma processual que determine ao juiz, em prazo algum, a obrigação de declarar interrompida a instância; 11ª - A constituição de direitos subjectivos não pode estar dependente da prolação de um despacho que a lei não exige; 12ª - O douto acórdão recorrido violou o disposto nos art.s 9º e 332º, nº 2, do Cód. Civil, 122º do Cód. das Custas Judiciais, 285º, 287º, al. c) e 291º, do Cód. Proc. Civil; 13ª - Dado que essas normas deveriam ter sido aplicadas e interpretadas no sentido de que a instância se interrompeu automaticamente e se extinguiu por deserção. Termina pedindo que, no provimento do recurso,. se declare extinta a instância por deserção. Em contra alegações, a autora pugnou pela confirmação do acórdão recorrido. Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta que o circunstancialismo de facto assente, com interesse para o efeito, se reconduz aos próprios termos processuais acima descritos. A única questão a decidir é a de saber se a interrupção da instância, para se verificar, implica que seja proferido um despacho judicial a declará-la ou a decretá-la, ou se tem lugar automaticamente por mera consequência do decurso do prazo fixado por lei sem actividade processual por culpa da parte que tinha obrigação de dar andamento ao processo. Dispunham o art. 285º e o art. 291º, referidos, na versão anterior à revisão do processo civil operada pelo Dec.-Lei nº 329-A/95, de 12/12, versão essa que é a aplicável aos presentes autos face ao disposto no art. 16º do mesmo Dec. - Lei por o processo ora em análise ter dado entrada, como se disse, em 1994, respectivamente, que "a instância interrompe-se, quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento", e "considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante cinco anos, sem prejuízo do que vai dispondo no artigo seguinte" (este não interessa para o caso, visto se referir apenas à deserção dos recursos). E do confronto dessas duas disposições logo se nota a existência de duas diferenças fundamentais: por um lado, para que se verifique a interrupção da instância expressamente se exige no art. 285º a negligência das partes, na qual no art. 291º não se fala para que o decurso do prazo de cinco anos, (agora é de dois anos), produza a deserção da instância; por outro lado, neste último dispositivo expressamente se declara que a deserção não depende, de qualquer decisão judicial, nada se referindo sobre isso no art. 285º quanto à interrupção. Basta atentar nesse confronto para se concluir pelo bem fundado do douto acórdão recorrido. Com efeito, bem claro é o disposto no citado art. 285º no sentido de fazer concluir que a interrupção da instância se apresenta como uma sanção pela negligência das partes da qual tenha derivado a paragem do processo durante mais de um ano, sanção essa que se justifica face à violação que aquela negligência representa ao princípio segundo o qual a iniciativa e o impulso processual incumbem às partes (princípio dispositivo), que imana do disposto nos art.s 264º e 265º do Cód. Proc. Civil. Assim, a parte que, devendo provocar andamento do processo, não o fizer, por negligência sua, durante um ano e um dia pelo menos, sujeita-se à interrupção da instância, e às suas consequências. Ora, repugna ao espírito do nosso sistema jurídico a aplicação de sanções de forma automática, sem que ao visado seja permitido defender-se contra essa aplicação. Daí que se apresente como solução mais correcta a de exigir a elaboração de um despacho judicial que, fundamentado na análise das circunstâncias do caso, procure apurar se o prazo mínimo de um ano e um dia de paragem do processo efectivamente decorreu e se tal paragem derivou de negligência da parte que tinha o ónus do respectivo impulso, para na hipótese afirmativa decretar a interrupção da instância, com possibilidade de impugnação do mesmo despacho pela parte respectiva. Na verdade, pode o prazo ter sido incorrectamente contado, ou a paragem do processo não ter resultado de negligência da parte, mas, por exemplo, de atrasos do próprio Tribunal, eventualmente provocados por incapacidade deste de dar andamento tempestivo ao número cada vez maior de processos que nos Tribunais vêm dando entrada, ou de extravio de peças processuais, nomeadamente da que se destinasse a notificar a parte para a prática de algum acto no processo com a consequência de a fazer ficar na ignorância de que tivesse de actuar. Por outro lado, nesse sentido aponta a dispensa expressa de decisão judicial para que se verifique a deserção, sem correspondência com idêntica dispensa para que se verifique a interrupção. Aponta a recorrente, em sentido contrário, um argumento histórico segundo o qual do disposto nos art.s 290º e 296º do CPC. de 1939 resultava que a interrupção da instância operava automaticamente, ao passo que a deserção da instância tinha de ser declarada por despacho judicial, tendo o legislador de 1961, mantendo a regra relativa à interrupção da instância, alterado o regime da deserção da instância por forma a que esta passasse a operar também automaticamente. Mas não tem razão: com efeito, o dito art. 296º não fazia depender a deserção da instância da prolação de despacho judicial, pois dele resulta apenas que o que dependia de despacho judicial era a extinção da instância em consequência da deserção, quando esta se verificasse por interrupção durante cinco anos. Do confronto das duas partes de tal art. 296º (" Considera-se deserta a instância quando estiver interrompida durante cinco anos, sem prejuízo do que vai disposto no artigo seguinte", e "verificado o facto previsto neste artigo, deve a secretaria fazer o processo concluso, a fim de ser declarada extinta a instância"), resulta mesmo não ser, já então, necessário despacho judicial para que a deserção operasse. Donde que o aludido argumento histórico não possa conduzir ao entendimento sustentado pela recorrente, visando a alteração feita pelo legislador de 1961 apenas resolver dúvidas porventura existentes quanto ao regime da deserção e não igualar os regimes de deserção e de interrupção da instância. Se pretendesse fixar para os dois institutos o mesmo regime na parte respeitante à necessidade ou não de despacho judicial, o que seria lógico seria a utilização de redacção igual, tanto mais que, sem dúvida atento simultaneamente à regulamentação de ambos na medida em que a deserção dependia da interrupção, se aperceberia forçosamente de que a utilização de redacções divergentes conduziria o intérprete também a conclusões opostas. Isto é, sabendo o legislador de 1961 que, declarando expressamente que a deserção não dependia de despacho judicial mas não o declarando quanto à interrupção, o intérprete concluiria, com toda a probabilidade, que para a interrupção era necessário despacho, e não providenciando pela consagração de uma redacção que conduzisse a conclusão contrária, a própria lógica, e a unidade do sistema jurídico (art. 9º do Cód. Civil), que pretende que todos disponham da possibilidade de se defender contra a aplicação de sanções, impõe que se entenda que a intenção legislativa foi mesmo a de pretender que a interrupção da instância dependesse de despacho judicial, dado serem necessárias, para ela, uma contagem de prazo que poderia revelar-se duvidosa por falta de precisão do momento do seu início, e a análise de uma conduta da parte susceptível de ser sancionada por ser eventualmente qualificável como negligente, tendo mesmo ele substituído então a expressão "inércia das partes", constante do art. 290º de 1939, pela expressão "negligência das partes". E nem sequer se pode defender a existência de qualquer incongruência porventura manifestada na diferença de regimes. Com efeito, a contagem do prazo de cinco anos revela-se bem simples, devendo ser feita a partir do tempo do prazo de um ano e um dia posterior ao último acto praticado no processo ou ao termo do prazo que a parte onerada com o impulso processual tinha para a prática de algum acto posterior ao último efectivamente praticado, desde que a interrupção tenha sido declarada por despacho transitado; e a lei não exige, para o específico efeito da deserção, a negligência das partes durante esse período de cinco anos, contentando-se com a inércia das partes e com a prévia existência de negligência para fins interruptivos, que já terá sido declarada no próprio despacho transitado que decretou a interrupção e contra o qual a parte teve oportunidades de se defender. Assim, e tendo ainda em conta que tal despacho se torna necessário para fins de eventual apuramento de caducidade face ao disposto no art. 332º, nº 2, do Cód. Civil, conclui-se que a interrupção da instância deve ser decretada por despacho judicial, sem o que não pode ter início o decurso do prazo de deserção da instância. No mesmo sentido se pode apontar o Ac. de 1271/99 deste Supremo Tribunal (1ª Secção), in BMJ. 483-167, que, considerando embora que o despacho judicial que decrete a interrupção tem natureza declarativa, não deixa de o exigir para que a interrupção opere. Donde que, na hipótese dos autos, não tendo sido declarada por despacho a interrupção da instância, não se possa afirmar ter decorrido o prazo de deserção, pelo que esta não teve lugar. Não pode, por isso, ser reconhecida razão à recorrente. Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao agravo, confirmando-se o acórdão recorrido. Custas pela recorrente. Lisboa, 16 de Abril de 2002 Silva Salazar Pais de Sousa Afonso de Melo |