Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B2766
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: CUSTÓDIO NEVES
Descritores: FALÊNCIA
VENDA JUDICIAL
LEILÃO
PREFERÊNCIA
Nº do Documento: SJ200410190027667
Data do Acordão: 10/19/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 9069/03
Data: 01/22/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1.A venda em processo de falência é regulada pelo processo de execução, com especialidades.
2. O art. 1248.º do CPC, anterior às alterações de 95/96, ao remeter para o art. 892.º do mesmo diploma legal, referia-se à venda judicial e não às outras modalidade de venda.
3. Sendo a venda feita extrajudicialmente, através de leilão, antes da respectiva escritura pública, se a ela houver lugar, o obrigado a oferecer a preferência, deve dar cumprimento ao art. 416.º do CC.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

"A", B e marido C, D, intentaram contra "E - Sociedade de Produtos Químicos, L.da", representada pelo liquidatário judicial F, e "G - Especialidades Químicas e Industriais, L.da", acção com processo comum sob a forma ordinária pedindo

. a condenação das RR. ou quem esteja na posse das instalações/armazém que identificam no art. 1.º da P.I., a entregar às AA. o R/C devoluto e ainda a pagarem-lhes indemnização a liquidar em execução de sentença pela ocupação indevida;

. subsidiariamente, pedem se declare a simulação do respectivo trespasse por simulação de preço, declarando-se que o valor real do mesmo foi de um milhão de escudos, sendo-lhes reconhecido o direito de preferência, pedido que acabam também por formular relativamente ao preço declarado.

Invocam, quanto ao pedido principal a inexistência de título válido para posse do referido armazém e, quanto ao pedido subsidiário, simulação de preço e o direito de preferência que lhes assiste.

Contestaram os RR, por impugnação e por excepção (ineptidão da P.I., incompetência absoluta do tribunal, litispendência (caso julgado), ilegitimidade e caducidade), tendo, nesta parte, sido julgadas improcedentes no despacho saneador, não impugnado, as excepções suscitadas, menos a da caducidade que foi relegada para final.

A acção foi julgada parcialmente procedente quanto ao pedido subsidiário (improcedente o que pedia se declarasse a simulação de preço do trespasse e se reconhecesse o direito de preferência das AA. pelo preço de um milhão de escudos e procedente o da preferência pelo valor declarado, "declarando-se a substituição da R. "G - Especialidades Químicas e Industriais, L.da", pelas AA. referidas, no contrato de trespasse efectivado através da escritura pública de 23.11.95, rectificada por escritura de 24.5.96, que teve como objecto o estabelecimento").

Inconformados, interpuseram AA. e RR. recurso de apelação, tendo estas impugnado ainda o despacho proferido sobre a reclamação que, oportunamente, deduziram sobre a selecção da matéria de facto.

Art. 511.º, 3 do CPC.
O Acórdão da Relação confirmou a decisão recorrida e, sobre a reclamação da selecção da matéria de facto, disse: "quanto à matéria de facto quesitada ou especificada, cremos que também nada há a objectar; delimitada a questão base (notificação ou não do projecto de trespasse), os factos existentes dispensam a consideração dos mais agitados pelos recorrentes".

Inconformada, agora, apenas a R. G, interpôs recurso de revista, terminando as suas alegações com as seguintes

Conclusões:

1.ª As recorridas já no processo de falência suscitaram a violação do seu direito de preferência, o que mereceu do M.mo Juiz da falência decisão proferida em 14.03.96, que não atendeu tal pretensão, tendo ordenado; "Fique nos autos. Nada por ora a determinar."(cfr. Certidão judicial junta pelo requerimento de 29.11.96);

2.ª O acórdão recorrido sobre a referida matéria, decidiu que a questão da competência já havia transitado em julgado, quando, na verdade, o que há é caso julgado da decisão proferida pelo Tribunal da falência, que impede o conhecimento nestes autos do direito de preferência, conforme conclusões 1.ª a 3.ª do recurso para a Relação;

3.ª Tendo o acórdão recorrido violado, por desaplicarão, o disposto nos arts. 493°, n.º 3 e 497.º do C PC;

4.ª Mas, ainda que assim não fosse, o acórdão recorrido haveria que julgar a acção improcedente face à prevalência de decisão proferida nos autos de falência, transitada anteriormente, nos termos do art.. 671° do C PC, preceito que foi também violado por desaplicação no acórdão recorrido;

5.ª O acórdão recorrido não conheceu das conclusões 6.ª, 8.ª, 9.ª, 10.ª, 11.ª, 12.ª, 13.ª, 14.ª, 15.ª, 16.ª e 28.ª do recurso interposto para a Relação pelas ora recorrentes;

6.ª Na conclusão 6.ª as recorrentes impugnaram o valor depositado nos autos pelas recorridas, no valor de 5.000.000$00, considerando-o insuficiente, por não cobrir as despesas da alienação, nomeadamente, as da escritura;

7.ª Ao não conhecer de tal matéria, que devia ter apreciado, há nulidade de acórdão, nos termos da al. d) do n.º 1 do art. 668.º, 712°, n.º 1, als. a), b) e c) e 716°, do C PC;

8.ª Pois, tal preceito legal impõe que o Tribunal de recurso se pronuncie sobre todas as conclusões do recurso;

9.ª Devendo considerar-se que não tendo as recorridas depositado também as despesas da aquisição, lhes não é lícito exercerem o direito de preferência no trespasse;

10.ª Com efeito, o preceito do art. 1410°, n.º 1 do CC deverá ser interpretado no sentido de que, por preço, se deverá entender todo o sacrifício patrimonial suportado pelo adquirente, ou seja, não só o valor pago pela aquisição, mas também as demais despesas, nomeadamente, notariais, etc;

11.ª Pelo que o acórdão recorrido, se tivesse conhecido de tal matéria, teria que dar provimento ao recurso, julgando a acção improcedente, por caducidade do direito.

12.ª O acórdão recorrido é igualmente nulo, ao não conhecer da matéria das conclusões, 8.ª, 9.ª, 10.ª, 11.ª, 12.ª, 13.ª, 14.ª, 15.ª, 16.ª e 28.ª, de que tinha obrigação de conhecer, nos termos dos preceitos legais citados na conclusão 7.ª;

13.ª Trata-se da necessidade de ampliar a matéria de facto, tendo em conta a matéria de facto alegada e com interesse para a decisão da causa, tendo as recorrentes reclamado dos factos assentes e da base instrutória e, em face ao indeferimento da reclamação, impugnaram a sentença proferida, nos termos do art. 511°, n.º 3 do CPC;

14.ª Com efeito, a Relação podia e devia ter ampliado a matéria de facto, tal como solicitado pelas recorrentes, em virtude de tal matéria estar provada, quer por acordo das partes, quer por certidão judicial arguida de falsidade, ou, pelo menos, levá-la à Base Instrutória para sobre ela ser efectuada prova;

15.ª Assim, deveria a Relação ter dado ainda como provados os factos alegados nos arts. 11.º, 39.º, 52.º e 53° da p.i. e 39°, 41.º, 42°, 44° a 57° e 59° a 65° da contestação, conforme conclusões 8.ª, 9.ª, 10.ª, 11.ª, 12.ª, 13.ª, 14.ª, 15.ª, 16.ª, 17.ª, 18.ª, 20.ª, 21.ª e 22.ª;

16.ª Para além disso, a Relação deveria ter eliminado a al. g) da especificação, tal como solicitado na conclusão 8.ª, mas não conheceu tal questão, sendo nulo o acórdão, nos termos dos preceitos legais citados na conclusão 7.ª;

17.ª E que O que está dado por provado na al. g) da especificação, não só não está provado, como contraria a alegação das recorrentes e o teor da certidão judicial junta por requerimento de 29.11.96, bem como a alegação das próprias recorridas nos arts. 11.º, 39°, 52° e 53° da petição inicial;

18.ª Sendo ainda certo que não podia dar-se no Saneador determinado facto como não provado, sem, pelo menos, se ter submetido o mesmo a prova em julgamento;

19.ª Importa, pois, que seja eliminada tal alínea da especificação;

20.ª Apesar de se tratar de um trespasse feito por negociação particular, uma vez que foi efectuado no âmbito de um processo de falência, regido pelo C.P.C., a notificação para o exercício do direito de preferência, é feita nos termos do disposto no art. 892° do C PC, na redacção vigente em 25.07.95;

21.ª Com efeito, o art. 1249° do C PC (hoje revogado), mas aplicável à falência em causa, independentemente da modalidade de venda na falência, remete para o regime de preferência previsto no art. 892° do CPC, cujo n.º 1 dispunha: "Os titulares do direito de preferência na alienação dos bens são notificados do dia e hora da arrematação ou do dia e hora da entrega dos bens ao proponente para poderem exercer o seu direito no acto da praça ou da adjudicação;

22.ª Regime que de resto veio a ser consagrado, com ligeiras alterações no art. 183° do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência, como foi salientado, de forma clara, no parecer do Professor Luís Carvalho Fernandes, junto;

23.ª Pelo que, o acórdão recorrido, ao não considerar aplicável o disposto no art. 892° do C PC, por se tratar de trespasse extrajudicial, violou tal preceito legal, por desaplicação;

24.ª Caso tivesse aplicado o art. 892° do C PC, como devia, o acórdão recorrido deveria, logicamente, ter dado provimento ao recurso;

25.ª Tendo as recorridas sido notificadas para comparecerem nos 3 leilões realizados e aí exercerem o seu direito de preferência, com a advertência de que a sua não comparência significaria desinteresse na aquisição, ficou cumprido o regime previsto no art. 892° do C PC., pois, ficaram as mesmas logo a saber as condições da venda e até da pessoa do adquirente;

26.ª Nem a isso obstaria o facto de ter havido licitação entre os proponentes do 3° leilão, a que faltaram as recorridas, pois, conforme reconhece o acórdão recorrido e bem, nesse ponto, se as recorridas não preferiram pelo valor de 3.500.000$00, também não iam preferir pelo valor de 5.000.000$00, resultante da licitação, pois, de contrário haveria abuso de direito, nos termos do art. 334° do CC;

27.ª Como abuso de direito haveria sempre pelo facto das recorridas terem perturbado os 2 leilões em que compareceram e levaram os interessados à desistência, como reconhecem no art. 42° da petição inicial e está provado na certidão judicial, com prejuízos para a massa falida;

28.ª O depósito do preço pelas recorridas foi feito fora do prazo legal, pois, este Começa a contar-se desde o despacho de citação das rés, e não da notificação de tal despacho às AA., que a lei não prevê, tendo o acórdão recorro interpretado erradamente o disposto no art. 1410.º CC, na redacção anterior ao decreto-lei 68/96, de 31/5.

Termina, dizendo que se deve dar provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido e julgando-se a acção de preferência improcedente ou, caso assim se não entender, ordenar a baixa do processo à Relação para alterar a matéria de facto, conforme referido nas conclusões.

As recorridas contra alegaram, concluindo que se deve negar a revista.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Matéria de facto dada como provada pelas instâncias:

1. O trespasse do estabelecimento comercial foi concretizado por escritura de 23.11.95, rectificada posteriormente por escritura de 24.5.96 (al. a da esp.) - folhas 270;
2. As Autoras não foram notificadas do projecto do trespasse com indicação das suas cláusulas, nomeadamente da pessoa adquirente e do preço, antes da realização das citadas escrituras (al. b da esp);
3. A presente acção foi proposta em 22.5.96 (al. c da esp).;
4. O despacho de citação na presente acção foi proferido em 5.6.96, mas não foi notificado às Autoras (al. d da esp);
5. O preço do trespasse no montante de 5.000.000$00 foi depositado em 21.6.96 (al. e da esp); 6. Dá-se por reproduzido o conteúdo de todos os documentos juntos aos autos (al. f da esp).
Cumpre apreciar e decidir.

1. a. No presente recurso de revista, a recorrente começa por impugnar o acórdão da RL, de 9.3.04, por omissão de pronúncia Art. 668.º, 1, d) do CPC. relativamente ao despacho de fls. 291 que, versando sobre a reclamação que fez da especificação e questionário, oportunamente organizados, foi, por si, impugnado, conforme lho permitia o art. 511.º, 3 do CPC.
Não tem razão, no entanto.

É que, sobre a questão, o acórdão em causa diz, como acima se deixou escrito: "quanto à matéria de facto quesitada ou especificada, cremos que também nada há a objectar; delimitada a questão base (notificação ou não do projecto de trespasse), os factos existentes dispensam a consideração dos mais agitados pelos recorrentes".

Embora a fundamentação seja sucinta, a mesma expressa bem as razões que determinaram a negação de provimento ao requerido.

A questão que restou, depois da apreciação das excepções decididas no despacho saneador (ineptidão da P.I., incompetência absoluta do tribunal, litispendência (caso julgado), ilegitimidade), menos a da caducidade que foi regada para final, não demandava quaisquer outros factos que os que foram seleccionados.

A fundamentação é bastante e, mesmo que fosse algo insuficiente, não determinava a nulidade invocada, porque esta apenas releva se houver total falta de fundamentação. Ver, entre muitos outros os Acs. deste STJ de 30.10.96, dgsi.pt/.

Por outro lado, o art. 511.º do CPC não foi violado porque, restando para apreciar a questão de saber se havia sido oferecida a preferência às AA. e se havia caducidade do direito por não ter sido depositado o preço no prazo a que alude o art. 1410.º do CC, os factos seleccionados permitem solucionar a decisão da causa, segundo as "várias as soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida".

E, não ocorrendo violação do art. 511.º do CPC, não há recurso para o STJ das decisões da Relação sobre matéria de facto, conforme dispõe o art. 712.º, 6, do CPC.

b. Alega ainda a recorrente que o Acórdão da Relação, em referência, se não pronunciou sobre a questão de saber se o "preço devido" a que alude o art. 1410.º do CC, respeita apenas ao preço da escritura ou abrange também as demais despesas. Ou, como diz a recorrente "não só o valor pago pela aquisição, mas também as demais despesas, nomeadamente, notariais".

Se é verdade que o Acórdão não versa especificamente sobre tal questão, do seu teor resulta claro que se considerou que o preferente apenas tem que depositar o preço da escritura e não outras despesas gastas pelo comprador preterido, considerando-se que o "preço devido" do art. 1410.º do CC respeita apenas à contraprestação paga ou a pagar pelo adquirente ao alienante.

E esta posição é a dominante no Supremo Tribunal de Justiça Acs. de 20.5.86, 12.5.92, 12.5.72, 7.3.95, 12.11.98, 10.12.92, 24.4.73, 11.12, 90, 22.11.90, 27.6.85, todos na base de dados do M.º da Justiça, dgsi.pt/; ver também o Ac. STJ de 27.6.85, BMJ 348, 422, onde se refere que a nossa lei (e Oliveira Ascensão) ao mencionar "preço" tem sempre em vista a contraprestação pecuniária compensatória do valor do objecto do contrato; embora se reconheça no Ac. que o preferente poderá vir a arcar com as outras despesas pagas pelo preferido, apenas o poderá ter que fazer após o reconhecimento da preferência e quando tais despesas se liquidarem.; ver também a anotação deste último Acórdão, onde se dá conta de ser esta a jurisprudência dominante no nosso mais Alto Tribunal. , muito embora não se desconheça a posição em sentido contrário, defendida, por ex., por P. Lima e A. Varela.CC Anot., vol. III, anot. Ao art. 1410.º

Inexiste, pois, a referida nulidade e, ao ter depositado o preço da contraprestação paga ao alienante, o aqui preferente depositou "o preço devido", como determina o art. 1410.º, 1 do CC.

2. Alega ainda a recorrente que no Acórdão sob recurso houve omissão de pronúncia relativamente à questão de saber se haveria caso julgado quanto ao exercício de preferência pelas AA. face ao despacho aí proferido do seguinte teor "fique nos autos. Nada por ora a determinar", Decisão constante da certidão que a mesma juntou com o requerimento de 29.11.96. dessa forma tendo violado o disposto nos arts. 493.º e 497.º do CPC.

Mais uma vez não tem razão a recorrente porque o Acórdão em causa diz claramente que "a questão da preferência não podia..., ser apresentada no processo de falência..."

Embora muito esquemática a decisão está fundamentada, derivando da decisão em causa que, não podendo ser apresentada a questão da preferência no processo de falência, obvio se torna que não há repetição nesta acção da causa.

Aliás, dizer-se no processo de falência "fique nos autos. Nada por ora a determinar" nenhuma decisão envolve sobre os pressupostos do direito de preferência e sobre a tempestividade do depósito do preço devido.

3. Resta, pois, analisar, as seguintes
Questões

. Na venda extrajudicial em leilão, a notificação para preferência é feita nos termos do art. 892.º e 1249.º do CPC Redacção anterior à reforma processual civil de 95/96, aqui aplicável considerando, não só, que o processo de falência referida nos autos é de data anterior, mas também o disposto no art. 16.º do DL 329-A/95, de 12.12.?

. O prazo de oito dias para depositar o preço a que se referia o art. 1410.º, 1 do CC, antes da redacção introduzida pelo DL 68/96, de 31.5, começava a contar-se desde o despacho da citação ou apenas após a notificação ao A. de que a citação fora ordenada ?

. Ao terem preferido pelo preço licitado de 5.000.000$00, as AA, abusaram do direito por já antes terem recusado a preferência por apenas 3.500.000$00?

Quanto à 1.ª questão

A recorrente juntou parecer do Ex.mo Senhor Professor Doutor Luís Alberto de Carvalho Fernandes que defende a aplicabilidade do art. 892.º do CPC ao processo de falência por remissão do art. 1249.º e que essa remissão se reporta a qualquer modalidade de venda que não apenas à da venda judicial a que aquele primeiro normativo se refere.

Vejamos, então, o conteúdo de tais normativos.

O art. 892.º do CPC, inserido na "venda judicial" dispunha "os titulares do direito de preferência na alienação dos bens são notificados do dia e da hora da arrematação ou do dia e da hora da entrega dos bens ao proponente para poderem exercer o seu direito no acto da praça ou da adjudicação".

Na venda extrajudicial inexiste semelhante normativo, pelo que "quando a venda é feita extrajudicialmente, tal como no caso de ser judicial mas não ter sido feita a notificação, segue-se o regime geral da lei civil e o titular do direito pode propor a acção de preferência no prazo que a lei, consoante a causa do seu direito, lhe concede", Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 2.ª ed., pág. 272 e 4.ª ed., p tal como explicitamente se reconhece agora no n.º 4 do mencionado normativo.

Não há dúvida, pois, A recorrente não põe em causa tal comando. que o mencionado dispositivo legal apenas é aplicável à venda judicial.

E compreende-se porque, na sequência da arrematação em hasta pública, o bem era adjudicado ao arrematante, Art. 905.º. a menos que o preferente, se o houvesse e quisesse exercer o seu direito, tivesse depositado o preço no acto da praça Art. 904.º, 6.

Ou seja, a arrematação determinava a adjudicação do bem ao arrematante, com o cancelamento dos registos, Art. 907.º sem se tornar necessária a respectiva escritura quando o acto estava a ela sujeito.

Isto, porque, como diz Lebre de Freitas, Ob. cit. a lei pretende distinguir "os casos em que esse acto tem lugar no próprio tribunal daqueles em que tem lugar fora do tribunal".

E nos casos em que a venda é feita fora do tribunal, como era a venda em leilão, evidente se torna que a adjudicação do bem ao comprador, quando se exigia escritura pública, teria que ser feita através dessa formalidade.

Daí que ao vender o bem, se tenha que oferecer a preferência a quem a tiver, segundo o comando e ritualismo do art. 416.º do CC."Querendo vender a coisa que é objecto pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato".

E no processo de falência regulado no CPC, à altura, não se estipulava regime especial diferente.

Se é verdade que era ao administrador que competia determinar a modalidade da vendaArt. 1247.º, 2., menos verdade não é que, referindo o n.º 1 do art. 1247.º que "a venda dos bens da massa é feita pelas formas estabelecidas para o processo de execução", por argumento de inserção sistemática, a mesma deveria seguir o ritualismo que qualquer das modalidades da venda revestisse no processo executivo, menos as especificações que o normativo refere quanto à arrematação e venda por propostas em carta fechada e quanto à venda por negociação particular, Art. 1248.º o que constituía apenas uma mera adaptação ao ritualismo próprio da liquidação do activo na falência.

Porém estas especificações nada invalidam o comando do n.º 1 do art. 1247.º que manda proceder à venda pelas formas estabelecidas para o processo executivo. Discordamos, pois, com o devido respeito, da afirmação de que a venda da massa falida, no CPC de 1961, tinha regulamentação directa, já que os arts. 1247, 1 e 1248.º apenas apresentavam algumas especialidades, sem por em causa o regime regra do "processo de execução".

Assim, com toda a lógica, o art. 1249.º, mandava observar, quando houvesse preferentes, o disposto no art. 892.º nos precisos termos que o processo executivo prevê para venda judicial.

Era também este o entendimento do Ex.mo subscritor do Parecer junto aos autos que, em anotação ao art. 183.º do CPEREF DL 132/93, de 23.4. escreveu que "ao remeter genericamente para o regime aplicável ao exercício dos respectivos direitos na venda judicial, relativamente aos credores com garantia real e aos preferentes, a lei ampliou,..., ,...., o alcance que resultava do citado art. 1249.º, Sublinhado nosso; se ampliou, isso significa que antes a remissão não era tão ampla. no sentido de tornar aplicáveis todas e quaisquer regras que neste momento regulam ou venham a regular a situação daquelas entidades na venda judicial, em geral."Ver João Labareda e Carvalho Fernandes, CPEREF anot., 2.ª ed., pág. 439.

Está, pois, bem decidida a questão em causa ao se mencionar que não foi dado cumprimento ao disposto no art. 416.º do CPC.

Quanto à 2.ª questão

Antes da alteração do art. 1410.º, 1 do CC, introduzida pelo DL n. 68/96, de 31.5, que veio esclarecer que o prazo de 15 dias dentro do qual se tem que depositar o preço se conta a partir da propositura da acção, era entendimento generalizado da jurisprudência, para não dizer uniforme, que o prazo de oito dias aí mencionado, se contava a partir da notificação do despacho que ordenava a citação.Ver, por ex., os acs. da RC de 3.2.81, BMJ 306, 296; de 22.6.80, BMJ 301, 468; RL de 7.5.73, BMJ 227, 204; STJ de 21.12.73, BMJ 232, 137;

E era esta a doutrina correcta, porque não tinha sentido obrigar o A. a indagar permanentemente junto do tribunal sobre a data em que o juiz ordenava a citação, vindo, depois, a alteração legislativa a determinar o momento a partir do qual se contava o prazo para o depósito do preço.

Por isso, não tem razão a recorrente ao defender que as AA. depositaram o preço fora de prazo, contrariamente ao que decidiu no Acórdão sob recurso.

3.ª questão

Do facto de as AA. não terem querido preferir pelo preço de 3.500.000$00 e preferirem agora por 5.000.000$00 nenhuma violação se vislumbra do art. 334,º do CC, até porque, as mesma não podiam preferir numa venda por aquele preço, quando a mesma se não efectivou.

Improcedem, por isso, todos os fundamentos do recurso.

Decisão

Pelo exposto, nega-se a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 19 de Outubro de 2004
Custódio Montes
Neves Ribeiro
Araújo Barros