Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
Relator: | FERREIRA NETO | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO TRABALHO AUTÓNOMO COMPETÊNCIA MATERIAL TRIBUNAL DO TRABALHO SEGURO DE ACIDENTES DE TRABALHO | ||
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Nº do Documento: | SJ200302190001934 | ||
Data do Acordão: | 02/19/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL COIMBRA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 2937/02 | ||
Data: | 11/14/2002 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
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Sumário : | I – O conceito de acidente de trabalho contido no art.º 85 da Lei n.º 3/99 de 13 de Janeiro (LOFTJ) é um conceito aberto a formulações legais várias exteriores a esta lei, essencialmente bebidas na LAT e legislação complementar. II – A nova LAT (Lei n.º 100/97 de 13 de Setembro) inclui no conceito de acidente de trabalho casos de trabalho autónomo e, ao referir-se no art.º 3 aos trabalhadores independentes, anuncia já a aplicação do seu regime, embora com adaptações, aos acidentes sofridos por estes. III – O legislador do DL n.º 159/99 de 11 de Maio, ao regulamentar o seguro obrigatório a efectuar pelo trabalhadores independentes, designa por mais de uma vez de acidentes de trabalho os sofridos por estes trabalhadores, o que não fez em vão (preâmbulo e arts.º 2 e 7). IV – A participação do acidente prevista no art.º 8, n.º 2 do DL n.º 159/99 só ganha sentido se se compaginar com o sistema processual existente nos Tribunais do Trabalho. V – Os acidentes ocorridos com trabalhadores independentes – uma vez verificados os necessários requisitos – são acidentes de trabalho e como tal estão compreendidos no art.º 85, al. c) da LOFTJ, sendo os Tribunais do Trabalho competentes em razão da matéria para deles conhecer. VI – O DL n.º 159/99 não é organicamente inconstitucional, pois apenas cura de traçar o regime substantivo e adjectivo para o seguro obrigatório dos trabalhadores independentes, com vista a garantir as prestações definidas na LAT. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: A Companhia Empresa-A, participou ao Mº Pº no Tribunal de Aveiro a ocorrência de um acidente de trabalho sofrido pelo seu segurado, AA, com os demais sinais dos autos, em 23.7.01. O sinistrado efectuava com a participante um contrato de seguro de acidentes de trabalho, como trabalhador independente, titulado pela apólice nº 1910/000314247. Sob promoção do Mº Pº foi então proferida decisão que julgou o Tribunal incompetente em razão de matéria, para conhecer do presente processo, absolvendo a seguradora da instância. O sinistrado, inconformado, agravou de tal despacho, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra concedido provimento ao recurso e, em consequência, revogou aquele, determinando que fosse substituído por outro que considerasse a competência material do Tribunal de Trabalho de Aveiro. Irresignado, veio agora o Mº Pº interpor recurso de agravo de tal acórdão, concluindo assim as respectivas alegações : - “ 1. No caso, estamos perante um acidente ocorrido no exercício de actividade profissional por trabalhador autónomo, individual e independente, ou seja, quando o sinistrado realizava uma actividade por conta própria. 2. E como tal, não releva como típico acidente de trabalho indemnizável nos termos da lei infortunística nº 100/97, de 13 de Setembro e seu regulamento ( Dec. Lei nº 143/99, de 30 de Abril). 3. É que este novo regime jurídico regula preferencialmente o direito à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho relativos a trabalhadores por conta de outrem e, portanto, o que “ estejam vinculados por contrato de trabalho ou legalmente equiparado e os praticantes, aprendizes estagiários e demais situações que devam considerar-se de formação prática e ainda os que, considerando-se na dependência económica da pessoa servida, prestem em conjunto ou isoladamente determinado serviço”, com aplicação extensiva, desde logo, aos administradores, directores, gerentes ou equiparados, quando remunerados ( art. 2º daquela Lei, cfr - ainda art. 1º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Dec Lei nº 49408, de 24 de Novembro de 1969). 4. E só estes sinistros ocorridos no exercício de uma actividade subordinada, e não outros, podem e devem ser assim considerados como acidentes de trabalho em sentido técnico-jurídico, tendo em conta, desde logo, a natureza jurídica e imperativa das leis relativas a acidentes de trabalho e o seu carácter taxativo na definição e qualificação dos sinistros que como tais devem relevar. 5. Até porque os ocorridos na prestação de trabalho independente são referenciados como objecto de regulamentação própria e autónoma ( cfr. art. 3º, nº 1, da Lei nº 100/97, e 1º, nº 2, al. b) do Dec. Lei nº 143/99, o que veio a ser concretizado com a posterior publicação do Dec.Lei nº 159/99, de 11 de Maio. 6. Por isso também só os direitos emergentes desses acidentes e não de outros, enquanto típicos acidentes de trabalho, podem ser accionados mediante o processo especial previsto no art. 99º e segs do Código de Processo do Trabalho, pelo que também só eles são enquadráveis no âmbito da competência especializada, em matéria civil, dos Tribunais de Trabalho (art. 85º, al. c) da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais ( Lei 3/99, de 13/1). 7. Consequentemente, a reparação do acidente dos autos, porque ocorrido no exercício de uma actividade profissional por conta própria, só poderá ter lugar no âmbito da jurisdição comum e no quadro da responsabilidade contratual emergente do contrato de seguro celebrado ao abrigo do regime do Dec. Lei nº 159/99, posto que, não radicada em nenhuma relação juslaboral, pelo que, a acção emergente de acidente de trabalho não é assim o meio próprio e adequado para esse fim. 8. Donde, é o foro comum, e não o foro laboral, o materialmente competente para dele conhecer. 9. Ao assim não decidir, violou o douto acórdão em apreço as disposições supra citadas, pelo que, no provimento de recurso, deve o mesmo ser revogado e substituído por outro em que, tal como se decidiu em 1ª instância, se reafirme a incompetência material do Tribunal do Trabalho de Aveiro, com as legais consequências. O sinistrado contra-alegou, pugnando pelo improvimento do recurso. Correram os vistos legais. Cumpre apreciar e decidir. O Tribunal recorrido teve por assente a seguinte matéria de facto para o caso relevante:- “- A seguradora identificada participou no Tribunal do Trabalho de Aveiro, com data de 21.3.02, num acidente de trabalho ocorrido em 23.7.01, no qual foi sinistrado AA; -Este, na altura da ocorrência do acidente, trabalhava por contra própria, numa obra, a montar umas caleiras, da arte de serralharia de cuja empresa é proprietário, como tal colectado na Repartição de Finanças de Esgueira/ Aveiro; - E efectuara, com a identificação seguradora um contrato de seguro de acidentes de trabalho, relativo a si mesma, titulado pela apólice nº 1910/000314247.” Conhecendo de direito. O objecto do presente recurso resume-se a uma questão:- saber qual é o foro competente, em razão da matéria, por conhecer da problemática emergente do acidente ocorrido. Vejamos. No domínio do anterior direito infortunístico dizia a Base II da Lei nº 2127, de 3.8.65, que: “ 1. Têm direito a reparação os trabalhadores por conta de outrem em qualquer actividade, seja ou não explorada com fins lucrativos. 2. Consideram-se trabalhadores por conta de outrem os trabalhadores vinculados por contrato de trabalho ou contrato legalmente equiparado e também, desde que devam considerar-se na dependência económica da pessoa servida, os aprendizes, os tirocinantes e os que, em conjunto ou isoladamente, prestem determinado serviço.” E os contratos legalmente equiparados a que se refere o nº 2 são os mencionados no art. 2º da LCT, em que não há subordinação jurídica mas apenas económica. E o art. 3º do Dec. nº 360/71, de 21.8, que regulamentou aquela Lei nº 2127, dispõe assim: “ 1. Consideram-se abrangidos pelo disposto no nº 2 da Base II. a) Os trabalhadores, normalmente autónomos, quando prestem serviços em estabelecimentos comerciais ou industriais de terceiros, desde que tais serviços sejam complementares ou de interesse inerentes aos mesmos estabelecimentos; b) Os trabalhadores que, em conjunto ou isoladamente, prestem serviços remunerados na proporção do tempo gasto ou da obra executada, em actividades que tenham por objectivo exploração lucrativa, sem sujeição a autoridade e direcção da pessoa servida. 2. Quando a lei ou este regulamento não impuserem entendimento diferente, presumir-se-á, até prova em contrário, que os trabalhadores estão na dependência económica da pessoa em proveito da qual prestam serviços.” Estamos perante casos de trabalho autónomo ( prestação de serviços). Aqui o legislador prescindiu de qualquer tipo de subordinação. E todos estes tipos de casos, que saibamos, não deixaram de ser submetidos aos tribunais de trabalho. Mas este regime foi substituído, como é conhecido, pela Lei nº 100/97, de 13.9, regulamentada pelo Dec. Lei nº 143/99, de 30.4. Naquela, o art. 2º reproduz em boa medida o art. 2º da anterior LAT, apresentando como novidade o seu nº 3. Rege ele: “ 1. Têm direito à reparação os trabalhadores por conta de outrem de qualquer actividade, seja ou não explorada com fins lucrativos. 2. Consideram-se trabalhadores por conta de outrem por os efeitos do presente diploma os que estejam, vinculados por contrato de trabalho ou contrato legalmente equiparado e os praticantes, aprendizes, estagiários e demais situações que devam considerar-se de formação prática e, ainda, os que considerando-se na dependência económica da pessoa servida, prestem, em conjunto ou isoladamente, determinado serviço. 3. É aplicável aos administradores, directores, gerentes ou equiparados, quando remunerados, o regime previsto na presente lei por os trabalhadores por conta de outrem.” E o art. 3º, que é o que aqui especialmente importa, diz o seguinte: “1. Os trabalhadores independentes devem efectuar um seguro que garanta as prestações previstas na presente lei, nos termos que vierem a ser definidos em diploma próprio. 2. Consideram-se trabalhadores independentes os trabalhadores que exerçam uma actividade por conta própria” Trata-se de uma formulação nova, incrustada na LAT, mas tirante a obrigatoriedade do seguro, não representa uma novidade por inteiro, como se vê, pelo atrás exposto quanto às preocupações que o legislador já vinha sentindo pelos trabalhadores autónomos. Regulamentando o seguro obrigatório assim, instituído e no seguimento, aliás, do disposto no art. 1º, nº 2, da Lei nº 143/99, surge o Dec-Lei nº 159/99, de 11.5, emanado ao abrigo das alíneas a) e c) do nº 1 do art. 198º da CRP, ou seja, em domínio não reservado à AR e no desenvolvimento do regime instituído pela Lei nº 100/97. E nele os acidentes dos trabalhadores independentes são, por mais de uma vez, designados de acidentes de trabalho ( v. preâmbulo e art.os 2º e 7º). E de acordo com o seu art. 2º , “ O Seguro de acidentes de trabalho dos trabalhadores independentes rege-se, com as devidas adaptações, pelas disposições da Lei nº 100/97 de 13 de Setembro, e diplomas complementares, salvo no que a diante especificamente se refere.” Saltando para a norma que, nesta área, preceitua sobre a competência material dos tribunais de trabalho, temos o art. 85º, al c), da Lei nº 3/99, de 13.1 ( LOTJ), que diz assim: “ Compete aos tribunais do trabalho conhecer em matéria cível: (…) c) Das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais; (…) E o M. P. recorrente pretende que aqui quando se fala em “ acidentes de trabalho”, está a pensar-se apenas nos sofridos pelos trabalhadores a que se reporta o art. 2º da Lei 100/97. Mas não podemos concordar. Como parece claro, o conceito de acidente de trabalho contido naquele art. 85º é um conceito aberto a formulações legais vários exteriores à LOTJ .Como se viu já, esse conceito é essencialmente resolvido na LAT e legislação complementar. Por isso, temos de nos voltar para este complexo legislativo. Ora a Lei nº 100/97 ao referir-se no art. 3º, aos trabalhadores independentes, anunciava já a aplicação do seu regime, embora com adaptações aos acidentes sofridos por estes. “ E foi o que o Dec-Lei nº 159/99 veio a confirmar como já se notou, o legislador qualifica aqui tais acidentes como de trabalho. E certamente que o não fez em vão, mas cuidada e pensadamente. Tal é, aliás, confirmado pelo próprio artigo 8º que, no seu nº 2, diz que “ as empresas de seguros participarão ao tribunal competente, por escrito, no prazo de oito dias a contar da alta, os acidentes de que tenha resultado incapacidade permanente e, imediatamente e por telecópia ou outra via com o mesmo efeito de registo de mensagens, aqueles de que tenha resultado a morte.” Esta participação, como é visível, só ganha sentido e se compagina com o sistema processual existente nos tribunais de trabalho. Portanto, os acidentes ocorridos com os trabalhadores independentes - uma vez verificados os necessários requisitos - são acidentes de trabalho e, como tal, estão compreendidos nos art. 85º, al.c) da LOTJ. Por tal forma, os tribunais do trabalho são os competentes, em razão da matéria, para deles conhecer. E nem se diga que assim o Dec-Lei nº 159/99 é organicamente inconstitucional, por ser da exclusiva competência da AR legislar, salvo autorização ao governo (que no caso não existe) sobre a competência dos tribunais (art. 165º, nº 1, al. p) da CR). É que não é disso que se trata aqui.Tão somente, nos domínios substantivo e adjectivo se curou de traçar o regime para o seguro obrigatório dos trabalhadores independentes, com vista a garantir as prestações definidas na Lei nº 100/97. Por todo o exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido. Sem custas (art. 2º, nº 1, al. b) do CCJ.). Lisboa, 19 de Fevereiro de 2003 Ferreira Neto Manuel Pereira Vítor Mesquita |