Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00038366 | ||
Relator: | AZAMBUJA FONSECA | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO RETRIBUIÇÃO IRREDUTIBILIDADE | ||
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Nº do Documento: | SJ20001220028644 | ||
Data do Acordão: | 12/20/2000 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 1980/00 | ||
Data: | 04/05/2000 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA. | ||
Área Temática: | DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ARTIGO 342 N1 N3. LCT69 ARTIGO 21 N1 C ARTIGO 26 ARTIGO 82 ARTIGO 87. ACT MOTORISTAS CLAUS39 CLAUS40 CLAUS74 N7 N8. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1998/10/13 IN BMJ N480 PAG180. ACÓRDÃO STJ DE1989/01/20 IN BMJ N483 PAG122. | ||
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Sumário : | I- Se o trabalhador é contratado como motorista para efectuar serviço nacional e internacional, tem direito, enquanto executa funções em transporte internacional, a uma retribuição especial. II- A entidade patronal pode retirar ao trabalhador o serviço internacional, colocando-o só em transportes nacionais. III- Nesse caso pode retirar-lhe o pagamento da retribuição especial. | ||
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Decisão Texto Integral: | PROCESSO Nº 2864/00 Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: No Tribunal do Trabalho de Lisboa, 3º Juízo, A demandou, em acção declarativa, com processo ordinário, emergente de contrato de trabalho, B, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia global de 4367570 escudos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento. Para tanto, alegou, em síntese: - Ter sido admitido ao serviço da Ré em 17 de Julho de 1980 e, por conta, sob a autoridade e direcção desta ter trabalhado, como motorista até 31 de Julho de 1996, data em que rescindiu, com justa causa, o contrato de trabalho; - Tinha a categoria de motorista de transportes internacionais rodoviários de mercadorias mas, em Outubro de 1994, a Ré retirou-lhe o serviço TIR, passando a trabalhar no serviço de transporte nacional, o que determinou uma diminuição média do seu vencimento mensal de 110000 escudos, já que lhe retirou o prémio TIR, a remuneração da cláusula 74ª do CCT aplicável, o subsídio de alimentação e o prémio por quilómetro; - Apesar das reclamações que fez junto da Ré, esta acabou por lhe transmitir que não faria mais viagens internacionais, pelo que com efeitos a partir de 31 de Julho de 1996 rescindiu, com justa causa, o contrato de trabalho; - Desde que deixou de prestar serviço internacional e até à data da rescisão recebeu menos 2530000 escudos do que devia ter recebido se continuasse a prestar tal serviço; - Prestou, fora do seu horário normal, 398 horas de trabalho à Ré, mas esta ainda lhe não pagou a retribuição correspondente. Citada a Ré, contestou, afirmando, em síntese: - O Autor não foi contratado como motorista afecto ao serviço internacional mas simplesmente como motorista, podendo desempenhar funções no serviço nacional ou internacional de acordo com as necessidades da Ré, sendo certo que o serviço internacional não constitui uma categoria profissional, mas um trabalho como qualquer outro; - O Autor deixou de fazer transportes no serviço internacional porque, no entender da Ré, já não reunia as condições ideais para tal tipo de serviço; - O valor abonado aos motoristas que prestam serviço internacional é variável consoante os dias de duração da viagem e os quilómetros percorridos; - O Autor não prestou o trabalho suplementar que alega; - Pelo que concluiu pela improcedência da lide e a sua consequente absolvição do pedido. Foi proferido despacho saneador, com especificação e questionário elaborados, deles tendo, com sucesso, reclamado a Ré, após o que se procedeu a audiência de julgamento, com respostas aos quesitos, sem qualquer reclamação. Por douta Sentença de fls. 225 a 229, foi julgada "... a acção em parte provada e procedente, condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia global de 2310000 escudos, acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde a data de citação da Ré e até integral pagamento". Inconformada, a Ré apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, pugnando pela improcedência total da acção, com consequente absolvição do pedido. Contra-alegou o Autor em defesa da decisão recorrida. Por douto Acórdão de fls. 252 a 253, foi mantida a decisão recorrida. De novo inconformada, recorre de revista a Ré, concluindo nas suas doutas alegações: "1ª - Os presentes autos não contêm elementos, donde possa concluir-se que a média mensal dos abonos suplementares auferidos pelo recorrido era de 110000 escudos. 2ª - Segundo o disposto no nº 2 do artigo 84º da LCT, a média do valor da retribuição variável atribuída a um trabalhador terá de aferir-se pela média dos valores que o trabalhador recebeu ou tinha direito a receber nos últimos doze meses de execução do trabalho. 3ª - Ora, conforme se deu como provado, em Outubro de 1994 retirou ao recorrido o trabalho TIR. 4ª - Mas sendo assim, os últimos doze meses situam-se entre Outubro de 1993 e Outubro de 1994. 5ª - Por outro lado, a fórmula dada ao parágrafo, em que se refere a média mensal de 110000 escudos, dá a entender que esta média se obteve com a contabilidade global de todos os montantes recebidos pelo recorrido durante o tempo em que trabalhou no serviço internacional TIR. 6ª - Consequentemente, a pretensa média não foi obtida nos respectivos moldes legais, independentemente de não ter sido devidamente referenciada com o suporte material respectivo. 7ª - Assim, o douto Acórdão recorrido violou por errada interpretação ou por omissão, o disposto no nº 2 do artigo 84º da LCT. 8ª - E independentemente desta violação, cria uma situação em que o Venerando Supremo Tribunal de Justiça pode decidir que a factualidade quanto a este aspecto deve ser ampliada de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 729º do C.P.C.. 9ª - Por outra banda, o suplemento de retribuição ao trabalhador pelo serviço exercido nas condições especiais de viagem ao estrangeiro, destina-se a pagar abonos de viagem como contrapartida do esforço e da penosidade suportados pelo trabalhador-motorista em transportes de longo curso. 10ª - Há, desta feita, uma colagem directa do "facto-viagem" ao "facto-retribuição", sendo certo que aquele só existe em função deste e vice-versa. 11ª - Consequentemente, o caso dos autos, com a sua especificidade, enfoca os "outros abonos" a que se reporta o artigo 87º da LCT. 12ª - Este entendimento teórico é corroborado pela redacção do nº 7 da Cláusula 74ª do CCTV. 13ª - Efectivamente, o nº 7 desta cláusula refere que o trabalhador-motorista afecto ao serviço internacional tem direito a essa retribuição a aditar à respectiva remuneração base. 14ª - Quer dizer: o próprio Contrato Colectivo de Trabalho para o Sector define formalmente o tal complemento de retribuição (ganho quando trabalhado) como retribuição e não como remuneração. 15ª - O que parece coincidir com a tese que defendemos. 16ª - Em face do exposto a ora recorrente julga poder concluir com toda a segurança o seguinte: a) Que, no caso sujeito, o fenómeno da retribuição pelo trabalho cometido em viagem nada tem a ver com o conceito de remuneração "stricto sensu", tratando-se, pois, de uma prestação subsumível do artigo 817º (manifesto lapso de escrita em vez de artigo 87º) da LCT. b) Que, sendo assim, o douto Acórdão recorrido violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 21º, nº 1, alínea c) e 82º ambos da LCT e ainda por omissão o disposto no artigo 87º da mesma LCT. 17ª - Sucede ainda que, algumas das motivações do douto Acórdão recorrido, se não podem considerar como esclarecedoras e conclusivas da decisão adoptada no mesmo Douto Acórdão. 18ª - Com efeito, o fenómeno de uma habitualidade e melhoria na qualidade de vida que se verifica com a retribuição reforçada vencida nas viagens ao estrangeiro, verifica-se de igual feito, com o reforço dado a certa retribuição base com prática de trabalhos exercida em horas extraordinárias. 19ª - Por outro lado, não há nada nos autos - de acordo com a matéria dada como provada - donde possa inferir-se que a recorrente mudou o recorrido do serviço internacional para o nacional, sem averiguar as razões de tal mudança. 20ª - Muito pelo contrário, o facto de o recorrido não ter reagido minimamente quando se verificou tal mudança faz presumir seguramente que a decisão da empresa recorrente foi ponderada e justamente tomada. 21ª - Desta feita, ao decidir como decidiu pela ilegalidade de tal iniciativa da recorrente, o Douto Acórdão recorrido violou por errada interpretação e aplicação de entre o mais o disposto no nº 2 do artigo 659º, nº 1 do CPC bem como o artigo 351º do Código Civil. 22ª - Deverá pois, ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o Douto Acórdão recorrido e concedendo-se a pretendida Revista de modo a ser declarada improcedente, por não provada a presente acção no que concerne ao pedido do recorrido relativamente ao pagamento de trabalho suplementar". Contra-alegou o Autor em defesa de manutenção da decisão recorrida. A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto Parecer no sentido de ser negada a revista. Notificado às Partes, respondeu a Ré recorrente, no sentido do desentendimento do "... douto Parecer do Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público, concedendo-se a almejada Revista, como se pede nas alegações do Recorrente". Foram colocados os vistos.É a seguinte a matéria de facto dada por provada no Acórdão recorrido: "1. O Autor foi admitido ao serviço da Ré em 17 de Março de 1980 para, sob as suas ordens e fiscalização, exercer as funções de motorista; 2. Em Outubro de 1994, a Ré retirou ao Autor o trabalho TIR, com excepção de duas viagens com destino a Roma; 3. Retirando-lhe igualmente o veículo pesado de mercadorias com que trabalhou, passando o Autor a conduzir um veículo de transporte nacional de mercadorias; 4. Em 31 de Julho de 1996, o Autor fez cessar o contrato que mantinha com a Ré, nos termos da carta de fls. 12; 5. O Autor não concedeu à Ré qualquer período de aviso prévio; 6. A Ré efectua transportes nacionais e internacionais de mercadorias; 7. À data da cessação do contrato, o Autor auferia o salário base mensal de 94850 escudos; 8. Desde a data da sua admissão, o Autor exerceu funções de motorista de transportes nacionais e internacionais e, pelo menos desde 1989, estava afecto ao serviço de transportes internacionais de mercadorias; 9. Até Outubro de 1994, enquanto exerceu tal serviço TIR, o Autor recebia da Ré um prémio TIR, a remuneração da cláusula 74ª do CCT, subsídio de alimentação e o prémio de quilómetro; 10. No serviço TIR, o Autor auferia em média, para lá do salário base, um montante global mensal de pelo menos 110000 escudos; 11. Verbas que lhe foram retiradas logo que deixou de efectuar o serviço TIR; 12. O Autor foi contratado pela Ré, enquanto motorista de viaturas pesadas, quer no serviço nacional quer no serviço internacional, sendo a Ré que determinava um ou outro serviço, consoante as suas necessidades; 13. A Ré retirou o Autor do serviço TIR por entender que aquele já não reunia condições para executar esse serviço com eficiência e prontidão; 14. O valor que a Ré paga aos motoristas do serviço TIR varia consoante os quilómetros percorridos e os dias de duração da viagem; 15. A Ré pagava ao Autor, no serviço nacional, o custo das refeições mediante apresentação das facturas, até ao montante de 1330 escudos por refeição". Quanto à matéria de facto, consta ainda do Acórdão recorrido: "A matéria descrita no nº 2 da decisão recorrida é constituída exclusivamente por matéria de direito. Assim, ao abrigo do artigo 646º, nº 4 do C.P.C., esta Relação considerou essa matéria como não escrita e, em consequência, alterou-se, neste acórdão a numeração dos factos provados". Do ponto 2 de matéria de facto dada por provada em 1ª Instância, constava: "À relação laboral entre as partes aplica-se o CCT celebrado entre as Associações patronais e a Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Urbanos, publicado no B.T.E. nº 9 (I Série) de 8 de Março de 1980". Relativamente à matéria de facto provada, insurge-se a Ré recorrente, tal como já o fizera na apelação, por os presentes autos não conterem "... elementos donde possa concluir-se que a média mensal dos abonos suplementares auferidos pelo recorrido era de 110000 escudos" - conclusão 1ª da alegação de revista - e daqui decorre, no seu entender, violação do artigo 84º, nº 2, da LCT. Ora, tal verba foi objecto do quesito 3º, não tendo a Ré reclamado nem da sua elaboração nem da resposta que lhe foi dada. E já não havia contestado o montante desta verba, sendo certo que era a Ré quem processava o vencimento e abonos mensais do Autor e, por isso, sabia, ou pelo menos devia saber, quanto lhe pagou no último ano em que esteve afecto ao serviço TIR e a que títulos, limitando-se a afirmar no artigo 24º da sua contestação: "É óbvio que, os motoristas que são indicados para efectuarem viagens ao estrangeiro, são abonados das impropriamente chamadas ajudas de custo, que são liquidadas por recibo, à parte, para pagamento de Sábados, Domingos, feriados e descansos, 5 escudos ao quilómetro e 2500 escudos de diária, além da remuneração legal a que têm direito, como é óbvio". É, assim, estranho que se limite a pôr em dúvida tal valor indicado pelo Autor na sua P.I., quer na apelação quer agora na revista. Ponderada toda a matéria de facto dada por provada pelas Instâncias, não há lugar a usar dos poderes conferidos pelo nº 3, do artigo 729º, do C.P.C., como a Recorrente "sugere". Assim, aceita-se a matéria de facto tal como fixada pela 2ª Instância, por não passível de qualquer censura.Alega a Recorrente a violação, pelo Acórdão recorrido, do artigo 659º, nº 1, do C.P.C.. Se tivesse havido violação da norma processual sobre elaboração do Acórdão, teria ocorrido relativamente ao artigo 713º, nº 2, do C.P.C., só que, da sua simples leitura resulta manifesto não ter ocorrido qualquer vício na sua formulação.Posto isto, a questão a resolver é saber se ao Autor assiste direito a receber mais do que recebeu entre Outubro de 1994 e 31 de Julho de 1996 (datas em que, respectivamente, cessou a sua afectação ao serviço TIR e de rescisão do contrato de trabalho) decorrente de, pelo menos, entre 1989 e Outubro de 1994 ter estado afecto a esse serviço. Embora concordantes quanto ao montante a receber pelo Autor, as Instâncias divergiram quanto à licitude de conduta da Ré ao remover o Autor do serviço TIR. Enquanto a 1ª Instância a qualificou como lícita, a 2ª entendeu-a como ilícita. Liminarmente há a considerar que, para que tal conduta pudesse ser qualificada como ilícita era necessário que o Autor tivesse alegado e provado factos donde tal decorresse dado que como constitutivos ao seu direito (ou, pelo menos, da extensão do seu direito), sobre ele incumbia o ónus de prova - artigo 342º, nºs 1 e 3, do Código Civil - dado inexistir qualquer inversão de tal ónus ou presunção legal de que beneficie. Ora o Autor limitou-se a alegar na P.I.: 3º "Sucede que em Outubro de 1994, por razões que o Autor desconhece, foi-lhe retirado o trabalho TIR (com excepção de duas viagens com destino a Roma)". E, da matéria de facto provada, consta que era a Ré que determinava um ou outro serviço - nacional ou TIR - consoante as suas necessidades e que a Ré retirou o Autor do serviço TIR por entender que já não reunia condições para executar esse serviço com eficiência e prontidão - pontos 12 e 13. Há, assim, que caracterizar como lícita e legítima a conduta da Ré ao retirar o Autor do serviço TIR, por não provados factos que directamente, ou por via de presunções, permitam concluir diferentemente. Há, agora, que ver se (e em caso afirmativo qual ou quais) os montantes recebidos pelo Autor no serviço TIR, por serem retributivos do seu trabalho, a Ré lhe devia ter continuado a pagar, apôs retirado desse serviço. Conforme provado - pontos 9 e 10 da matéria de facto - até Outubro de 1994, enquanto efectuou transportes TIR, o Autor recebia da Ré um prémio TIR, a remuneração da Cláusula 74ª do C.C.T., subsídio de alimentação e prémio por quilómetro, o que representava, em média, para lá do salário base, um montante global mensal de, pelo menos, 110000 escudos. Da P.I. do Autor e da contestação da Ré não consta qual o valor de cada uma destas componentes, apenas se conhecendo o seu valor global mensal médio. Nos termos da alínea c), do nº 1, do artigo 21º, do Regime Jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 49408, de 24 de Novembro de 1969, a seguir designado por LCT, é proibido à entidade patronal diminuir a retribuição do trabalhador, salvo as excepções aí previstas, nenhuma delas aplicável ao caso vertente. Vejamos as outras disposições da LCT relevantes para a decisão: Artigo 82º 1 - Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.2 - A retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie. 3 - Até prova em contrário, presume-se constituir retribuições toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador. Artigo 26º Não se considera retribuição a remuneração por trabalho extraordinário, salvo quando se deve entender que integra a retribuição do trabalhador.Artigo 87º Não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outros equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações ou novas instalações, feitas em serviço da entidade patronal, salvo quando, sendo tais deslocações frequentes, essas importâncias, na parte que excedam as respectivas despesas normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante de remuneração do trabalhador.Não se suscitam dúvidas quanto à natureza remuneratória extraordinária do prémio por quilómetro por directamente decorrente do serviço prestado e da penosidade agravada das grandes distâncias a percorrer. Assim ele só é devido se, na medida e enquanto o motorista está afecto ao serviço TIR, não integrando a sua retribuição, não obstante se revestir tal pagamento de regularidade e periodicidade. Quanto ao subsídio de alimentação poderia, em parte, integrar o conceito de retribuição do trabalhador Autor, na medida em que excedesse as despesas normais. Só que, para tal, haveria o Autor de ter demonstrado a existência de excedentes. E nem sequer alegou tal existência, não sendo lícito presumir a sua existência. Por isso, também esta verba que integrava o montante auferido pelo Autor mensalmente quando, no serviço TIR se ter de considerar como não tendo base legal para que, após a cessação desse serviço, o Autor tenha direito a receber parte dela, por integrada na sua retribuição. Quanto ao prémio TIR, a verba paga por força do disposto no nº 7, da Cláusula 74ª do CCTV publicado no B.T.E., 1ª Série, nº 9, de 8 de Março de 1980 e nº 16, de 29 de Abril de 1982, há que considerar que aí se consagra o direito dos trabalhadores dos transportes rodoviários de mercadorias internacionais a uma retribuição mensal que não pode ser inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia. É uma retribuição especial destinada a compensar estes trabalhadores pela maior penosidade e pelo esforço acrescido inerente a esta actividade, a qual não depende da prestação efectiva de qualquer trabalho extraordinário, sendo que a referência a trabalho extraordinário tem a ver, apenas, com a fixação do respectivo montante. E, como se escreveu no Acórdão deste Supremo Tribunal de 13 de Outubro de 1998, no B.M.J. nº 480, páginas 180 e seguintes: "O direito a essa especial retribuição (cláusula 74ª, nº 7 do CCTV) não depende, porém, da prestação efectiva de qualquer trabalho extraordinário. Dadas as suas características e os termos em que é estabelecido tal benefício, não pode deixar este de ser qualificado como uma compensação, complementar da retribuição e que a integra, cabendo no conceito legal de retribuição normal definida no artigo 82º do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 49408. Como expressamente se diz no preceito em causa, trata-se de uma retribuição mensal, por conseguinte, regular e permanente, devida em relação a todos os dias do mês, independentemente da prestação efectiva de qualquer trabalho, acrescendo sempre à retribuição de base devida. A referência a trabalho extraordinário tem a ver apenas com a fixação do respectivo montante. Trata-se afinal de uma compensação idêntica à que é devida aos trabalhadores, em geral, com isenção de horário de trabalho". E o mesmo foi entendido, entre muitos outros, no Acórdão deste Supremo Tribunal de 20 de Janeiro de 1999, no B.M.J. nº 483, páginas 122 e seguintes. E nada há a alterar por questões terminológicas (retribuição "versus" remuneração). Como escreve o Professor Pedro Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 3ª edição, volume 2º, Tomo 1º, a páginas 330: "A prestação que o empregador tem de efectuar ao trabalhador apresenta uma terminologia vária. Na Lei do Contrato de Trabalho chama-se-lhe retribuição (artigos 82º seguintes LCT), mas encontram-se outras expressões como remuneração, salário, ordenado, vencimento, etc., que se podem usar como sinónimos". Posto isto, no caso vertente, há que saber se esta remuneração se tem de manter após cessação do serviço TIR pelo Autor, por legal decisão da Ré ou, por outras palavras, se o princípio de irredutibilidade de retribuição - artigo 21º, nº 1, alínea c), da L.C.T. - leve a que, mesmo cessada a causa há que manter o efeito. Atente-se que o Autor não foi contratado concreta e especificamente para o serviço TIR, tendo continuado ao serviço da Ré, no transporte nacional de mercadorias, após a cessação do serviço internacional. Como já se aflorou, a razão de ser da retribuição mensal do nº 7, da cláusula 74ª (epigrafado de "Regime de trabalho para os trabalhadores deslocados no estrangeiro") radica-se, essencialmente, na penosidade do trabalho bem longe de casa, na sua realização fora do país e da língua de origem, nas longas distâncias a percorrer e na dificuldade de controlo das horas extraordinárias feitas. Por isso, a estes trabalhadores não são aplicáveis as Cláusulas 39ª (retribuição de trabalho nocturno) e 40ª (retribuição de trabalho extraordinário) - Cláusula 74ª, nº 8. Por tudo isto, entende-se que a remuneração da Cláusula 74ª, nº 7, tem uma natureza, em certos aspectos, próxima de isenção de horário de trabalho e, noutros, da dos subsídios de penosidade, de trabalho nocturno e até de risco e isolamento. Daí que, deixando o trabalhador de estar sujeito a essas especiais condições adversas de trabalho e readquirindo o direito à retribuição por trabalho nocturno e extraordinário, passa a carecer de fundamento a atribuição dessa remuneração, não sendo, consequentemente, invocável, nesta situação, a proibição constante da alínea c), do nº 1, do artigo 21º, da L.C.T.. Como diz o Professor Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 11ª edição, a páginas 453 e 454: "Encarando, agora, conjuntamente, os acréscimos ao salário que são determinados pela penosidade, pelo risco, pelo isolamento, etc. (e de que apresentamos como exemplos os chamados subsídios de turno, de risco, de isolamento), ou seja, pelo próprio condicionalismo externo da prestação de trabalho, entendemos que os mencionados acréscimos ou suplementos participam de todas as características englobadas no critério legal de qualificação: são meras especificações do salário, correspondentes a particularidades da prestação normal do trabalho. Põe-se, no entanto, quanto a tais valores, o problema de saber se, face ao princípio da irredutibilidade da retribuição, eles deverão ser mantidos mesmo quando se alterem condições externas do serviço prestado (por exemplo: se o trabalhador deixa de estar integrado na organização dos turnos; se o risco desaparece; se regressa à sede da empresa). A nosso ver, a resposta afirmativa conduziria a tão patente absurdo que é forçoso admitir, nestes casos, uma solução específica; especificidade, aliás, bastante relativa, dado que a retribuição - base, correspondente à natureza intrínseca do trabalho prestado, está obviamente fora de questão. Assim, e em suma, entendemos que os referidos subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação que lhes serve de fundamento - ideia, aliás, usualmente expressa no clausulado correspondente das convenções colectivas que prevêem tais suplementos". E, como dizem o Professor Mário Pinto e os Drs. Furtado Martins e Nunes de Carvalho, no Comentário às Leis do Trabalho, Volume 1º, a página 100: "Vimos que se proíbe uma regressão salarial, concretizada na redução da retribuição global do trabalhador. Simplesmente, essa retribuição não pode ser entendida como um bloco unitário e incindível, numa perspectiva estritamente aritmética. Retribuição é o correspondente da prestação de trabalho, uma atribuição patronal que serve de contrapartida ao trabalho prestado, de acordo com um certo equilíbrio, definido no contrato ou numa parte juslaboral (lei ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho). E a regra da irredutibilidade visa proibir uma alteração desse equilíbrio em sentença menos favorável para o trabalhador. Todavia, o equilíbrio entre as prestações não é, em si mesmo, um bloco incindível. Podemos descortinar, para além de uma correspondência global, determinados nexos específicos entre certas atribuições patrimoniais e particulares modos de ser do trabalho prestado. Se, duma parte, temos um núcleo central da retribuição que corresponde ao exercício das funções correspondentes a uma certa actividade, durante o número de horas estipulado como período normal de trabalho, discernimos, doutra parte, outros nexos de correspondência entre específicas atribuições patrimoniais e certos modos de ser da prestação (subsídio de turno / adstrição ao regime de trabalho por turnos, subsídio de isolamento / colocação do trabalhador numa zona despovoada, subsídio de risco / exercício do trabalho em condições de perigo). Porque é assim, a irredutibilidade da prestação não pode significar a impossibilidade de retirar a correlativa atribuição patrimonial específica ao trabalhador que deixa de estar adstrito ao regime de turnos, que é transferido para uma cidade, que deixa de trabalhar em condições de risco. A irredutibilidade da retribuição não pode, sob pena de criar situações absurdas (e de injustificada disparidade retributiva entre trabalhadores que desempenham funções semelhantes), se entendido de modo formalista e desatendendo à substância das situações. A proibição da regressão salarial designa, sob esta perspectiva, a impossibilidade de piorar o equilíbrio que existe entre a prestação a cargo do trabalhador e a contraprestação patronal". De tudo isto resulta que, cessado o serviço TIR pelo Autor, deixar de ter direito à remuneração prevista no nº 7, da Cláusula 74ª, do CCTV, bem como de todas as outras remunerações que, por esse serviço e enquanto o prestou, auferia, nada lhe sendo devido, a este título, após cessação do serviço TIR. Termos em que procede a revista da Ré.Assim e decidindo, na total procedência de revista, revoga-se o Acórdão recorrido e absolve-se a Ré B, de totalidade dos pedidos do Autor A. Custas pelo Autor, tendo em conta o apoio judiciário concedido. Lisboa, 20 de Dezembro de 2000. Azambuja Fonseca, Dinis Nunes, Mário Torres. |