Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03P2604
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SIMAS SANTOS
Descritores: RECURSO PENAL
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
TRIBUNAL COLECTIVO
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
PODERES DA RELAÇÃO
Nº do Documento: SJ200310160026045
Data do Acordão: 10/16/2003
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Tribunal Recurso: T REL ÉVORA
Processo no Tribunal Recurso: 2763/02
Data: 03/25/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Sumário : 1 - A gravidade do crime (que justifica a intervenção do STJ no recurso) resulta, não da pena efectivamente aplicada, mas da moldura penal abstractamente aplicável, pois ao longo do processo é esta moldura que acarreta para o arguido determinadas sujeições processuais muito penosas, respeitantes, por exemplo, à aplicação e duração da prisão preventiva. Daí que violaria o princípio da lealdade processual considerar-se o crime como "muito grave" (face à pena abstractamente aplicável) para impor deveres ao arguido, mas "pouco grave" (face à pena efectivamente aplicada) para lhe retirar o direito de recorrer.
2 - Assim, é admissível para o STJ o recurso interposto de decisão condenatória da Relação que infligiu pena não superior a 8 anos de prisão, mesmo se o Ministério Público não recorreu.
3 - Aos agentes maiores de 16 anos e menores de 21 é aplicável o regime penal especial para jovens do DL nº. 401/82, de 23 de Setembro, que esclarece que é considerado jovem para estes efeitos o agente que, à data do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos.
4 - E tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça que, se bem que não seja o regime penal especial para jovens delinquentes de aplicação automática, cabendo o agente, pela sua idade, na previsão daqueles diplomas legais, não está dispensado o Tribunal de equacionar a sua aplicação ao caso concreto.
5 - A gravidade do crime cometido, patente na medida da pena aplicável, é, pois, indicada pelo legislador como um índice a atender, no ponto 7 do preâmbulo daquele diploma legal.
6 - A afirmação de ausência de automatismo na aplicação da atenuação especial ao jovens delinquentes significa que o tribunal só se socorrerá dela quando tiver "sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado", na terminologia da lei.
7 - A suspensão da execução da pena insere-se num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos.
8 - A suspensão da execução da pena que, embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição, deverá ter nas sua base uma prognose social favorável ao réu, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime.
9 - São os seguintes os elementos a atender nesse juízo de prognose: a personalidade do réu; as suas condições de vida; a conduta anterior e posterior ao facto punível; e as circunstâncias do facto punível.
10 - Devem atender-se a todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do réu, atendendo somente às razões da prevenção especial. E sendo essa conclusão favorável, o tribunal decidirá se a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para satisfazer as finalidades da punição, caso em que fixará o período de suspensão.
11 - É de atenuar especialmente a pena à arguida que cometeu o crime de tráfico de estupefacientes (haxixe, de que é consumidora ocasional e esctasy, no período da Páscoa no Algarve) entre os 17 e os 19 anos, é primária, imatura e instável emocionalmente, está em liberdade, trabalha e reside com uma tia, aplicando a pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 4 anos, com regime de prova e o dever de não frequentar discotecas (onde vendia as substâncias em causa) e comunicar ao IRS as mudanças de emprego e residência.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I
1.1.
O Tribunal Colectivo do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Albufeira, decidiu, por acórdão de 9 de Julho de 2002 (Proc. nº. 153/01.0JAPTM):
Condenar os arguidos:
- BMMO, como autor de 1 crime de falsas declarações do artº. 359º, nºs. 1 e 2 do Código Penal, na pena de 250 dias de multa à taxa diária de € 5, no total de € 1.250, e a que corresponde a pena de 166 dias de prisão subsidiária, caso a multa não seja paga voluntária ou coercivamente;
- DFPS, como autor de 1 crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade dos artºs. 21º, nº. 1 e 25º do DL nº. 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, cuja execução se suspendeu pelo período de 1 ano e 6 meses;
- JGCN, como autor de 1 crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade dos artºs. 21º, nº. 1 e 25º do DL nº. 15/93, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, cuja execução se suspendeu pelo período de 1 ano e 6 meses;
- LDPB, pela prática de 1 crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade dos artºs. 21º, nº. 1 e 25º do DL nº. 15/93, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, e pela prática de 1 crime do pelo artº. 6º do DL nº. 22/97, de 27 de Junho, na pena de 180 dias de multa, a taxa diária de € 5, o que perfaz a multa global de € 900; em cúmulo, foi a arguida condenada na pena única de 1 ano e 2 meses de prisão, cuja execução se suspendeu pelo período de 1 ano e 6 meses e 180 dias de multa à taxa diária de € 5, o que perfaz € 900, a que corresponde a pena de 120 dias de prisão subsidiária, caso não seja paga voluntária ou coercivamente;
- FMCP, como autor de 1 crime tráfico de menor gravidade dos artºs. 21º, nº. 1 e 25º do D.Lei nº. 15/93 na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, e como autor de 1 crime do artº. 6º do DL nº. 22/97, de 27 de Junho, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 5, o que perfaz a multa global de € 900; em cúmulo, foi o arguido condenado na pena única de 1 ano e 2 meses de prisão, cuja execução se suspendeu pelo período de 1 ano e 6 meses e 180 dias de multa à taxa diária de € 5, o que perfaz € 900, a que corresponde a pena de 120 dias de prisão subsidiária, caso a multa não seja paga voluntária ou coercivamente;
- RANP, como autor material de 1 crime de tráfico de estupefacientes do artº. 21º, nº. 1 do DL nº. 15/93, na pena de 4 anos e 2 meses de prisão;
- LCLF, como autora material de 1 crime de tráfico de estupefacientes do artº. 21º, nº. 1 do DL nº. 15/93, na pena de 4 anos e 2 meses de prisão; e
- MJBPS, como autor material de 1 crime de tráfico de estupefacientes do artº. 21º, nº. 1 do DL 15/93, na pena de 5 anos de prisão.
Decidiu ainda o mesmo acórdão absolver os arguidos PMSS e BMMO da prática dos crimes de tráfico de estupefacientes de que vinham acusados.
II
2.2.
Inconformados, recorreram separadamente os arguidos: RANP, LCLF, DFPS e MJBPS, para o Tribunal da Relação.

2.3.
Foram as seguintes as conclusões desse recurso da arguida LCLF:
1ª- O presente recurso teve como objecto o douto acórdão que condenou a ora recorrente como autora material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº. 21º, nº. 1 do Dec. Lei nº. 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de quatro anos e dois meses de prisão;
2ª- Com o devido respeito, entende-se que a pena aplicada, isto é, uma pena efectiva de prisão dificilmente conseguirá atingir os objectivos propostos, não parecendo possuir em si mesma o factor dissuasor, que certamente esteve subjacente à sua aplicação;
3ª- Assim, entende-se que deveria ser imposta à arguida ora recorrente uma pena de três anos de prisão suspensa na sua execução;
4ª- Isto porque se considera que uma pena efectiva de prisão, com a inerente privação de liberdade, e um consequente afastamento do meio sócio-económico em que se encontra integrada, só dificilmente poderá garantir, que esta mesma pena orientará a arguida LCLF na sua vida futura de uma forma socialmente responsável e equilibrada, sendo certo que as penas efectivas de prisão têm um efeito estigmatizante;
5ª- A esta pretendida suspensão da pena, deveriam ser impostas à ora recorrente regras de conduta, nomeadamente as a que aludem as alíneas b), d), f) e g) do nº. 1 do artº. 52º do ou então a suspensão da execução da pena deveria ser acompanhada de um regime de prova, de acordo com o disposto no artº. 53º do Código Penal;
6ª- A factologia dada como provada no acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo justifica uma redução da pena, no que concerne a esta arguida e desta forma uma atenuação especial da pena, nos termos do artº. 4º do Dec. Lei nº. 401/82, de 23 de Setembro;
7ª- Quanto a este último aspecto é de salientar que a arguida LCLF contava apenas 19 anos de idade à data dos factos, é delinquente primária e tem bom comportamento anterior e posterior aos factos;
8ª- A ora recorrente começou a trabalhar aos 16 anos de idade com o seu pai, num bar que este possui. Actualmente a recorrente trabalha como empregada de mesa no restaurante "...", em Albufeira, tendo um vencimento de Esc. 120.000$00 mensais;
9ª- A arguida LCLF pelo menos à data dos factos era consumidora de haxixe, o que diminui consideravelmente a medida da sua censura social;
10ª- A arguida encontra-se inserida socialmente, vivendo actualmente com a sua mãe e contando com o apoio de ambos os progenitores, sendo que já decorreu cerca de um ano e meio desde a ocorrência dos factos pelos quais a arguida vem condenada, tendo esta mantido um bom comportamento em liberdade desde então;
11ª- O acórdão recorrido violou o disposto no artº. 4º do Dec. Lei nº. 401/82, de 23 de Setembro, ao determinar a pena fixada à ora recorrente em 4 anos e 2 meses de prisão;
12ª- O Tribunal Colectivo violou o disposto nos artºs. 52º e 53º do Código Penal, pois entende-se que deveria ter sido aplicada à recorrente uma pena suspensa na sua execução acompanhada imposição de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova nos termos do disposto naqueles artigos;
13ª- O acórdão ora recorrido violou os artºs. 71º e 72º do Código Penal ao aplicar a pena que foi fixada à ora recorrente;
14ª- Pois que a pena a aplicar pela justa ponderação e análise dos elementos que convergem no caso concreto deve ser uma pena de 3 anos de prisão declarada suspensa na sua execução para a recorrente.
Termina a arguida LCLF pedindo que seja alterado o acórdão recorrido, fixando-se-lhe uma pena de 3 anos de prisão declarada suspensa na sua execução.

2.4.
A Relação de Évora, por acórdão de 25 de Março de 2003, decidiu:
- negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos RANP, LCLF e MJBPS; e
- conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido DFPS, revogando o segmento punitivo do acórdão recorrido na parte em que suspendeu pelo período de 1 ano e 6 meses a pena de 1 ano e 2 meses de prisão em cujo cumprimento se desconta por inteiro a prisão preventiva sofrida à ordem do presente processo e, portanto, declararam totalmente extinta pelo seu cumprimento, tal pena.
- manter em tudo o mais o acórdão recorrido.
III
3.1.
A arguida, LCLF recorre a este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo na sua motivação:
1) Por Acórdão proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Albufeira foi a arguida LCLF condenada na pena de prisão efectiva de quatro anos e dois meses, tendo tal Acórdão sido confirmado pelo Tribunal da Relação de Évora, por Acórdão proferido em 25 de Março de 2003.
2) Deste Acórdão proferido pela Veneranda Relação de Évora vem a Recorrente interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
3) Pois que, considera a arguida ora Recorrente que face à factualidade dada como provada e face ao Direito aplicável não deveria ter sido condenada numa pena de prisão efectiva.
4) Neste caso concreto, entendemos ser de questionar se da aplicação de uma pena efectiva de prisão de quatro anos e dois meses resultam vantagens para a reinserção social elemento reeducador tão importante para os jovens com idade inferior a 21 anos como é caso da arguida LCLF.
5) Entendemos, com o devido respeito, que não repugnaria que fosse imposta à ora Recorrente, uma pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução.
6} Mas a esta pretendida suspensão da pena, acresceria a imposição à ora Recorrente LCLF de regras de conduta/nomeadamente as que aludem as alíneas b), d), f) e g) constantes do nº. 1, artº. 52º do Código Penal ou então a suspensão da execução da pena/deveria ser acompanhada de um regime de prova, de acordo cora o disposto no Artº. 53º do Código Penal.
7) De referir, também na que o nível de toxidade do haxixe e do próprio ecstasy é inferior ao de outras substâncias, aliás se assim não fosse, não faria sentido a distinção das plantas, substâncias ou preparações em função da sua qualidade efectuada pelo legislador no artº. 25º do DL 15/93, de 22/11.
8) Actualmente é nas medidas não detentivas, que se depositam as melhores esperanças, aliás devido às mais insistentes recomendações da ciência penal e da penologia o que explica o tacto ao actual Código Penal consagrar várias medidas substitutivas da prisão, pois que se acredita no efeito útil destas medidas que constituem uma forma de tratamento dos delinquentes, sobretudo os mais jovens, sem ser necessário privá-los da liberdade.
Entendemos, assim, que a factualidade que foi dada como provada justifica uma redução da pena no que concerne à ora Recorrente e portanto justifica uma atenuação especial prevista no artº. 4º do DL 401/82,de 23 de Setembro.
10) De facto, a Recorrente contava apenas dezanove anos a data dos factos, tendo mantido um bom comportamento em liberdade desde então, sendo certo que já decorreram cerca de dois anos sobre tais factos e encontrando-se inserida a nível sócio-económico,
11) A ora Recorrente começou a trabalhar aos dezasseis anos de idade com o seu pai, num Bar que este possui. Actualmente a recorrente trabalha como empregada de mesa, no Restaurante "..." auferindo um vencimento mensal no valor de Esc. 120.000 $00, ou seja, cerca de 600 Euros mensais
12) A Recorrente LCLF foi condenada pelo ilícito criminal de tráfico de estupefacientes, nas tal como resulta tectos que foram dados como provados (Alínea SS dos factos provados do Acórdão do Tribunal de Albufeira) a ora Recorrente é consumidora de haxixe, o que diminui a medida da sua censura pessoal.
13) A arguida LCLF é delinquente primária.
14) Portanto, em síntese, atendendo à personalidade do agente, às suas condições de vida, ao facto de não ter antecedentes criminais, a conduta posterior aos factos, à pouca idade (dezanove anos) à data da prática dos factos, é de concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada a finalidade da pena,
15) O Acórdão recorrido violou o disposto nos artºs. 52º, 53º, 71º e 72º do Código Penal e também o artº. 4º do DL 401/82, de 23 de Setembro ao aplicar a pena que foi fixada à ora Recorrente - quatro anos e dois meses de prisão - a qual pela justa ponderação dos elementos que no caso convergem deve ser fixada numa pena de três anos de prisão suspensa na sua execução.
16) Acresce que, o douto Acórdão recorrido violou o disposto nos artºs. 32º, nº. 2 e 20, nº. 4 da Constituição da República portuguesa e também o disposto no artº. 6º, nº. 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser alterado o Acórdão recorrido, fixando-se uma pena de três anos de prisão declarada suspensa na sua execução, para a ora Recorrente LCLF, assim se fazendo Justiça.

3.2.
Respondeu o Ministério Público que concluiu:
1 - Os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas sim para apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso
2 - No caso de jovens, a particular acuidade das razões de socialização para prescindir do limite da pena necessária a garantia de protecção de bens jurídicos - e, por essa via, à da validade da norma que os prevê e tutela.
3 - Considerando a manifesta gravidade da ilicitude do facto e o dolo intenso, não é possível concluir por um juízo de prognose positiva sobre o efeito da atenuação especial da pena relativamente à reinserção social da recorrente.
Termos em que, rejeitando, por manifesta improcedência, o presente recurso e mantendo integralmente o douto acórdão desta Relação, farão Vossas Excelências JUSTIÇA
IV
Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Ministério Público teve vista dos autos. E suscitou a questão prévia da inadmissibilidade do presente recurso, por entender que a pena aplicável ao caso é inferior a 8 anos, por força da proibição da reformatio in pejus, dada a aceitação pelo Ministério Público da decisão recorrida (nº. 1, al. f) do artº. 400º do CPP).
Foi cumprido o disposto no nº. 2 do artº. 417º do CPP.
Colhidos os vistos legais, teve lugar a audiência.

Em alegações orais o Ministério Público referiu que somente suscitara a questão prévia, por preocupações de Justiça que se prendem com a concepção do Supremo Tribunal de Justiça. Quanto ao fundo, lembrou a matéria de facto, entendendo que parece não dever ser de usar da faculdade de atenuação especial da pena para jovem delinquente não só em consideração da culpa e ilicitude elevadas, mas também em função de considerações sobre a formulação de um prognostico desfavorável quanto à reintegração social da recorrente, atenta até a negação da conduta apurada. Para a hipótese de o Tribunal ter entendimento diverso e considerar que a circunstância de trabalhar pode apontar para uma futura reintegração, então deveria a suspensão da execução da pena ser acompanhada de regime de prova e injunções adequadas.
A defesa manteve a motivação de recurso e acompanhou a parte final das alegações do Ministério Público.
Cumpre, assim, conhecer e decidir.
V
E conhecendo.
5.1.
Questão prévia.
Determina o artº. 399º do CPP, como princípio geral, que é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei.
Ora, nos termos do artº. 432º, al. b), do CPP «Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: ... b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º».
E de acordo com este artº. 400º, nº. 1, al. f), «1 - Não é admissível recurso: ... f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções».
Sobre a interpretação desta norma surgiram recentemente neste Supremo Tribunal de Justiça duas posições antagónicas:
- uma que defende que «(1) Sendo permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo em caso de concurso de infracções. (2) Se foi aplicada uma única pena de 7 anos de prisão, logo inferior a 8 anos de prisão, se bem que a moldura penal abstracta seja superior a este último limite e a Relação confirmou a condenação, não pode o arguido recorrer para o STJ, pois que então a pena nunca poderá ser agravada (artº. 409º do CPP) e, por essa via, aumentada, para além de 8 anos de prisão. Essa é a pena máxima aplicável, que coincide, por força da proibição da reformatio in pejus, com a pena aplicada, estando presente o limite da alínea f) do nº. 1 do artº. 400º do CPP. (3) Já seria obviamente diferente em caso de recurso do assistente ou do Ministério Público, sem ser no interesse exclusivo da defesa, em que pena aplica e aplicável não coincidiriam» (sumário do Acórdão do STJ de 26-06-03, processo nº. 1797/03-5, com voto de vencido do Conselheiro Pereira Madeira);
- outra que defende que a pena "aplicável" é a pena tal como configurada em abstracto na lei, isto é, a moldura da pena entre os seus limites mínimo e máximo, por oposição à pena "aplicada", que é aquela que foi efectivamente encontrada para o caso concreto, pelo que, para a questão da recorribilidade, não há que atentar à pena efectivamente aplicada, mas à que em abstracto está configurada na moldura do crime pelo qual o arguido foi condenado (ver o referido voto de vencido e, por exemplo, o Ac. do STJ 2/7/03, de 1882/03-3).
Os argumentos a favor de uma e de outra tese podem encontrar-se com grande desenvolvimento no referido Acórdão de 26-06-2003.
Considera-se, hoje, que ao fazer-se coincidir a pena aplicada com a pena aplicável (o que, apesar de tudo, a letra da lei consente, pois "pena aplicável" não é necessariamente coincidente com "pena abstractamente aplicável", esta prevista na norma legal respectiva e imutável, aquela variável segundo o desenvolvimento das várias fases processuais - vejam-se os artºs. 16º, nº. 3 e 409º, nº. 1, do CPP), colocam-se problemas de difícil solução face aos direitos de defesa constitucionalmente garantidos ao arguido. Assim:
1.º - "Verificando-se dupla conforme, isto é, convergência de posições entre as instâncias quanto à condenação, só à acusação fica reservado o direito ao recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, direito que, assim, é incompreensivelmente negado ao condenado, o que, privilegiando sem razão aparente a «parte acusadora», coloca a defesa numa injustificada situação de inferioridade e incomportável desigualdade processual" (cfr. o aludido voto de vencido do Exmo. Cons. Pereira Madeira);
2.º - "O momento relevante do ponto de vista do titular do direito de recurso é coincidente com o momento em que é proferida a decisão de que se pretende recorrer; é esta que contém e fixa os elementos determinantes para a decisão que o interessado toma sobre o exercício do direito. O tribunal de recurso e as condições de exercício do direito têm de estar determinados nesse momento, não podendo, salvo afectação dos princípio do recurso e da predeterminação do tribunal, estar dependentes de condições subsequentes, não domináveis pelo titular do direito, e inteiramente contingentes, como seja, no caso, a circunstância de o M.P. interpor ou não recurso." (cfr. o citado Ac. do STJ 2/7/03, de 1882/03-3, relator Exmo. Cons. Henriques Gaspar);
3.º - A gravidade do crime (que justifica a intervenção do STJ no recurso) resulta, não da pena efectivamente aplicada, mas da moldura penal abstractamente aplicável, pois ao longo do processo é esta moldura que acarreta para o arguido determinadas sujeições processuais muito penosas, respeitantes, por exemplo, à aplicação e duração da prisão preventiva. Daí que violaria o princípio da lealdade processual considerar-se o crime como "muito grave" (face à pena abstractamente aplicável) para impor deveres ao arguido, mas "pouco grave" (face à pena efectivamente aplicada) para lhe retirar o direito de recorrer.
Em suma, suscitando-se estas dificuldades, designadamente de natureza constitucional, afastamo-nos da tese que fez vencimento no referido Acórdão de 26-06-2003 (e em muitos outros. Cfr. por exemplo, os acórdãos de 20 de Março de 2002, proc. 137/02-3, de 13 de Fevereiro de 2003, proc. 384/03-5, de 3 de Abril de 2003, proc. 613/03, de 27 de Março de 2003, proc. 870/03-5 de 30.04.03, proc. 752/2003-3, de 12 de Junho de 2003, proc. 2283/03-5), entendendo-se como mais adequada a interpretação de que, para o efeito do disposto no artº. 400º, nº. 1, al. f), do CPP, a referência legal à pena aplicável está reportada àquela que em abstracto é a prevista na lei para o crime imputado ao arguido na acusação/pronúncia, sendo irrelevantes as penas que tenham sido efectivamente aplicadas pelas instâncias.
Termos em que, com a discordância do relator, não se atende à questão prévia suscitada pelo Ministério Público e considera-se a decisão recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça.

5.2.
Ao respondeu à motivação o Ministério Público entendeu que se verificava a manifesta improcedência, ao considerar que a manifesta gravidade do ilicitude do facto e o dolo intenso, não permitem concluir por um juízo de prognose positiva sobre o efeito da atenuação especial da pena relativamente à reinserção social da recorrente.
Importa assim decidir se o recurso é (manifestamente) improcedente, o que implica, desde logo que se atente na matéria de facto assente pelas instâncias.
Deve considerar-se como manifestamente improcedente o recurso quando é clara a inviabilidade do recurso, como sucede, v.g., quando o recorrente pede a diminuição da pena "atendendo ao valor das atenuantes" e não vem provada nenhuma circunstância atenuante; quando é pedida a produção de um efeito não permitido pela lei; quando toda a argumentação deduzida assenta num patente erro de qualificação jurídica; ou quando se pugna no recurso por uma solução contra jurisprudência fixada ou pacífica e uniforme do STJ e o recorrente não adianta nenhum argumento novo.
Pode dizer-se que o recurso é manifestamente improcedente quando no exame necessariamente perfunctório a que se procede no visto preliminar, se pode concluir, face à alegação do recorrente, à letra da lei e às posições da jurisprudenciais sobre as questões suscitadas, que aquele recurso está votado ao insucesso, o que como acontece no presente recurso.

5.3.
É ela a seguinte:
2. 1. No acórdão recorrido, consideraram-se provados os seguintes factos:
A- No dia 12 de Abril de 2001, pelas 15 horas, elementos da Polícia Judiciária montaram uma operação de vigilância ao apartamento nº. ... do ..., em Albufeira, por terem obtido prévio conhecimento de que a arguida LCLF tinha arrendado esse apartamento apenas para o período da Páscoa, para ali se alojar com um grupo de indivíduos.
B- Pelas 16 horas, o arguido PMSS saía da casa em direcção à recepção do empreendimento, altura em que foi abordado pelos agentes da Polícia Judiciária que o confrontaram com as suspeitas que tinham, tendo ele autorizado que fosse passada uma busca domiciliária ao apartamento.
C- Iniciada a busca, constatou-se que no interior da casa se encontravam os arguidos DFPS, RANP, JGCN, LCLF, BMMO e MJBPS, que todos foram revistados, tal como o PMSS.
D- O arguido DFPS tinha na sua posse, no bolso esquerdo das calças, vários pedaços de haxixe com o peso de 5,5 gramas. Tinha também na sua posse as chaves do automóvel "Citroên AX", matrícula ZX, que tinha estacionado em frente da residência, e no interior do qual tinha deixado guardados um tubo azul contendo 20 pastilhas com símbolo coração e Esc. 15.000$00 em dinheiro.
E- O arguido RANP tinha na sua posse 84 pastilhas de ecstasy, com figuras de coração, na dobra das calças, e ainda a quantia de Esc. 93.500$00 em dinheiro.
F- O arguido JGCN tinha na sua posse, na cama onde estava a dormir, um pedaço de haxixe com o peso de 43,5 gramas. Tinha ainda na sua posse Esc. 24.000$00 em dinheiro.
G- A arguida LCLF tinha na sua posse Esc. 480.000$00 em dinheiro, escondido debaixo da cabeceira da cama onde estava a dormir e, no interior de uma mochila que tinha junto de si, tinha dois "sabonetes" de haxixe com o peso de 228,5 e 258,5 gramas respectivamente, e uma bolsa em pano contendo três sacos de plástico com 49 pastilhas de cor verde e símbolo borboleta, 74 pastilhas de cor branca com o símbolo bola de neve e 70 pastilhas de cor cinzenta com o símbolo de coração.
H- O arguido PMSS tinha na sua posse, dentro da sua mochila, um saco plástico com 4,9 gramas de cocaína, e dentro da gaveta da mesa de cabeceira do seu quarto tinha 12,1 gramas de haxixe.
1- O arguido BMMO tinha na sua posse Esc. 40.500$00 em dinheiro.
J- O arguido MJBPS tinha na sua posse a chave do automóvel "Citroen Saxo Cup", matrícula PL, que tinha estacionado junto da residência, e onde tinha deixado guarda dos dentro da mala, uma embalagem plástica contendo 30 pastilhas de cor verde e símbolo borboleta e Esc. 112.000$00 em dinheiro.
L- Os produtos estupefacientes que os arguidos LCLF e MJBPS tinham na sua posse destinavam-se, pelo menos em parte, à venda a terceiros; os produtos estupefacientes que os arguidos DFPS, RANP e JGCN tinham na sua posse destinavam-se em parte ao consumo de cada um destes arguidos, mas não exclusivamente; os produtos estupefacientes que o arguido PMSS tinha na sua posse destinavam-se ao seu consumo.
M- O dinheiro apreendido aos arguidos LCLF e MJBPS a proveniente de vendas de estupefacientes que já tinham efectuado.
N- No dia 14 de Abril de 2001, o arguido BMMO foi submetido a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, perante o Juiz de Instrução Criminal do Círculo de Portimão, tendo sido advertido pelo magistrado que presidiu à diligência e que era obrigado a responder com verdade às perguntas sobre a sua identificação e antecedentes criminais.
O- Porém, o arguido, respondeu ao Exmo. Juiz que "nunca respondeu em Tribunal nem nunca esteve preso não tendo nenhum processo pendente".
P- Sucede que o arguido foi detido em 2 de Fevereiro de 2001, pela 30ª Esquadra da PSP de Lisboa, tendo a correr contra si o inquérito nº 78/01.OSGLSB, o que tudo era do seu conhecimento e deliberadamente quis omitir, sabendo que assim violava o dever que lhe era imposto de responder com verdade.
Q- No dia 11 de Agosto de 2001, realizou-se uma busca na residência dos arguidos LDPB e FMCP que viviam na mesma casa.
R- No decurso dessa Busca a Polícia Judiciária encontrou e apreendeu:
- 6,2 gramas de haxixe;
- 3,4 gramas de heroína;
- um vaso com 10 plantas de cannabis plantadas;
- uma pistola de defesa, calibre 6,35mm, municiada e pronta a disparar;
- Esc. 61.000$00 em dinheiro, que estava junto do haxixe;
- diversos objectos em ouro;
- 7 telemóveis de diversas marcas.
S- O que tudo era pertença e estava na posse de ambos os arguidos, apesar de o arguido FMCP ter colado no vaso das plantas cannabis um papel tendo escrito "...", alcunha por que era conhecido.
T- Da pistola de defesa que lhes foi apreendida não tinham quaisquer documentos, designadamente o livrete de registo e a licença para o respectivo uso e porte.
U- Os arguidos sabiam que sem tais documentos não lhes era permitido terem aquela arma na sua posse.
V- A cocaína, o haxixe e as pastilhas apreendidos aos arguidos DFPS, RANP, JGCN, LCLF, PMSS e MJBPS foram submetidos a exames laboratoriais, através dos quais se confirmou:
- que a primeira era efectivamente cocaína, substância incluída na Tabela I-B anexa ao Dec. Lei nº. 15/93, de 22 de Janeiro;
- a segunda era cannabis (resina), substância incluída na Tabela I-C anexa ao Dec. Lei nº. 15/93, de 22 de Janeiro;
- as terceiras eram MDMA, substância incluída na Tabela 11-A anexa ao Dec. Lei nº. 15/93, de 22 de Janeiro.
X- A heroína e as plantas cannabis apreendidas aos arguidos LDPB e FMCP, também foram submetidas a exames laboratoriais, através dos quais se confirmou que se tratava efectivamente dessas substâncias, incluídas nas Tabelas 1-A e I-C, respectivamente anexas ao Dec. Lei nº. 15/93, de 22 de Janeiro.
Z- Os arguidos DFPS, RANP, JGCN, LCLF, PMSS e MJBPS conheciam as características e natureza estupefaciente da cocaína, da cannabis prensada (haxixe), e das pastilhas ecstasy, e sabiam que a compra, detenção e venda desses produtos, eram actividades proibidas e punidas por lei.
AA- Os arguidos LDPB e FMCP, conheciam as características e natureza estupefaciente da heroína e da cannabis, e sabiam que a compra, detenção e venda da primeira, bem como a plantação, detenção e venda da segunda, eram actividades proibidas e punidas por lei.
BB- Cada um dos arguidos, nas suas respectivas condutas que ficaram descritas, agiu sempre de forma livre e consciente, sabendo que tais condutas eram proibidas e punidas por lei.
CC- As 20 pastilhas apreendidas ao arguido DFPS, com o peso total de 5,065 gr., apresentavam um grau de pureza de 12,6%.
DD- As 30 pastilhas apreendidas ao arguido MJBPS, com o peso total de 8,190 gr., apresentavam um grau de pureza de 32,6%.
EE- As 70 pastilhas cinzentas apreendidas à arguida LCLF, com o peso total de 17,220 gr., apresentavam um grau de pureza de 40,8%, apresentando as 74 pastilhas brancas, com o peso total de 18,130 gr., um grau de pureza de 19,6%, e as 49 pastilhas verdes, com o peso total de 13,818 gr,, um grau de pureza de 34,4%.
FF- As 84 pastilhas apreendidas ao arguido RANP, com o peso total de 20,412 gr., apresentavam um grau de pureza de 36,5%.
GG- Pelo menos os arguidos LCLF e MJBPS procederam em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre o ano de 1999 e Abril de 2001, por mais de uma vez, à venda de pastilhas de ecstasy na discoteca "...", local frequentado habitualmente por todos os arguidos.
HH- Os arguidos RANP, JGCN, LCLF, BMMO, MJBPS, LDPB e FMCP não registavam, à data dos factos, qualquer condenação anterior.
II- O arguido DFPS foi condenado, em 06.02.2001, no processo nº. 10996/99.8, do 10º Juízo Criminal de Lisboa, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, em pena de multa.
JJ- Posteriormente à sua detenção à ordem destes autos, o arguido RANP foi condenado, em 16.11.2001, no processo nº. 1617/00.9SPLSB, da 6ª Vara Criminal de Lisboa, por tráfico de estupefacientes agravado, na pena de 6 anos de prisão, que cumpre actualmente.
LL- O arguido DFPS, à data dos factos vivia com a sua mãe, e trabalhava numa empresa do seu pai, auferindo um vencimento de Esc. 70.000$00 mensais - dos quais deveria contribuir com Esc. 30.000$00 para as despesas da casa.
MM- O arguido RANP vivia, antes de preso, com a sua mãe e irmãos, exercendo ocasionalmente actividade profissional na área da construção civil, auferindo rendimentos não concretamente apurados.
NN- O arguido JGCN vivia, antes de preso, com uma companheira e o filho de ambos, em casa pertencente aos seus avós; trabalhava como servente de ladrilhador, no que auferia cerca de Esc. 100.000$00 mensais.
00- A arguida LCLF vivia, à data dos factos, na companhia de uma tia, mas encontrava-se a residir temporariamente no ..., onde foi detida; desde Maio de 2002 que trabalha, como empregada de mesa, no restaurante "...", em Albufeira, auferindo um vencimento de Esc. 120.000$00 mensais.
PP- O arguido BMMO vive com os seus tios maternos desde os seis meses de idade, situação que se mantém actualmente; trabalha como servente de pedreiro.
QQ- O arguido MJBPS vive com os seus pais e, actualmente, trabalha como vigilante para a firma "...".
RR- Os arguidos LDPB e FMCP vivem juntos, em casa arrendada, trabalhando ela como ajudante de cozinha e ele como electricista, auferindo vencimentos de cerca de Esc. 80.000$00 e Esc. 120.000$00 mensais, respectivamente.
SS- Todos os arguidos se dedicam, em medida mais ou menos moderada, ao consumo de haxixe e os arguidos DFPS, RANP e MJBPS eram também consumidores de ecstasy.
TT- Os arguidos acusados nos presentes autos apresentam, ainda, em comum o baixo nível de habilitações académicas - poucos deles concluíram a escolaridade obrigatória - bem como imaturidade e instabilidade emocional (nuns casos gerada por desresponsabilização dos respectivos progenitores e, noutros casos, pela ruptura da vida familiar, em virtude de separação dos progenitores, abandono ou falecimento de um deles).

Estes os factos dados como provados.
2. 2. Na enumeração dos factos não provados, indica-se no acórdão não se ter provado que:
a) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em A, os arguidos se tenham reunido com o propósito de nesses dias todos se dedicarem à venda de pastilhas de ecstasy, cocaína e haxixe;
b) Os arguidos DFPS, RANP, JGCN, LCLF, PMSS, BMMO e MJBPS, independentemente da quantidade e qualidade de produtos estupefacientes e da quantidade de dinheiro que cada um tinha na sua posse, estivessem todos inseridos em grupo formado para em colaboração uns com os outros se dedicarem à venda de produtos estupefacientes;
c) Os objectos em ouro apreendidos aos arguidos fossem provenientes de vendas de estupefacientes que tivessem efectuado;
d) Os telemóveis que os arguidos tinham na sua posse e lhes foram apreendidos, fossem utilizados para estabelecer os contactos necessários à actividade de tráfico de estupefacientes;
e) Os arguidos LDPB e FMCP tivessem sido referenciados no decurso da investigação como ligados ao grupo dos outros arguidos, sobretudo através do MJBPS, e
f) Os produtos estupefacientes apreendidos aos arguidos LDPB e FMCP fossem, ou não, para vender, e o dinheiro, os objectos em ouro e os telemóveis que lhes foram apreendidos fossem, ou não, provenientes das vendas que já tinham efectuado.

5.4.
Por força do disposto no artº. 9º do Código Penal, aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial, o Decreto-Lei nº. 401/82, de 23 de Setembro, cujo nº. 2 do artº. 1º esclarece que é considerado jovem para os seus efeitos o agente que, à data do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos.
O que é caso da recorrente.
E tem entendido este Supremo Tribunal que, se bem que não seja o regime penal especial para jovens delinquentes de aplicação automática, cabendo o agente, pela sua idade, na previsão daqueles diplomas legais, não está dispensado o Tribunal de equacionar a sua aplicação ao caso concreto (cfr. por todos o Ac. do STJ de 5.4.2000, proc. nº. 55/2000).
O que, aliás e como se viu, foi colmatado pelo acórdão recorrido.
Quanto à pedida atenuação especial relativa a jovens, dispõe o artº. 4º do DL nº. 401/82, que, se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artºs. 73º e 74º do Código Penal (referência que deve ser tida em relação aos artºs. 72º e 73º do Código Penal na versão de 1995), quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
E deve o tribunal ter presente o pensamento do legislador expresso no ponto 7 do preâmbulo desse diploma legal:
«As medidas propostas não afastam a aplicação - como ultima ratio - da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a dois anos.»
A gravidade do crime cometido, patente na medida da pena aplicável, é, pois, indicada pelo legislador como critério a atender. E assim o foi entendido por este Supremo Tribunal, designadamente em relação aos crimes de homicídio negligente com culpa grave, homicídio e roubo (cfr. os Acs do STJ de 18-10-1989, proc. nº. 40279 e de 20-12-1989, AJ nº. 4, BMJ nº. 392 pág 263. Em sentido diverso, mas com um recorte especial da matéria de facto o Ac. do STJ de 16-01-1990, BMJ nº. 393, pág. 269).
A afirmação de ausência de automatismo na aplicação da atenuação especial ao jovens delinquentes significa que o tribunal só se socorrerá dela quando tiver «sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado», na terminologia da lei.
E tem este Tribunal reflectido, neste domínio, que não é de fazer uso da faculdade de atenuação especial prevista no artº. 4º do DL nº. 401/82, de 23 de Setembro, quando é grande o grau de ilicitude dos factos praticados pelo arguido e é grave a sua culpa, na forma de dolo directo. Como não é legitimo concluir então que há razões sérias para crer que da atenuação especial da pena resultem vantagens para a sua reinserção social (cfr. o Ac. de 12-12-1991, BMJ nº. 412 pág. 368).
Por isso, haverá que apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes (cfr. o Ac. do STJ de 19-10-1994, proc. nº. 47022).
Não é de aplicar o regime dos jovens delinquentes ao arguido, que à data da prática dos factos tinha menos de 21 anos de idade, quando do conjunto dos actos por ele praticados e a sua gravidade desaconselham, em absoluto, a aplicação desse regime, por se não mostrar passível de prognose favorável à sua reinserção social (cfr. o Ac. do STJ de 8-1-1998, proc. nº. 1077/97).
Esse prognóstico favorável à ressocialização a radica, como se viu, na valoração, em cada caso concreto, da personalidade do jovem, da sua conduta anterior e posterior ao crime, da natureza e do modo de execução do ilícito e dos seus motivos determinantes.
E compreende-se este rigorismo: a idade não determina, por si só, o desencadear dos benefícios do regime, designadamente porque estes não se traduzem numa mera atenuação da dosimetria punitiva, mas numa atenuação especial, que terá de ser concretizada e quantificada de harmonia com o disposto nos artigos 72º e 73º do C. Penal, preceitos estes, que embora inseridos em perspectiva diversa, constituem apoio subsidiário daquele regime (Ac. do STJ de 24-6-99, proc. nº. 498/99).
No caso sujeito, o Tribunal recorrido debruçou-se expressamente sobre esta questão, tendo considerado:
«(...) Tinha, na verdade, a arguida LCLF a idade de 19 anos à data da prática dos factos, já que nasceu em 13 de Outubro de 1981, sendo-lhe aplicável o disposto no citado Dec.Lei. nº. 401/82, (...).
De harmonia com o disposto no artº. 4º do Dec. Lei nº. 401/82, "se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artºs. 73º e 74º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado".
(...) Não podendo deixar de se censurar o acórdão recorrido na medida em que nele não é feita, como deveria ter sido, uma referência expressa ao Dec. Lei nº. 401/82, resulta, contudo, da fundamentação do mesmo, não só na parte em que também quanto à arguida LCLF se afasta a possibilidade da subsunção da sua conduta ao tipo privilegiado do crime de tráfico de menor gravidade como ainda e sobretudo na fundamentação concernente à escolha e determinação da medida da pena, ter sido afastada toda e qualquer possibilidade de atenuação especial da pena àquela arguida imposta.
No caso dos autos, apurou-se que, em resultado da busca e revistas levadas a cabo nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas no ponto 2.1. do presente aresto e na sequência da operação de vigilância montada pela Polícia Judiciária ao apartamento arrendado apenas para o período da Páscoa pela arguida, esta arguida tinha na sua posse Esc. 480.000$00 em dinheiro, escondido debaixo da cabeceira da cama e, no interior de uma mochila, tinha dois "sabonetes" de haxixe com o peso de 228,5 e 258,5 gramas, respectivamente, bem como uma bolsa em pano contendo 3 sacos de plástico com 49 pastilhas de cor verde e símbolo borboleta, 74 pastilhas de cor branca com o símbolo bola de neve e 70 pastilhas de cor cinzenta com o símbolo de coração, tendo-se confirmado, após exames laboratoriais, tratar-se, respectivamente, de cannabis (resina) e MDMA, substâncias incluídas na Tabela I-C a primeira e na Tabela 11-A a segunda, ambas anexas ao Dec. Lei nº. 15/93, sendo que as 70 pastilhas cinzentas, com o peso total de 17,220 gr., apresentavam um grau de pureza "de 40,8%, apresentando as 74 pastilhas brancas, com o peso total de 18,130 gr., um grau de pureza de 19,6%, e as 49 pastilhas verdes, com o peso total de 13,818 gr., um grau de pureza de 34,4%.
Aqueles produtos estupefacientes eram destinados, pelo menos em parte, à venda a terceiros, conhecendo a arguida ora recorrente as características e natureza estupefaciente do haxixe e das pastilhas de ecstasy, agindo livre e conscientemente e sabendo que a compra, detenção e venda desses produtos eram proibidas e punidas por lei.
Está provado que a arguida LCLF não registava, à data dos factos, qualquer condenação anterior e dedicava-se, embora moderadamente, consumo de haxixe. Não se provando, todavia, que ela também fosse consumidora de esctasy, provou-se não só que, por mais de uma vez, em datas indeterminadas mas que ocorreram entre o ano de 1999 e o mês de Abril de 2001, vendeu pastilhas de esctasy na discoteca "...", frequentada por todos os demais arguidos, como ainda que o dinheiro que tinha em seu poder e lhe foi apreendido era proveniente de vendas de estupefacientes que já tinha efectuado.
Para além daquela materialidade fáctica, relativamente à arguida LCLF apenas se provou que ela vivia, à data dos factos, na companhia de uma tia, mas encontrava-se a residir temporariamente no ..., onde foi detida e que trabalha, desde Maio de 2002, como empregada de mesa, no restaurante "...", em Albufeira, auferindo um vencimento de Esc. 120.000$00 mensais, para além de apresentar, em comum com todos os restantes arguidos, baixo nível de habilitações académicas, bem como imaturidade e instabilidade emocional.
Perante um tal quadro factual - do qual não só não se recortam factos como o do bom comportamento posterior ou o de a arguida ter começado a trabalhar aos 16 anos de idade num bar que o seu pai possui, como até se exclui o bom comportamento anterior, impertinentemente invocados na motivação do recurso -, tendo em conta a manifesta gravidade da ilicitude do facto e o dolo intenso, não é possível concluir por um juízo de prognose positiva sob o efeito da atenuação especial da pena relativamente à reinserção social da arguida, isto é, no sendo de que ela está na disposição de arrepiar caminho e de se desviar de uma actividade que, sendo ela uma jovem agora com 21 anos de idade, iniciou já entre o ano de 1999 e o mês de Abril de 2001, sem serem postas em causa as exigências de prevenção geral.
Assim, inexistindo razões, e muito menos razões sérias, para crer que da atenuação especial prevista no artº. 4º do Dec. Lei nº. 401182, resultam vantagens para a reinserção social da recorrente LCLF, justifica-se o afastamento da aplicação in casu dessa faculdade.
Nesses termos, sendo certo que, embora "a roçar o mínimo legal da moldura penal abstracta" - como afirma o Digno Magistrado do Ministério Público na resposta à motivação do recurso -, a pena de prisão que à arguida LCLF foi imposta no acórdão ora sob censura se mostra ajustada e bem doseada, aliás de acordo com os parâmetros legais, forçoso é concluir pela improcedência das conclusões da motivação do recurso pela mesma interposto.»
É certo que, como se expressou no acórdão recorrido, não está provado, como insiste a recorrente, o seu bom comportamento posterior ou anterior, nem que tenha começado a trabalhar aos 16 anos de idade num bar que o seu pai possui.
Está assente que aos 17 anos, vendera, por mais de uma vez, pastilhas de esctasy na discoteca "...", que os Esc. 480.000$00 em dinheiro que lhe foram apreendidos eram proveniente de vendas de estupefacientes que efectuara, que tinha consigo haxixe com o peso total de 487,5 gramas e 193 pastilhas de esctasy, no apartamento no ... que arrendara para si e outros indivíduos para as férias da Páscoa.
Dúvidas não restam de que a recorrente estava envolvida numa actividade de venda de substâncias estupefacientes e psicotrópicas (haxixe e esctasy) na altura em que foi detida, período da Páscoa no Algarve, actividade desenvolvida, ao menos em parte, em discotecas, o que traça um perfil específico desse tráfico.
Mas também está provado que tinha então 19 anos, era primária e consumidora ocasional de haxixe, e que, salvo esse período, vivia na companhia de uma tia e está em liberdade e desde Maio de 2002, a trabalhar como empregada de mesa, no restaurante "...", em Albufeira, auferindo um vencimento de Esc. 120.000$00 mensais.
Apresenta um baixo nível de habilitações académicas, bem como imaturidade e instabilidade emocional.
Como se viu, a decisão recorrida, teve manifesta a gravidade da ilicitude do facto e o dolo intenso, o que tornaria impossível concluir por um juízo de prognose positiva sob o efeito da atenuação especial da pena relativamente à reinserção social da arguida, de que está na disposição de arrepiar caminho e de se desviar daquela actividade.
Sem deixar de considerar a carga de ilicitude da sua conduta, que o próprio legislador considerou no desenho da respectiva moldura penal abstracta (4 a 12 anos de prisão), o certo é que as instâncias mantiveram uma pena só 2 meses afastada do limite mínimo (4 anos e 2 meses) o que de algum modo contraria o formulado juízo sobre manifesta gravidade da ilicitude. O mesmo se pode dizer quanto à intensidade do dolo directo, como é próprio deste tipo de infracção. Finalmente, o específico recorte da conduta aponta para uma ocorrência grave mas sazonal dirigida aos consumidores jovens.
Em contrapartida, e como se viu igualmente, trata-se de uma jovem primária de 19 anos que iniciara a conduta aos 17 anos, consumidora ocasional de haxixe, com um baixo nível de habilitações académicas, bem como imaturidade e instabilidade emocional.
E que está em liberdade e vive na companhia de uma tia e a trabalhar, faz mais de um ano, auferindo um vencimento de Esc. 120.000$00 mensais.
Face a estes elementos, entende-se que a atenuação especial da pena prevista no artº. 4º do DL nº. 401/82, abre o caminho para uma sanção não detentiva, com acompanhamento efectivo pelos Serviços de Reinserção Social, que poderá prolongar o período de ocupação profissional e aproveitá-lo como decisivo factor de ultrapassagem das reconhecidas imaturidade e instabilidade emocional.
O que vale por dizer que se entende que no caso se postulam sérias razões para acreditar que da atenuação especial, resultam vantagens para a reinserção social da recorrente LCLF.
Face aos elementos apontados entende-se que a pena a aplicar no quadro da atenuação especial se deve situar em dois anos e meio de prisão.
Esta medida concreta da pena coloca, como se antecipou, a questão da aplicação da pena de substituição de suspensão da respectiva execução.
Dispõe-se no artº. 50º, nº. 1 do C. Penal:
«O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
Face a este texto deve entender-se, e tem-se entendido, que a suspensão da execução da pena se insere num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos.
Como se pondera no preâmbulo do Código de 1982, a suspensão da execução da pena, com ou sem regime de prova, é substitutivo particularmente adequado das penas privativas de liberdade que importa tornar maleável na sua utilização, libertando-a, na medida do possível, de limites formais, de modo a com ele cobrir uma apreciável gama de infracções puníveis com pena de prisão.
Mas esta medida de conteúdo pedagógico e reeducativo só deve ser decretada quando o tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e outras circunstâncias indicadas nos textos transcritos, ser essa medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade.
A suspensão da execução da pena é efectivamente pronunciada pelo tribunal mas não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição.
Deverá, no entanto, ter na sua base uma prognose social favorável ao réu, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime.
«O tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa» (Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal, em anotação ao artº. 50º).
Os nºs. 1 e 2 citados indicam-nos os elementos a atender nesse juízo de prognose:
- a personalidade do réu;
- as suas condições de vida;
- a conduta anterior e posterior ao facto punível; e
- as circunstâncias do facto punível.
Isto é, todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do réu, atendendo somente às razões da prevenção especial.
E sendo essa conclusão favorável, o tribunal decidirá se a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para satisfazer as finalidades da punição, caso em que fixará o período de suspensão.
Neste sentido tem entendido este Supremo Tribunal: «o tribunal afirma a prognose social favorável em que assenta o instituto da suspensão da execução da pena, se conclui que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, devendo, para tal, atender à personalidade do agente; às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste. Só deve decretar a suspensão da execução quando concluir, face a esses elementos que essa é a medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade» (Ac. de 11-01-2001, proc. nº. 3095/00-5).
Como se ponderou a propósito da atenuação especial da pena, a situação concreta aponta no sentido de se dever correr um risco prudente, face à personalidade da recorrente, às circunstâncias do caso e à sua situação actual de acompanhamento familiar e emprego e concluir portanto pela suspensão da execução da pena, por um período dilatado de 4 anos.
Mas esses mesmos elementos apresentam fragilidades que impõem, para a sua manutenção e desenvolvimento, um adequado acompanhamento traduzido pela aplicação do regime de prova, com a formulação e aplicação de um plano individual de readaptação.
Com efeito, o artº. 53º do C. Penal não só permite fazer acrescer o regime de prova à suspensão da execução da pena (nº. 1) se se considerar conveniente e adequado a facilitar a reintegração da condenada na sociedade, como é o caso, como aponta esse procedimento como de adoptar, em regra, quando a pena de prisão tiver sido aplicada em medida superior a 1 ano e a condenada não tiver ainda completado, ao tempo do crime, 25 anos de idade, como é igualmente o caso.
No plano individual de readaptação social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social, não deverá a recorrente frequentar discotecas nos primeiros dois anos da suspensão, dado o papel que esses locais de diversão desempenharam na conduta em causa, bem como informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, deveres que se impõem, nos termos do nº. 2 do artº. 54º do C. Penal.

VI
Pelo exposto, acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em conceder provimento ao recurso, alterando nos termos sobreditos o acórdão recorrido, que confirmam no restante.
Honorários legais ao Defensor oficioso.
Sem custas.

Lisboa, 16 de Outubro de 2003
Simas Santos (vencido quanto à questão prévia de acordo com a declaração que anexo)
Santos Carvalho
Costa Mortágua
Rodrigues da Costa
_________________

Votei vencido, como Relator, quanto à questão prévia, pelas seguintes razões:
1.
Quanto à opção dos recorrentes pela Relação ou o STJ, nos recursos restritos à matéria de direito trazida de acórdão do tribunal colectivo, mantenho o entendimento acolhido nos acórdãos de 30.11.00, proc. nº. 2791700-5, de 10.5.01, proc. nº. 689/01-5, de 22.11.01, proc. nº. 2742/01-5 e de 6.12.01, proc. nº. 3533/01-5, de que fui relator.
Como aí se decidiu:
i - Interposto um recurso de decisão final do tribunal colectivo, que visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, para o Tribunal da Relação, deve ser este e não o STJ a conhecê-lo.
ii - Com efeito, a Revisão do Código de Processo Penal operada pela Lei nº. 59/98, de 25-08, não acolheu o entendimento de os recursos de decisões finais do tribunal colectivo restritos à matéria de direito terem de ser necessariamente dirigidos ao STJ e por este conhecidos, por falecer competência para tal às Relações.
iii - Na verdade, a possibilidade de recurso directo para o STJ de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito (al. d) do artº. 432º do CPP), não impede a Relação de conhecer dos recursos de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, restritos ao reexame de matéria de direito (no dizer do artº. 411º, nº. 4 do CPP).
iv - Com a Revisão efectuada pela Lei nº. 59/98:
- Foi consagrado o recurso das decisões de 1.ª instância para a Relação como regime-regra, apenas com a excepção do recurso directo para o Supremo das decisões do tribunal do júri, excepção que não abrange o recurso per saltum para o STJ quando se impugnam decisões finais do tribunal colectivo (artº. 427º do CPP);
- Reconheceu-se o princípio de atribuir às Relações competência para conhecer dos recursos restritos à matéria de direito, mesmo que se trate de recursos de decisões finais do tribunal colectivo (cfr. artºs. 414º, nº. 7 e 428º, nº. 1 do CPP);
- Com o intuito de aproximação de tal regime com o que está concebido para o processo civil, significativo da ideia de harmonização de sistemas que se completam;
- Abriu-se um caminho processual que propicia a possibilidade de discussão, sem limites, dos vícios referidos no nº. 2 do artº. 410º do CPP, e viabiliza um efectivo 2º grau de recurso;
- Transferiu-se para a tramitação unitária (comum às Relações e ao Supremo), a disposição, anteriormente exclusiva deste último, que previa a possibilidade de alegações escritas nos recursos restritos à matéria de direito (anterior artº. 434º, nº. 1 e actual artº. 411º, nº. 4 do CPP);
- Consagrou-se o recurso per saltum das decisões finais do tribunal colectivo restrito à matéria de direito, como expediente impugnatório que, como o próprio nome indica, permite que se salte sobre o tribunal normalmente competente, o que pressupõe que o tribunal ultrapassado (no caso a Relação), tem também essa competência.
2.
Tem vindo este Supremo Tribunal de Justiça (STJ) a considerar, a propósito do regime dos recursos resultante da Revisão de 1998 do CPP, que o mesmo contém inovações de relevo quando comparado como o regime originário do CPP de 1987.
Na versão original do Código (como se faz notar na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº. 157/VII que o alterou), os recursos contam-se entre as matérias em que tal Código (1987) mais inovou.
"Como se refere no preâmbulo do diploma, foi preocupação do legislador reforçar a economia processual numa óptica de celeridade e eficiência e emprestar efectividade à garantia de um duplo grau de jurisdição.
As soluções postas ao serviço destes objectivos caracterizaram-se pela linearidade quase esquemática dos princípios e por uma forte sensibilidade às conexões entre processo e organização judiciária. Neste contexto, as ideias de tramitação unitária, de competência baseada na natureza do tribunal a quo, de estrutura acusatória ou de revista alargada exprimiram um singular compromisso entre teoria e exigências práticas.
Houve, certamente, a consciência de que o projecto se aproximava, em alguns capítulos, de limites constitucionais e que a sua aplicação dependeria de uma utilização exaustiva dos meios.
Alguns anos decorridos, há que reconhecer que, não obstante os seus aspectos positivos, a experiência, ficou aquém das expectativas. Por razões que, naturalmente, se prenderam mais com dificuldades de aplicação do que com o mérito das soluções, é hoje manifesta a erosão de alguns princípios, de que são exemplo, nomeadamente: (...)
b) A incomunicabilidade entre instâncias de recurso resultante de os poderes das relações e do Supremo Tribunal de Justiça incidirem, em regra, sobre objecto diferente (os primeiros sobre recursos interpostos do tribunal singular; os segundos sobre recursos interpostos do tribunal colectivo ou de júri);
c) A indesejável duplicação de tribunais de recurso que julgam, por regra, em última instância (em princípio, não há recurso ordinário dos acórdãos proferidos pelas relações e pelo Supremo Tribunal de Justiça); (...)
f) O enfraquecimento da função real e simbólica do Supremo Tribunal de Justiça como tribunal a quem compete decidir, em última instância, sobre a lei e o direito".
Para corrigir a indicada erosão de princípios, a nova lei visa, expressamente, a introdução de "instrumentos mais consistentes, adequados e dialogantes, obtidos a partir da reavaliação dos meios disponíveis, da tradição jurídica e da cultura prevalecente."
E para concretização destes objectivos: (...)
"c) Faz-se um uso discreto do princípio da «dupla conforme», harmonizando objectivos de economia processual com a necessidade de limitar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior gravidade;
d) Admite-se o recurso per saltum, justificado pela medida da pena e pela limitação do recurso a matéria de direito;
e) Retoma-se a ideia de diferenciação orgânica, mas apenas fundada no princípio de que os casos de pequena ou média gravidade não devem, por norma, chegar ao Supremo Tribunal de Justiça;
f) Ampliam-se os poderes de cognição das relações, evitando-se que decidam, por sistema, em última instância;" (sublinhado agora).
3.
É, portanto, a esta luz que devem ser interpretados os normativos interessados na questão prévia suscitada, tendo, pois, presente, que, com o princípio da «dupla conforme», se procurou limitar a intervenção do STJ aos casos de maior gravidade, se admitiu para este Tribunal o recurso per saltum, justificado pela medida da pena e pela limitação do recurso a matéria de direito e se retomou a ideia de diferenciação orgânica, mas apenas fundada no princípio de que os casos de pequena ou média gravidade não devem, por norma, chegar ao STJ.
Dispõe a al. d) do artº. 432º - recurso para o STJ:
«Recorre­se para o Supremo Tribunal de Justiça: (...)
d) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito; (...)»
Por sua vez, o nº. 1, als. e) e f) do artº. 400º do mesmo diploma - decisões que não admitem recurso, estabelece:
«1 - Não é admissível recurso: (...)
e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o Ministério Público tenha usado da faculdade prevista no artigo 16º, nº. 3;
f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções;(...)»
«Recorre­se para o Supremo Tribunal de Justiça: (...)
d) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito; (...)»
Independentemente das dificuldades de interpretação que a al. d) do artº. 432º vem gerando no STJ, há acordo sobre a possibilidade deste Supremo Tribunal conhecer do recurso de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito.
Mas, não resultará do disposto na al. e) do artº. 400º, à luz da razão de ser das alterações introduzidas pela Lei nº. 59/98, o estabelecimento de limites à mencionada admissibilidade de recurso para o STJ dos falados recursos de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo?
Relembremos que a al. f) do nº. 1 do artº. 400º veio acolher a citada limitação da intervenção do STJ aos casos de maior gravidade, prescrevendo a irrecorribilidade dos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo em caso de concurso de infracções.
Quanto aos casos de pequena ou média gravidade, que não devem, por norma chegar ao STJ, estabeleceu-se a possibilidade de recurso per saltum, como se refere na transcrita Exposição de Motivos, em função da medida da pena e pela limitação do recurso a matéria de direito.
Mas quais são os limites que desenham o limite dessa pequena ou média gravidade?
Os apontados pela al. e) do nº. 1 do artº. 400º, «processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o Ministério Público tenha usado da faculdade prevista no artigo 16º, nº. 3»
Com efeito, dessa disposição, tendo em conta o princípio da unidade do sistema jurídico, resulta o princípio de que nesses processos, em que não caberia recurso, para o STJ, do acórdão da Relação, proferido em recurso, não cabe recurso da decisão do Tribunal Colectivo para o STJ.
Com efeito, só dessa forma se dá conteúdo à, expressamente anunciada, intenção de restringir a admissibilidade de recurso para o STJ em função da gravidade dos casos e se impede que entre pela janela (artº. 432.º, al. d)) o que se fez sair pela porta (artº. 400º, nº. 1, als e) e f)).
Neste sentido já se pronunciou, aliás, este Tribunal (Acs de 20.3.02, Proc. nº. 137/2002-3.ª e de 11.4.02, proc. nº. 150/02-3, Relator: Cons. Lourenço Martins e de 3.4.03, proc nº. 613/03, do mesmo Relator do presente) entendendo «que a interpretação mais adequada será mesmo a que entende que o recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça só é admissível dos acórdão proferidos pelo tribunal de júri, e de acórdãos proferidos pelo tribunal colectivo (exclusivamente para reexame de matéria de direito), mas desde que pudessem ser recorríveis nos termos do artigo 400º do CPP. Dizendo de outro modo: só poderá haver recurso directo para o STJ uma vez verificado o pressuposto (negativo) de não se estar perante uma (futura) decisão da Relação que viesse a ser irrecorrível. De outra maneira, a "dupla conforme" não funcionará em casos em que devia existir, isto é, em situações de pequena e média gravidade, que continuarão a chegar ao STJ, ficando assim subvertido o princípio de que o recurso per saltum só se justifica pela medida da pena (e a limitação à matéria de direito), tudo isto contra o que terá sido o propósito do legislador, expresso nas alíneas c), d) e e) do nº. 16 da "Exposição de motivos" da Proposta de lei nº. 157/VII.»
E, como se entendeu no último destes dois arestos, se for trazido recurso pelo arguido ou no exclusivo interesse da defesa, não podendo ter lugar a reformatio in pejus (artº. 409º do CPP), ainda que a Relação, na pior das hipóteses para a recorrente, confirmasse a decisão condenatória da 1. ª Instância, se a pena não pudesse exceder a pena de prisão já aplicada, se a mesma fosse inferior a 8 anos de prisão, não haveria possibilidade sequer de recurso para este Supremo Tribunal, ficando o processo decidido definitivamente - als e) e f) do nº. 1, do citado artigo 400º.
No caso sujeito, como se viu, foi o arguido recorrente condenado na pena de 5 anos de prisão. E só ele recorreu.
Assim, não seria recorrível a decisão que a Relação viesse a proferir, mesmo se condenatória, à luz do artº. 400º, nº. 1 als e) e f) do CPP, pelo que não deve o mesmo recurso ser conhecido por este Supremo Tribunal de Justiça, mas sim pela Relação.
4.
E não se argumente em contrário com a clareza do texto legal (artº. 432º, al. d)).
A interpretação consiste, genericamente, numa operação intelectual através da qual se procura estabelecer o sentido das expressões legais para decidir a previsão legal e, logo, a sua aplicabilidade ao pressuposto de facto que se coloca perante o intérprete (Muñoz Conde e Garcia Arán, in Derecho Penal, Parte General, 3ª edição, Valencia, 1998).
Interpretar o preceito consistirá antes do mais em tirar das palavras usadas na sua redacção um certo sentido, um certo conteúdo de pensamento, uma significação; em extrair da palavra - expressão sensível duma ideia - a própria ideia nela condensada. Não se tratará, porém, de colher da lei um qualquer sentido, o primeiro que o teto legal traga ao espírito do jurista. É que a lei não se destina a alimentar a livre especulação individual; é um instrumento prático de realização e de ordenação da vida social, que se dirige sempre a uma generalidade mais ou menos ampla de indivíduos, não concretamente determinados, para lhes regular a conduta (Pires de Lima e Antunes Varela, Noções Fundamentais de Direito Civil, I, 1973, pág. 144 - Carlos Maximiliano Hermeneutica e Aplicação do Direito, 5ª Edição, 1951, pág. 24)
Entre os elementos a atender na interpretação da lei, devem também ser ponderados os elementos racional e histórico.
Consiste o elemento racional na razão de ser, no fim visado pela lei (ratio legis) e ainda nas circunstâncias históricas particulares em que a lei foi elaborada (ocasio legis) (circunstâncias políticas, sociais, económicas, morais, religiosas que permitem avaliar a força relativa com que no seu espírito (do legislador) devem ter operado os diversos interesses regulados por essa norma e, assim, descortinar mais facilmente a disciplina que através dela de pretendeu estatuir).
Por sua vez, o elemento histórico compreende todos os materiais relacionados com a história da norma e que lançam alguma luz sobre o seu sentido e alcance decisivo. Nele cabem, assim, as disposições reguladoras da mesma matéria em períodos anteriores (história do direito), os textos que directa ou indirectamente serviram de modelo ao legislador (fontes da lei) e as publicações onde se documenta a elaboração (trabalhos preparatórios).
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela (Noções Fundamentais de Direito Civil, vol. I, 6.ª edição revista e ampliada, págs. 158 e segs), resulta dos princípios gerais de interpretação jurídica que a letra da lei, se bem que constitua um importante elemento de interpretação não é o único, nem, porventura, o mais importante. O elemento lógico ou racional, conjugado com os elementos histórico, e sistemático, nomeadamente, não podem ser descurados
E na verdade, o artº. 9º do Código Civil, que genericamente regula a matéria da interpretação da lei, estabelece, como principal linha de rumo, que tal interpretação deve reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo como parâmetros a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
O escopo final a que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei.
Assim, afastado que está o hoje afastado o brocardo de que sendo clara a letra da lei não há lugar à interpretação, o que importa na questão que nos ocupa é saber se o legislador da Revisão de 1998 não disse mais do que queria ao manter a redacção da falada alínea. E pensamos ter demonstrado que o disse, pelo que se impõe a interpretação restritiva da al. d) do artº. 432º que se propôs.
Também não se pode esquecer de que se trata do Supremo Tribunal de Justiça e que se trata da interpretação das regras que balizam a sua competência e os seus poderes de cognição.
A posição hierárquica do Supremo Tribunal de Justiça e a sua qualidade de tribunal de revista (1) a quem cabe orientar superiormente a aplicação da lei pelos tribunais judicias, inclusive uniformizando a jurisprudência dos tribunais superiores desavindos, garante-lhe um espaço interpretativo especialmente alargado naquelas matérias.
Estatuto que o Supremo Tribunal de Justiça deve, sem complexos ou tibiezas, assumir.
Na verdade, o Supremo Tribunal de Justiça situa-se na cúpula da hierarquia judiciária. Com efeito, diz o artº. 214º da Constituição que o Supremo Tribunal de Justiça é o órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional.
A Constituição não abordou, pois, a questão das funções do Supremo Tribunal de Justiça e deixou em aberto o problema da sua competência para proferir assentos, remetendo-o para o legislador ordinário (2) (3).
O STJ foi concebido como «regulador e uniformizador da jurisprudência nacional». Como referem Antunes Varela, J. Miguel Beleza e Sampaio e Nora, «na hierarquia judiciária não há poder de direcção por parte dos juízes dos tribunais superiores, como não há dever de obediência do lado dos juízes dos tribunais inferiores, visto que para todos eles vale indistintamente o princípio basilar da independência, o que não impede a acção uniformizadora do STJ [artº. 35º, nº. 1, al. c) da LOFTJ].
E são essas funções de regulador e uniformizador da jurisprudência nacional que vem mantendo, cabendo-lhe essencialmente a função de tribunal de revista (artº. 26º da LOFTJ).
É, pois, o Supremo Tribunal de Justiça um tribunal de revista, isto é, um «tribunal cuja função própria e normal é restabelecer o império da lei, corrigindo os erros de interpretação e aplicação das normas jurídicas cometidos pela relação ou pelo tribunal da lª instância, contribuindo para a uniformização da jurisprudência. Essa uniformização ocorre, quer directamente, por via dos assentos, quer indirectamente» (4).
Acompanha, assim, o nosso Supremo Tribunal de Justiça o ensinamento do direito comparado de, em primeiro lugar, velar pela boa aplicação das regras jurídicas pelas jurisdições inferiores e, por essa forma, assegurar ao direito unidade, clareza e certeza; em segundo lugar, modernizar o direito, isto é, adaptá-lo às novas condições sociais e às aspirações contemporâneas: e só reflexamente fazer boa justiça ao recorrente (5).
Ora, aproxima-se o Supremo Tribunal de Justiça português do Supremo Tribunal ideal, na síntese conclusiva de André Tunc, na obra mencionada, que seria híbrido - nem um terceiro grau de jurisdição que se não distingue das 1ª e 2ª instâncias a não ser pela sua supremacia, uma vez que conhece igualmente de matéria de facto e de direito, nem o oposto que tem exclusivamente por função o controle do respeito da lei - e só poderia ser chamado a intervir sobre questões de direito mas poderia alterar a decisão de fundo, sempre que os factos fossem suficientemente claros.
Referiu Costa Andrade, no decurso da discussão sobre a consagração constitucional das regras de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, que se devia dar prioridade à concepção do Supremo como «a última instância de criação de direito e a instância mais qualificada possível». Sendo o Supremo, «em toda a plenitude, criador do direito», esta tarefa «exige criatividade, inteligência e abertura», o que implica que se acolham «contributos novos à tarefa de aplicação do direito.» (6).
5.
Também não se argumente que a posição que se advoga geraria um resultado absurdo e que o legislador seguramente não aceitaria: a incerteza sobre o tribunal ad quem.
Com efeito - diz-se - no momento da interposição de recurso pelo arguido, o mesmo era dirigido a um tribunal superior (o STJ) que poderia deixar o que viria a conhecer dele, por virtude da interposição de recurso por parte da acusação.
Tal pode efectivamente acontecer, mas esse resultado não só não repugna ao legislador, como foi por este expressamente adoptado.
Na verdade, o legislador de 1998 consagrou-o expressamente no nº. 7 do artº. 414º do CPP. De acordo com o normativo aí inserido, se a defesa recorrer para o STJ, em matéria de direito, e depois a acusação recorrer em matéria de facto e de direito, será a Relação a conhecer de todos eles, mesmo do que havia sido interposto para o STJ.
E, sendo assim como é, perde totalmente valor tal argumento.
6.
Finalmente, é completamente alheia a esta problemática, aquela outra que está em discussão neste Supremo Tribunal de Justiça respeitante à possibilidade de o recorrente optar por dirigir o recurso de direito de decisão do colectivo para a Relação ou para o STJ.
A questão coloca-se da mesma maneira quer se entenda que o recurso da al. d) do artº. 432º é per saltum ou directo.
Lisboa, 16.10.03
Simas Santos
___________________
(1) Deve notar-se que «o recurso de revista é entre nós antiquíssimo, porque remonta a D. Afonso II. Era, antes do estabelecimento do regime liberal, um recurso extraordinário e de graça especial, chamado assim, porque se pedia ao rei por meio de uma petição escrita, dirigida ao desembargo do paço, que fizesse a graça de conceder a revista do feito.»
«Recebida a petição, o desembargo do paço, como delegado do impetrante civil, concedia ou negava a revista pedida pelo voto unânime de dois desembargadores ou de três, se os dois empatavam, devendo, neste caso, o terceiro concordar com um dos dois votos. Concordando dois desembargadores com se conceder a revista, o desembargo do paço nomeava dois desembargadores da Casa da Suplicação para examinarem o feito e deliberarem, por tenções escritas, se o caso era ou não de revista; e se resolviam pela negativa, ficava esta negada, não obstante os dois votos favoráveis dos desembargadores do paço; se resolviam pela afirmativa, mandava-se passar um alvará assinado pelo punho real e dirigido ao regedor da justiça, para nomear juízes, a quem se cometia a revisão do feito, sendo um relator e os demais adjuntos». Chaves e Castro, op. cit., pág. 157, podendo ainda ver-se sobre o recurso de revista Pereira e Souza, Primeiras Linhas de Processo Civil. Paulo Merêa, BMJ nº. 7, págs. 43 a 72, Alberto dos Reis, CPC Anotado, VI, págs. 11 e segs. e Sá Nogueira, na introdução a «Supremo Tribunal de Justiça, Assentos e Jurisprudência Obrigatória» págs. 13-66
(2) A 6ª Comissão propôs para o artº. 8º a seguinte redacção: «O Supremo Tribunal de Justiça é o órgão máximo da hierarquia dos tribunais judiciais e tem competência para proceder à uniformização da jurisprudência». Esta última parte foi retirada após discussão no plenário, tendo, a propósito, afirmado o deputado Jorge Miranda «a opinião que sempre sustentei é de que os assentos não são lei - são jurisprudência, são expressão de jurisprudência criadora. Ora, a consagração constitucional deste poder do Supremo Tribunal de Justiça para uniformizar a jurisprudência através de assentos poderia, mais tarde, ser interpretada no sentido de que era lei. E nós, no Estado democrático que queremos construir em Portugal, só podemos admitir um único órgão legislativo: o órgão representativo, o órgão derivado da vontade popular, e não o Supremo Tribunal de Justiça)» - DAC, pág. 3128/9, Plenário de 17 de Dezembro de 1975.
(3) Cfr. a apresentação do Supremo Tribunal em www.stj.pt.
(4) Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, VI, pág. 2.
(5) Cfr. o número especial da Revue Internationale de Droit Comparé, intitulado La Cour Judiciaire Suprême.
(6) Diário da AR, II Legislatura, 2ª Sessão Legislativa, II Série, 2º suplemento ao nº. 44 de 24-1-82, pág. 904 (51).