Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
043545
Nº Convencional: JSTJ00018116
Relator: FERREIRA DIAS
Descritores: APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO
REGIME CONCRETAMENTE MAIS FAVORÁVEL
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
Nº do Documento: SJ199302240435453
Data do Acordão: 02/24/1993
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N424 ANO1993 PAG517 - CJSTJ 1993 TI PAG206
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIAL.
Área Temática: DIR CRIM.
Legislação Nacional: CONST89 ARTIGO 29.
CP82 ARTIGO 2 N4.
DL 15/93 DE 1993/01/22.
DL 430/83 DE 1983/12/13.
Sumário : I - O artigo 29 do Código de Processo Penal prevê a aplicação retroactiva das leis penais de conteúdo mais favorável e o artigo 2, n. 4, do Código Penal determina que será sempre aplicável o regime concretamente mais favorável ao agente do crime.
II - Assim, tem de ser eleito, como regime mais benéfico, o estatuído pelo Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, relativamente ao disposto no Decreto-Lei 430/83 de 13 de Dezembro.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I - Mediante acusação do Digno Agente do Ministério
Público, responderam, em processo comum e com a intervenção do Tribunal Colectivo do 3 juízo criminal de Lisboa, os arguidos:
1 - A, solteiro, mecânico, de 31 anos;
2 - B, solteira, doméstica, de 27 anos;
3 - C, solteiro, operador de máquinas, de 44 anos; e
4 - D, servente de limpezas, de 43 anos.
Realizado o julgamento, foram os arguidos B e C absolvidos das infracções de que foram acusados.
Quanto aos arguidos A e D foram eles condenados pelas seguintes infracções:
1 - O arguido A: como autor de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelos artigos 23 n. 1 e 27 alínea g) do Decreto-Lei n.
430/83, de 13 de Dezembro; na pena de 5 anos de prisão e na multa de 200000 escudos; e
2 - A arguida D: como co-autora de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punível pelos artigos 23 n. 1 e 27 alínea g) do Decreto-Lei n. 430/83, de 13 de Dezembro; na pena de 6 anos de prisão e multa de 300000 escudos.
Foram ainda condenados na parte fiscal.
Determinou-se a expulsão do arguido A pelo período de cinco anos, nos termos do n. 2 do artigo 34 do referido Decreto-Lei n. 430/83.
II - Inconformada com tal decisão, dela interpôs o presente recurso a arguida D, motivando-o nos seguintes termos:
- A simples fundamentação da decisão é insuficiente para a observância do princípio do duplo grau de jurisdição;
- Em princípio é de carácter constitucional pois está escrito no artigo 32 n. 1 da Constituição;
- Os poderes de cognição considerados no artigo 453 do
Código de Processo Penal não permitem o reexame da matéria de facto;
- Esse reexame só seria possível com o registo da prova pelo Tribunal Colectivo em audiência de discussão e julgamento;
- Compulsados os autos, no que tange às actas das diversas sessões da audiência resulta claro que apenas o depoimento durante o julgamento e mais nenhuma prova foi lida ou produzida;
- Assim sendo o tribunal "a quo" valorou prova que estava proibida de valorar, sendo que nela apontou a sua convicção para decidir;
- Resulta claro que o acórdão ora recorrido enferma de invalidade porquanto lançou mão de meio de prova proibido sendo que nela assentou a sua convicção para decidir;
- Violou, assim, o artigo 355 do Código de Processo
Penal;
- Quer se entenda de uma forma ou de outra sempre se configura invalidade da decisão judicial proferida que
é uma nulidade que aqui se argui e que acarreta a revogação da decisão recorrida, o que desde já se requer;
- O acórdão não determinou que quantidade de droga
(gramas) foi apreendida à recorrente;
- Nem a quem a vendeu;
- Nem que quantidades e nem a que preço;
- Nem quantas vezes;
- Assim e face a estarmos na presença de resíduos, deveria ser enquadrada no tráfico de pequenas quantidades; e
- Deve, assim, o acórdão ser anulado e substituído por outro, onde se veja consagrado que se tratava de pequenas quantidades, ou quando assim não se entenda se mande repetir o julgamento para apurar tais questões, devendo a pena ser igual à do co-arguido Cabral.
Contra-motivou o Ministério Público, que, com mestria, rebateu, ponto por ponto, o entendimento sufragado pela recorrente, concluindo pela inteira confirmação do acórdão apelado.
III - Subiram os autos a este Alto Tribunal e, lavrado o despacho preliminar e colhidos os vistos legais, designou-se dia para a audiência, que decorreu com inteiro respeito pelo ritual da lei, como da acta se alcança.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
Vejamos, em primeiro lugar, quais os factos que o acórdão da 1 instância deu como certificados:
São eles os seguintes:
- Desde data não apurada, mas há cerca de dois anos, o primeiro arguido dedicava-se à comercialização de produtos estupefacientes;
- Obtinha tais produtos através da sua companheira de nome conhecido - E, que trazia o produto da Holanda, em quantidades não apuradas;
- Após, transportava parte destes produtos para Lisboa, onde os vendia directamente a outros indivíduos ou entregava-os, para venda à consignação;
- O arguido A deslocava-se, frequentemente, à residência da segunda arguida, sita na Rua Particular, à Quinta da Torrinha, vivenda
Ventura Borges, 2 direito, em Lisboa, onde permanecia bastante tempo, ali pernoitando, por vezes, por manter com esta uma relação efectiva;
- O arguido A deslocou-se apenas uma vez à residência do arguido C e sua mulher F, para cobrar uma dívida de que a E era credora;
- Fê-lo, em Março de 1991, acompanhado de E, na altura sua companheira;
- Na sequência de vigilância, e outras diligências feitas pela Polícia Judiciária, no âmbito dos presentes autos, foram efectuadas buscas às residências de todos os arguidos;
- Assim, em 2 de Julho de 1991, a Polícia Judiciária efectuou buscas às residências do arguido A e B, sitas, respectivamente, na
Avenida 23 de Julho, n. 338 - 2 esquerdo, no Laranjeiro, e Rua Particular, à Quinta da Torrinha, vivenda Ventura Borges, 2 direito, em Lisboa;
- Na residência do arguido A foram encontrados:
- um saco de plástico, contendo pó creme, com o peso bruto de 67,168 gramas, que, submetido a exame laboratorial, revelou tratar-se de "Piracetam";
- três moinhos das marcas "Bauknecht", "Savana" e "Moulinex", com resíduos de pó, identificados no
L.P.C., como sendo "Piracetam";
- dois rolos de papel prateado;
- os objectos e artigos examinados e avaliados a folhas
137, 138, 143 e 192, cujos autos aqui se dão por inteiramente reproduzidos; e
- as quantias monetárias de 450 florins do Banco da
Holanda, 10 francos Suiços, 66200 escudos do Banco de
Cabo Verde e 371000 escudos em notas do Banco de Portugal;
- Na residência da arguida B, foram encontrados:
- no interior de uma mala, um cofre em metal contendo: uma embalagem em plástico, com pó creme, com o peso total de 269,892 gramas que, submetido a exame laboratorial, revelou tratar-se de "Heroína" e duas embalagens em plástico, contendo pó branco, com o peso total de 615 gramas, não identificado no L.P.C.;
- no interior de um pequeno cofre, guardado num móvel da sala: 155000 escudos em notas do Banco de Portugal, e 550 francos Suíços; as máquinas de calcular, anéis, agenda e chaves (autos de folhas 49 e 144);
- O arguido A conhecia perfeitamente as características do produto identificado como "Heroína";
- tal produto foi transportado para a residência da segunda arguida, em data não apurada, pelo primeiro arguido, porém sem o conhecimento desta;
- O arguido A destinava esse produto à venda;
- Pretendia misturá-lo com o "Piracetam" para, dessa forma, aumentar a quantidade do produto a vender, e auferir maiores ganhos;
- Utilizava para tanto os moinhos encontrados e apreendidos na residência do A;
- Na sequência das buscas efectuadas, às residências dos primeiro e segundo arguidos, a Polícia Judiciária, em 5 de Julho de 1991, efectuou buscas nas residências dos terceiro e quarto arguidos, C e D, respectivamente, na Rua A n. 117 - B e n. 118, no Bairro do Relógio, em Lisboa;
- Quando os agentes, entraram na residência do arguido C, encontravam-se no seu interior: o arguido, sua mulher, F e a arguida D;
- No interior da residência do 3 arguido, foram encontrados:
- os objectos descritos a folhas 89, 145 e 151, cujos autos aqui se dão por reproduzidos; e
- a quantia monetária de 541000 escudos, em notas do
Banco de Portugal;
- No interior da residência da arguida D, foram encontrados:
- dois sacos plásticos contendo resíduos de um pó que, submetido a exame laboratorial revelou tratar-se de "Heroína", escondidos no meio de roupa para engomar;
- as quantias monetárias de 2469500 escudos, em notas do Banco de Portugal, 3380 francos Franceses e 15100 pesetas;
- uma agenda de cor preta, junta folhas 92, com diversas quantias monetárias, quantidades de produto e nomes apontados, entre os quais o de Leila, nome pelo qual era tratada E, ex-companheira do arguido A;
- As quantias monetárias foram entregues à arguida D, pela F, para que as guardasse;
- A arguida D, aceitou guardá-las na sua residência, conhecendo a proveniência do dinheiro;
- Os sacos encontrados na residência de D, continham resíduos de "Heroína", produto que esta e F vendiam, por preço que não foi possível apurar;
- Os resíduos de pó contidos nos sacos apreendidos, à quarta arguida, faziam parte, de quantidade não apurada, da "Heroína" entregue para venda, nomeadamente pela E;
- Com a venda de tais produtos, os arguidos A, D e a F auferiram largos lucros;
- Sendo os objectos e as quantias monetárias apreendidas nos autos, à excepção de 1750000 escudos recebidos pelo arguido C, da "Tabaqueira, a título de reforma antecipada, provenientes dos lucros que o primeiro arguido, quarta arguida e F obtiveram com a venda de "Heroína";
- De igual modo, a moto Kawasaki 1100, apreendida ao arguido A, foi adquirida com dinheiro proveniente dos lucros obtidos com a comercialização de "Heroína";
- Os arguidos, A e D, agiram livre e conscientemente;
- Estes sabiam que as respectivas condutas não eram permitidas por lei;
- Os objectos e valores monetários apreendidos em casa da arguida Ângela eram todos propriedade do arguido A;
- O computador "Commodore Amiga" e respectivos acessórios, apreendidos em casa do arguido C, foram oferecidos ao seu filho mais velho, pelo padrinho;
- O arguido A prestou confissão integral e sem reservas, quanto à sua apurada conduta;
- Este arguido, desde que foi detido, tem colaborado activamente com a autoridade policial - Polícia Judiciária - e, desta sua tomada de posição, têm resultado inúmeros resultados frutuosos nestes autos, e também em outras investigações que aquela Polícia tem desenvolvido;
- O arguido A mostrou sincero arrependimento;
- A arguida D não prestou confissão, nem mostrou arrependimento;
- Todos os arguidos são de modesta condição social;
- A terceira arguida, que é doméstica, tem 4 filhos, sendo os dois mais velhos auto-suficientes e independentes economicamente; e
- Tem 2 filhas, de 23 e 21 anos, sendo uma tetraplégica e outra paraplégica, que dependem necessariamente de auxílio diário e permanente, até para a sua vida vegetativa.
IV - Este o painel dos factos apurados pela 1 instância.
Numa técnica normal, uma vez descritos os factos e dados os mandamentos dos artigos 433 e 29, respectivamente do Código de Processo Penal e da Lei
38/87, seguir-se-ía, sem mais dilações, a tarefa da sua subsunção às normas jurídico-criminais aplicáveis.
- Acontece, porém, que a recorrente, na sua motivação, apresenta alguns fundamentos que, a verificarem-se, poderiam ter algumas repercussões no andamento do presente recurso.
Assim, vejamos:
Quanto ao duplo grau de jurisdição, não lhe assiste razão, pela seguinte ordem de considerações:
Em primeiro lugar, porque o referido princípio não tem na nossa Constituição da República qualquer gravidade.
O artigo 32 do Diploma fundamental indicado refere tão simplesmente:
"1- O processo criminal assegurará todas as garantias de defesa...".
Não exige, assim, a existência do duplo grau de jurisdição, no sentido da exigência da renovação da prova pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Em segundo lugar, se pretendesse estatuir o referido duplo grau de jurisdição, não deixaria de incorporar o que a respeito do Presidente da República determinou quanto aos crimes por ele cometidos no exercício das suas funções, negando-lhe o direito a uma repetição do julgamento em matéria de facto, como determina o artigo
133 da Constituição.
Em terceiro lugar, dir-se-á - e não será este o argumento de menor valia - que, sujeito a uma revisão da sua constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional, nenhuma das disposições que integram o
Código de Processo Penal, que presentemente nos rege, foi julgada inconstitucional.
Em conclusão:
O Supremo Tribunal de Justiça limita-se a reexaminar a matéria de direito, escorado na matéria de facto, dada como certificada, mas, verificados que sejam os vícios indicados nas diversas alíneas do n. 2 do artigo 40, anula o julgamento para efeitos de repetição deste, por outro tribunal, perante o qual se fará de novo a correspondente produção de prova.
Sendo assim, asseguradas ficam todas as garantias de defesa do arguido.
Quanto ao segundo alicerce em que se baseia o arguido, consubstanciado na circunstância das actas das diversas sessões da audiência resulta claro que apenas o depoimento foi lido durante o julgamento e mais nenhuma prova documental foi lida ou produzida, mais uma vez a razão não lhe assiste.
Diz o acórdão recorrido, no que concerne à fundamentação o seguinte:
"...na prova documental, das declarações dos arguidos, da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento e, ainda da leitura do depoimento da testemunha a folhas 749, nos termos do artigo 356 do
Código de Processo Penal, resultam os seguintes:... 1-
Factos provados:......".
Diz o recorrente que o acórdão fez tábua rasa da injunção vertida no artigo 355 do Código de Processo
Penal, tendo valorado prova documental, nomeadamente para o efeito da convicção do Tribunal, que não foi produzida ou examinada nos termos do artigo 356 do citado diploma, o que constitui nulidade.
"Quid inde?"
Como muito bem refere o Excelentíssimo Agente do Ministério Público da 1 instância "...A prova documental, que contribuiu para a fundamentação da decisão e é referida, nomeadamente, nos autos de buscas, exames às substâncias apreendidas, autos de exame e avaliações de objectos apreendidos, foram várias vezes referidos e examinados e consultados nas várias sessões da audiência de julgamento, quer quando foram ouvidos os arguidos, quer quando foram inquiridos e com eles confrontados os agentes da Polícia Judiciária, para efeitos de confirmação e reconhecimento...".
Concordamos inteiramente com o que alega o Ilustre Magistrado, tanto mais quanto é certo que a lei, no artigo 356 conjugado com o artigo 362 do Código de
Processo Penal, não exige que se proceda à leitura da prova documental e que tal circunstância - caso o tribunal dela se socorra para o inteiro esclarecimento da verdade - implique, com a sua falta de menção na acta, qualquer nulidade.
Por tudo quanto expendido ficou nenhuma nulidade - e nomeadamente as que a agravante deduziu - se detectam no caso do pleito, e, como igualmente nenhum dos vícios constantes do n. 2 do artigo 410 do Código de Processo
Penal se enxerga - nem, aliás, foram invocados - passemos ao enquadramento dos factos, dados como firmados, na arquitectura do Direito Criminal.
Debruçando-nos sobre o contexto fáctico, atrás trasladado, dúvidas não nos assaltam no sentido de que a conduta dos arguidos A e D cai sob a alçada do normativo do artigo 23 n. 1 do Decreto-Lei n. 430/83, de 13 de Dezembro, constituindo-se cada um dos referenciados arguidos autor do delito ali compendiado
- e não co-autor desse referido crime, como erradamente, salvo o devido respeito, foi sufragado pelo acórdão apelado - já que não se observam, no caso em menção, os pressupostos legais da co-autoria, ou sejam uma decisão conjunta, tendo em vista a obtenção de um determinado resultado e uma execução igualmente conjunta, sem que, quanto a este último requisito se torne necessário que todos agentes tomem parte directa em todos os actos de execução (confira artigo 26 do
Código Penal, a prova dada como assente e dada como não provada e, entre outros, o Acórdão deste Supremo
Tribunal de Justiça de 18 de Julho de 1984 in Boletim n. 339 página 276).
Com tal tese se responde à agravante quando peleja na direcção de que os actos por si praticados tiveram por objecto quantidades diminutas e que, por essa razão, ter-se-ia de atender ao comando do artigo 24 n. 1 do Decreto-Lei n. 430/83, de 13 de Dezembro, o que, aliás, não se entendeu na decisão recorrida.
A recorrente olvidou a matéria factual provada, toda ela no sentido de que, dadas as quantias em dinheiro apreendidas e de dessa sua actividade de venda da droga - não interessam para a perfectibilidade do crime cometido a quem foi vendida a droga, as suas quantidades exactas, nem o preço, nem quantas vezes vendeu o produto - ter auferido largos lucros, para convencer o Tribunal e a nós também, com toda a segurança, que, na situação hipotizada no processo, não nos achamos em face de "quantidades diminutas", com o significado que lhe empresta o n. 3 do aludido artigo
24 do Decreto-Lei n. 430/83.
V - Operada a classificação dos factos na sua grandeza criminal, eis-nos chegados à meta final, ou seja ao problema do doseamento da pena a aplicar à recorrente - e tão só da responsabilidade criminal desta há que curar - exactamente porque, apartada a co-autoria e atento o que preceitua o artigo 402 n. 2 do Código de
Processo Penal, não há que conhecer da responsabilidade que incide sobre o arguido A, na medida em que da decisão não agravou.
Neste ponto, há que ter em linha de conta o mandamento do artigo 72 do Código Penal, que prescreve as traves mestras a que o julgador tem de atender em tão difícil
área: a culpa do agente, as exigências de prevenção de futuros crimes e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, sem prejuízo, é claro, dos limites mínimo e máximo da pena aplicável, em abstracto, que, no caso do processo, se situam em 6 e
12 anos de prisão e multa de 50000 escudos a 5000000 escudos.
Elevado se apresenta o grau de ilicitude dos factos e podemos concluir que graves foram as suas consequências, como é lógico, no que se refere à saúde física e psíquica de todos aqueles que adquiriram o produto - que é considerado como "droga dura" e que, como é consabido, tantos malefícios ocasiona às pessoas que a utilizam, bem como às famílias e à própria comunidade em que estão inseridas.
Intenso o dolo com que a arguida actuou (dolo directo).
A minorar a sua responsabilidade nenhuma circunstância se apurou.
A arguida é de condição social modesta.
Ora, meditando em todos estes ingredientes e não esquecendo as exigências de prevenção de futuros crimes da natureza da dos autos - que infelizmente e com tanto alarme se vem multiplicando, entre nós - somos de parecer de que a reacção criminal com que a 1 instância estigmatizou a actuação da arguida - seis anos de prisão e 300000 escudos de multa - se apresenta justa e equilibradamente doseada, merecendo o nosso inteiro aplauso e confirmação.
VI - Mas não nos podemos quedar por aqui.
É que, no passado dia 22 de Fevereiro do corrente ano, entrou em vigor o Decreto-Lei n. 15/93, de 22 de
Janeiro, que revê a legislação de combate à droga e revoga o Decreto-Lei n. 430/83, de 13 de Dezembro.
Daí que haja que chamar à colação outras disposições legais que até à data ainda não foram focadas.
E são elas as seguintes:
Artigo 29 da Constituição:
. . . . . .
"4 - Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável...".
No desenvolvimento de tal catequese constitucional, reza o mandamento do artigo 2 n. 4 do Código Penal:
"Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, será sempre aplicado o regime que concretamente se mostra mais favorável ao agente, salvo se este já tiver sido condenado por sentença transitada em julgado".
Como não nos achamos em face da excepção consolidada na parte final do transcrito preceito penal - relativamente à arguida-recorrente - compete-nos averiguar qual das duas leis - o Decreto-Lei n. 430/83 e o Decreto-Lei n. 15/93 - estabelece o regime que concretamente (e não em abstracto) se apresenta mais favorável ao agente do facto criminoso a que os autos se reportam.
Tal escopo implica, assim, duas operações:
- a primeira mediatizada na indagação de qual a pena que, em concreto, caberia à arguida, pelo velho Decreto-Lei n. 430/83; e
- a segunda concretizada na investigação de qual a pena que, em concreto, caberia à recorrente, pelo actual Decreto-Lei n. 15/93.
Efectuadas tais operações e cotejando em seguida as duas achadas penas, em condições ficaremos para detectar qual dos dois referenciados diplomas institui o regime que concretamente se apresenta mais favorável
à arguida.
Passemos, pois, a acometer tais diligências.
A primeira, como atrás vimos, já se tornou real quando nos pronunciamos sobre o doseamento da pena que consideramos ajustada para sancionar o criminoso procedimento da acusada-agravante, face ao Decreto-Lei n. 430/83.
Cumpre-nos, averiguar tão só a pena que, em concreto, e
à face do Decreto-Lei n. 15/93, caberia à arguida.
A infracção perpetrada pela acusada encontra-se compendiada no artigo 21 n. 1 do Decreto-Lei n. 15/93,
à qual corresponde a pena de 4 a 12 anos de prisão, sem qualquer multa.
Ora, considerando todos os componentes de facto que deixamos exarados a quando do doseamento da pena aplicável em função do Decreto-Lei n. 430/83 e não esquecendo as exigências de prevenção de futuros crimes, entendemos que a pena ajustada à estigmatização do criminoso comportamento da arguida-recorrente, face ao Decreto-Lei n. 15/93, é a de cinco anos de prisão.
Confrontando agora as duas achadas sanções criminais, somos forçados a concluir que é o actual Decreto-Lei n.
15/93, de 22 de Janeiro, o diploma que estatui, em concreto, o regime mais benigno para a agravante.
Daí que, "ex vi" dos aludidos normativos dos artigos 29 n. 2 e 2 n. 4, respectivamente, da Constituição da República e do Código Penal, tenha de ser eleito, para sancionar a actuação da recorrente, o referido Decreto-Lei n. 15/93, de 22 de Janeiro.
Assim, condena-se a arguida-recorrente na pena de cinco anos de prisão, alterando-se, deste modo, a sanção criminal que lhe foi imposta na decisão recorrida.
No mais se confirma a decisão da 1 instância.
VII - Desta sorte e pelos expostos fundamentos, decidem os juizes deste Supremo Tribunal de Justiça conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente, alterar o douto acórdão recorrido, nos termos sobreditos, e confirmá-lo na parte restante.
Pela sucumbência parcial do recurso, vai a recorrente condenada em 5 UCS de taxa de justiça e na procuradoria de 1/4 da referida taxa.
Lisboa, 24 de Fevereiro de 1993
Ferreira Dias,
Ferreira Vidigal,
Sá Nogueira,
Abranches Martins.
Decisão impugnada:
Acórdão de 92.10.16 do 3 Juízo - 1 Secção Criminal de
Lisboa.