Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00026641 | ||
Relator: | MARIO CANCELA | ||
Descritores: | PROPRIEDADE HORIZONTAL PARTE COMUM LEGITIMIDADE ACTIVA COMPROPRIETÁRIO | ||
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Nº do Documento: | SJ199502230867572 | ||
Data do Acordão: | 02/23/1995 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | BMJ N444 ANO1995 PAG563 - CJSTJ 1995 ANOIII TI PAG107 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | PROVIDO. | ||
Área Temática: | DIR PROC CIV. DIR CIV - DIR REAIS. | ||
Legislação Nacional: | CPC67 ARTIGO 668 N1 B C D. CCIV66 ARTIGO 1405 N2 ARTIGO 1420 N1. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1985/12/19 IN BMJ N352 PAG357. | ||
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Sumário : | No regime da propriedade horizontal qualquer condómino tem legitimidade para, isoladamente e desacompanhado dos demais, exigir em juízo a reposição do prédio na situação anterior a qualquer acto que ofenda o Título Constitutivo da propriedade horizontal, designadmente no que respeita a violação da estrutura do prédio e ao desvio do fim das fracções que o compõem. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: Sodivenda - Sociedade de Construções e Vendas Limitada intentou no tribunal Cível da Comarca de Lisboa contra Ircristur - Empresa Internacional de Comércio e Turismo Limitada, Abóbada - Sociedade de Construções Sociedade Anónima, A e mulher, B, C e mulher D, Multiface - Transformação de Matérias Primas Limitada e Sorelis - Sociedade de Restaurantes de Lisboa Limitada alegando, em síntese, que é dona e legítima proprietária da fracção autónoma E-31 do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Cidade de Lisboa, descrito na primeira Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n. ... e composto de seis caves, sendo quatro para estacionamento e arrecadação (designadas por fracção A a sexta, por fracção B a quinta, por fracção C a quarta e por fracção D a terceira) e duas para centro comercial (a primeira e a segunda, designadas por fracção E). A fracção E foi, por escritura de 23 de Fevereiro de 1990, transformada em quarenta e quatro fracções designadas por E-1 a E-41, sendo proprietários, as rés Ircristur e Abóboda das fracções autónomas designadas por E-21 - E-27 e E-41, os réus A e mulher e C e mulher da fracção E-30, a ré Multiface da fracção E-39 e a ré Sorelis da fracção E-40. Por a fracção D, destinada a garagem e a arrecadações, se encontrar contígua e exactamente no andar inferior às fracções E de propriedade dos réus, estes procederam à abertura de uma ligação - por meio de construção de escadas - entre as suas lojas e determinadas áreas daquela fracção D, delimitaram essas áreas, vedaram-nas, "autonomizando-as", e passaram a utilizá-las ou a permitir a sua utilização na totalidade para fins comerciais, à revelia da lei e do que expressamente determina o título constitutivo. Não foi concedida qualquer autorização aos réus pelos condóminos do prédio para que procedessem daquela forma e da sua actuação resulta prejuízo para a autora. Concluiu pedindo que se condenassem os réus: a) a repor a situação inicial do prédio, passando a exercer-se actividades comerciais apenas nas áreas que no título constitutivo da propriedade horizontal são a tal destinadas, ou seja, apenas nas fracções autónomas designadas por E-21, E-27, E-30 - E39 - E-40 e E-41; b) a proceder, definitivamente e a seu cargo, à demolição das ligações entre as fracções de que são proprietários e a fracção D ou terceira cave destinada a garagem ou arrecadações, que ilegalmente mantêm, repondo, desse modo, a estrutura original do prédio; c) a indemnizar a autora pelos gastos e encargos adicionais que a sua actuação abusiva e ilegal acarretou, a liquidar em execução de sentença. Todos os réus contestaram impugnando os factos alegados pela autora, tendo o A e mulher, o C e mulher e a Multiface arguido ainda a ilegitimidade da mesma autora por estar desacompanhado dos restantes condóminos, salvo os demandados na presente acção. A autora respondeu. No despacho saneador julgou-se a autora parte ilegítima por estar desacompanhada dos restantes condóminos (com ressalva dos demandados) e, em consequência, absolveram-se os réus do pedido. Inconformada, a autora interpôs recurso dessa decisão mas sem êxito pois a Relação confirmou-a. Daí o presente recurso em cuja alegação a autora formulou extensas alegações que, assim, se resumem: 1.- Nada obsta a que qualquer condómino possa, por si só e isoladamente, agir em juízo para defender a integridade quer das partes comuns, quer do respeito pela destinação ou fim de uma fracção autónoma. 2.- A inexistência de deliberação prévia da assembleia basta para que, mesmo tratando-se de intervenção sobre uma parte comum, seja reconhecida à agravante legitimidade para agir em juízo activamente sem os demais condóminos. 3.- A declaração e constatação de que as obras realizadas pelos agravados foram realizadas em violação directa da lei não compete à assembleia de condóminos mas exclusivamente aos tribunais. 4.- A afectação das fracções do prédio ao fim a que se destinam faz parte do estatuto real do condominio. 5.- Um só condómino pode exigir judicialmente o respeito pelo título e pela lei no que respeita ao desvio do fim praticado numa fracção autónoma. 6.- Só aos tribunais e não à assembleia de condóminos cabe averiguar da conformidade da utilização da fracção D com o título constitutivo e a lei. 7.- Não há litisconsórcio necessário activo no tocante aos pedidos formulados pelo agravante. 8.- O acórdão recorrido é nulo pois não especifica os fundamentos de facto e de direito que levaram a considerar a agravante como parte ilegítima no que respeita ao desvio de fim operado na fracção autónoma D pelos agravados. 9.- E é também nulo porque deixou de se pronunciar sobre a legitimidade da agravante quanto ao pedido por si formulado relativo ao desvio de fim praticado pelos agravados na fracção autónoma D. 10.- O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 27, 28, 288 e 470 do Código de Processo Civil, 342, 371, 1405, 1419, 1420, 1421, 1422, 1425 e 1430 do Código Civil e 1, 2 n. 1 alínea b) e 7 do Código do Registo Predial. Contra-alegaram os réus Ircristur, Abóbada, A e mulher e C e mulher, pronunciando-se no sentido de que deve ser mantida a decisão recorrida. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. I - No acórdão recorrido deu-se como provado o seguinte: a) A autora é dona e legítima proprietária da fracção autónoma E-31 do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida João XXI, em Lisboa, designado por lote 3, descrito na primeira Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número 00051. b) O prédio referido na alínea anterior é composto de seis caves, sendo quatro para estacionamento e arrecadações e duas para centro comercial (designado por fracção E, 1. e 2. caves), rés-do-chão e 1. a 13. andares para habitação, num total de 42 fracções autónomas, sendo 37 de habitação. c) Por escritura de 23 de Fevereiro de 1990, veio a propriedade horizontal constituída a ser rectificada e alterada, tendo a fracção E (1. e 2. caves), destinada a centro comercial, sido transformada em 44 fracções designadas E-1 a E-42, mantendo-se no título constitutivo, para todas as novas fracções autónomas, o destino inicialmente determinado para a fracção E. d) Por escritura de 9 de Janeiro de 1991, a autora adquiriu a fracção autónoma designada por E-31, com uma área de 42 metros quadrados. e) São, proprietários das fracções autónomas E-21 e E-41 as rés Ircristur e Abóbada, da fracção autónoma E-30 os réus A e mulher e C e mulher, da fracção autónoma E-39 a ré Multiface e da fracção autónoma E-40 a ré Sorelis. f) Por escritura de 31 de Julho de 1990, as rés Ircristur e Abóbada venderam a fracção autónoma E-27 a E. g) A fracção autónoma D (terceira cave) encontra-se contígua e no andar inferior às fracções autónomas E. h) Existe uma abertura de uma ligação - por meio de construção de escadas - entre as lojas dos réus e determinadas áreas da fracção D. i) Pelo teor da escritura de constituição da propriedade horizontal (fotocópia de folhas 10 a 14) verifica-se que a propriedade horizontal ficou constituída nos termos de documento complementar, que se arquivou, elaborado nos termos do artigo 68 do Código do Notariado e que são partes comuns, exclusivamente do centro comercial ...... e todas as restantes partes do prédio, não referidas expressamente, são comuns nos termos da lei. j) Pelo teor daquele documento (documento de folhas 15 a 19) verifica-se que a fracção D é a terceira cave, a fracção E a primeira e segunda caves, que a fracção D se destina a estacionamento e arrecadações e que a fracção E se destina a centro comercial. k) Pela escritura de rectificação e alteração de propriedade horizontal celebrada em 23 de Fevereiro de 1990 (documento de folhas 21 a 32) foi decidido dividir a fracção E que constitui a primeira e segunda caves - centro comercial - em 44 fracções autónomas, numeradas de 1 a 42 e, ainda uma com o número 12-A e outra com o número 20-A, todas com a letra E, mantendo-se como comuns.... l) A fracção E fica dividida nos termos do documento complementar. m) Foi exibido ao Notário o projecto de alterações do prédio, aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa, que satisfaz os requisitos legais e a que respeita a licença de construção n. 3847 de 2 de Agosto de 1989. n) A constituição e alteração à propriedade horizontal foram registadas (documento de folhas 40 a 61). II - A agravante diz que o acórdão recorrido é nulo por não especificar os fundamentos de facto e de direito que levaram a considerá-la parte ilegítima no que respeita à consideração do desvio operado na fracção D pelos agravados e, ainda, por não se ter pronunciado sobre o pedido formulado relativo ao desvio de fim praticado pelos agravados na mesma fracção. Vejamos se se verificam tais nulidades. A falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão ou a omissão de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar constituem nulidades, conforme dispõe a alínea b) do n. 1 do artigo 668 do Código do Processo Civil. Para que haja falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença (ou despacho) torna-se, no entanto, necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e coloca na base da decisão e que não indique as razões jurídicas que servem de apoio à solução que adoptou. No acórdão recorrido, bem ou mal, indicaram-se concretamente os factos que se consideraram provados e indicaram-se as razões de direito que, no entender dos subscritores do mesmo acórdão, exigem a intervenção de todos os condóminos do prédio no processo. Daí que não se verifique a nulidade prevista na alínea b) do n. 1 do artigo 668 do Código de Processo Civil apontado pela agravante. E não se verifica também a nulidade prevista na primeira parte da alínea d) do mesmo número. Não se omitiu, no acórdão, a apreciação do pedido formulado na alínea c) da petição inicial pois, a certo passo, escreveu-se que "nos presentes autos a autora pretende, em síntese, que os réus sejam condenados a não utilizar a parte comum onde deve existir garagem e arrecadações". Depois tiraram-se daí as conclusões que foram tidas por convenientes, quanto à legitimidade da autora. Pode ter-se decidido mal mas tal facto não integra a nulidade consistente na omissão de pronúncia. A primeira parte da alínea d) do n. 1 do artigo 668 do Código do Processo Civil apenas declara nula a decisão que deixe de pronunciar-se sobre questão de que o juiz devia conhecer. III - O artigo 1420 do Código Civil dispõe no seu n. 1 que "cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício". Ao lado da propriedade exclusiva sobre a sua fracção, cada condómino tem, portanto, ainda um direito de compropriedade sobre as partes comuns do edifício, sendo assim contitular, juntamente com os restantes condóminos, do direito de propriedade sobre as partes comuns. São, portanto, quanto às partes comuns do prédio as regras da compropriedade que se aplicam quanto a pontos sobre que não exista regulamentação específica. Assim, cada condómino tem o direito de defender, sem qualquer restrição especial, derivada do regime da propriedade horizontal qualquer ofensa ao referido direito, venha ele donde vier. E o n. 2 do artigo 1405 do Código Civil dispõe que cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro. Podem, portanto os condóminos em defesa daquilo que entendem ser parte comum do prédio constituído em propriedade horizontal, agir isoladamente. Conforme se diz no acórdão deste Supremo Tribunal de 19 de Dezembro de 1985, "podendo um condómino reivindicar qualquer parte comum da propriedade horizontal, ficaria sem se entender da razão porque lhe estaria vedado defender a integridade dela e obter sentença que obrigue à reparação dos danos causados por banda daquele, condómino ou não, que lhe deu origem por sua acção (vid. Boletim do Ministério da Justiça n. 352, página 357). Como proprietário e condómino de um prédio tem o condómino, portanto, o direito de defender-se de tudo quanto ofenda o título constitutivo designadamente no que respeita à violação da estrutura do prédio e ao destino do fim das fracções que o compõem. IV - Para além de uma indemnização pelos gastos e encargos adicionais que a actuação dos réus lhe causou, a autora pede que estes sejam condenados. a) a repor a situação inicial do prédio, passando a exercer-se actividades comerciais apenas nas áreas que no título constitutivo da propriedade horizontal são a tal destinadas, ou seja, apenas nas fracções autónomas designadas por E-21, E-27, E-30, E-39 - E-40 e E-41; b) a proceder, definitivamente e a seu cargo, à demolição das ligações entre as fracções de que são proprietários e a fracção D ou terceira cave destinada a garagem ou arrecadações, que ilegalmente mantêm, repondo desse modo, a estrutura original do prédio. No fundo, o que a autora pretende com estes dois pedidos é a condenação dos réus na reposição da situação inicial do prédio. Não pretende alterar o que consta da escritura de constituição da propriedade horizontal mas, apenas, que seja respeitada a situação que ela titula e que é vinculativa erga omnes. Daí que nada obste a que qualquer condómino peça isoladamente a reposição na situação anterior ao evento danoso até porque não há qualquer conflito de interesses entre os condóminos lesados no seu direito de compropriedade. Como proprietária e condómina do prédio a autora tem direito de, isoladamente, se defender de tudo quanto ofenda o título constitutivo da propriedade horizontal, designadamente no que respeita a violação da estrutura do prédio e ao desvio de fim de fracções que o compõem pois, conforme alega na petição inicial, os réus procederam à abertura de uma ligação - por meio da construção de escadas - entre as suas lojas e determinadas áreas da fracção D, delimitaram e vedaram estas e passaram a utilizá-las ou a permitir a sua utilização na totalidade, à revelia da lei e do que expressamente determina o título constitutivo. De todo o exposto resulta que a autora tem legitimidade para, por si só, estar em juízo. Assim dá-se provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido bem como o despacho da primeira instância, na parte em que, julgou a autora parte ilegítima e absolveu os réus da instância, determinando-se que seja substituído por outro a julgar aquela parte legítima, prosseguindo a acção seus regulares termos. Custas pelos agravados. Lisboa, 23 de Fevereiro de 1995. Mário Cancela; Sampaio da Nóvoa; Costa Marques. Decisões impugnadas: I - Sentença de 12 de Novembro de 1993 do 2. Juízo Cível, 2. Secção Lisboa; II - Acórdão de 23 de Junho de 1994 da Relação de Lisboa. |