Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02A2420
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ARMANDO LOURENÇO
Nº do Documento: SJ200210240024206
Data do Acordão: 10/24/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 10475
Data: 02/26/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no S.T.J.:

Em 21/9/99, "A" propôs esta acção contra:

1- B, proprietária do navio Werder Bremen, com sede na Alemanha;
2- C, sociedade comercial com sede na Holanda.

Pede a condenação das rés a pagar-lhe a quantia de DM 139.413,10 mais a indemnização do prejuízo de imobilização do capital posterior a 15/9/99, a liquidar em execução de sentença.

Alega em resumo:
Dedica-se à exploração de pedreiras de granito em Alpendorada.
Exporta-os pelo cais fluvial de Sardoura no Rio Douro.
Vendeu granito a uma sociedade alemã, D.
A venda foi FOB e estivada em Sardoura sob o regime CAD.
O comprador devia organizar o transporte fazendo comparecer o navio de sua escolha em Sardoura para aí receber a mercadoria.
Deveria, ainda, contra apresentação dos documentos através do seu banco em Schwabach, aceitar uma letra cobrindo o valor da mercadoria.
A 2ª ré, actuando pelo comprador informou que o navio era o Werder Bremen.
A 2ª ré nomeou agente do navio a sociedade E....
Por isso, esta sociedade representou o armador, o operador e o navio quando o mesmo esteve em Sardoura.
A mercadoria foi embarcada e estivada no referido navio, entre 10 e 11 de Junho de 1998. (conhecimento de embarque de 11/6/98)
Conforme conhecimentos de embarque, emitidos pela E e cujos originais foram entregues á A., a mercadoria seria descarregada em Roterdão, para barcas fluviais F, sociedade com sede na Suíça, que a receberia por incumbência do comprador.
Concluído o embarque e de posse dos conhecimentos de embarque, a A. entregou-os, com a demais documentação, ao B.P.S.M. com instruções para apresentar esses documentos ao banco do comprador, para aceite de uma letra pela D.
As rés entregaram a mercadoria à F, sem apresentação dos originais dos conhecimentos de embarque.
O comprador não levantou os ditos conhecimentos contra aceite da letra, nos termos acordados.
As rés violaram o contrato de transporte ao entregarem a mercadoria sem conhecimento de embarque.
Causaram - lhe prejuízos que têm de indemnizar.

Contestaram as duas rés.
A segunda invocou a sua ilegitimidade, e requereu a intervenção principal de E - sociedade com sede em Portugal.

A 1ª ré foi absolvida da instância.

No saneador foi decidido que o Tribunal Marítimo de Lisboa era internacionalmente competente.
Fez-se o seguinte discurso:
A 1ª questão a ser abordada "é a de saber, face ao pedido e causa de pedir, se estamos perante uma acção que convoca a apreciação da observância das regras de um contrato ou em que está em causa responsabilidade extra-contratual."
No contrato de transporte "a A. não teve qualquer intervenção pessoal ou por via de representação."
"São as regras deste último negócio jurídico que não teriam sido observadas e que constituem, por não terem sido observadas, o núcleo da causa de pedir."
"O A. demanda intervenientes no transporte de mercadorias que vendeu e não a compradora da mercadoria, parecendo consequentemente que se afirma que a questão colocada a este tribunal tem sede na responsabilidade extra-contratual, única no caso possível."
Estamos perante um pedido de indemnização fundado em responsabilidade extra-contratual.
Não tem cabimento a invocação da Convenção de 19/6/80, referente a obrigações contratuais.
À situação presente aplica-se a Convenção de Bruxelas de 27/9/68.
Competente é, segundo essa Convenção, o tribunal do domicílio do réu ou o do lugar onde ocorreu o facto danoso.
O interveniente E tem domicilio na área de jurisdição do T.M. de Lisboa.
Logo, este é competente.

A Relação declarou incompetente o tribunal português.

Fez o seguinte discurso:
A partir de 1/7/1992, data da entrada em vigor da Convenção de Bruxelas de 1968, com a alteração da Convenção de Lugano de 18/9/88, na versão da Convenção de San Sebastian, as normas de direito convencional recebidas no nosso ordenamento jurídico passaram a coexistir com as regras de direito processual civil internacional comum, passando o nosso sistema a revestir uma natureza dual.
Do artº 65º nº1 al.a) do CPC e do artº 2º da C. de Lugano resulta que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para conhecer da presente acção, se o réu ou algum dos réus tiver domicilio em território português.
Como a verificação da competência tem de ser apreciada em face dos termos em que a acção deve ser proposta, a intervenção da E não pode ser atendida na apreciação da competência.
Em recurso foram apresentadas as seguintes conclusões:
1- A pretensão da A. fundamenta-se no incumprimento de contratos de transporte marítimo titulados por 6 conhecimentos de embarque dos quais a agravante é legitima portadora.
2- Esses conhecimento de embarque foram emitidos pela E.
3- O momento determinante para apreciação da competência internacional é o despacho saneador. Nesse momento já tinha sido admitida a intervenção.
4- Ao decidir que o momento a ter em conta era o momento da entrada da PI, violou-se o artº 510º, nº1, al. a) do CPC aplicável por força do artº 494º, al. a) do mesmo Cod..
5- Havendo vários requeridos os mesmos podem ser demandados no domicilio de qualquer deles( artº 6º al . a) da C.Brux. 1968, C.Lug. 1988).
6- Os seis conhecimentos de embarque representam contratos de transporte emitidos em Portugal e que fazem parte da causa de pedir.
7- Foi praticado em Portugal o facto que integra a causa de pedir e que é factor atributivo da competência, nos termos da al.c) do artº 65º do CPC..
8- Há uma forte conexão entre o objecto do litígio e a ordem jurídica nacional, já que os conhecimentos de embarque foram emitidos em Portugal e são regulados pela ordem jurídica portuguesa.
9- Entra assim em cena a al. d) do artº 65º do CPC.
10- Finalmente não constando dos conhecimentos de embarque qual a lei que os regula e por força do artº 42º do CC deve atender-se nesta hipótese à lei do lugar da celebração.
11- Está em vigor o DL 352/86, que no seu artº 30º dá competência aos tribunais portugueses se aqui ocorreu o carregamento da mercadoria ou se o contrato de transporte for celebrado em Portugal.

Após vistos cumpre decidir.

Vejamos as disposições legais que podem ser convocadas para decidir a questão:
Artº 22 L. 3/99 ( LOFTJ)- A competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente.
Artº 30º do D.L. nº 352/86 de 21 de Out. - Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para o julgamento das acções emergentes do contrato de transporte de mercadorias por mar, em qualquer dos casos seguintes:
a) se o porto de carga ou de descarga se situar em território português.
b) Se o contrato de transporte tiver sido celebrado em Portugal.
Conv. Bruxelas / Lugano de 16/9/88, ratificação publicada em 30/10/91:
Artº 2º - As pessoas domiciliadas no território de um Estado Contratante devem ser demandadas perante os tribunais desse estado.
Artº 3º - Só podem ser demandadas perante tribunais de outro Estado:
Artº 5º - 1 - Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde a obrigação que serve se fundamento ao pedido foi ou deva ser cumprida.
3- Em matéria extra-contratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu o facto danoso.
7- Se se tratar de um litígio relativo a reclamação sobre remuneração devida por assistência ou salvamento de que tenha beneficiado uma carga ou um frete, perante o tribunal em cuja jurisdição esta carga ou o respectivo frete:
a) Tenha sido arrestado....
b) Poderia ter sido arrestado.....
Artº 6º- 1- Se houver vários requeridos, perante o tribunal do domicílio de qualquer deles.
2- Se se tratar de qualquer incidente de intervenção de terceiro, perante o tribunal onde foi instaurada a acção principal, salvo se esta tiver sido proposta apenas com o intuito de subtrair o terceiro à jurisdição do tribunal que seria competente nesse caso.
C.P.C./95 sobre competência internacional, cujas normas, por imposição da lei da autorização visaram aproximar e adequar tal matéria ao previsto na Conv. de Brux..
Artº - 65 - 1 - a) Ter o réu ou algum dos réus domicilio em território português.
c)Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram.

Como resulta da LOFTJ o juízo sobre a competência é feito sobre os elementos de facto existentes no momento da propositura da acção.
Esses elementos são os elementos identificadores da causa tal como o A. a propõe.
No que toca á relevância para o juízo de competência internacional um desses elementos é o domicilio dos réus.
No momento da propositura da acção, atendendo a esse factor de conexão, os tribunais portugueses eram incompetentes.
Modificações subjectivas posteriores, por meio do incidente de intervenção de terceiros, não têm relevância por não poderem ser atendidos no juízo de competência, mesmo que esse juízo seja feito após essa modificação subjectiva.

No que toca à alínea c) do artº 65º CPC, ela não tem aplicação, porque a acção, como o A. reconhece, não visa a efectivação da responsabilidade por facto ilícito, mas a responsabilidade por cumprimento defeituoso do contrato de transporte.
Comparando o artº 65º com o artº 74º do CPC e com a Conv. (artº 2º e 5ºnº3) temos de concluir que a alínea c) se refere a responsabilidade extra-contratual.

No que toca ao DL 532/86, temos de considerar que essa norma tem de ceder perante as normas da Conv. e que tem de se considerar revogada pela normas posteriores do CPC.

Em face do exposto negamos provimento ao agravo.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 24 de Outubro de 2002
Armando Lourenço
Azevedo Ramos
Silva Salazar.