Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | MAIA COSTA | ||
Descritores: | MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU DETENÇÃO PRAZO EXECUÇÃO DO MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU | ||
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Nº do Documento: | SJ200809100029113 | ||
Data do Acordão: | 09/10/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU | ||
Decisão: | INDEFERIDO | ||
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Sumário : | I - A Lei 65/2003 estabelece, no seu art. 30.º, os prazos máximos de duração da detenção: 60 dias até à prolação da decisão sobre a execução do MDE (n.º 1); 90 dias, no caso de recurso dessa decisão; 150 dias, se houver recurso para o TC. Estes são os prazos de duração da detenção, ou seja, os prazos que a detenção não pode exceder até à prolação da decisão sobre a execução do MDE. II - Após o trânsito dessa decisão, uma nova fase se abre: a da execução do MDE, com a entrega da pessoa procurada (detida ou em liberdade) à entidade emissora do MDE. Para a entrega, um novo prazo é cominado, este previsto no art. 29.º da mesma Lei. Esse prazo é de 10 dias (n.º 2 do referido artigo), podendo ser prorrogado por mais dez, nas circunstâncias indicadas no n.º 3 do mesmo preceito. III - Há, pois, que distinguir entre prazo de duração da detenção, cuja previsão está contida no art. 30.º, e prazo para a entrega do procurado, que está previsto no art. 29.º, ambos da Lei 65/2003, acrescendo este último àquele. IV - Numa situação em que: - o requerente foi detido em 03-04-2008, em cumprimento de um MDE emitido pelas autoridades judiciais francesas; - a detenção foi validada pelo Tribunal da Relação no dia imediato; - em 23-04-2008, a mesma Relação determinou a execução do MDE e consequentemente a entrega do ora requerente às autoridades francesas; - o ora requerente recorreu dessa decisão para este STJ, que negou provimento ao recurso, por acórdão de 29-05-2008, e indeferiu o pedido de aclaração do mesmo por acórdão de 19-06-2008; - em 24-06-2008, o requerente recorreu para o TC, recurso que não foi admitido, tendo a reclamação interposta sido desatendida por acórdão desse Tribunal de 04-08-2008, transitado em 22-08-2008; constata-se que os prazos do art. 30.º foram todos cumpridos, pois decorreram 20 dias desde a detenção até à prolação da decisão da Relação e 59 dias até à decisão do recurso no STJ, tendo a decisão que ordenou a execução do MDE, após o frustrado recurso para o TC, transitado em julgado em 22-08-2008, ou seja, antes de decorridos 150 dias sobre a data da detenção. V - A entrega não está compreendida nesse prazo, pois, nos termos do art. 29.º da Lei 65/2003, deve ocorrer no prazo de 10 dias após o trânsito da decisão que ordena a execução do MDE, prazo esse prorrogável por mais 10 dias. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. RELATÓRIO AA vem requerer a providência de habeas corpus, ao abrigo do art. 222º, nº 2, c) do Código de Processo Penal (CPP), nos seguintes termos: I. O arguido requereu ao Mmo Juiz-Desembargador a sua imediata restituição à liberdade com os seguintes fundamentos: a) Encontra-se detido em cumprimento de MDE desde o dia 4.4.2008 (corrige-se agora para 3.4.2008), pelo que perfez no dia 31.8.2008, ou 30, 150 dias de detenção; b) Estando esgotados os prazos de duração máxima da detenção por força do disposto no art. 30º da Lei nº 65/2003, de 23-8. II. Opôs-se o Digno Magistrado do MºPº, sr. Procurador-Geral Adjunto, fazendo um relato correcto dos factos no que concerne à data da detenção e trâmites processuais subsequentes. Socorreu-se do disposto no art. 29º da Lei nº 65/2003, de 23-8, supra citada, para concluir que os prazos não foram excedidos, isto com referência às diversas situações previstas neste normativo. III. O Mº Juiz-Desembargador acolheu a posição do MºPº decidindo pelo indeferimento do pedido… no entendimento que os prazos legais foram escrupulosamente cumpridos. IV. Salvo o devido respeito, o caso em apreço está fora da previsão do art. 29º, citado. Perdoem-me Vossas Excelências a ironia, mas os 10 dias para cá e os 10 dias para lá do art. 29º terão que decorrer dentro do período de 150 dias – prazo de duração máxima da detenção – art. 30º. O processo deveria ter sido tramitado de acordo com o art. 29º, mas não foi, caindo na alçada e cominação do art. 30º, ou seja, o Tribunal deixou passar os 150 dias de detenção, sua duração máxima, sem entregar a pessoa procurada. A pessoa procurada continua, no dia de hoje, no EPL, a aguardar a sua entrega às autoridades francesas, ilegalmente preso, nos termos da al. c) do C.P.Penal. Repete-se: Os tribunais portugueses tiveram todo o tempo do art. 29º da Lei nº 65/2003, de 23-8, que, todavia, deixaram esgotar, não andando com a celeridade a que estavam obrigados. O T.R. Lisboa não pode socorrer-se do disposto no art. 29º para “salvar” a situação, ignorando o disposto no art. 30º, única aplicável na situação actual. V. Em conclusão: A – O arguido encontra-se detido em cumprimento de MDE desde o dia 3.4.2008, pelo que perfez no dia 30.8.2008 150 dias de detenção. B – Estando esgotados os prazos de duração máxima da detenção, por força do disposto no art. 30º da Lei nº 65/2003, de 23-8. C – O caso em apreço está fora da previsão legal do art. 29º do citado normativo, estabelecendo este a tramitação do processo, que os tribunais portugueses não respeitaram, já que deixaram esgotar os respectivos prazos se procederem à entrega da pessoa procurada. D – O arguido AA deveria ter sido entre às autoridades francesas no prazo máximo de 150 dias, nos termos do art. 30º, nº 3 da Lei nº 65/2008, de 23-8, e não foi este o caso. E – Encontrando-se, por isso, legalmente preso, para os efeitos do disposto nos arts. 35º da CRP e 222º, nº 2, c) do CPP. Termos em que requer a Vossas Excelências a sua imediata libertação. O sr. Juiz-Desembargador titular do processo prestou a seguinte informação, nos termos do art. 223º do CPP: AA foi detido em 3 de Abril de 2008. A detenção foi judicialmente validada, em 04/04/2008, aquando da audição do procurado/detido nos termos do n.° 3, do art. 18.° da Lei n.° 65/2003, de 23/08. Em 23/04/2008 foi proferido acórdão por este Tribunal da Relação que determinou a execução do mandado de detenção europeu. Entre a detenção do procurado e a decisão sobre a execução do mandado de detenção europeu que determinou a sua entrega à Justiça francesa decorreram 20 dias. O procurado, em 05/05/2008, recorreu da predita decisão para o Supremo Tribunal de Justiça. O Supremo Tribunal de Justiça, por douto acórdão de 29/05/2008, negou provimento ao recurso, confirmando, consequentemente, a decisão de execução do mandado de detenção europeu e, por douto acórdão de 19/06/2008, indeferiu o pedido de aclaração revogatória que havia sido formulado pelo arguido. Em 24/06/2008 o arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, recurso este que não foi admitido por despacho do Exm.° Conselheiro Relator, proferido em 26/06/2008. O arguido, em 07/07/2008, apresentou, perante o Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional, reclamação que veio a ser desatendida por douto acórdão do Tribunal Constitucional, proferido em 04/08/2008 e transitado em julgado em 22/08/2008. Da predita exposição constata-se que todos os prazos referidos nos n.°s. l, 2 e 3 do art. 30.°, da Lei n.° 65/2003, de 23/08, foram escrupulosamente cumpridos, nas diversas instâncias, na medida em que os 150 dias a contar da detenção do arguido só se perfizeram em 30 de Agosto de 2008 e a decisão definitiva de execução do mandado de detenção europeu transitou em julgado em 22 de Agosto de 2008. Salvo melhor entendimento, não assiste ao requerente do Habeas Corpus razão, quando afirma que a sua detenção excede o prazo legal, pois confunde manifestamente entre prazo para a decisão sobre a execução do mandado de detenção europeu e prazo para a concretização da entrega à autoridade judiciária de emissão. O prazo para a decisão sobre a execução do mandado de detenção europeu foi escrupulosamente cumprido e o prazo para entrega (art. 29.°, da Lei n.° 65/2003) também o será, na medida em que a mesma está já agendada para o próximo dia 4 do corrente mês. Entretanto, foi prestada pelo Gabinete Nacional da Interpol a informação de que o requerente não foi entregue às autoridades francesas no dia 4.9.2008, como estava previsto, por se ter recusado a seguir no avião onde viajaria para França, tendo o comandante da aeronave, por razões de segurança, recusado transportá-lo nesse voo, pelo que o ora requerente regressou ao Estabelecimento Prisional de Lisboa. Foi realizada a audiência, nos termos legais. II. FUNDAMENTAÇÃO Funda o requerente o seu pedido na al. c) do nº 2 do art. 222º do CPP: excesso de prazo da prisão. Alega ele que foi violado o disposto no art. 30º da Lei nº 65/2003, de 23-8, que prevê um prazo máximo de 150 dias de detenção, porque já decorreu tal prazo sem que tenha sido entregue às autoridades francesas, que emitiram o mandado de detenção europeu (MDE). São os seguintes os factos a considerar para a decisão desta providência: O requerente foi detido em 3.4.2008, em cumprimento de um MDE emitido pelas autoridades judiciais francesas. A detenção foi validada pela Relação de Lisboa no dia imediato. Em 23.4.2008, a mesma Relação determinou a execução do MDE e consequentemente a entrega do ora requerente às autoridades francesas. O ora requerente recorreu dessa decisão para este STJ, que negou provimento ao recurso, por acórdão de 29.5.2008, e indeferiu o pedido de aclaração do mesmo por acórdão de 19.6.2008. Veio então, em 24.6.2008, o ora requerente recorrer para o Tribunal Constitucional (TC), recurso que não foi admitido, tendo a reclamação interposta sido desatendida por acórdão do TC de 4.8.2008, transitado em 22.8.2008. Vejamos agora o direito. A Lei nº 65/2008 estabelece, no seu art. 30º, os prazos máximos de duração da detenção: 60 dias até à prolação da decisão sobre a execução do MDE (nº 1); 90 dias, no caso de recurso dessa decisão; 150 dias, se houver recurso para o TC. Estes são os prazos de duração da detenção, ou seja, os prazos que a detenção não pode exceder até à prolação da decisão sobre a execução do MDE. Após o trânsito dessa decisão, uma nova fase se abre: a da execução do MDE, com a entrega da pessoa procurada (detida ou em liberdade) à entidade emissora do MDE. Para a entrega, um novo prazo é cominado, este previsto no art. 29º da mesma Lei. Esse prazo é de 10 dias (nº 2 do referido artigo), podendo ser prorrogado por mais 10 dias, nas circunstâncias indicadas no nº 3 do mesmo preceito. Há, pois, que distinguir entre prazo de duração da detenção, cuja previsão está contida no art. 30º, e prazo para a entrega do procurado, que está previsto no art. 29º, ambos da Lei nº 65/2003, acrescendo este último àquele. Analisando agora os factos dos factos, logo se constata que o requerente não tem razão. Os prazos do art. 30º foram todos cumpridos, pois decorreram 20 dias da detenção até à prolação da decisão da Relação, 59 dias até à decisão do recurso no STJ, tendo a decisão que ordenou a execução do MDE, após o frustrado recurso para o TC, transitado em julgado em 22.8.2008, ou seja, antes de decorridos 150 dias sobre a data da detenção. A entrega, como vimos, não está compreendida nesse prazo, pois, nos termos do art. 29º, deve ocorrer no prazo de 10 dias após o trânsito da decisão que ordena a execução do MDE, prazo esse prorrogável por mais 10 dias. Em cumprimento desse preceito, a entrega foi marcada para o passado dia 4.9.2008, não tendo sido efectuada pelos motivos acima indicados. Nova entrega pode ser marcada para os 10 dias subsequentes àquela data, nos termos do mesmo artigo. Em qualquer caso, não está excedido, neste momento, nenhum dos prazos indicados, quer no art. 30º, quer no art. 29º da Lei nº 65/2003. Improcede, pois, a pretensão do requerente. III. DECISÃO Com base no exposto, acorda-se em indeferir o habeas corpus. Vai o requerente condenado em 5 UC de taxa de justiça. Lisboa, 10 de Setembro de 2008 Maia Costa (relator) Pires da Graça Pereira Madeira |