Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
85/08.1TJLSB.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: SOLICITADOR DE EXECUÇÃO
ESTATUTO
NATUREZA DAS FUNÇÕES
RESPONSABILIDADE CIVIL
Data do Acordão: 07/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACÇÃO EXECUTIVA
Doutrina: - Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 10ª edição, pág. 579.
- Amâncio Ferreira, “Curso de Processo de Execução” – 2007 – 10ª edição, págs. 131/132.
- Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10ª edição, págs. 573/574.
- Eduardo Paiva e Helena Cabrita, “O Processo Executivo e o Agente de Execução -A Tramitação da Acção Executiva Face às Alterações Introduzidas pelo Decreto-Lei n.°226/2008, de 20 de Novembro”.
- Lebre de Freitas, “A Acção Executiva depois da Reforma”, 4ª edição, 2004.
- Lebre de Freitas/Armindo Ribeiro Mendes, “Código de Processo Civil Anotado”, 2003, vol.3°, pág. 270, nota 4.
- Lopes do Rego, “Comentários ao Código de Processo Civil”, 2ª edição, 2004.
- Luís Manuel Teles de Leitão, “Direito das Obrigações”, volume I, 4ª edição, pág. 296.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): – ARTIGOS 483.º, 562.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): – ARTIGOS 265.º, Nº1, 406º, 407º, Nº2, 601º, 808º, NºS 1 E 2, 809º, 811º-A, Nº2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 212.º, N.º3.
DL Nº38/2003, DE 8-3.
DL N.°200/2003, DE 10-9.
DL Nº226/2008, DE 20-11.
ESTATUTO DOS TRIBUMAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS (ETAF): – ARTIGOS 1.º, N.º5, 4.º, N.º1.
LEI N.º23/2002, DE 21-8.
LEI N.º67/2007, DE 31-12.
PORTARIA N.º703/2003, DE 4-8.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 10.3.1998, IN BMJ 475-635.
Sumário : A partir dos elementos essenciais de caracterização orgânica e funcional da figura do solicitador de execução, no contexto da Reforma da acção executiva de 2003, mormente o dever ser exercida por solicitadores profissionais liberais supervisionados pela Câmara de Solicitadores perante quem respondem disciplinarmente por actos cometidos no processo, e não perante o Juiz, o não serem, senão excepcionalmente, designados pelo Tribunal, o facto de apesar de intervirem em processos executivos agindo com latos poderes, na perspectiva da desjudicialização do processo, e actuarem em nome próprio, ainda que possam ser destituídos pelo Juiz mas só com justa causa, faz com que a componente, diríamos, privada da sua nomeação e o modo e responsabilidade da sua actuação, sobreleve a vertente da actuação paradministrativa, não devendo considerar-se que a sua actuação é a de um funcionário judicial, auxiliar ou comitido do Tribunal
Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


             AA, Lda., intentou, em 8.2.2008, pelos Juízos Cíveis da Comarca de Lisboa – com distribuição ao 3º Juízo – acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, [depois mandada seguir na forma ordinária, em virtude de pedido reconvencional, tendo sido remetida às Varas Cíveis de Lisboa – 12ª Vara] – contra:

 BB e CC.

 Pedindo a sua condenação a pagar a quantia de €18.000,00 a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, desde a citação até integral e efectivo pagamento.

Alegou para o efeito, e em síntese, que no dia 16 de Novembro de 2007, o 1° Réu, solicitador de execução, acompanhado de dois agentes da Polícia de Segurança Pública e do Dr. DD, Advogado, dirigiu-se ao estabelecimento correspondente à loja ... do Centro Comercial ... para proceder à apreensão dos bens móveis aí existentes até ao valor de € 30.864,47 no âmbito de um procedimento cautelar de arresto que, sob o n.° 4543/07.7TVLSB, corria termos na 1ª Secção da 10ª Vara Cível de Lisboa, nele figurando como requerente “EE, Lda.” e, como requeridos, FF e GG.

Nessa data, a Autora exercia a sua actividade naquele estabelecimento comercial, na sequência da respectiva transmissão operada através de contrato celebrado entre a mesma e FF.

Mais alega que, não obstante o legal representante da autora ter falado por telefone com o Réu, tendo-lhe dito que a Autora tinha adquirido o estabelecimento e toda a mercadoria exposta e armazenada, e os funcionários da Autora terem dito ao Réu que o estabelecimento e seu recheio pertenciam à Autora, exibindo o referido contrato e as facturas relativas à mercadoria que se encontrava na loja, este manteve o propósito de remover a mercadoria exposta e armazenada.

Entretanto o Dr. DD propôs à Autora desistir da diligência mediante o pagamento da quantia de € 15.000,00 tendo o Réu exigido que esse valor fosse elevado para € 18.000 para cobrir os seus honorários, despesas e custas.

Para evitar a remoção dos bens, a Autora depositou, em dinheiro, na conta bancária que o Réu lhe referenciou, a referida quantia de € 18.000,00, quantia que a Autora não devia à Requerente do arresto.

Sustenta que, perante as provas que lhe foram apresentadas, não podia o Réu marido proceder ao arresto de qualquer bem na Loja ... já que nela não existiam quaisquer bens que fossem propriedade dos Requeridos no processo judicial, sendo que lhe competia, enquanto Solicitador de Execução, lavrar um auto negativo de arresto, justificando-o com as provas que a Autora lhe apresentou.

Defendeu, em suma, ter sido vítima de um acto ilícito do Réu marido, tendo direito a ser indemnizada pelo valor que teve de desembolsar, no montante de € 18.000,00.

Concluiu, assim, poder reclamar dos Réus uma indemnização pelos danos patrimoniais sofridos.

Os Réus contestaram, pedindo que se julgasse procedente a excepção dilatória de ilegitimidade da 2ª Ré que deduziram, e que se julgasse a acção improcedente (com a inerente absolvição do pedido), tendo para o efeito impugnado parte da factualidade aduzida pela Autora.

Deduziram pedido reconvencional, pedindo a condenação da Autora a pagar a quantia de € 25.000,00 a título de indemnização por violação do direito ao bom nome e reputação do 1° Réu, alegando, para tanto, que a Autora na sua petição inicial formula acusações falsas que ofendem a sua honra e reputação.

            Pedem também a condenação da Autora como litigante de má-fé, em multa e indemnização, consistindo esta no reembolso das despesas tidas com a lide, incluindo os honorários com o mandatário, invocando para tal que a mesma deturpa a verdade dos factos com vista a peticionar uma indemnização a que sabe não ter direito.

Deduziram ainda incidente de intervenção principal provocada da Companhia de Seguros HH, S.A., alegando que o 1° Réu é titular de um seguro de responsabilidade civil profissional, tendo transferido para aquela companhia de seguros o risco de eventuais danos provocados no exercício da sua actividade.

 Foi admitida a intervenção principal da Companhia de Seguros HH, S.A., ao lado dos Réus, a qual veio apresentar contestação escrita, pedindo que se julgasse a acção improcedente, com a inerente absolvição do pedido.

 Lavrou-se despacho onde não se admitiu o pedido reconvencional, e proferiu-se despacho saneador, onde se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade passiva da 2ª Ré.

            A final, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente tendo os RR. sido absolvidos do pedido.

            Inconformada, a Autora recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por Acórdão de 9.11.2010 – fls. 470 a 478 –, negou provimento ao recurso, confirmando o Acórdão recorrido.

            A Autora, de novo inconformada interpôs recurso de revista excepcional para este Supremo Tribunal de Justiça, sustentando que, no caso, ocorrem os requisitos do art. 721º-A, nº1, als.  a) e b) do Código de Processo Civil, na redacção do DL. 303/2007, de 24.8.

            Por douto Acórdão de 31.3.2011 – fls. 572 a 578 – do Colectivo a que alude o art.721º-Aº, nº3, do Código de Processo Civil, foi admitida a revista excepcional, considerando-se ser juridicamente relevante “caracterizar precisamente a figura [do solicitador de execução] “para depois ou apelar para a responsabilidade em sede de lei geral (cfr. artigos 500.° do Código Civil e 808.° do Código de Processo Civil, e ainda, artigo 69.°-C, i), 69.°F, nº2, a) do ECS) ou da Lei n.°67/2007, de 31 de Dezembro [….], importa precisar qual o estatuto – deveres, obrigações e direitos – do solicitador de execução no seu cotejo com idênticas funções desempenhadas por agente, ou funcionário público”.

Quanto ao requisito da relevância social ponderou-se, além do mais:

 “ […] Para a segurança dos cidadãos, para a protecção e garantia dos seus direitos individuais, é relevante saber se quem nos “entra em casa” e dispõe dos nossos bens está vinculado nos precisos termos do Estado quando administrando a justiça, exerce a sua função jurisdicional e tem de se pautar pelas mesmas estritas regras e em que termos pode ser responsabilizado.

A relevância social de uma questão prende-se com a possibilidade de colisão de uma decisão jurídica com valores sócio-culturais dominantes e cuja eventual ofensa possa suscitar alarme social e ponha em causa a eficácia do direito”.      

            Nas alegações apresentadas a Autora formulou as seguintes conclusões:

            1. O Réu, que tinha um mandato judicial para proceder à apreensão dos bens móveis dos Requeridos FF e GG, chegou ao estabelecimento da Autora e, apesar de ser recebido por uma trabalhadora da Autora, de ter examinado o contrato que titulava o estabelecimento em nome da Autora, de ter examinado as facturas que identificavam a titularidade da mercadoria exposta e armazenada com a Autora, e de nada encontrar que identificasse o estabelecimento comercial com esses Requeridos, prosseguiu com a diligência.

            2. O “Contrato de Transmissão de Negócio” que o Réu examinou, não era a única evidência de que o estabelecimento não pertencia aos Requeridos nos autos de arresto: a trabalhadora que se encontrava no estabelecimento era da Autora e não dos Requeridos, a mercadoria que se encontrava no estabelecimento era da Autora e não dos Requeridos.

3. O mandato judicial que foi conferido ao Réu não referia se a dívida que originou a decisão de arrestar o património dos Requeridos, tinha ou não sido contraída no estabelecimento comercial em causa, ou sequer se com ele tinha qualquer relação, pelo que também o conteúdo do “Contrato de Transmissão de Negócio”, não pode legitimar qualquer duvida no espírito do Réu, e muito menos fundada.

4. O Réu marido, enquanto Solicitador de Execução, que tinha um mandato expresso no que respeita à ordem de arresto de bens dos Requeridos nesses autos, não podia ter realizado a diligência no património de um terceiro, sem uma outra ordem judicial que assim determinasse.

5. Ao assim proceder, também, manifestamente, o Réu praticou actos culposos que excederam o âmbito da sua competência, bem como traduziram utilização de meios ou expedientes ilegais ou pelo menos desproporcionados no exercício das suas funções de Solicitador de Execução, pelo que incorreu em responsabilidade civil perante o Autor.

6. Estamos perante um caso típico de erro grosseiro na actividade de um Solicitador de Execução, geradora de responsabilidade civil.

            7. A diligência de arresto ocorreu em 16 de Novembro, a pouco mais de um mês do Natal, notoriamente uma época em que, neste ramo de negócio, o volume de negócios equivale praticamente a metade da facturação anual.

8. Dada a remoção da mercadoria arrestada, avaliada a peso (!!!), e a natural e amplamente publicitada demora processual – mesmo que tramitada com carácter de urgência – a Autora ficou com fundado e notório receio que, quando conseguisse a devolução das peças, já a época de Natal teria terminado, e os consequentes prejuízos avolumar-se-iam.

9. A Autora, nas circunstâncias referidas supra, não podia ter-se socorrido do disposto no art. 848°, n°2, do Código de Processo Civil, evitando desembolsar os € 18.000,00 que lhe foram exigidos pelo Réu, ainda que conjuntamente com o Representante da Requerente do arresto, sob pena de agravar os seus prejuízos.

10. Foram, pelo douto Acórdão em crise, violados os comandos dos arts. 123°, n°1, als. a), b) e c) e 131°-A, n°2, als. f) e g), ambos do DL. n°88/2003 de 26 de Abril, na sua actual redacção, bem como os do art. 483°, 622°, 817°, 819°, n°1, e 1268°, todos do Código Civil e outrossim os dos artigos 406° e 848°, n.ºs  ,1 e 2, ambos do Código de Processo Civil.

            A interveniente contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.         

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguinte factos:

1. A Autora dedica-se à comercialização de artigos de ouro, prata, jóias e canetas;

2. Em escrito datado de 7 de Novembro de 2007 e encimado pela expressão “CONTRATO DE TRANSMISSÃO DE NEGÓCIO”, FF, aí designado como “PRIMEIRO CONTRATANTE” e a Autora, aí designada como “SEGUNDA CONTRATANTE”, declararam:

“Considerando que:

1. O PRIMEIRO CONTRATANTE explora comercialmente a Loja nº... do … Shopping Center, sita na Avenida …, em Lisboa (doravante o “Estabelecimento Comercial”), ao abrigo do impropriamente denominado de Contrato Promessa de Cessão de Exploração de Estabelecimento Comercial celebrado em 28 de Agosto de 1984 com a arrendatária da referida loja, a então “…” (...) dedicando-se à actividade de ourivesaria, joalharia e relojoaria. (...).

3. A SEGUNDA CONTRATANTE tem interesse em explorar comercialmente a Loja actualmente gerida pelo PRIMEIRO CONTRATANTE.

4. A SEGUNDA CONTRATANTE apresentou uma proposta de aquisição do Estabelecimento Comercial pelo preço global de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros).

5. É intenção das Partes celebrarem desde já um contrato de transmissão do negócio explorado pelo PRIMEIRO CONTRATANTE, seja a que título for, transmissão essa que inclui o conjunto de todos os activos, direitos e obrigações, bem como todas as situações jurídicas conexas relacionadas ou que resultem ou tenham origem no Estabelecimento Comercial.

É ajustado de boa fé e reciprocamente aceite o presente, nos termos e condições aqui estabelecidos, o presente Contrato de Transmissão de Negócio (o “Contrato”), que se regerá pelas cláusulas seguintes:

Cláusula Primeira (Objecto)

1. Pelo presente Contrato, o PRIMEIRO CONTRATANTE transmite o Estabelecimento Comercial, todos os respectivos direitos e obrigações à SEGUNDA CONTRATANTE, a qual, reciprocamente, declara expressamente adquirir.

2. Para efeitos do disposto no número anterior, o Estabelecimento Comercial inclui o conjunto de bens corpóreos e incorpóreos afectos unitariamente à actividade comercial exercida pelo PRIMEIRO CONTRATANTE na Loja melhor identificada no Considerando 1. supra, transmitindo-se, desta forma, todos os direitos e obrigações resultantes do “Contrato ...” (...).

Cláusula Segunda (Preço e Pagamento)

A transmissão do negócio é realizada pelo preço global de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), o qual é pago na presente data, na íntegra, pela SEGUNDA CONTRATANTE ao PRIMEIRO CONTRATANTE, dando este, desde já, quitação completa e definitiva desse montante. (...)“.

3. Em carta datada de 12 de Novembro de 2007 remetida a “II — Gestão e Exploração de Espaços, S.A.”, a Autora declarou:

“ (...) ASS.: Loja ... (...) “Pela presente informamos V. Excias que no passado dia 7 do corrente mês de Novembro transmitido, pelo Sr. FF à signatária, o estabelecimento comercial instalado na loja n° ... desse Shopping Center.

Assim, solicitamos que os próximos recibos de renda sejam emitidos a favor da “AA., Lda.” (...)”.

4. A Autora procedeu à aquisição de relógios, de peças de ouro e prata e de canetas que pretendia vender no estabelecimento referido na alínea b) do elenco dos factos assentes.

5. Em escrito datado de 15 de Novembro de 2007 e encimado pela expressão “Contrato de Trabalho a Termo Certo”, Autora e JJ declararam estabelecer entre si “ (...) um contrato de trabalho a termo certo (...) subordinado às seguintes cláusulas: 5ª O local de trabalho é na Avenida a Avenida ...- ... Shopping Center loja n.° ..., Lisboa (...)”.

6. Em escrito datado de 15 de Novembro de 2007 e encimado pela expressão “Contrato de Trabalho a Termo Certo”, Autora e KK declararam estabelecer entre si “ (...) um contrato de trabalho a termo certo (...) subordinado às seguintes cláusulas: 5ª O local de trabalho é na Avenida a Avenida ...- ... Shopping Center loja n° ..., Lisboa (...)”.

7. No dia 16 de Novembro de 2007, o Réu, solicitador de execução, acompanhado de dois agentes da Polícia de Segurança Pública e do Dr. DD, Advogado, dirigiu-se ao estabelecimento referido na alínea b) do elenco dos factos assentes para proceder à apreensão dos bens móveis aí existentes até ao valor de € 30.864,47 no âmbito de um procedimento cautelar de arresto que, sob o n.°4543/07.7TVLSB, corria termos na 1ª Secção da 10ª Vara Cível de Lisboa, nele figurando como requerente “EE, Lda.” e como requeridos FF e GG.

8. Em 16 de Novembro de 2007, a Autora, mediante transferência bancária, depositou a quantia de € 18.000,00 na conta bancária indicada pelo Réu.

9. No auto de arresto, o Réu identificou JJ e KK como “funcionário requerida AA, Lda.”.

10. Pela apólice n.°…, a “Companhia de Seguros HH, S.A.” declarou, perante o Réu, assumir o pagamento das indemnizações devidas a terceiro pelo exercício da actividade de solicitador de execução, com uma franquia no valor de 10% e um mínimo de € 1.745,79.

11. Em 16 de Novembro de 2007, pelas 11 horas e 45 minutos a Autora exercia a sua actividade no estabelecimento referido na alínea b) do elenco dos factos assentes.

12. Na sequência do referido na alínea g) do elenco dos factos assentes, JJ disse ao Réu que o estabelecimento e seu recheio pertenciam à Autora.

13. O Réu começou a pesar as peças expostas para as avaliar.

14. A pedido de LL, JJ exibiu ao Réu o escrito referido na alínea b) do elenco dos factos assentes e facturas relativas à mercadoria que se encontrava na loja.

15. Apesar do referido em 14., o Réu manteve o propósito de remover a mercadoria

exposta e armazenada.

16. O legal representante da requerente da providência de arresto referida em G. propôs à Autora desistir da diligência mediante o pagamento da quantia de € 15.000,00 tendo o Réu exigido que esse valor fosse elevado para € 18.000,00 para cobrir os seus honorários, despesas e custas.

17. Para evitar a remoção dos bens, a Autora procedeu da forma descrita na alínea h) do elenco dos factos assentes.

18. BB e CC casaram entre si a 4 de Março de 2000, sem convenção antenupcial.

            Fundamentação:

            Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recuso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber:

            - se o Réu, enquanto solicitador de execução e no desempenho das suas funções, actuou com culpa ao diligenciar efectuar o arresto de bens existentes no estabelecimento da Autora,  e se essa actuação causou danos patrimoniais.

            Vejamos.

            A Autora demandou o Réu marido, pedindo que seja condenado a indemnizá-la por danos patrimoniais por ter tido que despender € 18.000,00 para evitar que, no dia 16.11.2007, no seu estabelecimento sito no Shopping Center ..., o Réu, na qualidade de solicitador de execução no processo de arresto de bens existentes nesse estabelecimento da Autora, que sustenta ter sido tal acto ilegal e realizado com erro grosseiro, já que ao tempo da diligência de apreensão nada devia ao arrestante e o estabelecimento não pertencia sequer ao arrestado, factos relevantes desconsiderados pelo Réu.

            Alegou, ainda, que na contingência de ver a loja despojada dos seus bens numa época crucial de vendas – perto do Natal – se viu na forçada emergência de pagar a quantia exigida pelo mandatário da arrestante e pelo Réu de € 18.000,00, sendo que € 3.000,00 foram exigidos pelo Réu para pagamento dos seus honorários e encargos, montante de que a Autora/recorrente está despojada, sendo que tal pagamento é indevido.

            De notar que o facto da Autora não ter demandado o Estado pela prática de acto ilícito, acto que seria praticado no quadro circunstancial envolvente pelo solicitador de execução enquanto agente da administração pública, mais propriamente enquanto funcionário judicial, significa que não considerou que, entre o solicitador de execução e o Tribunal, intercedesse um vínculo de natureza jus-administrativa a coberto do qual o Estado seria responsável pelos actos ilícitos dos seus agentes.

            Para fundamentar a revista excepcional, a recorrente afirmou no seu requerimento (fls. 485/486):

 “A questão em apreço nos presentes autos diz respeito à actuação do Réu marido no exercício das suas funções de solicitador de execução e da eventual responsabilidade civil pelos actos praticados nessa qualidade.

 Os solicitadores (ou agentes) de execução são auxiliares da justiça, mais concretamente profissionais liberais auxiliares da justiça. No entanto, para o exercício dessas suas funções, o Estado atribuiu aos mesmos os poderes necessários para o efeito.

 Contudo, o exercício de tais funções e os inerentes poderes deverão ser exercidos em estrita obediência à Lei.

Na verdade, o solicitador de execução não é um profissional liberal ao serviço do exequente mas sim ao serviço da justiça. Deste modo, a sua actuação deve ser pautada, como já se disse, na mais estrita obediência à Lei e no absoluto respeito dos direitos, legalmente consagrados, de qualquer cidadão que possa ser objecto da sua actuação.

[…] Ora versando os presentes autos sobre a apreciação da actuação do Réu marido enquanto solicitador de execução, mandatado por um tribunal, para proceder à apreensão de bens no âmbito de um arresto, é por demais evidente que a aferição do cumprimento das normas que presidem à sua actuação, tem manifesta relevância jurídica, com efeitos na melhor aplicação do direito, a qual se reflecte também em interesses de particular relevância social […]”.  

A recorrente considera que o solicitador de execução, é um auxiliar da justiça, um profissional liberal mandatado pelo Tribunal.

Debrucemo-nos sobre a figura do solicitador de execução.

Como se sabe a acção executiva até à Reforma introduzida pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8.3 tramitava exclusivamente pelos Tribunais sobre a direcção do Juiz que, no uso do seu poder jurisdicional, intervinha na condução e direcção do processo, cabendo às secções e aos funcionários judiciais a realização de actos inerentes à tramitação da execução nas suas várias fases, competindo-lhe a realização de actos que não pressupunham intervenção directa do Juiz, sem que por isso em alguma fase processual se pudesse considerar que não tinha a soberania do processo.

Diremos, então, que até à Reforma de 2003, a acção executiva estava enquadrada numa perspectiva judicial, pública, da competência exclusiva do Estado, actuando através do órgão de soberania tribunais, e, mesmo se alguns actos envolvessem a intervenção de alguém sem ligação à administração pública, como por exemplo, louvados, avaliadores, encarregados da venda, ou de apreensões efectivas de bens, nem por isso o Tribunal cedia competências suas, próprias, indelegáveis enquanto órgão de soberania.

Tínhamos antes de tal Reforma o Juiz a quem competia dirigir a acção executiva, sendo as diligências por ele ordenadas ou postuladas pela tramitação processual, executadas pelas secretarias judiciais.

Este sistema que vigorou durante largas dezenas de anos foi considerado, senão obsoleto, pelo menos incapaz de responder ao crescente número de acções executivas, fruto da explosão do consumo com a facilidade do crédito, consequência de novos hábitos e da melhoria do poder aquisitivo de quem até aí não tinha acesso ao crédito fácil e barato que o marketing e o aproveitamento da iliteracia económica de muitos consumidores exponenciada por acções de marketing agressivo (as taxas de juros atingiram valores baixíssimos).

Isso contribuiu para um aumento crescente de execuções nos tribunais, milhares e milhares delas por pequenas dívidas de consumo, surpreendendo uma máquina judicial incapaz de dar resposta pronta ao enorme aumento de processos.

Esta ineficácia dos Tribunais, não prevista a tempo, suscitou e suscita a reacção dos agentes económicos no sentido de encontrar meios expeditos, desjucializados e desburocratizados de reforma da acção executiva.

É neste quadro – definido a largos traços – que emerge a Reforma da acção executiva trazida pelo DL. 38/2003, de 8 de Março.

No preâmbulo daquele diploma aludindo-se aos actos executivos, pode ler-se que a sua “Excessiva jurisdicionalização e rigidez tem obstado à satisfação, em prazo razoável, dos direitos do exequente.

Os atrasos do processo de execução têm-se assim traduzido em verdadeira denegação de justiça, colocando em crise o direito fundamental de acesso à justiça…Identificadas as causas e os factores de bloqueio do processo executivo português, o XIV Governo Constitucional preparou, submeteu a debate público e aperfeiçoou, sem ter chegado a aprová-lo, um projecto de reforma da acção executiva que, sem romper a sua ligação aos tribunais, atribuiu a agentes de execução a iniciativa e a prática dos actos necessários à realização da função executiva, a fim de libertar o juiz das tarefas processuais que não envolvem uma função jurisdicional e os funcionários judiciais de tarefas a praticar fora do tribunal.”  

Nos Termos da lei nº 23/2002 de 21 de Agosto, a partir de 15 de Setembro 2003 foi confiada aos Solicitadores uma nova especialidade, designada "Solicitador de Execução (SE)".

“Nos termos da Lei nº23/2002, de 21 de Agosto, a partir de 15 de Setembro 2003 foi confiada aos Solicitadores uma nova especialidade, designada “Solicitador de Execução (SE)”.

O Solicitador de Execução é um profissional, sujeito a formação própria, bem como a um estatuto deontológico e disciplinar específico, a quem são atribuídos poderes públicos no âmbito da acção executiva, assegurando as funções de agente de execução nos processos executivos.

O Solicitador de Execução não actua como mandatário das partes e está sujeito a um tarifário pelos honorários. Tramita todo o processo executivo, procedendo às citações em processos declarativos (quando frustradas por via postal)”[1].

A designação de solicitador de execução no requerimento executivo não é obrigatória (Decreto-Lei n.º 200/2003, de 10 de Setembro).

Neste caso, de acordo com o artigo 811.º-A, n.º2, do Código de Processo Civil, o exequente pode, no requerimento executivo, designar solicitador de execução, que pode declarar a aceitação da designação no próprio requerimento executivo ou em requerimento avulso a apresentar no prazo de cinco dias a contar da notificação para o efeito.

Se o exequente não nomear o solicitador de execução ou se a nomeação não tiver sido aceite, aquele será automaticamente designado pela secretaria por entre os solicitadores inscritos na comarca do tribunal competente para o processo (artigos 808.º, 810.º, n.º6, e 811.º-A, todos do Código de Processo Civil), segundo a escala constante da lista informática fornecida pela Câmara dos Solicitadores, sendo esse solicitador de execução notificado pela secretaria.

            A reforma de 2003[2], colocando no cerne a figura do solicitador de execução, cujas funções se pretende rever, visou desjuscializar o processo executivo, conferir aos agentes da execução, em ligação aos tribunais, um conjunto de funções e competências que pertenciam a estes, com a justificação que assim se libertariam o Juiz para tarefas de cariz não estritamente jurisdicional e os funcionários de actos a executar no exterior.

A Reforma de 2003 foi alvo de nova Reforma, introduzida pelo DL. 226/2008, de 20.11, (não aplicável ao caso dos autos), que segundo Eduardo Paiva e Helena Cabrita, in, “O Processo Executivo e o Agente de Execução - A Tramitação da Acção Executiva Face às Alterações Introduzidas Pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro”, págs. 13 e 14:

 “Visa, no essencial, aperfeiçoar o modelo adoptado com o Decreto-Lei n° 38/2003, de 8 de Março, tentando simplificá-lo e tomá-lo mais eficaz, ao mesmo tempo que dá á mais um passo no sentido de privatizar a acção executiva, conferindo maiores competências ao agente de execução…Transferiram-se para o agente de execução algumas competências até então cometidas tanto à secretaria judicial como ao juiz, de que são exemplos, quanto ao primeiro caso, a recusa do requerimento executivo e, quanto ao segundo, a competência para decisão de incidentes, nomeadamente a redução da penhora. Reforçou-se igualmente o papel do agente de execução, sem prejuízo de um efectivo controlo judicial, passando aquele agora a aceder directamente ao registo de execuções e a realizar todas as diligências relativas à extinção da execução, ao mesmo tempo que se eliminou a necessidade do agente de execução enviar ao Tribunal relatórios sobre as causas de frustração da penhora… Promover a eficácia das execuções e do processo executivo, essencialmente através do alargamento do desempenho das funções de agente de execução a advogados, da introdução de alterações ao modo de substituição do agente de execução (que passa a poder ser livremente substituído pelo exequente, principal interessado no controlo da eficácia da execução) e ao regime remuneratório dos agente de execução, e por último, através da criação da Comissão para a Eficácia das Execuções.”

                Não obstante as críticas feitas ao modelo da acção executiva emergentes das reformas de 2003 e 2008 e que a Comissão para a Reforma do Processo Civil pretendia minorar nas suas consequências que não provaram em termos de eficácia, o certo é que o modelo de pendor fortemente desjucializado permanece com a ampliação das competências do agente de execução que na reforma de 2008 pode, inclusivamente, decidir incidentes, vigorando a oficiosidade de actos processuais.

            Como antes dissemos, na Reforma de 2003, foi introduzida a figura do agente de execução com as competências definidas no art. 808º, nº1 e 2, do Código de Processo Civil, que exceptuadas as execuções por custas tem um papel de fulcral, cabendo-lhe –  “salvo quando a lei determine diversamente, efectuar todas as diligências do processo de execução, incluindo citações, notificações e publicações, sob controlo do juiz, nos termos do n.°1 do artigo seguinte.”

Nos termos do nº2 do citado normativo – “As funções de agente de execução são desempenhadas por solicitador de execução, designado pelo exequente ou pela secretaria, de entre os inscritos em outra comarca do mesmo círculo judicial; não havendo solicitador de execução inscrito no círculo ou ocorrendo outra causa de impossibilidade, são essas funções, com excepção das especificamente atribuídas ao solicitador de execução, desempenhadas por oficial de justiça, determinado segundo as regras da distribuição….”.

Para a definição do estatuto do solicitador de execução avultam, desde logo, dois aspectos que exprimem, a nosso ver, a ténue ligação a um estatuto de funções de matriz pública, administrativa, pese embora o que a diante se ponderará.

Assim, é que nem sequer compete ao Juiz a designação do solicitador de execução, tal designação cabe ao exequente ou à secretaria – o facto desta não ter que submeter a nomeação ao beneplácito do juiz – é eloquente do propósito de desjudicialização e da responsabilidade do Tribunal na actuação do solicitador de execução.

Não sendo o tribunal a nomear, desde logo, se nos afigura que sobre o órgão com quem aquele colabora inexiste o poder soberano de ordenar, e orientar ex-ante o solicitador de execução, por no uso da sua competência legal lhe caber actuação oficiosa.

É bem certo que o Juiz tem o poder geral de controlo do processo, art. 809º do Código de Processo Civil, norma que emerge adaptadamente do art. 265º, nº1, 1ª parte, do citado diploma.

O Juiz de execução em relação ao solicitador de execução intervém para julgar a reclamação de acto do agente de execução, e decidir outras questões por ele suscitadas, pelas partes ou por terceiros intervenientes – als. c) e d) daquele normativo.  

Temos que o agente de execução é um profissional liberal escolhido pelo exequente de entre aqueles que constem inscritos na comarca, a quem cabe promover e executar, sem subordinação ao Tribunal, a não ser naqueles casos a que aludimos, diligências em processo executivo.

Nos termos do nº4 do citado art. 808º do Código de Processo Civil – “O solicitador de execução designado só pode ser destituído por decisão do juiz de execução, oficiosamente ou a requerimento do exequente, com fundamento em actuação processual dolosa ou negligente ou em violação grave de dever que lhe seja imposto pelo respectivo estatuto, o que será comunicado à Câmara dos Solicitadores.”

O poder fiscalizador e de direcção do Juiz, no que se refere ao solicitador de execução é deveras limitado sendo o destituição dependente de uma causa, qual seja a sua actuação processual dolosa ou negligente, ou em violação que tem de ser grave dos seus deveres estatutários como solicitador, tendo nesse caso a Câmara dos Solicitadores poder disciplinar.

A figura inspirada no huissier francês não foi integralmente enformadora do estatuto que veio a ter no Código de Processo Civil, talvez por dificuldade na transposição em bloco do modelo inspirador, assim é que as críticas de que é alvo radicam, também, na qualificação do seu estatuto.

Uns, advogando que é mandatário do exequente, outros sustentando uma vinculação híbrida[3], público-privada.

O Conselheiro Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, 2ª edição, 2004, pág.17, afirma:

 “O agente de execução tem um estatuto heterogéneo, consoante tais funções estejam cometidas a um “agente externo”, o solicitador de execução – ou a um oficial de justiça.”

a) No primeiro caso, estamos confrontados com uma inovatória figura, cujo estatuto é definido nos artigos 116.° e seguintes do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 88/2003, de 26 de Abril: trata-se de um profissional liberal independente, sujeito a um específico regime de incompatibilidades e impedimentos (que lhe veda, nomeadamente, o exercício do mandato judicial na acção executiva, o exercício de funções por conta de entidade empregadora ou a intervenção em processos executivos quando haja participado na obtenção do título executivo ou representado alguma das partes em precedente acção) chamado a cooperar com o tribunal na realização de todos os actos do processo executivo não cometidos ao juiz ou à secretaria (e, em certos casos, mesmo de actos do processo declaratório – cfr., o regime da citação), por designação do exequente (por ele aceite, nos termos do artigo 810.°, n.° 6) ou, subsidiariamente, da secretaria, sujeito – na sua actividade processual – ao  controlo genérico do juiz (que o pode destituir), à fiscalização – nos aspectos deontológicos e profissionais – da Câmara dos Solicitadores e vendo ainda a sua conduta processual sindicada pelas partes, particularmente pelo exequente (de quem, todavia, não é mandatário), legitimado para requerer a respectiva destituição judicial com fundamento em “justa causa” – e devendo obrigatoriamente praticar as tarifas aprovadas pela Portaria n.° 708/03, de 4 de Agosto.

b) No segundo caso, o agente executivo é um “normal” funcionário da secretaria judicial onde pende o processo, com duas especificidades relevantes quanto ao sistema actual […]”. (destaque nosso)

Dependendo a nomeação do exequente, este não pode destituir o solicitador da execução, nem que seja por justa causa; não é o exequente o juiz da actuação daquele a quem solicitou a prestação do serviço, talvez aí esteja um traço marcante da actuação do solicitador como profissional liberal, sem dependência funcional de quem o nomeia, apenas podendo em casos graves ser destituído por decisão do juiz de execução o que não é compatível com o contrato de mandato.

 Outros, considerando que por estar ao serviço do Tribunal e nessa medida ter com o órgão jurisdicional uma ligação, o seu estatuto é híbrido contendo elementos de direito privado, que se surpreendem no modo de designação quando feita pelo exequente e de direito público, por colaborar no exercício de funções cometidas a um órgão de soberania; poder-se-ia, nesta veste, considerar que é um auxiliar do Tribunal, ademais é pessoalmente responsável pelos actos que lhe competem no processo executivo, podendo até recorrer a colaboradores – nº6 do citado art. 808º do  Código de Processo Civil.

Lebre de Freitas /Armindo Ribeiro Mendes, in “Código de Processo Civil Anotado”, - 2003 – vol.3º, pág. 270, nota 4., ao art. 808º do Código de Processo Civil – ensinam:

“O nº4 atribui ao juiz de execução — e só a este, ainda que a requerimento do exequente — o poder de destituir o solicitador de execução designado, com fundamento em actuação processual dolosa ou negligente ou em violação grave de dever estatutário. Esta exclusiva titularidade do poder de destituição afasta definitivamente a caracterização como mandato da relação estabelecida entre o solicitador de execução e o exequente: embora a designação do solicitador de execução tenha de ser por este aceite, o que inculca a ideia dum contrato de prestação de serviços (ver o nº10 da anotação ao art. 810º), o exequente, que o designa, não goza do direito de revogação, nem mesmo quando ocorra justa causa (cf. art. 1170º Código Civil e, no campo do patrocínio judiciário, o art. 39-1).

A violação dos deveres do solicitador de execução enquanto depositário (art. 839-1 e 843) constitui fundamento de destituição (ver o nº2 da anotação ao art. 845).”     

Na página 272, os citados autores escrevem – “Havendo responsabilidade do solicitador perante as partes ou terceiro, o Estado pode, por sua vez, responder nos termos gerais da responsabilidade do Estado por actos dos seus agentes (art. 2-1 do DL 48.051, de 21.11.67)”.

Lebre de Freitas, in “A Acção Executiva depois da Reforma” – 4ª edição – 2004 – págs. 27 e 28 – escreve:

“Tal como o huissier francês, o solicitador de execução é um misto de profissional liberal e funcionário público, cujo estatuto de auxiliar da justiça implica a detenção de poderes de autoridade no processo executivo. A sua existência, sem retirar a natureza jurisdicional ao processo executivo (…), implica a sua larga desjudicialização (entendida como menor intervenção do juiz nos actos processuais) e também a diminuição dos actos praticados pela secretaria (…). Não impede a responsabilidade do Estado pelos actos ilícitos que o solicitador de execução pratique no exercício da função, nos termos gerais da responsabilidade do Estado pelos actos dos seus funcionários e agentes”.

Ainda sobre a figura do agente de execução é crítica a apreciação do Conselheiro Amâncio Ferreira, in “Curso de Processo de Execução” – 2007 – 10ª edição, págs. 131/132:

“A reforma da acção executiva levada a efeito pelo DL n.°38/2003,de 8 de Março, visou fundamentalmente a desjudicialização do processo executivo, com a sua consequente simplificação e agilização, à semelhança de outros países da União Europeia. Como uma das duas figuras centrais da nova execução administrativizada, surge o agente de execução (solicitador de execução ou oficial de justiça, sendo este funcionário da secretaria de execução), chamado, em princípio, à condução de qualquer execução.

Se a desjudicialização do processo de execução é de aplaudir, já muitas reservas nos merece o apelo a uma entidade parajudicial para a prática dos diversos actos materialmente administrativos que ocorrem no processo de execução.

Temos para nós que, no contexto da realidade portuguesa, bem diversa da doutros países europeus donde importamos a figura do agente de execução, a competência para a tramitação do processo devia ser atribuída, em regra, às secções de processo da secretaria do tribunal competente para a execução, com o escrivão de direito que exercesse a chefia a proferir os despachos necessários à marcha do processo, sempre susceptíveis de reclamação para o respectivo juiz. Quando o movimento processual o justificasse, deveriam ser criadas, nas respectivas secretarias, secções de execução…”

Na pág. 134, afirma – “Depois de designado, o solicitador de execução só pode ser destituído por decisão do juiz de execução, oficiosamente ou a requerimento da parte, com fundamento em actuação processual dolosa ou negligente ou violação grave do dever que lhe seja imposto pelo respectivo estatuto (arts. 808.°, n.° 4, e 130.°, este do ECS).

 E este poder do juiz de execução advém-lhe da dependência funcional que perante ele detém o solicitador de execução, apesar de fiscalizado pela Câmara dos Solicitadores (art. 116.° do ECS).”.

Não qualificam os autores citados o estatuto do solicitador de execução, antes o definindo pela negativa – não é mandato, não é vínculo ao menos ostensivo, à administração.

A partir dos elementos essenciais de caracterização orgânica e funcional da figura, mormente, o dever ser exercida por profissionais liberais supervisionados pela Câmara de Solicitadores perante quem respondem disciplinarmente por actos cometidos no processo e não perante o Juiz, o não serem designados pelo Tribunal, o facto de apesar de intervirem em processos executivos com latos poderes, na perspectiva da desjudicialização do processo, e actuarem em nome próprio, ainda que possam ser destituídos pelo juiz e só com justa causa, faz, a nosso ver, com que a componente, diríamos, privada, da sua nomeação e o modo e responsabilidade da sua actuação, sobreleve a vertente da actuação paradministrativa, não devendo considerar-se que a sua actuação é a de um auxiliar ou comitido do Tribunal, nos termos do art. 500º, nº1, do Código Civil, daí que não exista da parte do órgão Tribunal responsabilidade objectiva por actos do solicitador de execução, que responsabilizem o Estado.

Importa, no entanto, ressalvar que em relação a actos praticados por empregados do agente de execução há responsabilidade objectiva nos termos do art. 500º do Código Civil.

Por outro lado, também se nos não afigura que esteja sob alçada da Lei nº67/2007, de 31 de Dezembro de 2007 – Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas – tendo em conta a sua delimitação subjectiva, abrangendo pessoas colectivas públicas: Estado, Regiões Autónomas e demais pessoas colectivas de direito público: pessoas colectivas de direito privado que exerçam poderes de autoridade; pessoas singulares: titulares de órgãos, agentes ou funcionários de pessoas colectivas de direito público; magistrados judiciais e do Ministério Público, trabalhadores de pessoas colectivas de direito privado que exerçam poderes de autoridade, titulares de órgãos sociais dessas empresas e seus representantes legais ou auxiliares. 

Nos termos do art. 212º, n.º 3 da C.R.P., “Compete aos tribunais administrativos (...) o julgamento das acções que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas (...)”.

Estatui o art. 4º, nº1, do ETAF que compete aos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto:

“ (…)

g) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício da função política e legislativa, nos termos da lei, bem como a resultante do funcionamento da administração da justiça;

h) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos;

i) Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público”.

O art. 1º, nº5, do ETAF estatui:

 “As disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”.

Se, porventura se concluísse que o solicitador de execução praticava actos próprios da função administrativa, seria a jurisdição administrativa a competente para apreciar a sua responsabilidade civil extracontratual.

Importa saber, no contexto mais próximo da revista, saber se o recorrido incorreu em responsabilidade civil perante a Autora, incorrendo na obrigação de indemnizar.

A Autora imputa ao réu, enquanto solicitador de execução, a prática de factos ilícitos geradores da obrigação de indemnizar, porquanto intentou arrestar bens no seu estabelecimento, desconsiderando que o devedor arrestado não era a Autora, que, não sendo responsável por qualquer dívida perante o arrestante, não poderia ver os bens existentes na loja – onde comercializava artigos de ouro, prata, jóias e canetas – apreendidos no âmbito da execução daquele procedimento cautelar.

O prejuízo sofrido pela recorrente está, aduz, no facto de, para evitar a remoção dos bens, arrestandos ter-se visto na necessidade de depositar € 18.000,00 na conta bancária indicada pelo Réu.

A responsabilidade civil consiste na necessidade imposta pela lei a quem causa prejuízos a outrem de colocar o ofendido na situação em que estaria sem a lesão (arts. 483.° e 562.° do Código Civil). Tal reconstituição colocaria o lesado na situação em que estaria sem a violação.

 Deve em princípio, e sempre que possível, ter lugar mediante reconstituição natural.

São pressupostos do dever de indemnizar, no contexto da responsabilidade civil extracontratual, pressupostos que, aliás, são comuns à responsabilidade civil contratual: um facto voluntário, ilicitude, culpa, dano, e nexo de causalidade entre facto e dano.

“ (...) Constituem pressupostos da responsabilidade civil, nos termos dos artigos 483º e 487º, nº2, do Código Civil, a prática de um acto ilícito, a existência de um nexo de causalidade entre este e determinado dano e a imputação do acto ao agente em termos de culpa, apreciada como regra em abstracto, segundo a diligência de um “bom pai de família”. (...)”- cfr. inter alia Ac. deste Supremo Tribunal de Justiça, de 10.3.1998, in BMJ 475-635.

O recorrido foi incumbido de proceder ao arresto de bens existentes numa loja, sita no Shopping Center, ao tempo ocupada pela Autora.

Como se provou – “No dia 16 de Novembro de 2007, o Réu, solicitador de execução, acompanhado de dois agentes da Polícia de Segurança Pública e do Dr. DD, Advogado, dirigiu-se ao estabelecimento […] para proceder apreensão dos bens móveis aí existentes até ao valor de € 30.864,47 no âmbito de um procedimento cautelar de arresto que, sob o n.°4543/07.7TVLSB, corria termos na 1ª Secção da 10ª Vara Cível de Lisboa, nele figurando como requerente “EE, Lda.” e como requeridos FF e MM”.

Ora, poucos dias antes, em 7.11.2007, entre o arrestado FF e a Autora foi assinado um documento que denominaram “Contrato de transmissão de negócio”, através do qual consignaram no Considerando 5. - “É intenção das Partes celebrarem desde já um contrato de transmissão do negócio explorado pelo PRIMEIRO CONTRATANTE (FF), seja a que título for, transmissão essa que inclui o conjunto de todos os activos, direitos e obrigações, bem como todas as situações jurídicas conexas relacionadas ou que resultem ou tenham origem no Estabelecimento Comercial. É ajustado de boa fé e reciprocamente aceite o presente, nos termos e condições aqui estabelecidos, o presente Contrato de Transmissão de Negócio (o “Contrato”), que se regerá pelas cláusulas seguintes”:

Cláusula Primeira (Objecto) – 1. Pelo presente Contrato, o PRIMEIRO CONTRATANTE transmite o Estabelecimento Comercial, todos os respectivos direitos e obrigações à SEGUNDA CONTRATANTE, a qual, reciprocamente, declara expressamente adquirir.

2. Para efeitos do disposto no número anterior, o Estabelecimento Comercial inclui o conjunto de bens corpóreos e incorpóreos afectos unitariamente à (actividade comercial exercida pelo PRIMEIRO CONTRATANTE na Loja melhor identificada no Considerando 1 supra, transmitindo-se, desta forma. Iodos os direitos e obrigações resultantes do “Contrato ...” (…).

Cláusula Segunda (Preço e Pagamento) – A transmissão do negócio é realizada pelo preço global de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), o qual é pago na presente data, na íntegra, pela SEGUNDA CONTRATANTE ao PRIMEIRO CONTRATANTE, dando este, desde já, quitação completa e definitiva desse montante. (…)”

A Autora tinha, em 15.11.2007, contratado dois funcionários.

No dia da diligência de apreensão foi apresentado ao Réu o falado contrato, tendo ele sido informado pela funcionária JJ que o estabelecimento e o recheio eram da Autora.

 No entanto, o Réu manteve o propósito de remover a mercadoria exposta e armazenada.

O legal representante da arrestante, propôs à Autora desistir da diligência mediante o pagamento da quantia de € 15.000,00, tendo o Réu exigido que esse valor fosse elevado para € 18.000,00 para cobrir os seus honorários, despesas e custas.

 Para evitar a remoção dos bens, a Autora, mediante transferência bancária, depositou a quantia de € 18.000,00 na conta bancária indicada pelo Réu, no dia 16.11.2007.

Dispõe o art. 406º do Código de Processo Civil:

1 - O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.

             2 - O arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrariar o preceituado nesta subsecção”

            Os procedimentos cautelares são meios provisórios de tutela do direito, destinados a evitar o perigo de demora do desfecho definitivo de acções ou execuções, devendo o requerente provar: ser titular do direito, a existência de um “justo receio” de que outrem cause ao direito tutelando, lesão grave e de difícil reparação.

O arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora.

Sendo o património do devedor a garantia geral dos seus credores – art. 601º do Código Civil – qualquer providência cautelar visando a garantia do crédito deve ser instaurada contra o devedor, como decorre do art. 406º, nº1, do Código de Processo Civil – O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor”.

O nº2 do art. 407º do mesmo diploma, consente ao credor o direito de requerer o arresto contra o adquirente de bens do devedor, norma que não consta ter sido invocada pelo requerente cautelar.

Como aí se consigna – “Sendo o arresto requerido contra o adquirente de bens do devedor, o requerente, se não mostrar ter sido judicialmente impugnada a aquisição, deduzirá ainda os factos que tornem provável a procedência da impugnação”.

A questão que se coloca em relação à actuação do Réu, enquanto solicitador de execução, exercendo as funções para que foi investido, que se exige seja pautada por critérios de estrita legalidade, probidade e isenção, é saber se, ante a exibição do contrato e atento o seu conteúdo, mormente no que concerne às relações jurídicas nele implicadas envolvendo o arrestado e a Autora, deveria ter desistido da apreensão ou executá-la.

Para lá da validade jurídica da estipulação contratual estabelecida entre o arrestado e a Autora, assume particular relevância o constar do contrato que, aquando da diligência para apreensão, não obstante os seus Considerandos e cláusulas, já a Autora tinha adquirido ao arrestado o estabelecimento onde iria decorrer a apreensão pelo preço de € 150.000,00, e fora acordado, entre ambos,     que o Estabelecimento Comercial incluía o conjunto de bens corpóreos e incorpóreos afectos unitariamente à actividade comercial exercida na Loja, transmitindo-se, desta forma todos os direitos e obrigações resultantes do “Contrato ...”.

A transmissão, foi acordado, “inclui o conjunto de todos os activos, direitos e obrigações, bem como todas as situações jurídicas conexas relacionadas ou que resultem ou tenham origem no Estabelecimento Comercial”.

Para uma pessoa conhecedora de leis, como é de exigir ao Réu, tal declaração implica que a Autora, enquanto adquirente do estabelecimento, assumiu, não só o activo do estabelecimento, bem como as obrigações e situações jurídicas conexas relacionadas ou que resultem ou tenham origem no Estabelecimento Comercial, podendo considerar-se que era responsável por qualquer passivo inerente ao funcionamento do estabelecimento comercial da Autora.

Assim, poderia o recorrido proceder à apreensão de bens existentes na loja em causa, porquanto a adquirente do estabelecimento onde se faria a diligência assumiu, contratualmente, os direitos e obrigações conexas relacionadas ou que resultem ou tenham origem no Estabelecimento Comercial.

No quadro circunstancial descrito, pese embora as mercadorias existentes poderem ter sido adquiridas pela Autora, o certo é que todos os bens eram passíveis de apreensão até ao limite do valor que garantiria o crédito do arrestante.

 “A culpa pode ser definida como o juízo de censura ao agente por ter adoptado a conduta que adoptou, quando de acordo com o comando legal estaria obrigado a adoptar conduta diferente.

Deve, por isso, ser entendida em sentido normativo, como a omissão da diligência que seria exigível ao agente de acordo com o padrão de conduta que a lei impõe.

O juízo de culpa representa um desvalor atribuído pela ordem jurídica ao facto voluntário do agente, que é visto como axiologicamente reprovável – (cfr. Prof. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, volume I, 4ª edição, pág. 296).

Os conceitos de ilicitude e de culpa reflectem aspectos distintos da conduta do agente, posto que intimamente relacionados. Pode dizer-se que a ilicitude encara o comportamento do autor do facto sob um ângulo objectivo, enquanto violação de valores defendidos pela ordem jurídica (juízo de censura sobre o próprio facto); ao passo que a culpa pondera o lado subjectivo desse comportamento, ou seja, as circunstâncias individuais concretas que o envolveram (juízo de censura sobre o agente em concreto) – (cfr. Prof. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10ª edição, pág. 579).

A mera culpa (quer consciente, quer inconsciente) exprime uma ligação da pessoa com o facto menos incisiva do que o dolo, mas ainda assim reprovável ou censurável. O grau de reprovação ou de censura será tanto maior quanto mais ampla for a possibilidade de a pessoa ter agido de outro modo, e mais forte ou intenso o dever de o ter feito – (cfr. Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10ª edição, págs. 573/574).”

Não se podendo considerar que o Réu ao insistir na apreensão agiu de forma ilícita e culposa, muito menos coagindo a Autora, desde logo tem de ser excluída a obrigação de indemnizar.

Sempre se dirá que o facto da Autora ter depositado parte da quantia que garantia o crédito da arrestante, e uma parte ser destinada a pagar os honorários, despesas e custas, não constitui ilicitude; por um lado, o pagamento foi voluntário até pelo facto da Autora ter interesse em não ver removidos os bens que deveriam ser apreendidos; depois, o Réu tinha direito a ser remunerado pela sua actividade.

A “exigência” de que na quantia depositada incluísse montante que garantisse aquelas despesas não se afigura violadora da lei e do estatuto profissional do Réu[4].
Condição primordial para que haja obrigação de indemnizar é a prática culposa de um facto ilícito, gerador de danos – citado art. 483º, nº1, do Código Civil.

            A culpa exprime um juízo de censura ético-jurídica ao agente, pelo facto de no caso concreto, poder e dever ter agido de outro modo, comportamento e actuação que deviam pautar-se pela diligência que uma pessoa, medianamente prudente e cautelosa teria adoptado.

            No quadro factual envolvente e antes ponderado, o Réu não violou qualquer direito da Autora.

Pelo quanto dissemos o recurso soçobra.

Decisão.

Nega-se a revista.

Custas pela Autora/recorrente.

                                              

 Supremo Tribunal de Justiça, 6 de Julho de 2011

Fonseca Ramos (Relator)

Salazar Casanova

Fernandes do Vale

_______________________________


[1] Como se pode ler no site da Câmara dos Solicitadores http://www.solicitador.net/pagina.asp?pagid=35
[2] No Jornal Público de 28.7.2010, os Ex.mos Membros da Comissão de Revisão do Processo Civil – Miguel Teixeira de Sousa, João Paulo Remédio Marques e Paulo Pimenta fizeram publicar um texto intitulado – “A verdade sobre a reforma da acção executiva” onde, a certa altura e lê. “É unânime o entendimento de que a reforma do processo executivo realizada em 2003, criando um paradigma assente na figura do agente de execução, entrou em vigor precipitadamente e sem que estivessem reunidas as condições (humanas e logísticas) indispensáveis para que pudesse ser aplicada com sucesso. É também comum a ideia de que a intervenção legislativa de 2008 radicou em opções de acento duvidoso e padece de várias imperfeições técnicas.
 Mostrando-se, neste momento, impossível alterar o paradigma instituído em 2003 e ampliado em 2008, a Comissão de Revisão orientou o seu trabalho no sentido de (i) reforçar o papel do juiz no controlo de aspectos relevantes da execução, (ii) aperfeiçoar aspectos técnicos de tramitação da acção executiva e ainda (iii) reformular o estatuto do agente de execução e o regime jurídico da Comissão para a Eficácia das Execuções.
 Alicerçam-se as acima referidas afirmações no argumento de que a proposta de revisão da acção executiva pretende devolver aos tribunais competências nas acções executivas inferiores a 10.000 euros, ou seja, em cerca de 70% das dívidas. Importa salientar que o conteúdo de tais afirmações não traduz o acervo de soluções propostas pela Comissão de Revisão, em funções desde finais do ano passado…”.
[3]  Na República Checa, o Estatuto jurídico dos solicitadores de execução aparece claramente definido.
“Os solicitadores de execução são trabalhadores independentes a quem o Estado delega a execução de determinadas funções; cabe-lhes promover a execução de decisões em benefício das pessoas que o autorizaram a desenvolver a sua actividade. Além disso, podem, por exemplo, prestar assistência jurídica, redigir documentos (especialmente relatórios de execução), ser responsáveis pela guarda de dinheiro, instrumentos ou outros bens móveis e distribuir documentos judiciais.
Na República Checa, os solicitadores de execução são agentes públicos cujas actividades são consideradas judiciais. Para o exercício desta profissão exige-se a nacionalidade checa, capacidade jurídica, uma licenciatura em Direito, um temperamento idóneo, pelo menos três anos de experiência de actividades de execução e aprovação num exame profissional para solicitadores de execução.
Processo de nomeação e mandato – Após prestarem juramento, os solicitadores de execução são nomeados pelo Ministro da Justiça, na sequência de um processo público de selecção. Na data da sua nomeação, tornam-se membros da Câmara dos Solicitadores (Exekutorská komora). A preparação para o exercício desta profissão implica experiência como solicitador estagiário (junto de um solicitador de execução); as pessoas que atingirem o nível mais elevado de preparação são candidatos a solicitadores de execução, que devem ter pelo menos três anos de experiência de actividades de execução e ser aprovados num exame de acesso a esta profissão, antes de poderem ser inscritos na lista de solicitadores de execução.
Os mandatos não têm limites temporais; no entanto, o Ministro da Justiça pode suspender um solicitador de execução. Neste caso, o solicitador não deve continuar a exercer a profissão, sendo nomeado um substituto; também se nomeia um substituto nos períodos em que os solicitadores de execução não possam desempenhar as suas funções por outros motivos (doença, férias, etc.).
O mandato dos solicitadores de execução cessa no momento em que deixarem de ser membros da Câmara dos Solicitadores, na sequência da sua morte, da declaração oficial da sua morte, da reforma obrigatória, da perda da nacionalidade checa ou da incapacidade ou capacidade jurídica limitada.
Incompatibilidade de funções – As actividades de execução deste tipo de solicitadores são incompatíveis com qualquer outra actividade remunerada, à excepção da gestão dos bens próprios. No entanto, os solicitadores de execução podem desenvolver actividades académicas, editoriais, lectivas, de interpretação, especializadas ou artísticas remuneradas.” - http://ec.europa.eu/civiljustice/legal_prof/legal_prof_cze_pt.htm#3 

[4] Segundo o disposto nos arts. 2º e 3º da Portaria nº 708/2003, de 4 de Agosto, o solicitador de execução tem direito a receber honorários pelos serviços prestados, bem como a ser reembolsado das despesas realizadas que devidamente comprove, podendo exigir, a título de provisão, quantias por conta daqueles e destas.
A remuneração devida ao solicitador de execução e o reembolso das despesas por ele efectuadas são suportadas pelo autor ou exequente, mas integram as custas que ele tem direito a receber do réu ou do executado – arts. 454º, nº3, do Código de Processo Civil  e 5º, nº 2, da citada Portaria.