Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
01S4098
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: EMÉRICO SOARES
Descritores: CATEGORIA PROFISSIONAL
CONCURSO
NATUREZA JURÍDICA
CONTROLO JUDICIAL
Nº do Documento: SJ200209250040984
Data do Acordão: 09/25/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 8117/01
Data: 10/03/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 236 ARTIGO 239 ARTIGO 342 N1 ARTIGO 463 N2.
AE IN BTE N6 DE 1988/02/11 ARTIGO 1 ARTIGO 3 ARTIGO 4 ARTIGO 11 ARTIGO 160.
Sumário : I - No concurso de promoção por escolha a posição do trabalhador candidato é de mera expectativa jurídica e não de direito subjectivo.
II - Este concurso assume a natureza de promessa pública vinculativa, envolve necessariamente a valoração ou apreciação patronal e encontra-se sujeito a regras não só estabelecidas em IRC, como nos artigos 459º e seguintes do CC, e as que decorrem dos princípios gerais de direito.
III - O Tribunal pode sindicar a decisão do promitente (ou da pessoa ou entidade designada no anúncio), no que se refere a determinada classificação atribuída, designadamente sempre que a mesma seja violadora da regra ou princípio a que o concurso se encontre submetido.
IV - Por isso, apesar de em relação aos critérios de classificação estar inerente uma certa margem de livre escolha por parte da entidade empregadora, autora do concurso, os juízos de decisão da mesma terão que se nortear pelos princípios de igualdade e seriedade.
V - Assim, tendo-se a empregadora, através da realização do concurso de promoção por escolha, vinculado a promover a determinada categoria os seus trabalhadores que, por preencherem os necessários requisitos, prestaram as respectivas provas alcançando as classificações que os habilitavam a preencher as vagas daquela categoria existentes, estava a mesma obrigada a respeitar a promessa, consubstanciada no concurso realizado, de os promover na referida categoria por ordem decrescente das classificações obtidas.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

No Tribunal do Trabalho de Lisboa, A com identificação nos autos, intentou acção declarativa com processo ordinário contra a B, com sede na AV. ...., n.º, Lisboa, pedindo que, na procedência da acção seja a Ré condenada:

a) a reclassificar o Autor na categoria profissional de Técnico de Telecomunicações de Aparelhos, com efeitos desde 17 de Agosto de 1990;
b) a pagar-lhe as diferenças de remunerações resultantes das respectivas categorias profissionais, de acordo com as tabelas salariais então em vigor, cuja liquidação se relega para a execução de sentença;
c) a pagar-lhe ainda, a título de danos não patrimoniais, a quantia de 5.750.000$00;
d) tudo acrescido de juros de mora calculados à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

Para tanto alega, em síntese, que foi prejudicado no concurso em que prestou provas para a promoção à categoria profissional de Técnico de Telecomunicações de Aparelhos (TTA), por não ter sido valorizada, apesar de correctamente dada, a resposta a uma questão incluída nessas provas e cuja pontuação, se correctamente feita, lhe teria permitido ascender àquela categoria profissional de TTA. O comportamento da Ré afectou toda a evolução profissional do Autor na empresa, vendo-se o mesmo frustrado de ascender a uma outra categoria profissional a que concorreu e em que se empenhou na expectativa de vir a adquirir e alargar os seus conhecimentos na área de tecnologia de telecomunicações.

Contestou a Ré a acção, contrapondo que as provas do autor foram devidamente classificadas, em nada tendo o comportamento da Ré afectado a evolução profissional do A., sendo totalmente desprovido de qualquer apoio legal o pedido de indemnização a título de danos não patrimoniais pela Autor formulado.

A fls. 44, foi proferido o despacho saneador com a afirmação genérica de verificação dos pressupostos da validade e regularidade da instância, seguindo-se-lhe a fixação dos factos tidos como assentes e a elaboração da base instrutória, sem re-clamação de qualquer das partes.

Realizado o julgamento, os quesitos da base instrutória mereceram as respostas constantes do despacho de fls. 94 a 95, que também não foram objecto de qualquer reclamação.

Seguiu-se a prolação da sentença, de fls. 98 a 104, que, na improcedência da acção, absolveu a Ré do pedido contra ela formulado.

Inconformado, levou o Autor recurso dessa sentença ao Tribunal da Relação do Porto que, pelo douto acórdão de fls. 145 a 157, julgou a apelação improcedente e confirmou a sentença recorrida.

Novamente inconformado, traz o Recorrente recurso de revista para este Supremo Tribunal, apresentando a sua alegação que finaliza com as seguintes conclusões:

a) O instrumento laboral colectivo identificado nos presentes autos, onde se encontra regulamentada no seu Anexo XX, o regime de provas técnico profissionais, utilizado a linguagem do Decreto-Lei n.º 519-C/79, de 29 de Dezembro, detém a natureza jurídica de uma convenção colectiva de trabalho, no caso presente, na sua subdivisão de acordo de empresa, no presente caso trata-se de uma convenção celebrada entre a Empresa Pública de Telefones de Lisboa e Porto e, por outro lado, os trabalhadores ao seu serviço, representados pelos organismos sindicais outorgantes (Cláusula 1ª do referido AE);

b) O conteúdo das convenções colectivas de trabalho é formado pelo conjunto de elementos jurídicos que as compõem, ou seja, pelo complexo de comandos legais ou contratuais, que preenchem o espaço ocupado pelo seu âmbito, não se lhes podendo negar a natureza de fontes juslaborais. A convenção colectiva de trabalho abrange, no seu conteúdo, duas vertentes: o conteúdo obrigacional e o conteúdo regulativo. No presente caso, e com relevância para a boa decisão do mesmo, ao nível do conteúdo obrigacional, podemos apontar o disposto nas alíneas b) e h) da cláusula 7ª do acordo de empresa já identificado (Garantias dos Trabalhadores). O aludido regime das provas técnico-profissionais, por seu lado, enquadra-se no conteúdo regulativo daquele acordo de empresa, uma vez que, ali se trata de uma matéria relacionada com uma situação jurídica laboral. Como também decorre do n.º 2 da cláusula 1ª do referido acordo de empresa "O presente acordo e os seus anexos constituem um todo orgânico a cujo cumprimento integral ambas as partes se vinculam.
c) O já identificado regime das provas técnico profissionais, foi, pois, alvo de um processo de negociação colectiva, da qual resultou um determinado enquadramento jurídico, o constante desse mesmo regime no caso em concreto, aplicado na promoção a uma determinada e identificada categoria profissional (TTA), dirigido á generalidade dos trabalhadores que se encontrassem em condições de se candidatarem de acordo com o previsto no artigo 2º do já identificado regime de provas técnico - profissionais (conteúdo regulativo), pelo que e, ao arrepio do sustenta-do no douto Acórdão recorrido, tal regime não tem a natureza jurídica de promessa pública, através de concurso público, prevista e regulamentada pelos artigos 459º a 463º do Código Civil;
d) No presente caso, e no âmbito do concurso em causa, foram promovidos vinte e nove trabalhadores, uma vez que esse era o número de vagas existentes na categoria profissional de ITA, que à data da realização do aludido concurso se encontravam disponíveis para serem preenchidas, sendo certo, como se apurou no âmbito daquele concurso, que foram promovidos vinte e nove trabalhadores, sendo que a classificação mais baixa, a do último trabalhador promovido, foi de 14,950 valores, sendo que o acordo de empresa considera como promoção "... e passagem de um trabalhador para a categoria superior da sua carreira" (n.º 1 da Cláusula 37ª do AE);
e) Como resulta da matéria de facto dada como provada, e aqui vertida no ponto 4.1.4, o aqui recorrente respondeu correctamente à questão 81-A obtendo, assim, a classificação de 15,925 valores, que permitir-lhe-ia ascender à categoria profissional de TTA. Como consequência da não valoração da resposta dada pelo recorrente, o mesmo viu frustrada a possibilidade de ascender a uma nova categoria profissional, ou seja, não foi concedida ao então A., em 1990, a promoção a TTA, por o mesmo não ter obtido, de acordo com a valoração da então R., a classificação necessária;
f) O aqui recorrente apesar de preencher os requisitos previsto nos artigos 1º e 2º do regime de provas técnico - profissionais constante do Anexo XX do AE188 dos TLP, de ter respondido, como se apurou, correctamente à questão n.º 81-A, não foi promovido, como devia à categoria profissional de TTA, tendo assim sido prejudicado, quer a nível da sua promoção a uma outra carreira profissional, quer a nível da sua retribuição mensal certa, em clara violação do disposto nas alíneas b) e h) da Cláusula 7ª do mencionado acordo de empresa (conteúdo obrigacional), não estando, por esta via, vedado o recurso ao tribunal, para conhecimento do erro verificado e, nestes autos provado, com a não valoração da resposta dada pelo então autor à questão acima identificada, bem como das suas consequências, nomeadamente patrimoniais (diferenças de remunerações), decorrentes da não promoção do aqui recorrente;
g) Pelo que e, atento o atrás exposto, o douto acórdão recorrido desconsiderou, não só a natureza jurídica do instrumento de regulação colectiva em causa, como, por erro de qualificação jurídica, violou o conteúdo obrigacional e regulativo, constante do já identificado acordo de empresa, devendo em consequência, ser integralmente revogada e substituída por Acórdão que, dando provimento ao presente recurso, julgue a acção procedente por provada, fazendo Justiça.

Contra-alegou a Recorrida, defendendo a manutenção na íntegra da decisão recorrida.

A Dg.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu o douto parecer que se acha a fls. 201 a 208, manifestando o seu entendimento de que a revista deve ser parcialmente concedida.

Notificado esse parecer às partes, nada disseram.

Colhidos que se mostram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

É a seguinte a matéria de facto que foi fixada pelas Instâncias e que não foi posta em causa pelas partes:

Factos provenientes da especificação :

I - O autor, em 1990, prestou provas técnico profissionais, no âmbito do concurso para promoção à categoria profissional de TTA (Técnico de Telecomunicações de Aparelhos), concurso este promovido pelos Telefones de Lisboa e Porto, S.A. - Al. A).
II - Com a entrada em vigor do acordo de empresa TLP 90, a categoria de técnico de telecomunicação de aparelhos (TTA) foi integrada na categoria de técnico de equipamento de telecomunicações (TET) - Al. B).
IV - No âmbito daquelas provas, relativamente à questão n.º 81-A, o autor considerou como certa a resposta "C" - Al. D).
V - A sua entidade patronal considerou como certa a resposta "B" - Al. E)..
VI - A lista com os resultados provisórios, onde constavam as classificações obtidas pelos candidatos, foi publicada em 7 de Junho de 1990, conforme documento junto por cópia a fls. 11 - Al. F).
VII - A classificação obtida pelo autor foi de 14,675 valores - Al. G).
VIII - O autor, não concordando com a posição da sua entidade patronal, apresentou em 21.6.90, um protesto fundamentado, relativamente à questão já cima identificada, conforme documentos juntos por cópia a fls. 13, 14 e 15 - Al. H).
IX - A lista dos resultados definitivos relativos à prova técnico-profissional acima identificada foi publicada no dia 17 de Agosto de 1990 (cf. fls. 12), tendo sido mantida a classificação atribuída ao autor - Al. I).
X - No âmbito do concurso acima identificado foram promovidos vinte e nove trabalhadores, sendo que a classificação mais baixa, a do último trabalhador promovido, B, de 14,950 valores - Al. J).
XI - Em 17.12.90, o autor, através do seu sindicato, enviou nova exposição à sua entidade patronal conforme documento junto por cópia a fls.16 - Al. K).
XII - Em 12.7.96, o autor, novamente através do seu sindicato, enviou uma ex-posição à B, conforme documento junto por cópia a fís. 17-18 - Al. L).
XIII - A esta solicitação a ré, em 16 de Janeiro de 1997, respondeu ao sindicato do autor, nos termos do documento junto por cópia fls. 19 - Al. M).
XIV - Em 4.2.97, o sindicato do autor respondeu à carta acima mencionada conforme documento junto por cópia a fls. 20-21 - Al. N).
XV - No dia 21.3.97, o mesmo sindicato enviou a carta à ré junta por cópia a fls. 22 - Al O).

Provenientes das respostas aos quesitos da base instrutória:
XVI - A resposta à questão n.º 81-A em causa, no âmbito da parte da prova em que estava integrada, valia a pontuação de 2,5 valores - Q.to 1º.
XVII - O multi-selector do quadro terminal aludido na resposta à questão n.º 81-A, sendo bi-direccional, tem dez entradas e trinta e duas saídas ou trinta e duas entradas e dez saídas - Q.to 2º.
XVIII - A classificação de 15,925 valores nas aludidas provas, que o autor obteria caso fosse considerada como certa a sua resposta à questão 81-A, permitir-lhe-ia ascender à então categoria profissional de TTA - Q.to 3º.
XIX - No âmbito do concurso aludido em 1, o autor viu frustrada a possibilidade de ascender a uma outra categoria profissional - Q.to 4º.
XX - A área da tecnologia das telecomunicações encontra-se em constantes mudanças a nível tecnológico - Q.to 5º..
XXI - O recurso do autor referido em VIII foi apreciado pela comissão constituída por elementos nomeados pela empresa e por um elemento de cada um dos sindicatos representativos da sua categoria profissional - Q.to 6º..
XXII - O autor evoluiu na sua carreira profissional, designadamente tendo já acedido à carreira de electrotécnico, após formação da ré, estando actualmente enquadrado na categoria de electrotécnico de telecomunicações principal - Q.tos 8º e 9º.
XXIII - Não foi concedida ao autor, em 1990, a promoção a TTA, por o mesmo não ter obtido, de acordo com a valoração da ré, a classificação necessária - Q.to 10º..
XXIV - O autor quando acedeu a inscrever-se para as provas técnico profissionais já sabia que havia a possibilidade de não obter a classificação necessária para ser promovido à categoria de TTA - Q.to 11º.

Esta facticidade não vem posta em causa por qualquer das partes sendo que não ocorre o circunstancialismo previsto nos n.os 2 e 3 do art.o 729º do Cód. Proc. Civil que permita a este Supremo Tribunal operar nela qualquer alteração ou que lhe aconselhe determinar a sua ampliação.

Consequentemente, essa materialidade factícia tem de se considerar definitivamente assente, sendo com base nela que se hão-de resolver as questões que o Recorrente, na revista que pede, submete ao julgamento deste Tribunal.

Tendo em atenção que são as conclusões do recorrente que - em princípio e ressalvadas as questões de que o tribunal deva oficiosamente conhecer -, delimitam objectiva e subjectivamente o recurso interposto (Art.os 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1, do Cód. Proc. Civ.), constata-se que está aqui em causa, fundamentalmente, determinar se assiste ao Autor o direito à reclassificação e à indemnização peticionadas, pelo facto de a Ré alegadamente o ter preterido no concurso realizado em 1990, para promoção à categoria de TTA.

As instâncias negaram ao autor tal direito por entenderem que a decisão da ré, no que se reporta à classificação atribuída ao autor no referido concurso, não é passível de ser sindicada pelo recurso aos tribunais,

Tal entendimento teve por subjacente a natureza jurídica do referido concurso que foi reconduzido à figura da oferta pública e, por isso, sujeito ao regime do art.º 463, n.º 2, do Cód. Civ..

Insurge-se o recorrente contra este posicionamento, pugnando pela sindicabilidade judicial da decisão e negando ao concurso em causa a natureza de promessa pública, alicerçando-se nas seguintes premissas:

- natureza jurídica de convenção colectiva do AE que regulamenta o regime de provas técnico-profissionais;
- conteúdo regulativo do AE que prevê a realização das provas técnico-profissionais

Conforme resulta do processo, as provas técnico-profissionais a que o autor se submeteu em 1990 encontravam-se regulamentadas no anexo XX do AE dos ex- TLP (publicado no BTE, 1ª série n.º 6, de 15.02.88).

Estatui o art.º 1º do citado anexo que "As provas técnico-profissionais têm como objectivo, mediante a avaliação de conhecimentos teóricos e práticos, possibilitar a antecipação da promoção automática dos trabalhadores colocados em níveis susceptíveis dessa forma de evolução, nos termos do anexo 1".

No que se refere à classificação das provas, com interesse para os autos, há a ter em conta o preceituado nos art.os 3º, 4º, 11º e 16º do mesmo anexo.

De acordo com o art.º 16º, do anexo, "A realização das provas técnico-profissionais é da competência do centro de formação".

O art.º 3º, reportando-se à estrutura da prova, refere que a mesma é composta de duas partes, uma, no âmbito dos conhecimentos teóricos relacionados com a respectiva carreira e, outra, no âmbito das funções desempenháveis.

O n.º 1 do art.º 4º dispõe que "As duas partes que compõem a prova serão valorizadas separadamente, sendo a classificação em termos quantitativos de 0 a 20 valores"; no n.º 2 estatui-se que "A classificação final será obtida através da média aritmética das duas partes que compõem a prova, não sendo aprovados os trabalhadores cuja classificação final seja inferior a 10 valores"

Sem regulamentar nem fazendo referência a critérios de valoração na apreciação das provas, o art.º 11º reporta-se à possibilidade de o trabalhador poder recorrer do resultado provisório (publicado nos termos do art.º 10º do anexo) para uma comissão de recurso composta por elementos nomeados pela empresa e por um elemento de cada um dos sindicatos representativos da respectiva categoria profissional, embora com o estatuto de observador.

Dispõe por último o n.º 4 do citado artigo que "As conclusões de recurso são consideradas resultado definitivo".

Não estando em causa a natureza jurídica de convenção colectiva do AE cujo anexo XX em referência faz parte integrante, evidencia-se que, em paralelo com diversas CCT, as provas técnico-profissionais previstas neste instrumento de regulamentação colectiva e a que o autor se submeteu, em 1990, com vista ao acesso à categoria profissional de Técnico de Telecomunicações de Aparelhos (TTA), constituem uma forma de promoção por escolha (1).

1) que, embora prevista por estipulação colectiva (2), tem por subjacente a iniciativa da entidade empregadora, envolvendo, em termos de concretização, determinados juízos de valor por parte da mesma.

Contrariamente ao que sucede nas situações de promoção automática, na promoção por escolha (ainda que o seja, sublinhe-se, sob a vertente de prestação de provas de aptidão profissional enquanto condição de antecipação de promoção automática), e conforme salienta Menezes Cordeiro, (3) importa ter em conta que, em termos técnicos, a posição do trabalhador candidato é de mera expectativa jurídica e não de direito subjectivo.

Este tipo de promoção, tendo por finalidade a antecipação de uma promoção automática, embora envolva necessariamente a valoração ou apreciação patronal (uma vez que está condicionada à prestação de provas de aptidão profissional sob a forma de concurso), encontra-se sujeita a regras, não só as que se encontram estabelecidas no referido anexo do AE, como as que decorrem dos princípios gerais de direito.

Tendo a ré procedido à abertura de concurso de acordo com o previsto no referido anexo, desde logo ficou obrigada a respeitar o regime nele fixado e, bem assim, as regras de direito que lhe fossem aplicáveis, de acordo com a natureza jurídica do mesmo.

Não cabendo neste domínio proceder a uma abordagem teórica da questão da natureza jurídica do concurso para a celebração de um contrato (do âmbito do direito privado), importa, a nosso ver, reter, tão só, o facto de que esta figura não apresenta uma unidade interna. Consequentemente, a respectiva natureza jurídica (e, por isso, o respectivo regime) dependerá, necessariamente, da configuração que o enforma (4), sendo que em todos eles se identifica uma dimensão teleológica comum - visa-se a celebração de um contrato ou encontro de vontades (5) - que imporá recurso a regras comuns no que se reporta ao regime a seguir.

De acordo com tal factor teleológico, qualquer modalidade da figura em causa não poderá deixar de se nortear por dois princípios basilares de todo o fenómeno contratual: o da autonomia privada e o da tutela da confiança (6).

Por conseguinte, seguindo ainda de perto o entendimento de Menezes Cordeiro (7), o concurso, enquanto "conceito de enquadramento", qualquer que seja a sua modalidade, pressupõe o respeito por valores básicos do ordenamento jurídico que, nessa medida, funcionam como limite da própria figura - a boa fé e o instituto da culpa in contrahendo.

Na situação sub judice está, pois, em causa um concurso laboral, através da prestação de provas de aptidão, que tinha por finalidade o recrutamento de trabalhadores.

Na acção, o autor arroga-se o direito à categoria de TTA (com efeitos desde 1990) para a qual, na altura, se havia candidatado prestando as respectivas provas e, bem assim, ao direito a ser indemnizado em conformidade, em consequência de a ré o ter preterido face à não valorização, como certa, da resposta por si dada à questão n. 81-A.

Resulta dos autos que, caso a ré tivesse considerado como certa a resposta que o autor deu à referida questão (resposta C - cfr. ponto 4), a sua classificação seria de 15,925, o que lhe teria permitido ascender à pretendida categoria profissional (ponto 18 da matéria provada) uma vez que a classificação mais baixa, do último trabalhador promovido no âmbito do referido concurso, foi de 14,950 valores.

E a verdade é que decorre também do processo que, quer a resposta "B" quer a "C" eram idóneas para efeitos de consubstanciarem resposta correcta à referida questão (cfr. ponto 17 da matéria provada), sendo que a ré considerou como certa apenas a resposta B - (ponto 5 da matéria provada).

Na sequência do salientado relativamente à caracterização da figura do concurso e perante o quadro factual acima apontado, atendendo aos termos actuais do processo, a pretensão do autor impõe que se determine se a conduta da ré, consubstanciada na desvalorização da resposta dada pelo autor à questão n. 81, constituiu violação de alguma regra ou princípio implicados no referido concurso (8).

Para se apurar se no caso ocorreu inobservância das regras atinentes ao concurso consideramos não ser decisivamente relevante o facto do mesmo se encontrar inserido no âmbito do AE aplicável às relações laborais estabelecidas entre as partes.

Com efeito, embora as provas técnico-profissionais a que o autor se submeteu em 1990 se encontrassem regulamentadas no anexo XX, do AE dos ex-TLP (publicado no BTE, 1ª série, n.º 6, de 15.02.88), o referido concurso configura-se dependente da vontade da ré e, nessa medida, assume a natureza de acto jurídico unilateral.

Independentemente do posicionamento doutrinário que se adopte quanto à questão da existência de tipicidade ou numerus clausus dos negócios unilaterais na nossa ordem jurídica (9), parece-nos que, no caso dos autos, o concurso sob apreciação participa da natureza de promessa pública vinculativa (10) (embora de âmbito limitado, tendo em conta que se dirigia a trabalhadores da empresa com certas condições (11).

Com efeito, a ré, em consequência da publicação do anúncio do concurso para a promoção à categoria profissional em causa (TTA), obrigou-se a promover, com limitação das vagas existentes, os trabalhadores candidatos que ficassem aprovados nas respectivas provas técnico-profissionais.

Comungando assim da natureza de promessa pública, ao concurso em referência não podem ser alheias as disposições constantes dos art.s 459 e ss. do Cód. Civil, designadamente do estatuído no n. 2 do art. 463 do mesmo Código.

Cremos, porém, que o alcance adequado deste preceito nunca poderá ser o de fazer excluir, em termos absolutos, a possibilidade de o tribunal sindicar a decisão do promitente (ou da pessoa ou entidade designada no anúncio) no que se refere à atribuição do prémio (12) (neste caso a classificação do autor), designadamente sempre que a mesma seja violadora de regra ou princípio a que o concurso se encontre submetido.

No anexo XX, do AE, encontram-se regulamentados os pressupostos, a forma e o conteúdo do concurso, constata-se, porém, que quanto a bitolas a observar o-corre omissão que carece de preenchimento.

Na verdade, embora o artigo 4º se reporte à classificação das provas e o artigo 11º contemple a possibilidade de recurso para a comissão de recurso dos resultados provisórios das provas, nada se refere relativamente a critérios de classificação, sendo patente que estes se encontram unicamente dependentes da decisão do autor do concurso, neste caso, a ré.

Verifica-se, pois, que em matéria de classificação das provas do concurso o anexo XX não só é parco, como, no que toca a critérios de valoração das provas, é absolutamente omisso.

Deste modo e cabendo quanto a este aspecto um esforço interpretativo e de integração (ao qual não poderá ser alheio as disposições legais constantes do art.º 236º e ss. do Cód.Civil) (13), há que fazer apelo, de acordo com o preceituado no art.º 239º, do C.Civil, à vontade hipotética (quando não exteriorizada) da parte autora do concurso tendo em conta o interesse da mesma e os parâmetros por ela escolhidos, desde que conformes à boa fé.

Quanto aos critérios na classificação, importa ainda realçar que por mais pormenorizado que se apresente a regulamentação de um concurso (particularmente com as características do dos autos) está inerente à decisão uma certa margem de livre escolha que, obviamente, pertencerá à entidade empregadora, autora do concurso.

Contudo, há que não confundir discricionaridade da decisão com livre arbítrio da entidade empregadora. Assim, ainda que os juízos de valor da entidade a quem caiba o poder de decisão sejam dificilmente controláveis, os mesmos terão de se nortear pelos princípios de igualdade e seriedade (14).

Assim sendo, como nos parece que não pode deixar de ser, tendo-se a Ré, através da realização do falado concurso, vinculado a promover à categoria de Técnico de Telecomunicação de Aparelhos (TTA), os seus trabalhadores que, por preencherem os necessários requisitos, prestaram as respectivas provas técnico-profissionais, alcançando as classificações que os habilitavam a preencher as vagas de TTA existentes, estava a mesma obrigada a respeitar a promessa, consubstanciada no concurso realizado, de os promover na referida categoria por ordem decrescente das classificações obtidas, sob pena de, assim não se entendendo, termos de considerar que o dito concurso não passou duma farsa potenciadora do livre arbítrio da Ré na promoção dos candidatos concorrentes e por isso violadora das legítimas expectativas nestes criadas de verem as vagas existentes na categoria de TTA preenchidas de acordo com os reais conhecimentos demonstrados no mesmo concurso.

Ora, vem demonstrado que a prova realizada pelo Autor foi incorrectamente corrigida, dando-se como errada uma resposta que estava certa, com isso atribuindo-se ao mesmo Autor, erradamente, uma classificação inferior à que obteve o último candidato a ser promovido, assim se preterindo a promoção do Autor a favor desse outro candidato que nas referidas provas se mostrou menos qualificado.

Teria, por isso de se reconhecer razão ao Autor quando pretende que o erro cometido pela R. seja corrigido com a sua reclassificação na categoria profissional de TTA, com o pagamento das diferenças de remunerações resultantes dessa reclassificação, de acordo com as tabelas salariais em vigor, pagamento cujo início teria de se reportar, não necessariamente à data em que foi publicada a lista dos resultados definitivos da prova técnico-profissional em causa (17/08/1990), mas sim à data em que a tal categoria foi promovido o candidato que obteve a classificação imediatamente inferior à do Autor.

Mas, apurado que, com a entrada em vigor do Acordo de Empresa TLP 90 a categoria de técnico de telecomunicações de aparelhos (TTA) foi integrada na categoria de técnico de equipamento de telecomunicações (TET) - ponto II da facticidade apurada - e que o Autor evoluiu na sua carreira profissional estando actualmente enquadrado na categoria de electrotécnico de telecomunicações principal - ponto XXII da facticidade apurada - o pagamento das referidas diferenças salariais terá, como termo final, a promoção do Autor à essa categoria correspondente à TTA, havendo, que, por falta de elementos que permitam quantificar essas diferenças salariais que remeter a sua liquidação para a execução de sentença (art.o 661º, n.º 2 do Cód. Proc. Civ.).

Mas já não procede o pedido que o Autor formula de ser indemnizado pelos danos não patrimoniais que alega ter sofrido, pela simples razão de não ter ficado provada a existência desses danos que, por não serem de se presumir, cumpria ao Autor provar, nos termos do art.o 342º n.º 1 do Cód. Civ.

Nestes termos, na procedência parcial da revista, condena-se a Ré B, S.A. a pagar ao Autor as diferenças salariais entre a categoria profissional que o A. tinha na Ré ao tempo da realização do concurso e a categorias de TTA, de acordo com as tabelas salariais em vigor, contadas desde a data da promoção a TTA do candidato com a classificação imediatamente inferior à do Autor, até à data em que o mesmo Autor, evoluindo na carreira, alcançou a categoria correspondente à de TTA, a liquidar em execução de sentença, acrescidas dos juros legais desde a liquidação até efectivo pagamento.

No mais se confirma o acórdão recorrido.

Custas pelo A e pela R em partes iguais.

Nestes termos, ainda que com base em razões não de todo coincidentes com as expendidas na decisão recorrida, na improcedência do recurso, nega-se a revista e, confirma-se aquela decisão.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 25 de Setembro de 2002

Emérico Soares

Manuel pereira

Azambuja da Fonseca

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(1) Veja-se que na situação sob apreciação o AE prevê uma antecipação da promoção automática condicionada por um factor de valoração que é a prestação de prova de aptidão profissional e, nessa medida, da iniciativa empresarial.

(2) De realçar que não decorre do AE a obrigatoriedade da empresa para abertura de concurso. A importância deste tipo de promoção reside na necessidade de harmonização de dois interesse contrapostos - interesse dos trabalhadores em melhorarem a respectiva posição funcional (por lhe estar subjacente um certo estatuto remuneratório) e interesse da empresa em seleccionar os trabalhadores de acordo com critérios empresariais, no preenchimento de lugares de promoção, temperando assim os efeitos das pro-moções automáticas. Neste sentido Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, 1991, pág. 670.

(3) Obra citada, pág. 670.

(4) "ele poderá surgir como um contrato celebrado entre um círculo de interessados para, entre todos, encontrar parceiros contratuais, como uma proposta contratual, como uma aceitação antecipada de propostas que preencham certos requisitos, como uma oferta ao público, como uma promessa pública ou como o próprio convite a contratar" - Menezes Cordeiro, DA ABERTURA DE CONCURSO PARA A CELEBRAÇÃO DE UM CONTRATO NO DIREITO PRIVADO", BMJ n.0 369, pág. 80.

(5) No caso dos autos, o concurso laboral não era para firmar um contrato de trabalho, mas, porque dirigido a trabalhadores da empresa e, nessa medida, restrito, a promoção antecipada a atingir constituiria como que uma alteração do respectivo contrato de trabalho inicial de cada um dos candidatos e, por isso, sempre será lícito reconduzi-lo à ideia de encontro de vontades.

(6) A autonomia privada exige o respeito pela palavra dada quando juridicamente relevante, isto é, a autonomia tem por reverso a responsabilidade. A tutela da confiança constitui um princípio moderador e complementar da liberdade contratual.

(7) Cfr. estudo acima citado.

(8) Só nesta perspectiva tal decisão é passível de censura jurisdicional, sendo certo que na petição o autor não delimita nestes termos a sua pretensão.

(9) Menezes Cordeiro defende que o direito português admite os negócios unilaterais como modo genérico de constituição de deveres jurídicos - Direito das Obrigações, 1 volume, 560 e ss.

(10) A obrigação de integração na categoria tem por fonte imediata a promessa e nasce no momento do anúncio, embora sob condição suspensiva (classificação nas provas a realizar), pois que a sua verificação determinava a produção ipso jure dos efeitos do negocio.

(11) Cfr. art.º 2 do citado anexo XX nos termos do qual "É condição necessária e suficiente para que o trabalhador possa candidatar-se à prestação de provas que o mesmo se encontre até 31 de Dezembro, inclusive, do ano anterior em níveis susceptíveis de antecipação, quer para progressão, quer para promoção à categoria seguinte".

(12) Igual alcance também não poderá ser retirado do art.o 11º, n.º 4 do anexo XX ao estatuir que "As conclusões da comissão de recurso são consideradas resultado definitivo".

(13) As cláusulas do concurso terão o sentido que o destinatário interessado normal colocado na posição dos destinatários reais, dele possam retirar. Havendo dúvidas, importará procurar o sentido que conduza ao maior equilíbrio entre as prestações envolvidas - CF. Menezes Cordeiro, estudo citado, pág. 68.

(14) Quando o autor do concurso beneficie ilegitimamente um dos interessados ou recorra a princípios desconformes com os que, dadas as circunstâncias, seria de esperar do concurso, está a violar a posição dos demais concorrentes - Menezes Cordeiro, estudo citado, pág. 71-.