Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2572/07.OTBTVD.L1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: JOÃO BERNARDO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
INCAPACIDADE PARCIAL PERMANENTE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
JUROS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :

1 . Deve ser mantido o montante indemnizatório de €19.000,00, fixado pela Relação, relativamente à incapacidade permanente parcial de 10%, com que ficou um sinistrado em acidente de viação, de 22 anos, que auferia €404,88, 14 vezes ao ano, com aumento anual de cerca de 2,5%, acrescidos de subsídio de alimentação, e que não viu os seus proventos laborais efectivamente diminuídos.
2 . Deve ser majorado para €30.000,00 o montante compensatório de €10.000,00, fixado por aquele Tribunal, relativamente aos danos não patrimoniais do mesmo sinistrado que, em virtude do acidente, foi sujeito a internamentos hospitalares com intervenções cirúrgicas, teve de estar acamado com imobilização e dependência de terceira pessoa em casa durante cerca de 3 meses, teve enjoos e dores (estas em grau 3 numa escala de 7), esteve longo período sem poder, em absoluto, trabalhar (este na sua vertente não patrimonial) e que, como sequelas permanentes, ficou com uma cicatriz na região dorso lombar de 14 cm e a sofrer de lombalgias que se agravam no final do dia de trabalho.
3 . Fixados os montantes com referência ao valor da moeda ao tempo da sentença da primeira instância, só a partir da data desta se começam a contar juros de mora.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I -
Na comarca de Torres Vedras, AA intentou a presente acção declarativa de condenação na forma ordinária, contra:
BB, Companhia de Seguros, SA.

Com pormenorização, alegou ter ocorrido um acidente de viação, por culpa do condutor de veículo seguro na ré, do qual resultaram para ele, autor, os danos que descreve.

Pediu, em conformidade, a condenação desta a pagar-lhe € 99.275,00 acrescidos de juros contados desde a citação.

Contestou, a ré, insurgindo-se, na parte que agora importa, contra o “quantum” indemnizatório pedido e respectiva contagem dos juros.

A acção prosseguiu e, na altura própria, foi proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor:
“Em face a todo o exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condeno a Ré BB, C.ª de Seguros, SA a pagar ao autor AA a quantia de 19 502,78 (dezanove mil, quinhentos e dois euros e setenta e oito cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos desde a citação sobre o montante de € 1.580,00 e vincendos até integral pagamento sobre a totalidade da indemnização arbitrada, computados à taxa supletiva legal em vigor”.

Apelou o autor e o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu nos seguintes termos:
“Nos termos expostos, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, alterando em parte a sentença proferida e, em consequência, condena-se a ré, BB, C.ª de Seguros, SA. a pagar ao autor, AA, a quantia de 22.002,78 (vinte e dois mil e dois euros e setenta e oito cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos desde a citação sobre o montante de € 1.580,00 e vincendos até integral pagamento sobre a totalidade da indemnização arbitrada, computados à taxa supletiva legal em vigor.

II –
Ainda inconformado, pede revista.

Pretende a majoração dos montantes indemnizatórios relativos à perda da capacidade de trabalho e aos danos não patrimoniais e, bem assim, a contagem dos juros a partir da citação.

Não houve contra-alegações.

III –
Importa, pois, tomar posição sobre as questões referidas em II.

IV –
Vem provada a seguinte matéria de facto:

A- No dia 24 de Marco de 2006, pelas 14,00 horas, na Auto-estrada A8, ao km. 34,5, nesta comarca [de Torres Vedras], ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos e as pessoas a seguir identificadas:
a) Veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula 00-00-00, propriedade de CC e por este conduzido.
b) Veículo automóvel, pesado de mercadorias, de matrícula 00-00-00, propriedade da sociedade ML, Complementos Sanitários Unipessoal, Lda., conduzido por DD, empregado ao serviço da referida sociedade, que conduzia o identificado veículo seguindo um percurso por ela previamente definido, sob as suas ordens e direcção efectiva (al. A).
B- O autor era transportado gratuitamente neste veículo pesado de mercadorias (al. B).
C- Ambos os veículos circulavam pela faixa de rodagem mais à direita, seguindo no sentido Sul/Norte (al. C).
D- O veículo de matrícula SX circulava à frente do veículo de matricula AH (al. D).
E- O veículo SX circulava a velocidade de 90 Km/hora (al. E).
F- A dado momento o condutor do veículo de matrícula 00-00-00 foi embater com a parte da frente na traseira do veículo de matrícula SX (al. F).
G- Por força do embate o veículo de matrícula SX entrou em despiste e capotou (al. G).
H- A seguir ao embate ambos os veículos saíram para a direita, atento o sentido de marcha Sul-Norte, projectando-se ambos para fora da faixa de rodagem, sem que o condutor do veículo SX algo pudesse fazer para evitar ser embatido (al. H).
I- Do acidente resultaram vários danos no rail de protecção da A8 e ferimentos no ora Autor (al. I).
J- Aquando do acidente fazia bom tempo e a estrada encontrava-se seca e em condições normais de aderência (al. J).
K- O acidente ocorreu a meio de uma recta com mais de 1.000 metros de comprimento (al.K).
L- Nenhum obstáculo impedia o condutor do AH de avistar o veículo SX circulando à sua frente (al. L).
M- Como consequência directa, necessária e adequada do descrito acidente, resultaram ferimentos vários por todo o corpo do autor, designadamente fractura na coluna vertebral e fractura da LI (al. M).
N- Logo após o acidente o autor foi transportado, de ambulância, para o Hospital de Torres Vedras (resposta ao art. 1º).
O- O autor permaneceu entre as 15h e 17m e as 17h e 11m horas em observação e tratamentos no Hospital Distrital de Torres Vedras, tendo sido depois transportado de ambulância do HDTV para o Hospital de S. Marcos, em Braga, numa viagem de cerca de 5 horas (respostas aos arts. 2° e 4°).
P- Chegado ao Hospital de São Marcos de Braga o autor foi submetido a uma intervenção cirúrgica à coluna (resposta ao art. 5°).
Q- O autor permaneceu internado no Hospital de S. Marcos durante uma semana, tendo sido sujeito a diversos tratamentos (resposta ao art. 6°).
R- O autor saiu do Hospital de São Marcos de Braga oito dias depois para ficar em casa, acamado, em total repouso (resposta ao art. 10°).
S- O autor permaneceu em casa, acamado e imobilizado durante cerca de 3 meses após ter tido alta hospitalar (resposta ao art. 11º).
T- Durante o referido período de três meses, o autor permaneceu em casa totalmente imobilizado, tendo que apertar o colete ao tronco quando se tornava necessário levantar-se (respostas aos arts. 12°, 13° e 14º).
U- Durante esse tempo o autor não conseguia alimentar-se, lavar-se, vestir-se ou calçar-se sozinho (resposta ao art. 16°).
V- No início de Agosto o autor foi novamente internado, desta feita no Hospital da Lapa, no Porto, para remoção do material de osteossíntese (resposta ao art. 17°).
W- O autor permaneceu internado no referido hospital durante período de tempo não concretamente determinado (resposta ao art. 18°).
X- Após ter tido alta hospitalar o autor regressou a casa (resposta ao art. 19°).
Y- Durante o período de convalescença o autor queixava-se de enjoos e dor de cabeça (resposta aos arts. 8° e 15°).
Z- Tendo em conta as lesões sofridas, tipo de traumatismo e os tratamentos a que foi sujeito o autor sentiu dores, fixáveis no grau 3 numa escala de 7 graus de gravidade crescente (resposta ao art. 7°).
AA- O autor sofreu de ITPT (incapacidade temporária profissional total) fixável em 228 dias e ITPP (incapacidade temporária profissional parcial) fixável num período de 44 dias (resposta ao art. 26°).
AB- Durante esses 8 meses o autor tomou vários medicamentos como forma de lhe atenuar as dores e o sofrimento (resposta ao art. 27°).
AC- Durante o tempo de doença o autor foi sujeito a diversos tratamentos e submetido e exames, nomeadamente RX e uma ressonância magnética (resposta ao art. 28°).
AD- Apesar de curado, o autor ficou a padecer de lombalgias, as quais se agravam no final do dia de trabalho (respostas aos arts. 29°, 30° e 40º).
AE- O autor ficou com uma cicatriz com quelóide na região dorso lombar com 14 centímetros de comprimento, apresentando queixas de comichão na mesma (respostas aos arts. 31 °, 41° e 42°).
AF- Com vergonha de exibir a cicatriz o autor não expõe o tronco ao sol na praia (resposta aos arts. 43° e 44°).
AG- Como sequela dos ferimentos sofridos o autor ficou a padecer de uma I.P.P. de 10% (al. N).
AH - O Autor tinha, à data do acidente, 22 anos de idade (al. O).
AI- Exercia à data, como ainda exerce, a profissão de ajudante de motorista (resposta ao art. 36°).
AJ- No exercício da sua profissão o autor despende esforço físico (resposta ao art. 37º).
AK- Com referência à data do acidente o autor auferia a retribuição base mensal de € 404,88 x 14, a que acrescia subsídio de alimentação de € 5,55 x22 x 11 (resposta ao art. 38).
AL- O vencimento mensal do autor vem sofrendo aumentos anuais da ordem dos 2,5% (resposta ao art. 39°).
AM- Durante um período de 3 meses o autor teve necessidade de recorrer aos serviços de uma terceira pessoa para o ajudar nos actos da sua vida diária, no que despendeu a quantia mensal de € 400,00, num total de € 1 200,00 (resposta ao art. 33°).
AN- O autor gastou € 250,00 na realização de uma ressonância magnética (resposta ao art. 34º).
AO- O Autor pagou € 10,00 para obtenção da participação de acidente de viação (resposta ao art. 45°).
AP- O autor despendeu € 120,00 em consultas médicas (resposta ao art. 46°).
AQ- À data do acidente a ré havia assumido a obrigação de indemnizar terceiros em termos de responsabilidade civil pelos danos decorrentes da circulação do veículo 00-00-00, através do contrato de seguro titulado pela apólice n.° 000000000000000, em vigor à data do acidente (al. P).
AR- A ré regularizou o presente sinistro ao abrigo da apólice de acidentes de trabalho, tendo indemnizado o autor pelas despesas clínicas, médicas e hospitalares resultantes do acidente em apreço, bem como pelas despesas de farmácia e de transportes (al. Q).
AS- A ré indemnizou o autor pelos períodos de I.T.A. a que foi sujeito por causa do presente acidente e procedeu ao pagamento do capital de remissão, no montante de € 8 577,22 (als. R e S).

V –
A questão, em abstracto, relativa aos montantes indemnizatórios, quer pela perda de ganho, quer pelos danos não patrimoniais, tem feito correr muita tinta, vertendo opiniões de tal modo díspares que demanda uma constante reponderação por quem tem a tarefa de os fixar e, mormente, por este Tribunal, que, fixando-os, está, concomitantemente, a servir de elemento referencial aos tribunais de instância.

Os direitos violados em acidente de viação têm tutela constitucional (direito à vida, direito à integridade pessoal, direito ao trabalho ou direito de propriedade), mas nada na Constituição pode servir para se encontrar o caminho que conduza ao “quantum” indemnizatório (excepto quanto à necessidade de observação do princípio da igualdade a que abaixo se vai aludir).
Do mesmo modo e como se vê, nomeadamente, da parte final dos considerandos 15 e 16 da Directiva 2005/14/CE do Parlamento e do Conselho de 11.5.2005, o direito comunitário não condiciona a fixação feita ao abrigo da legislação nacional de cada Estado-Membro, dos montantes indemnizatórios relativos a acidentes de viação com veículos a motor, abrangidos pelo seguro obrigatório.
Há que repousar, assim, na lei ordinária, ou seja, no que determinam os artigos 496.º e 494.º do Código Civil.

Considerando esta, a jurisprudência nacional vem-se sedimentando em grandes linhas que se caracterizam pelo seguinte:
Os montantes indemnizatórios não devem ser miserabilistas ou simbólicos;
Deve ser indemnizado o dano correspondente à perda do direito à vida (autonomamente relativamente ao sofrimento da vítima entre o facto danoso e a morte e ao dano sofrido pelos familiares aludidos no dito artigo 496.º), oscilando a indemnização actualmente entre os € 40.000 e os € 60.000;
Esta não constitui um tecto, tendo vindo a ser fixadas indemnizações, até reportadas apenas à parcela relativa aos danos não patrimoniais, superiores ou muito superiores em casos em que o lesado fica vivo, ainda que muito relevantemente atingido;
A perda da capacidade de trabalho, aferida tendo em conta a Tabela Nacional de Incapacidades, é de indemnizar, quer o lesado tenha visto os seus proventos diminuir, quer não;
Os montantes a esta relativos são encontrados, regra geral, através dum cálculo tendente a encontrar um capital que, de rendimento, produza o que deixou – teórica ou praticamente - de se auferir e se extinga no fim presumível de vida activa da pessoa visada.
A indemnização por danos não patrimoniais atinge montantes que podem ser facilmente constatados no sítio deste Tribunal (www.stj.pt, “jurisprudência temática” e, finalmente “danos não patrimoniais”). Dali se vê que as quantias situadas entre €20.000 e €50.000 já se reportam a danos de monta, com ferimentos, tratamentos ou sequelas bem relevantes. Acima e abaixo se situando muitos outros casos, ou de maior ou de menor gravidade, respectivamente.
VI –
Porque as normas relativas ao seguro passaram a impor às seguradoras a efectivação aos lesados duma proposta razoável para a regularização do dano corporal, veio a lume a Portaria n.º377/2008, de 26.5., depois alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25.6.
Não vincula nem pretende vincular os tribunais, antes o seu teor, aliado à necessidade de resolução rápida de conflitos nesta matéria, conjugada com a necessidade de aliviar a actividade judicial, reflecte o recebimento de grande parte do entendimento que os tribunais vêm assumindo.
Continua a indemnização pela perda do direito à vida, graduando-se, na versão actualizada, entre € 30.780 e € 61.560, de acordo com a idade.
Mantém-se a indemnização pela perda da capacidade de ganho, quer haja, na linguagem ali usada, impedimento de prosseguimento da actividade profissional habitual ou qualquer outra, quer não haja. Não havendo, porém, a fixação terminológica afastou-se do “dano patrimonial futuro” e situou-se no “dano biológico”, entendido “como ofensa à integridade física e psíquica”. Fixou tabelas que, para o “dano biológico”, têm como referência a idade, o grau de desvalorização, e a retribuição mínima mensal garantida.
As tabelas relativas a este “dano biológico” já contemplam danos não patrimoniais, mas contemplou-se também os chamados “danos morais complementares”, enumerados no artigo 4.º.

VII –
Quer as soluções que vêm enformando a jurisprudência, quer a das Portarias vêm sendo objecto de críticas que, pela autoridade da sua proveniência e pela abissal diferença de entendimentos, não podem deixar de merecer a nossa atenção.
Em Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, página 136, Leite de Campos escreve:
“O montante da indemnização do dano de morte, dado o carácter supremo deste dano, deve ser, pois, superior à soma dos montantes de todos os outros danos não patrimoniais imagináveis que um sujeito possa sofrer por agressão à sua pessoa... Contudo os tribunais têm fixado indemnizações pelo dano de morte com carácter meramente simbólico. Não ultrapassando normalmente os escassos milhares de euros. Porém, e a contrariar esta jurisprudência, uma muito recente sentença de um tribunal de primeira instância, atribuiu uma indemnização superior a um milhão de euros pelo dano da morte. Exemplo a seguir.”
No Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo III, 755, de Menezes Cordeiro, podem ler-se palavras muito duras sobre os montantes indemnizatórios que vêm sendo fixados pelos tribunais e sobre os constantes da aludida Portaria. Concluindo este Ilustre Professor que:
“É inegável a presença de um certo esforço, no sentido da dignificação das indemnizações. Importante é, ainda, a consciência do problema por parte dos nossos tribunais. Há, agora, que perder a timidez quanto às cifras. A vida humana não tem preço. Mas quando haja que avaliá-la para efeitos de compensação, a cifra a reter será (actualmente) da ordem do milhão de euros, majorada ou minorada conforme as circunstâncias. Todos os outros danos são, depois, alinhados abaixo desse valor de topo… Não vale a pena dispormos de uma Constituição generosa, de uma rica e cuidada jurisprudência constitucional e de largos desenvolvimentos sobre os direitos de personalidade quando, no terreno, direitos fundamentais tais como a vida valham menos de € 60.000.”
E a páginas 753:
“As tabelas hoje constantes da Portaria n.º 279/2009, de 25 de Junho, não se aplicam aos tribunais, nem limitam, minimamente, os direitos das pessoas. Mas são lamentáveis: conseguem fixar valores ainda aquém das já deprimidas cifras obtidas nos tribunais.”

VIII –
De entre todos os próprios das suas funções, o caminho que o juiz tem de percorrer desde a lei até encontrar os montantes indemnizatórios é dos mais longos. Noutro tipo de decisões, a lei, embora com as suas dúvidas de interpretação, deixa-nos na solução ou muito próximo dela. Mas aqui não. E, mormente quanto aos danos não patrimoniais - temos de reconhecer todos - a conversão dos sentimentos em dinheiro apela frequentemente ao envolvimento de sensibilidades pessoais de quem julga, quer a respeito daqueles, quer deste. Correndo-se o risco da subjectivação, ela mesma negativa.
Justifica-se, deste modo, que os juízes procurem alargar, tanto quanto possível, o seu âmbito de observação, nele incluindo também a entendimentos assumidos noutros países com os quais, até pela nossa inclusão na União Europeia, temos mais afinidades.
Falou-se e fala-se mesmo já muito em harmonização indemnizatória no espaço europeu (vejam-se Armando Braga, A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual, 293 e seguintes e Maria Veloso, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil, III, 549) e, ainda que tal não venha a ser desejado, conseguido ou possível, sempre fica uma imensa utilidade em ver-se quais os montantes indemnizatórios que vêm sendo fixados pelos tribunais internos daqueles países. Tanto mais que a nossa produção legislativa, a nível da responsabilidade civil, sempre sofreu enorme influência do que se vinha entendendo ali, mormente na Alemanha (Confronte-se, por todos, Menezes Leitão, Direito das Obrigações, I, 287 e seguintes). E, se é certo que não é comum que nos arestos internos de cada país, se atente no que se faz no país vizinho, não deixa de se constatar que realidades transnacionais tiveram e vêm tendo enorme importância nas decisões sobre responsabilidade civil em vários países membros da União.

IX –
Vamos, então, procurar ver, muito sinteticamente, o que se passa em Espanha, na França e na Alemanha.

Em nenhum destes países se indemniza a perda do direito à vida (em sentido estrito), conforme já demonstrámos no Ac. deste Tribunal de 11.1.2007, processo n.º06B4433, disponível em www.dgsi.pt, para o qual remetemos, sendo tal não indemnização constatada, entre nós, por Maria Veloso, ob. e local citado, nota de pé de página n.º158.
Indemniza-se, sim, o sofrimento directo dos chegados à vítima (com muitas limitações no caso alemão) e, bem assim, se tiver lugar e por transmissão aos herdeiros, o sofrimento da própria vítima entre o facto danoso e a morte.
Fica, assim, prejudicada, não só a comparação entre o caso português e os outros, como fica prejudicado o raciocínio que pretende a fixação descendo gradualmente do montante máximo que seria o correspondente à violação do direito à vida.

No caso espanhol, consagrou-se, com a ley 30/95 de 8.11, o sistema de “baremo” relativo às indemnizações emergentes de acidentes de viação com veículos a motor que já vinha assumindo foros de realidade no plano administrativo.
Existem, assim, tabelas que, muito resumidamente e no que aqui nos interessa, se caracterizam pelo seguinte:
Inexiste diferença, à partida, entre danos patrimoniais e não patrimoniais, incluindo os valores das tabelas ambos (relevando a diferença só por vezes quanto a majoração e minoração dentro da pequena margem de liberdade concedida aos tribunais)
De acordo com as sequelas permanentes e utilizando a tabela publicada, é atribuído ao lesado um certo número de pontos.
Depois esses pontos multiplicam-se pelos valores constantes de outra tabela, que variam em função da idade.
Sobre o montante encontrado, haverá um aumento percentual que pode ir de 10 a 75% de acordo com o vencimento do mesmo lesado.
Pode haver outros acrescentos de acordo com outros factores (nomeadamente o grau de incidência profissional da incapacidade), mas a relevância do vencimento auferido situa-se apenas no acrescento entre os dez e os 75% do valor inicialmente encontrado.

As “Tablas I e II” são especiais e referem-se à indemnização por morte – não contemplando, como referimos, a perda do direito à vida em si – fixando as indemnizações globais, com inclusão, portanto de danos patrimoniais e não patrimoniais.
Com base em tais “Tablas” foram fixadas, pelos tribunais, incluindo, em vários casos, pelo Tribunal Supremo, as indemnizações globais por morte que podemos ver em Responsabilidad Civil Daños Personales y Quantum Indemnizatorio, de Miguel Ángel Torres Mateos, Elena Erviti Orquín, Marta Lopez Goñi e Ainhoa Jiménez Vigil, II, página 1 e seguintes, de 96.161,94, 60,101,21, 120,202,42, 150.253,02, 54,091,09, 66.101,00, 60,101,21, 72,121, 93.157, 63.106, 72.121,45, 90.151,82, 155.244,57, 86.833, 153.287,00, 48.080,00, 54.091,09, 12.296,72, 67.613,86, 120,202,42, 70.000,00, 96.161,93, 90.364,24, 12.020,24, 342.576,89, 45.077,53, etc, todas em euros.

Relativamente a fractura de ossos da coluna vertebral temos as indemnizações globais, também em euros, referidas a folhas 214 e seguintes, entre outras, de 12.326,92 (fractura da vértebra D8), 14.693,00 (fractura-luxação de vértebra, com osteosíntese e cicatriz de 4 centímetros no ombro), 10.357,00 (artrose pós-traumatica vertebral cervical, e prejuízo estético), 26.358 (fractura cominutiva da vértebra D 12 e do corpo vertebral, com desligamento de fragmento, sinais degenerativos discais, limitação de mobilidade e baixa laboral de 124 dias), 72.121,45, limitação funcional da coluna lombar, 38 dias de hospitalização, 250 de tratamento em ambulatório, amputação de um dedo da mão direita, perda da mobilidade de outro dedo de força na mão e cicatrizes várias e 13.131,17, síndrome traumático cervical, 109 dias de incapacidade absoluta para trabalhar, lombalgias e outras sequelas.

Os franceses têm um sistema indemnizatório mais complexo.
Distinguem, para efeitos indemnizatórios, os danos patrimoniais e não patrimoniais. Quanto àqueles, e para além do normal ressarcimento dos prejuízos concretos havidos, indemnizam a perda da capacidade de trabalho em abstracto, com fixação de IPP (aliás, segundo Yvonne Faivre, Droit Du Dommage Corporel, 4.º ed., 171, “A utilização da taxa de IPP como parâmetro de cálculo do prejuízo económico profissional é uma invenção francesa que exportámos para a Bélgica, Luxemburgo e para os países do sul: Espanha, Portugal, Itália. Em contrário os países anglo-saxões e nórdicos defenderam-se de adaptar um método tão aberrante: Alemanha, Áustria, Grã-Bretanha, Irlanda, Holanda e Suécia fazem uma avaliação em concreto dos prejuízos profissionais e ignoram mesmo toda a noção de IPP.”(Sobre a indemnização em abstracto ou em concreto da perda da capacidade laboral, pode ver-se, entre nós, a excelente exposição de Teresa Magalhães, Estudo Tridimensional do Dano Corporal, Lesão, Função e Situação, 60 e seguintes).

No que respeita aos danos não patrimoniais distinguem, fixando indemnização por cada parcela:
As “souffrances endurées”, ou seja o “pretium doloris”;
O “préjudice d’agrément” entendido como a “diminuição dos prazeres da vida, causada especialmente pela impossibilidade ou dificuldade de se dedicar a certas actividades normais agradáveis”(Yvonne Lambert Faivre, ob. cit. 217);
O dano estético;
O dano sexual.

Nos casos de morte, arbitram indemnização pelo sofrimento dos “ayant droit” (normalmente esposa ou pessoa com quem o falecido vivia maritalmente e filhos) e pelo prejuízo económico derivado do decesso.
Conforme recolha de Jean-Gaston Moore, Indemnisation Du Dommage Corporel, 3 e seguintes, temos, para os casos de morte, além de outras cujos montantes encontrados são semelhantes, as indemnizações, fixadas pelos tribunais, às viúvas de 120.000 FF (cerca de €18.300,00), de €18.000,00, de 80.000 FF (cerca de €12.200,00) (estes já repartidos em virtude da repartição de culpas no acidente fatal, a partir do montante de 120.000 FF, cerca de € 18.300,00) e de €22.000,00 todas por danos não patrimoniais, sendo certo que as indemnizações por danos patrimoniais variam muito de acordo com os factores e contas ali referidos, mas situam-se abaixo dos €50.000,00.
Aos outros “ayant droit” temos as indemnizações de 80.000 FF (cerca de €12.200,00) (filho único), de € 15.000,00 para cada um dos três filhos, €15.000,00 para a mãe do falecido e € 8.500,00 para a irmã deste, de € 17.000,00 para cada filho e assim sucessivamente.

Na recolha feita por este autor, relativamente a IPPs de 10% (como a dos presentes autos), temos as indemnizações globais (incluindo danos patrimoniais e as várias parcelas dos danos não patrimoniais) de €17.573,47 (criança de 9 anos, com incapacidade temporária total de 160 dias, “quantum doloris” de 3 numa escala de 1 a 7, prejuízo estético de 1 numa escala também até 7 e “préjudice d’agrément” de 2 numa escala ainda até 7), 131.000,00 FF ( cerca de €20.000), € 234.642 (mulher de 18 anos, “quantum doloris” 6,5 na mesma escala, incapacidade total para o trabalho de quase um ano, despesas hospitalares e médicas de €103,339,25, prejuízo estético de 6,5 em 7, “préjudice d’agrement”, com impossibilidade de actividades desportivas de natação, balneares e de exposição ao sol, €27.342,87, €13.262,04, €86.237,73 (com inclusão de €62.807,73 de remunerações perdidas), €41.761,84 e aí por diante.

Na Alemanha, o país que tão grande influência teve na nossa legislação e doutrina sobre a responsabilidade civil, indemniza-se de modo muito simples.
Os danos patrimoniais são indemnizados pelo prejuízo em concreto (no caso laboral – e abstraindo agora das regras próprias dos acidentes de trabalho - é referência a diminuição efectiva dos proventos, se a houver, em detrimento da abstracta incapacidade permanente parcial) e o montante das indemnizações é fixado, regra geral, pelos tribunais de instância (o Tribunal Supremo, BGH, entende que, por regra, tal fixação ainda cabe ao “Tatrichter”, ao juiz de facto).
No caso de morte indemnizam-se, se tiverem tido lugar, o sofrimento entre o facto danoso e o decesso e, bem assim, os danos dos chegados à vítima, mas estes só nos casos em que o sofrimento deles tiver tido tradução clínica (depressão, colapso nervoso, etc.). Por regra, antes do processo ou ao longo dele, são atendidos e pagos os montantes certos (como danos nos veículos, nas roupas, etc), ficando a discussão judicial reservada aos demais, cuja tradução monetária nos aparece, assim, em números “redondos”. O estudo dos montantes indemnizatórios é facilitado pela excelente obra de Hacks, Ring e Böhm (SchmerzensgeldBeträge) que tem feito uma recolha praticamente exaustiva das indemnizações fixadas pelos tribunais, surgindo, em cada ano, uma nova edição actualizadora. Também a obra de Andreas Slizyk (Schmerzensgeld-Tabelle, von Kopf bis Fuss) tem dado importante contribuição para tal estudo.
A primeira daquelas obras tem, a folhas 12 (25.ª edição), um apanhado das indemnizações por morte – globais, fixadas nos termos referidos - e ali se vêem os montantes, em euros, de 200.000,00, 75.000,00, 67.500,00, 40.000,00, 25.000,00, 20.000,00, 17.500,00, 15.000,00, 14.000,00, 6.000,00, 5.000,00 e 2.500,00. O primeiro (do Landgericht - correspondente muito “grosso modo” ao nosso tribunal de círculo - de Trier, de 20.7.2005) respeita a um caso de excepção em que a vítima ficou, até à morte, dois anos e nove meses em situação deplorável física e psiquicamente e as quantias mais pequenas encerram, curiosamente, o conceito de indemnização simbólica.

Na primeira daquelas obras e sempre pensando em casos com semelhanças relativamente ao que apreciamos no presente processo, atentámos nas indemnizações ali referenciadas:
No n.º 1831 – Estudante universitário com fractura da 6.ª vértebra cervical, rupturas e danos nos tecidos do ombro esquerdo, antebraço esquerdo e ferimentos na mão direita, 17 dias de internamento hospitalar, com intervenção cirúrgica, sequelas permanentes com limitação dos movimentos da cabeça e impossibilidade de trabalho acima desta - €12.000,00 de indemnização. No n.º 2009 – traumatismo da coluna vertebral de 1.º grau, com repetidos e duradouros internamentos hospitalares, e dores sequenciais ao esforço - €15.000,00 de indemnização. No n.º 1731 – fractura de 3 vértebras da coluna (parte lombar) com duas intervenções cirúrgicas em mulher idosa - €10.000,00 também de indemnização.
No geral, pode-se dizer que as indemnizações, relativas a lesões da coluna vertebral que ultrapassam os 15 mil euros dizem respeito a casos mais graves ou bem mais graves do que os que têm afinidades com o nosso, envolvendo, por regra, paralisias ou lesões de outros órgãos.

X –
Alargadas as bases de ponderação, o juiz nacional, com todas as dúvidas e subjectivismos que a fixação duma indemnização sempre encerra, pode encontrar alguns pontos de segurança, nos quais se pode estribar para formar as suas próprias convicções.
Assim, é totalmente errado que se pensem as indemnizações fixadas pelos tribunais portugueses como inferiores às que se vêm fixando nos países com os quais temos mais afinidades legislativas e jurisprudenciais. Por aqui não há que retirar argumentos a favor da elevação dos montantes.
A indemnização pela perda do direito à vida (em sentido estrito, não incluindo agora a relativa ao sofrimento entre o facto danoso e a morte e, bem assim, o sofrimento directo dos chegados à vítima) é discutível e – ressalvando-se o muito apreço pela opinião dos Ilustres Professores citados - não pode constituir um tecto relativamente aos demais montantes fixados. A contradição que existe em não indemnizar superiormente a perda do direito que é o direito fundamental supremo poderá, de certo modo, ser ultrapassada, como se fez no Acórdão deste Tribunal, de 27.11.2007, processo n.º 07P3310, disponível em www.dgsi.pt, com recurso ao simbolismo (ainda que não miserabilismo) da indemnização.
Não podendo os valores assim fixados servir de tecto e consequente referência, há que caminhar, quanto aos montantes, como os que estão em discussão no presente caso, num regime de equidade, tendo em conta os critérios do artigo 494.º do Código Civil (excepto, quanto aos danos não patrimoniais, o da situação económica da vítima, por violar o artigo 13.º da CRP, conforme sustentámos no Acórdão de 22.10.2009, processo n.º3138/06.7TBMTS.P1.S1, disponível no mesmo sítio, correspondendo este entendimento ao que consta do 12.º princípio da Resolução 75/7, de 15.3.1975 do Conselho da Europa, ao “princípio da igualdade” constante da Recomendação de Trier à Comissão Europeia, ao Parlamento Europeu e ao Conselho, de Junho de 2000 e, bem assim, ao artigo 10:301, n.º3 dos Princípios de Direito Europeu da Responsabilidade Civil).
Outrossim, o artigo 8.º, n.º3 do Código Civil impõe uma atenção redobrada às quantias que, para situações similares, vêm sendo fixadas pelos tribunais nacionais, mormente por este STJ.
As quantias das faladas portarias não vinculam, de modo algum, os tribunais. Mas, impondo a lei ordinária que, com base nelas, se faça uma proposta razoável de indemnização, se existir clara discrepância entre os montantes ali referidos e os fixados jurisprudencialmente, passam tais propostas, afinal, a não serem razoáveis. Nesse caso, sendo os valores jurisprudenciais superiores existe um prejuízo manifesto para os lesados e até para as finalidades daquelas. O que não significa, contudo, que sejam os tribunais a moldarem o seu entendimento.

XI –
Enfim, de todo o quadro que vimos expondo, parece-nos resultar para nós uma imposição de continuidade relativamente aos valores que vêm sendo fixados pelos tribunais, em especial por este Tribunal.
Essa continuidade não afasta uma paulatina evolução no sentido ascensional. Não que a inflação seja agora notoriamente relevante, mas porque se vai evoluindo no sentido da protecção das vítimas, em especial de acidentes de viação (cfr-se logo o início do preâmbulo da mencionada Portaria n.º 377/2008), no sentido da tutela cada vez mais intensa dos direitos de personalidade e ainda porque a filosofia de vida, aceitando o sofrimento cada vez menos, cada vez reserva maior espaço para a monetarização, incluindo dos sentimentos.

XII –
Vamos agora para a análise concreta do presente caso.
Quanto à perda da capacidade de trabalho, o autor já foi indemnizado pelos períodos de ITA e recebeu o capital de remissão, no montante global de €8.577,22.
Englobando este montante, a Relação fixou o total, pela incapacidade permanente, de €19.000.
O recorrente pretende a majoração para quantia não inferior a €40.000.
Para o cálculo da indemnização pela perda da capacidade laboral tem-se seguido, como já referimos, um critério consistente em encontrar um capital que, de rendimento, normalmente juros, produza o que, efectiva ou teoricamente, deixou de se auferir e se extinga no fim presumível de vida activa da pessoa visada.
Este critério conduz apenas a quantias referenciais, pois há-de ser corrigido atentas as circunstâncias do caso concreto, só assim se acatando a imposição de recurso à equidade do n.º3 do artigo 566.º do Código Civil.
Uma correcção importante, a nosso ver – como salientámos no Acórdão de 22.10.2009, processo n.º 3138/06.7TBMTS.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt – situa-se logo na distinção entre os casos em que tem lugar efectiva perda de rendimentos, daqueles – como o nosso - em que tal perda se não verifica. Sendo de atribuir indemnização em todos os casos, cremos que a perda efectiva de vencimento – muito rara nas pequenas incapacidades – tem um significado diferente da simples perda potencial.
Depois, cremos que, na simples perda potencial, a indexação ao salário concretamente auferido deve ser algo esbatida. A realidade abstracta da IPP – veja-se a enumeração da TNI - abrange muitas realidades que nada têm a ver com a prestação laboral e, se não intervier a correcção ponderada do tribunal, temos, quanto a esta parcela indemnizatória, um gestor de topo a receber mais porque ficou com um dedo um pouco torto ou com uma cicatriz ligeira do que um trabalhador de baixo salário que perdeu a mão toda.
O autor auferia € 404,88, 14 vezes ao ano, acrescidos de subsídio de alimentação. O seu vencimento vem sofrendo aumentos da ordem dos 2,5%, nada tendo sido diminuído pela IPP (o montante relativo ao subsídio de alimentação, mesmo no plano teórico, nunca se poderia, aliás, considerar diminuído). Esta remonta a 10%. Anualmente, a perda teórica de vencimento ascende a cerca de €570.00. €19.000 produzindo 3% de juros ao ano rendem precisamente esta quantia. Tendo em conta que não houve perda efectiva de salário e não obstante, dada a idade do recorrente (22 anos, ao tempo do acidente), o gasto do capital em ordem a extinguir-se no fim de vida activa ser praticamente irrelevante, cremos que a quantia que nos chega é adequada.

XIII –
Quanto aos danos não patrimoniais, distinguimos, apenas para efeitos de melhor análise, entre o período de tratamento e as sequelas permanentes.
Aquele foi particularmente penoso. Internamentos hospitalares, intervenções cirúrgicas, acamamento, imobilização e dependência de terceira pessoa em casa durante cerca de 3 meses, para além de enjoos, dores (em grau 3 numa escala de 7) e longo período sem poder, em absoluto, trabalhar (este agora na sua vertente não patrimonial) são realidades que necessariamente encerram um grande sofrimento.
Já as sequelas permanentes se quedam, no plano não patrimonial, por uma gravidade relativa, com a cicatriz de 14 cm na região dorso lombar e lombalgias a agravarem-se no final do dia de trabalho.
Tudo, com especial relevância para o descrito período pós-acidente, leva a que, tendo em conta a explanação supra sobre os montantes indemnizatórios, em especial, os que vêm sendo atribuídos por este Tribunal, se considere, sempre atendendo ao valor da moeda ao tempo da decisão de 1.ª instância, ser adequada a quantia de € 30.000,00 em detrimento da de € 10.000,00 que nos chega.

XIV –
Mais pretende o recorrente que se computem os juros sobre todo o montante indemnizatório tendo em conta a data da citação e não apenas, como consta do acórdão recorrido, a contar de tal data sobre €1.580,00.

Relativamente aos juros regem os artigos 806.º e 805.º do Código Civil, cujo regime, quanto ao que agora nos importa, é o seguinte:
Na obrigação pecuniária, a indemnização por mora, corresponde aos juros a contar da data da constituição em mora;
Quanto a esta, ou a obrigação provém de facto ilícito ou não provém;
Se provém, ou o crédito é líquido ou não é;
Se é líquido, a mora tem lugar desde a data dos factos geradores dos danos e começam a vencer-se juros;
Se não é, começam estes a vencer-se desde a liquidação (parte final do n.º3, ao remeter para a parte inicial deste mesmo n.º3) ou, não tendo esta tido lugar antes da citação, com esta.

Mas, quanto à fixação de indemnizações, pode dar-se o caso de os montantes encontrados já o terem sido, tendo em conta o valor da moeda ao tempo da decisão que os contém. É até o mais frequente, porquanto, não exige um retorno a valores anteriores que só complicaria uma fixação que já não é simples.

Então, se a actualização tiver tido lugar, há que atentar no Assento n.º4/2002 (publicado no Diário da República, I Série, de 27.6.2002) agora com valor de Acórdão Uniformizador.

Na verdade, se se contassem juros, o titular do direito à indemnização beneficiaria duma duplicação relativamente ao tempo que mediou entre a citação e a sentença. Acumularia juros e actualização monetária o que é inaceitável (cfr-se, neste sentido, no referido sítio, os Ac.s deste Tribunal de 22.10.2009, processo n.º 3138/06.7TBMTS.P1.S1, 17.12.2009, processo n.º 197/2002/G1.S1, 7.1.2010, processo n.º 5095/04.5TBVNG P1.S1 e de 20.1.2010, processo n.º 380/1991.P2.S1).

No nosso caso, consta expressamente do acórdão recorrido o “carácter actual das indemnizações” com referência à sentença de 1.ª instância, pelo que os juros – com a ressalva dos ditos €1.580,00 - não devem ser contabilizados a partir da citação, mas antes da data da decisão daquela instância.

XV –
Face a todo o exposto, concede-se provimento à revista na parte relativa ao montante indemnizatório relativo aos danos não patrimoniais que se majora para € 30.000, mantendo-se, em tudo o mais, o acórdão recorrido.
Custas por recorrente e recorrida na proporção do vencimento e decaimento.

Lisboa, 9 de Setembro de 2010
João Bernardo (Relator)
Oliveira Rocha
Oliveira Vasconcelos