Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06P1389
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SIMAS SANTOS
Descritores: OMISSÃO DE PRONÚNCIA
IN DUBIO PRO REO
QUALIFICAÇÃO
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
CONSUMO PÚBLICO
JOVEM DELINQUENTE
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 05/25/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Área Temática: DIR PROC PENAL * DIR PENAL
Sumário :
1 – Não se verifica omissão de pronúncia quando o Tribunal não aprecia todos os argumentos invocados pela parte em apoio das suas pretensões que vem a conhecer, mas só quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença
2 – Se o Tribunal recorrido não deu ao documento junto a relevância que o recorrente lhe atribuiu, mas não deixou por isso de conhecer de questão que devesse apreciar, e que aliás o recorrente não identifica, não há omissão de pronúncia.
3 – O princípio in dubio pro reo, constitui um princípio probatório, segundo o qual a dúvida em relação à prova da matéria de facto, tem de ser sempre valorada favoravelmente ao arguido, traduzindo o correspectivo do princípio da culpa em direito penal, a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta como suporte axiológico-normativo da pena.

4 – Este princípio não tem quaisquer reflexos ao nível, da interpretação das normas penais. Em caso de dúvida sobre o conteúdo e o alcance das normas penais, o problema deve ser solucionado com recurso às regras de interpretação, entre as quais o princípio do in dubio pro reo não se inclui, urna vez que este tem reflexos exclusivamente ao nível da apreciação da matéria de facto - sejam os pressupostos do preenchimento do tipo de crime, sejam os factos demonstrativos da existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.

5 – Estando em causa a qualificação jurídica de uma determinada conduta, questão de direito que envolve a interpretação das normas que tipicam a conduta em causa, não é licito recorrer ao princípio in dubio pro reo, ou a eventual decorrência substantiva do mesmo, tanto mais quando nenhuma dúvida expressaram as instâncias, nem resulta da matéria de facto provada.

6 – O princípio in dubio pro reo, constitui um princípio probatório, segundo o qual a dúvida em relação à prova da matéria de facto, tem de ser sempre valorada favoravelmente ao arguido, traduzindo o correspectivo do princípio da culpa em direito penal, a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta como suporte axiológico-normativo da pena.

7 – Este princípio não tem quaisquer reflexos ao nível, da interpretação das normas penais. Em caso de dúvida sobre o conteúdo e o alcance das normas penais, o problema deve ser solucionado com recurso às regras de interpretação, entre as quais o princípio do in dubio pro reo não se inclui, urna vez que este tem reflexos exclusivamente ao nível da apreciação da matéria de facto - sejam os pressupostos do preenchimento do tipo de crime, sejam os factos demonstrativos da existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.

8 – Estando em causa a qualificação jurídica de uma determinada conduta, questão de direito que envolve a interpretação das normas que tipicam a conduta em causa, não é licito recorrer ao princípio in dubio pro reo, ou a eventual decorrência substantiva do mesmo, tanto mais quando nenhuma dúvida expressaram as instâncias, nem resulta da matéria de facto provada.

9 – O privilegiamento do crime de tráfico de menor gravidade dá-se, não em função da (considerável) diminuição da culpa, mas em homenagem à considerável diminuição da ilicitude da conduta, que se pode espelhar, designadamente:

– Nos meios utilizados;

– Na modalidade ou nas circunstâncias da acção;

– Na qualidade ou na quantidade das plantas, substâncias ou preparações.

Sendo, embora um caso de fronteira com o tráfico simples, deve ser qualificado como tráfico de menor gravidade a venda por duas pessoas jovens de 556 comprimidos de "ecstasy", em cuja composição figura uma substância denominada MDMA, vendidos num ambiente de consumo recreativo «rave party», em quantidades a cada consumidor que não foi possível apurar, e com uma concentração de MDMA, a substância que gera o sancionamento penal, por comprimido que não foi apurada.

10 – A expressão “consumo recreativo de drogas” significa o consumo de substâncias psicoactivas para fins recreativos em locais de diversão nocturna, não sendo os seus consumidores maioritariamente pessoas marginalizadas ou de meios sociais desfavorecidos, mas sim jovens estudantes, ou jovens que exercem uma actividade profissional, e que apresentam uma situação financeira relativamente estável. Este consumo «apesar do relevo atribuído nos meios de comunicação social às mortes causadas por ecstasy» encontra «o principal problema em termos de saúde pública é a possibilidade de distúrbios a longo prazo causados pelo consumo habitual ou excessivo de estimulantes do tipo das anfetaminas como a MDMA», sendo a redução dos riscos do consumo recreativo, nomeadamente os possíveis riscos a longo prazo, um domínio privilegiado de actuação.

11 – A delinquência juvenil, em particular a delinquência de jovens adultos e de jovens na fase de transição para a idade adulta, é um fenómeno social muito próprio das sociedades modernas, urbanas, industrializadas e economicamente desenvolvidas, obrigando, desde logo o legislador, a procurar respostas e reacções que melhor parecem adequar-se à prática por jovens adultos de crimes, que visem um ciclo de vida que corresponde a uma fase de latência social que faz da criminalidade um fenómeno efémero e transitório, procurando evitar que uma reacção penal severa, na fase latente da formação da personalidade, possa comprometer definitivamente a socialização do jovem, o que justifica a referência da aplicação do regime do art. 4º do DL n.º 401/82, às vantagens para a reinserção social do jovem condenado.

12 – Haverá que apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes, radicando o juízo de prognose favorável à sua reinserção, na valoração, em cada caso concreto, da personalidade do jovem, da sua conduta anterior e posterior ao crime, da natureza e do modo de execução do ilícito e dos seus motivos determinantes.
13 – No quadro referido é de atenuar especialmente a pena do jovem de 16 anos, sem antecedentes criminais e inserido familiarmente que comparticipou no referido tráfico.

Decisão Texto Integral:
1.
O Tribunal Colectivo da 6ª Vara Criminal de Lisboa, 2ª Secção (proc. n.º 35/05.7SWLSB), por acórdão de 3.2.2006, decidiu:
– Condenar o arguido NMF como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.21º, nº1, do D.L. 15/93, de 22/01, por referência à Tabela II-A anexa e ao art. 26º do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão e, pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. nos art.2º, nº1, e 16º, nº2, da Lei nº30/2000, de 29 de Novembro, com referência à Tabela I-C Anexa ao D.L.nº15/93, de 22 de Janeiro, na coima de 25 , não lhe aplicar a pena acessória de expulsão do território nacional.
– Condenar o arguido RMTF como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.21º, nº1, do D.L. 15/93, de 22/01, por referência à Tabela II-A anexa e ao art.26º do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão.
Inconformados, recorreram ambos os arguidos, concluindo o arguido NMF:

1) O ora Recorrente, NMF foi condenado no âmbito dos presentes autos como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e pelo Art 21°, n° l4º DL 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela 11-A anexa e ao Art. 26° do Código Penal, na pena de cinco anos de prisão.

2) Emerge o presente recurso da discordância em relação ao douto Acórdão no que concerne à condenação do ora Recorrente na pena de cinco anos de prisão efectiva pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes.

3) Salvo melhor opinião, deveria ter sido aplicada ao ora arguido uma pena suspensa na sua execução dado que o arguido contava apenas dezasseis anos de idade à data da prática dos factos e é delinquente primário.

4) Além disso, o arguido NMF encontra-se inserido socialmente vivendo com a sua mãe e um irmão, vivendo cm Portugal desde os cinco anos tal como consta dos factos provados.

5) O ora arguido é estudante, e é de modesta condição económico-social, encontrando-se em liberdade e não possuindo mais nenhum processo pendente.

6) O arguido NMF lançou para o chão uma embalagem com 556 comprimidos de ecstasy, com o peso de 119,48 gramas tal como consta a fls. 11 dos presentes autos.

7) No entanto, neste caso concreto não foi realizado exame laboratorial a fim de se aferir do grau de pureza de tais comprimidos, sendo do conhecimento comum que a composição de tais pastilhas por vezes é adulterada, donde o seu grau de pureza ser na maior parte das vezes reduzido.

8) Também é do conhecimento comum que o ecstasy é uma substância menos nociva para a saúde humana que as chamadas drogas duras como por exemplo a heroína e a cocaína, sendo que a quantidade de ecstasy que foi apreendida ao arguido NMF não é avultada.

9) O arguido é pessoa doente, tendo estado internado no Hospital Egas Moniz tal como consta de Relatório Médico que se encontra junto aos autos a fls.., e cuja junção foi requerida em sede de audiência de discussão e julgamento.

10) Tal como consta de tal documento o arguido é consumidor de drogas, nomeadamente canabinoides e ecstasy (Fls. 2 de tal Relatório Médico).

11) Deste modo, salvo o devido respeito, considera o arguido que lhe deveria ser aplicada unia pena suspensa na sua execução, acompanhada de um regime de prova, de acordo com o disposto no Art. 53° do Código Penal.

12) Assim, entende o ora Recorrente que a factologia dada como provada no Acórdão ora recorrido justifica uma redução da pena e portanto uma atenuação especial prevista no Art° 4° do DL 401/82 (regime especial para jovens adultos).

13) O Recorrente considera que o Acórdão recorrido violou os Art°s. 71° e 72° do Código Penal e o DL 401/82,de 23 de Setembro, ao aplicar a pena que foi fixada ao ora Recorrente.

14) Acresce que, o douto Acórdão ora recorrido se deveria ter pronunciado sobre o Relatório Médico subscrito pela Médica Assistente do Recorrente, do Hospital Egas Moniz, Relatório esse cuja junção foi requerida aos autos em sede de audiência de julgamento e que consta a fls. destes autos

15) Portanto, o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, tendo como consequência legal a nulidade do Acórdão, face ao disposto no Art° 379°, n° 1, al. c), P parte, do Código de Processo Penal, sendo que este preceito legal também foi violado.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogado o Acórdão recorrido, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

Por sua vez, o arguido RMTF concluiu na sua motivação:

1) Por Acórdão proferido pela 6.ª Vara Criminal do Lisboa, 2.ª Secção foi o arguido RMTF condenado como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes p e p. pelo Art° 21°, n° 1 do DL , 5/93 de 22 de Janeiro, por referência à Tabela 11-A anexa e ao Art° 26° do Código Penal na pena de cinco anos de prisão.

2) Entende o arguido ora Recorrente com o devido respeito que a sua condenação numa pena efectiva de cinco anos e do cumprimento efectivo de tal pena não resultam vantagens para a sua reinserção a nível sócio-económico.

3) Assim considera o arguido que não deveria ter sido condenado numa pena efectiva de prisão, pois que é uma pessoa trabalhadora, e embora se encontre detido preventivamente à ordem de outro processo, antes de detido o ora arguido trabalhava na Construção Civil e vivia com a mãe e uma companheira tal como consta dos factos provados.

4) O arguido RMTF possui antecedentes criminais mas são de tipologia diversa relativamente ao ilícito criminal pelo qual foi condenado no âmbito dos presentes autos, não possuindo antecedentes criminais ligados ao tráfico de estupefacientes

5) Pelo que considera o Recorrente com o devido respeito que não repugnaria a sua condenação numa pena de três anos suspensa na sua execução, sendo que a esta pretendida suspensão acresceria a imposição de regras de conduta, como por exemplo as que aludem as alíneas b),d),e) f) e g) todas constantes do n°1., do Art° 52° ou então de acordo com o disposto no Art° 53° do Código Penal seria possível condicionar a suspensão da execução da pena a um regime de prova.

6) Para a determinação da medida da pena é crucial apurar-se a qualidade da droga traficada, mas também a sua quantidade.

7) No que concerne, à qualidade provou-se que se tratava de ecstasy que é uma substância menos nociva para a saúde humana que as designadas drogas duras como por exemplo a cocaína e a heroína.

8) Portanto, dado que não consta dos factos provados qual a quantidade de produto estupefaciente que o arguido teria entregue, existindo assim dúvida quanto a este factor, deve, salvo melhor opinião, tal dúvida beneficiar o ora Recorrente, e tendo presente o Principio in dubio pro reo, entender-se que se está perante uma quantidade diminuta de produto estupefaciente.

9) Não se tendo considerado uma quantidade diminuta de produto estupefaciente para efeitos de qualificação jurídica dos factos e da medida da pena o douto Acórdão recorrido violou o Principio do in dubio pro reo

10) Acresce que, consta da Fundamentação do aliás douto Acórdão recorrido que “o Tribunal alicerçou a sua convicção., no depoimento também coerente da testemunha Claudino Lopes, que afirmou ser irmão do arguido Rui, e que este antes de preso, trabalhava na construção civil e, ao fim de semana numa discoteca, auferindo 25 euros por dia. Consumia ecstasy.

11) Salvo o devido respeito, o facto de o arguido Rui Tavares Furtado ser consumidor de ecstasy à data da prática dos factos diminui a medida da sua censura pessoal e portanto a medida da pena revelou-se desproporcional face à situação pessoal do arguido.

12) Sendo de salientar que o arguido RMTF é uma pessoa de condição sócio-económica humilde, não possuindo quaisquer sinais exteriores de riqueza, pois que no âmbito dos presentes autos e aquando da sua detenção não lhe foram apreendidos quaisquer objectos como por exemplo veículos automóveis ou objectos de ouro.

13) Assim, o arguido RMTF deve ser punido de acordo com o disposto no Art° 25°,n°1 do DL 15/93 de 22 de Janeiro, dado que a ilicitude do facto se mostra consideravelmente diminuída se atendermos aos meios que foram utilizados modalidade da acção, à qualidade e quantidade das substâncias.

14) Assim, o Acórdão recorrido violou o Princípio in dubio pro reo e também violou os Art°s 71° e 72° do Código Penal e o Art° 25°, n° 1 do DL 15/93 de 22/1 ao aplicar a pena que foi fixada ao ora Recorrente.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogado o douto o Acórdão recorrido, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

Respondeu o Ministério Público, concluindo:

– Os arguidos conformaram-se com a matéria de facto dada por assente na decisão que impugnam.

– Deles resulta o preenchimento do tipo de crime previsto e punido no artigo 21°, do DL n° 15/93, de 22 de Janeiro, e, no caso do arguido NMF, ainda a contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 2°, n° 1 e 16°, n° 2 da lei n° 30/2000, de 29 de Novembro;

– Os arguidos não apresentaram contestação, nem arrolaram testemunhas;

– Não confessaram os factos que lhes foram imputados, nem demonstraram arrependimento;

– O arguido Rui regista quatro condenações anteriores;

– O arguido NMF tinha 16 anos à data da prática dos factos;

– No entanto, não sendo o regime contido no DL n.º 401/82, de 23 de Setembro, de aplicação automática, no douto acórdão condenatório mostra-se devida e claramente demonstrado porque razão o arguido NMF não pode beneficiar da atenuação especial prevista no artigo 4° desse diploma;

– O Tribunal “a quo” aplicou devidamente o Direito aos factos;

– Ponderou adequadamente as questões jurídicas suscitadas e fundamentou a decisão tomada e o sentido da mesma;

– Daí que, nenhum vício ou nulidade se extraia do teor da mesma;

– Nem se registe qualquer violação das normas aplicáveis e aplicadas, nomeadamente as mencionadas pelos arguidos nas suas Motivações de recurso;

– As penas em concreto aplicadas aos arguidos são justas e, por seu intermédio, alcançam-se os fins que a lei quer ver preenchidos no caso em apreço;

– Impõe-se, assim, seja mantida nos seus precisos termos a decisão recorrida, bem como a pena de cinco anos de prisão imposta aos arguidos NMF e RMTF, com o que farão Vossas Excelências, aliás, como sempre JUSTIÇA!

Distribuídos os autos neste Supremo Tribunal de Justiça, teve vista o Ministério Público.
Colhidos os vistos, teve lugar a audiência. No seu decurso o Ministério Público teve por chocante a pena de 5 anos de prisão aplicada a um arguido de 16 anos ao tempo dos factos, pois só um ilícito de grande gravidade, que em regra não seria um crime de tráfico de estupefacientes, é que poderia explicar essa pena. Lembrou que se tratava de ecstasy num contexto de uma “rave party”, que não foi pedido relatório social e que, portanto os dados disponíveis seriam insuficientes para a determinação da pena. Contrapôs à posição seguida pela decisão recorrida de argumentar primeiro com a gravidade e depois com as razões inerentes à reinserção social, a de se considerar em primeiro lugar estas razões e só depois invocar a gravidade para eventualmente obstar à atenuação especial da pena do jovem delinquente.
Admitindo que, tratando-se de MDMA, uma substância sobre a qual ainda se sabe pouco no que se refere aos efeitos de longa duração, se possa caracterizar a conduta dos arguidos como de tráfico de menor gravidade.
A defesa reafirmou a posição sustentada em sede de motivação de recurso.
Cumpre, assim, conhecer e decidir.
2.1.
E conhecendo.
São as seguintes as questões suscitadas no presente recurso:

¯ Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia (recurso do arguido NMF);

¯ Violação do princípio in dúbio pro reo e qualificação jurídica (tráfico de menor gravidade) (recurso do arguido RMTF)

¯ Atenuação especial da pena (recurso do arguido NMF);

¯ Medida concreta da pena e suspensão da execução (recursos dos arguidos NMF e RMTF).

2.2.
Mas vejamos antes a factualidade apurada pelo Tribunal Recorrido e que não foi impugnada pelos recorrentes:
Factos provados:
– No dia 26 de Maio de 2005, pelas 2h30m, o arguido NMF encontrava-se, juntamente com o arguido RMTF, na zona exterior de um armazém situado na Rua da Cintura do Porto de Lisboa, em Lisboa, próximo de umas casas de banho ali existentes, a vender uns comprimidos, vulgarmente conhecidos por comprimidos de "ecstasy" a consumidores que ali os abordavam para lhos adquirir.
– Era o arguido RMTF quem concretizava aquelas transacções, entregando aos compradores os comprimidos de ecstasy que estes pretendessem adquirir e recebendo deles, em troca, as quantias que os mesmos pagavam para os adquirir.
– O arguido NMF permanecia por perto, em poder da embalagem que continha os comprimidos de "ecstasy" que ambos ali se propunham transaccionar, os quais ia entregando ao arguido RMTF para que este, por seu turno, concretizasse, nos termos acima referidos, a sua transacção.
– Na altura, aquela actividade criminosa foi interrompida pela intervenção de agentes da P.S.P. que patrulhavam o local e se aperceberam do que ali estava a suceder.
– Face à intervenção destes e porque não pretendesse ter em seu poder nada que o comprometesse com tal actividade, o arguido NMF, já no interior do referido armazém, para onde, entretanto, se deslocou, lançou para o chão uma embalagem redonda, com os dizeres "Cien Creme Hidratant", sem valor comercial, dentro do qual estavam, embrulhadas em papel vegetal, 556 comprimidos de "ecstasy", de cor branca, em cuja composição figura uma substância denominada MDMA, estando esta incluída na Tabela II-A, anexa ao D.L. 15/93, de 22 de Janeiro.
– Logo depois, já no exterior do armazém, para onde foi conduzido pelos agentes da P.S.P., o arguido NMF foi por eles revistado tendo, então, sido encontrados, em seu poder, vários pedaços de um produto vegetal prensado de cor acastanhada, vulgarmente conhecido por haxixe, com o peso líquido de 1,754 gramas, em cuja composição figura uma substância denominada canabis (resina), estando esta incluída na Tabela I-C anexa ao D.L.15/93, de 22 de Janeiro.
– O arguido NMF tinha este haxixe consigo destinando-o ao seu consumo.
– O arguido NMF conhecia a natureza narcótica do haxixe que tinha consigo, bem sabendo que o detinha para o aludido efeito.
– O arguido NMF tinha os mencionados pedaços de haxixe consigo afectando-os a tal fim de forma livre, voluntária e consciente e não ignorando que o seu consumo era proibido e punido por lei.
– Ainda no âmbito daquela intervenção policial foi também o arguido RMTF sujeito a uma revista, tendo sido encontrados na sua posse quatro comprimidos de "ecstasy", de cor branca, em cuja composição figura uma substância denominada MDMA, estando esta incluída na Tabela II-A, anexa ao D.L. 15/93, de 22 de Janeiro, e noventa Euros, em notas e moedas do Banco Central Europeu.
– Esta quantia correspondia ao produto das vendas de comprimidos "ecstasy" efectuadas naquela noite e naquele local por si e pelo arguido NMF.
– Os arguidos tinham consigo os acima referidos comprimidos de "ecstasy" dispondo-se a, conjugando esforços e vontades, vendê-los nas circunstâncias e local acima referidos a consumidores dos mesmos.
– Os arguidos procederiam à venda desses comprimidos de "ecstasy", nos termos expostos, de acordo com um plano entre ambos previamente combinado e ao qual cada um deles, voluntariamente, havia aderido.
– Os arguidos conheciam a natureza estupefaciente daqueles comprimidos, bem sabendo que lhes reservavam o aludido destino.
– Os arguidos tinham os mencionados comprimidos de "ecstasy" e afectavam-nos ao aludido propósito de forma livre, voluntária e consciente e não ignorando que a sua venda constituía uma conduta proibida e punida por lei.
– O arguido RMTF sofreu já três condenações pela prática de crimes de condução sem habilitação legal e uma condenação pela prática de crime de auxílio material.
– O arguido RMTF actualmente está preso.
– Antes de preso, o arguido RMTF vivia com mãe e uma companheira.
– O arguido RMTF trabalhava na construção civil.
– O arguido NMF é natural de Cabo Verde.
– O arguido NMF vive em Portugal desde os cinco anos de idade.
– Vive com a mãe e um irmão.
Não resultaram factos não provados.
2.3.

Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia

Sustenta o recorrente NMF que o acórdão ora recorrido se deveria ter pronunciado sobre o Relatório Médico subscrito pela Médica Assistente do Recorrente, do Hospital Egas Moniz, Relatório, cuja junção foi requerida no julgamento, deixando de se pronunciar, assim, o Tribunal recorrido sobre questões que devia apreciar, ocasionando a sua nulidade ¯ art. 379.°, n.º 1, al. c), do CPP (conclusões 14.ª e 15.ª).


Como é sabido, não se verifica omissão de pronúncia quando o Tribunal não aprecia todos os argumentos invocados pela parte em apoio das suas pretensões que vem a conhecer. A omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença. (cfr. Acs de 16-11-00, proc. n.º 2287/00-7, de 28-3-00, proc. n.º 126/00, de 14-2-02, proc. n.º 3732/01-5, de 16-01-03, proc. n.º 3569/02-5, de Ac. de 15/12/2005, proc. n.º 2951/05-5 e de 27.4.06, proc. n.º 1287/06-5, os quatro últimos com o mesmo relator)

Impressivamente, aliás, prescreve a al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP que «é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento» (sublinhado acrescentado).
Ora o Tribunal recorrido não deu ao documento junto a relevância que o recorrente lhe atribuiu, mas não deixou por isso de conhecer de questão que devesse apreciar, e que aliás o recorrente não identifica.
Saber se essa decisão foi acertada ou não, envolveria eventual erro de julgamento, que não nulidade, como sustenta o recorrente, que aliás, se conformou com a decisão da matéria de facto.
O que basta para afastar tal nulidade.
2.4.

Violação do princípio in dúbio pro reo e qualificação jurídica.

Defende o arguido RMTF que se trata de um crime de tráfico de menor gravidade e não de tráfico simples, como foi entendido pelo Tribunal recorrido.

É crucial, diz, apurar-se a qualidade da droga traficada, mas também a sua quantidade (conclusão 6.ª), e não constando dos factos provados qual a quantidade de produto estupefaciente que o arguido teria entregue, existindo assim dúvida quanto a este factor, deve tal dúvida beneficiá-lo, tendo presente o princípio in dubio pro reo, entendendo-se que se está perante uma quantidade diminuta de produto estupefaciente (conclusão 8.º). Trata-se de ecstasy, substância menos nociva do que as drogas duras como a cocaína e a heroína (conclusão 9.ª), pelo que deve ser punido de acordo com o disposto no art. 25.°, n.° 1 do DL n.º 15/93, dado que a ilicitude consideravelmente diminuída, atendendo aos meios utilizados, à modalidade da acção e à qualidade e quantidade das substâncias (conclusão 13.ª). Acresce que era consumidor de ecstasy à data da prática dos factos (conclusão 11.ª).

Previamente à questão de saber qual a adequada qualificação jurídica da conduta dos recorrentes, pois que a ambos aproveitará eventual alteração da qualificação jurídica, de acordo com o disposto no art. 402.º, n.º 2, al. a) do CPP, importa considerar a invocação que é feita, a esse propósito, do princípio in dúbio pro reo.

Dispõe a Constituição no n.º 2 do seu art. 32.º, sob a epígrafe "garantias do processo criminal", que «todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa», preceito que se identifica em geral, com as formulações do princípio da presunção de inocência constantes da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Declaração Universal dos Direitos do Homem (de 10.l2.48, DR IS-A de 9.9.78, art. 11.º, n.º 1), na Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (de 4.4.50, Lei n.º 65/78, de l3 de Outubro, art. 6.º, n.º 2) e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 14.º, n.º 2).

Partilham os autores a ideia de que o seu fundamento reveste natureza política, decorrendo de uma concepção dos direitos humanos nascida com a revolução francesa. O princípio da presunção de inocência constitui, assim, uma decorrência dos direitos à liberdade e à dignidade, à luz dos quais a possibilidade de submeter a consequências penais alguém que não praticou qualquer tacto criminoso, traduz uma situação intolerável e um limite absoluto à prossecução dos fins estaduais de administração da justiça. «Enquanto se torne como equivalente do princípio in dubio pro reo, a «presunção doe inocência» pertence sem dúvida aos princípios fundamentais do processo penal em qualquer Estado-de-direito» (Figueiredo Dias, Dt.º Processual Penal, I).

O princípio da presunção de inocência encerra uma ponderação cuja necessidade resulta da aceitação e do reconhecimento de que a verdade processual afasta-se, em muitos casos, da verdade histórica, por esta ser, em muitas situações, inatingível ou, pelo menos, não demonstrável.

Em sede de processo civil, as situações em que não se logra atingir um juízo de certeza, em que o julgador se vê perante um impasse que, não podendo ser denegada justiça, são solucionadas através das regras de distribuição do ónus da prova.

«Em processo penal, a justiça, perante a impossibilidade de uma certeza, encontra-se na alternativa de aceitar, com base em uma probabilidade ou possibilidade, o risco de absolver um culpado e o risco de condenar um inocente. A solução jurídica e moral só pode ser uma: deve aceitar-se o risco de absolvição do culpado e nunca o da condenação de um inocente.» (Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal. vol. 1º, 1986, pág. 216).

O princípio da presunção de inocência surge na sua formulação inicial a do princípio in dubio pro reo, para resolver este dilema. Entre o risco de condenar um inocente e o risco de absolver um culpado, o princípio da presunção de inocência impõe claramente a opção de, fazendo prevalecer o respeito pela dignidade humana sobre os interesses da perseguição penal, assumir o segundo risco e nunca o primeiro.

O princípio in dúbio pro reo constitui «uma das garantias mais importantes da liberdade individual face à pretensão punitiva do Estado, cujo fundamento considera assentar, por um lado, numa concepção optimista do Homem, ligada ao pensamento de Rousseau e, por outro lado, no valor supremo que a liberdade e a honra assumem para o Homem, de tal forma que não poderão ser-lhe retirados enquanto persistir a dúvida quantia à justiça e ao bem-fundado desse acto» (Eduardo Correia, Les preuves en droit pénal portugais, RDES, ano IV, n.º l, págs. l7 e 22.40).

Conforme varia a maneira segundo a qual cada autor perspectiva, no âmbito do processo penal, o equilíbrio entre, por um lado, o respeito pelos direitos humanos e, por outro lado, o interesse na perseguição penal, assim é diverso o alcance atribuído a este princípio.
A principal divergência situa-se na determinação do alcance do princípio da presunção de inocência, na sua relação com o princípio in dubio pro reo (Cavaleiro de Ferreira II 316: Cf. também Kennv – Turner 456 SS. O G. Bettiol P. 2.º, cap. III n. 4) em que surgem várias hipóteses quanto ao conteúdo do princípio da presunção da inocência (Cfr. Helena Bolina, Razão de Ser, Significado e Consequências do Princípio da Presunção de inocência

, Boletim da Faculdade de Direito 70(1994), p. 433-46 I)

Há autores que apresentam a presunção de inocência e o princípio in dubio pro reo como sinónimos; outros atribuem àquela presunção um conteúdo mais amplo [Rui Pinheiro e Artur Maurício, Sobre a presunção de inocência do arguido, Constituição e Processo Penal, 12l-l4l e Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, 3ª Edição, nota V ao art. 32.º.43]. Castanheira Neves separa completamente os dois princípios afirmando que a presunção de inocência traduz uma exigência de natureza política, enquanto o princípio in dubio pro reo tem uma justificação exclusivamente jurídico-processual [Sumários de Processo Penal, pág. 56 e 57].

Como corolários do princípio da presunção de inocência, cujo sentido não é de fácil determinação [cfr. Vital Moreira e Gomes Canotilho, loc. cit.] são apresentados os princípios da investigação [«À luz do princípio da investigação bem se compreende, efectivamente, que todos os factos relevantes para a decisão (quer respeitem ao facto criminoso, quer a pena) que, apesar de toda a prova recolhida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal, também não possam considerar-se como «provados». E se, por outro lado, aquele mesmo princípio obriga em último termo o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão, logo se compreende que a falta delas não possa, de modo algum, desfavorecer a posição do arguido: um non líquet na questão da prova - não permitindo nunca ao juiz, como se sabe, que omita a decisão (art. 110.º, n,º 2 do EJ e art. 286.º do CP), – tem de ser sempre valorado a favor do arguido. É com este sentido e conteúdo que se afirma o principio in dubio pro reo». Figueiredo Dias, op. cit.], livre apreciação da prova, celeridade processual e proibição da estatuição de presunções de culpa [Cfr. Helena Bolina, op. cit.].

«O princípio da presunção de inocência surge articulado com o tradicional princípio in dubio pro reo. Além de ser uma garantia subjectiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa». [Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª Edição, pág. 203]

Mas o princípio in dubio pro reo surge também, como se viu, relacionado à ausência de ónus da em processo penal.

Com efeito, o Estado não pode prescindir, em processo penal, em que como se dirimem interesses fundamentais do viver em sociedade, duma averiguação, o total do objecto do processo, com o correspondente encargo para o Tribunal de averiguação da verdade material. Não sendo um fim legítimo a condenação, baseada em mera probabilidade, a incerteza dos factos não consente a sua divisão, para distribuição do ónus de prova, consoante a parte a que lhe aproveita.

Afirma-se então que «o princípio in dubio pro reo não é distinto, conforme se tenha em conta factos extintivos ou constitutivos da infracção, e só funciona em relação às provas, nunca ao enquadramento jurídico.» [Gil Moreira dos Santos, Noções de Processo Penal. Ed. Pág. 442-25 e Cavaleiro Ferreira, Curso de Processo Penal, 2, pág. 326]

Mas vejamos mais de perto o princípio in dubio pro reo.

Foi tal princípio enunciado por Stubel, no século XIX, constituindo um princípio probatório, segundo o qual a dúvida em relação à prova da matéria de facto, tem de ser sempre valorada favoravelmente ao arguido.

«Nas suas origens, o princípio teve sobretudo o valor de reacção contra, os abusos do passado e o significado jurídico negativo de não presunção de culpa. No presente, a afirmação do princípio, quer nos textos constitucionais, quer nos documentos internacionais, ainda que possa também significar reacção aos abusos do passado mais ou menos próximo, representa sobretudo um acto de fé no valor ético da pessoa, próprio de toda a sociedade livre» [Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, pág.40].

O princípio traduz o correspectivo do princípio da culpa em direito penal [No entender de Figueiredo Dias, loc. cit], ou “a dimensão jurídico–processual do princípio jurídico–material da culpa concreta como suporte axiológico–normativo da pena.” [Na formulação de Gomes Canotilho e Vital Moreira, loc. cit.].

Como vimos já, Castanheira Neves [Sumários de processo criminal, 1967-68, págs. 55 v. 56.] entende que o princípio in dubio pro reo tem exclusivamente uma justificação jurídico-processual, não sendo o resultado de uma exigência político-jurídica traduzida pela presunção de inocência.

É relativamente ao princípio in dubio pro reo, especificamente direccionada para a resolução de uma dúvida, que se tem colocado a questão de saber se o seu alcance se restringe à dúvida sobre a prova da matéria de facto, ou se poderá intervir também em caso de dúvida na interpretação das normas penais.

Como informa Helena Bolina, a doutrina parece ser quase unânime no entendimento de que o princípio in dubio pro reo, não tem quaisquer reflexos ao nível, da interpretação das normas penais. Em caso de dúvida sobre o conteúdo e o alcance das normas penais, o problema deve ser solucionado com recurso às regras de interpretação, entre as quais o princípio do in dubio pro reo não se inclui, urna vez que este tem reflexos exclusivamente ao nível da apreciação da matéria de facto.

A dúvida que o julgador está vinculado a resolver favoravelmente ao arguido é, assim, uma dúvida relativa aos elementos de facto – quer sejam pressupostos do preenchimento do tipo de crime, quer sejam factos demonstrativos da existência de uma causa de exclusão de: - ilicitude ou da culpa – e não sobre a interpretação da lei [Nesse sentido escreve Castanheira Neves, (Sumários.... op. cit, pág. 59): "É um princípio probatório, refere-se apenas à decisão e à prova dos factos”, e não a interpretação e aplicação do direito].

Eduardo Correia [Direito Criminal, 1968, vol 1, pág. 150], não obstante partir da afirmação de que em caso de “dúvida sobre o significado das normas, deve (...) o intérprete socorrer-se de todos os elementos que permitam a averiguação da verdadeira vontade do legislador”, parece admitir que, se depois dessa tarefa se continuar em presença de duas interpretações contrárias de valor igual, se prefira aquela que menos limite a liberdade. Esta solução, porém, é propugnada tendo em consideração “o princípio de que a liberdade é a regra e a limitação a excepção", devendo, na aplicação da lei criminal, preferir-se, em caso de dúvida, "a solução que traga uma menor limitação da liberdade", o que inculca estar-se perante a aplicação de um princípio de natureza diferente do in dubio pro reo.

«Esta é também a solução defendida por aquele autor nos casos em que “a situação de facto sugere a aplicação de vários preceitos sem que a prova mostre claramente se se verificam os elementos de um ou de outro” . Todavia, nesta situação, não se trata já da interpretação de normas penais, mas antes de dúvida quanto à verificação dos factos e, sendo assim, parece cair, claramente, no âmbito da aplicação do princípio in dubio pro reo» [Cfr. a este propósito, Miguel N. Pedrosa Machado, O princípio in dubio pro reo no novo Código de Processo Penal, notas 15 e 19, ROA, ano 49, p. 594].

A fechar o estudo a procedeu, Helena Bolina conclui, além do mais que:

«Se entendeu que o princípio da presunção de inocência excede em significado e consequências o princípio in dubio pro reo, constituindo este apenas um critério de decisão em caso de dúvida quanto à verificação dos factos. Se o princípio da presunção de inocência impõe, neste caso, uma decisão absolutória, identificando-se, nessa medida, com o princípio in dubio pro reo, excede-o, manifestamente, quando determina que a dúvida deva surgir em determinadas circunstâncias e que, como reverso da medalha, a certeza corresponda a uma verdade material e não meramente ficcionada.»

E, na consonância de autores que acima se referiu, sublinha-se «que se não trata de interpretação de normas legais; mas de simples decisão em matéria de facto, A incerteza, por exemplo, sobre o alcance duma amnistia, é um problema de interpretação da lei; só a dúvida sobre a existência de factos concretos é um problema de prova.» [Cavaleiro Ferreira, Curso de Processo Penal, 2, pág. 326].
«O princípio do in dubio pro reo é um princípio que tem a sua particular importância em termos de uma questão de facto. Aliás, ele só se aplica em face de uma questão de facto, não se aplica, em princípio, em face de uma questão de direito.» [Cfr. Frederico Isasca, Apontamentos de Direito Processual Penal, Teresa Pigarro Beleza e outros, pág. 87.].

«Com o sentido e conteúdo referido o princípio in dubio pro reo vale só, evidentemente, em relação à prova da questão-de-facto e já não a qualquer dúvida suscitada dentro da questão-de-direito: aqui a única solução correcta residirá em escolher, não o entendimento mais favorável ao arguido, mas sim aquele que juridicamente se reputar mais exacto» [Questão é saber se não pode também dar-se ao princípio in dubio pro reo uma certa incidência substantiva, quer dizer, ao nível da interpretação dos tipos legais de crime; pela afirmativa Eduardo Correia I, l50 ss, Parece, porém, que tal só deverá suceder nas hipóteses de comprovação alternativa dos factos – Figueiredo Dias, op. cit., pág, 215].

«Note-se que se não trata de interpretação de normas legais; mas de simples decisão em matéria de facto. A incerteza, por exemplo, sobre o alcance duma amnistia, é um problema de interpretação da lei; só a dúvida sobre a existência de factos concretos é um problema de prova» [Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, pág. 40].

«O princípio (da presunção de inocência do arguido) opera intra-processualmente no sentido de isentar o arguido de qualquer ónus da prova, isenção essa que produz efeito realmente benéfico para si através do princípio in dubio pro reo. O qual por sua vez se funda logicamente na dita isenção» [José Souto de Moura, A questão da presunção de inocência do arguido, Revista do M.º P.º, n.º 42, p. 47].

«É princípio probatório, isto é “refere-se apenas à decisão sobre a prova dos factos, e não à interpretação e aplicação do direito criminal” [Miguel N. Pedrosa Machado, O princípio in dubio pro reo e o novo Código de Processo Penal, ROA, ano 49, p. 594].

«É um princípio probatório, refere-se apenas à decisão e à prova dos factos, e não à interpretação e aplicação do direito» [Escreve Castanheira Neves, Sumários..., op. cit., pág. 59].

«O princípio in dubio pro reo (...) só funciona em relação às provas, nunca ao enquadramento jurídico.» [Gil Moreira dos Santos, Noções de Processo Penal, 2ª Ed. Pág, 442-25].

«O princípio in dubio pro reo pretende responder ao problema da dúvida na apreciação judicial dos casos criminais. Não da dúvida interpretativa, na aferição do sentido da norma (que aliás pode surgir e surge independentemente da actividade jurisdicional), mas da dúvida sobre o facto, tipicamente forense» [Escreve Cristina Líbano Monteiro a iniciar o artigo Perigosidade de Inimputáveis e In Dubio Pro Reo, BFD, Studia Ivridica n.º 24, p. 9].

«Quando nos referimos al princípio pro reo, en realida no se está haciendo referencia a una cuestión de interpretación de la norma penal, sino que se trata de un criterio rector referido a lavatoración de las pruebas y a la apreciación de los hechos que se plantea durante el proceso penal quando aquélios no aparecen de forma clara o indubitada.» [Gonzalo Quintero Olivares, Derecho Penal- Parte General, p. 135].
Mas, como adiantamos e é problemática diversa, o princípio in dubio pro reo aplica-se às causas de exclusão da ilicitude, da culpa e da pena, e portanto também às chamadas condições objectivas de punibilidade [O STJ decidiu no acórdão de 15.12.83, BMJ n.º 322, p. 281 (dirimente da legitima defesa – Se o julgamento criar no tribunal dúvida razoável sobre a verificação de uma dirimente (v.g., a legítima defesa), deve o réu ser absolvido por força do princípio «in dubio pro reo».)] [Mas terá ele aplicação ainda no âmbito dos pressupostos processuais? Eis um dos mais difíceis problemas que neste enquadramento deve ser decidido. A favor de uma resposta negativa podem invocar-se boas razões: por um lado, corno se terá visto, o princípio in dubio pro reo apresenta-se como o correspectivo processual do princípio da culpa, do princípio «não há pena sem culpa» (cf. por exemplo o art. 2.º do Projecto Eduardo Correia), relativamente ao qual os pressupostos processuais sc mostram matéria absolutamente estranha; com efeito, o que nos pressupostos processuais está em jogo não e o interesse do arguido, mas a admissibilidade de um processo que até pode interessar àquele, para que nele demonstre a sua inocência. Nesta medida, pois, nem sequer se poderá falar aqui em uma decisão «favorável» ou «desfavorável» ao arguido. Isto não significa, porém, que perante uma dúvida persistente sobre factos relevantes para a admissibilidade do processo (v, p. sobre se o procedimento criminal se encontra prescrito) não deva em regra preferir-se o seu arquivamento à sua prossecução, em homenagem ao conteúdo material de sentido ínsito no princípio da legalidade de toda a repressão penal; o que não deve é invocar-se, para justificar tal solução, o princípio in dubio pro reo, nem o interesse do arguido em uma decisão que lhe seja "favorável"» – Figueiredo Dias, loc. cit].

Finalmente, importa referir a possível incidência substantiva do princípio em análise.

«De distinguir cuidadosamente do âmbito de incidência do princípio in dubio pro reo são os casos em que o juiz não logra esclarecer, em todas as suas particularidades juridicamente relevantes, um dado substrato de facto, mas em todo o caso o esclarece suficientemente para adquirir a convicção de que o arguido cometeu urna infracção, seja ela em definitivo qual for. Exemplo: o juiz convence-se que o arguido cometeu um crime patrimonial, embora não consiga determinar, para além de toda a dúvida razoável, se os elementos de facto integram um furto ou um abuso de confiança.

Nestes casos ensina-se ser admissível, dentro de certos limites, uma condenação com base em uma comprovação alternativa dos factos [Cf. Eduardo Correia I 151; em pormenor, mas negando a possibilidade, G. Bettiol, Sentaza penale di condanna e accertamento alternativi di fatti, Scritti giuridici I 202. Pretende-se ainda por vezes – mas sem razão – ver aqui uma consequência da «presunção de inocência»: Bouzal n. 1183. Cf. por último, sobre o assunto, W. Sax, Zur Wahl-festslellung bei Wahldentigkeit mehrerer Taten, 1956/745, Willms, Zum Begriff der «Wahlfestellung», Jz. 1962/628, J. Hruschka, Zur Logik und Dogmatik von Verurteilung aufgrund mehrdentiger Beweiser-gebnisse im Strafprozess. Jz 1970/637, G. Jakobs, Probleme der Wahlfestellung, GA 1971/277 e J. Wolter, Alternative end eindentige Verwrteelung auf mehrdeutiges Tatsachengrundlage im Strafrecht (1972). Nota original de Figueiredo Dias, op. cit.]. Se assim deve ser ou não constitui porém, claramente, problema que extravasa do âmbito processual, para ir radicar na interpretação dos tipos aplicáveis, à luz da função de garantia que jurídico-constitucionalmente lhes cumpre. E pois um problema próprio do direito penal substantivo, de que aqui se não deve curar.» [Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, págs. 218-219. Sobre a questão da chamada determinação alternativa no direito Espanhol concluindo pela sua inadmissibilidade, pode ver-se Gonzalo Olivares, loc. cit., p. 136 e para o direito Alemão ver H. H. Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, p. 1267]

Mas, como sugere Jescheck [Tratado de Derecho Penal, Parte General, p. 128], a determinação alternativa surge como excepção ao princípio in dubio pro reo e não sua afirmação.

Escreve ele: «o princípio in dubio pro reo, tal como o problema da determinação alternativa, pertence em primeiro lugar ao Direito processual, pois ambos se referem à questão de saber até que ponto as constatações de facto alcançadas no processo penal têm de estar determinadas para poder suportar uma condenação. Mas, esta problemática oferece uma faceta jurídico–material. A admissibilidade da determinação alternativa entre vários tipos penais, como excepção ao princípio in dubio pro reo resolve-se segundo a relação jurídico-material desses tipos entre si. Acresce que, o in dubio pro reo e a determinação alternativa hão-de ser considerados como o correspondente jurídico–processual da função material de garantia da lei penal: enquanto que o princípio da legalidade protege toda a pessoa contra a possibilidade de ser castigada por urna acção cuja punibilidade e pena não se encontrassem legalmente estabelecidas antes da sua comissão, o princípio in dubio pro reo completa-o com o dogma "não há pena sem a prova do facto e da culpabilidade”. A determinação alternativa, por sua vez, modifica, este princípio ao autorizar em certos casos a condenação baseada numa constatação alternativa dos factos» (sublinhado agora).

Deste percurso parece dever concluir-se que, numa questão como a que vem colocada, no presente recurso, em que está em causa a qualificação jurídica de uma determinada conduta, questão de direito envolvendo a interpretação das normas que tipicam a conduta em causa, não é licito recorrer ao princípio in dubio pro reo, ou a eventual decorrência substantiva do mesmo, tanto mais que nenhuma dúvida expressaram as instâncias, nem resulta da matéria de facto provada.
Isso mesmo se decidiu este Tribunal (Acs. de 28.6.01, proc. n.º 1568/01-5 e de 14.11.02, proc. n.º 3316/02-5, com o mesmo Relator):

«(3) - O princípio in dubio pro reo, constitui um princípio probatório, segundo o qual a dúvida em relação à prova da matéria de facto, tem de ser sempre valorada favoravelmente ao arguido, traduzindo o correspectivo do princípio da culpa em direito penal, a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta como suporte axiológico-normativo da pena. (4) - Este princípio não tem quaisquer reflexos ao nível, da interpretação das normas penais. Em caso de dúvida sobre o conteúdo e o alcance das normas penais, o problema deve ser solucionado com recurso às regras de interpretação, entre as quais o princípio do in dubio pro reo não se inclui, urna vez que este tem reflexos exclusivamente ao nível da apreciação da matéria de facto - sejam os pressupostos do preenchimento do tipo de crime, sejam os factos demonstrativos da existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa. (5) - Estando em causa a qualificação jurídica de uma determinada conduta, questão de direito que envolve a interpretação das normas que tipicam a conduta em causa, não é licito recorrer ao princípio in dubio pro reo, ou a eventual decorrência substantiva do mesmo, tanto mais quando nenhuma dúvida expressaram as instâncias, nem resulta da matéria de facto provada. (6) - O princípio in dubio pro reo, constitui um princípio probatório, segundo o qual a dúvida em relação à prova da matéria de facto, tem de ser sempre valorada favoravelmente ao arguido, traduzindo o correspectivo do princípio da culpa em direito penal, a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta como suporte axiológico-normativo da pena. (7) - Este princípio não tem quaisquer reflexos ao nível, da interpretação das normas penais. Em caso de dúvida sobre o conteúdo e o alcance das normas penais, o problema deve ser solucionado com recurso às regras de interpretação, entre as quais o princípio do in dubio pro reo não se inclui, urna vez que este tem reflexos exclusivamente ao nível da apreciação da matéria de facto - sejam os pressupostos do preenchimento do tipo de crime, sejam os factos demonstrativos da existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa. (8) - Estando em causa a qualificação jurídica de uma determinada conduta, questão de direito que envolve a interpretação das normas que tipicam a conduta em causa, não é licito recorrer ao princípio in dubio pro reo, ou a eventual decorrência substantiva do mesmo, tanto mais quando nenhuma dúvida expressaram as instâncias, nem resulta da matéria de facto provada.

Mas, prescindindo do instrumento sugerido pelo recorrente, justificar-se-á, ainda assim, a pedida alteração da qualificação jurídica?

Deve notar-se que esta questão não foi suscitada na 1.ª Instância, pois que os recorrentes não apresentaram contestação. Daí que não tenha sido abordada na decisão recorrida, tanto mais que será um caso fronteira entre a incriminação constante da acusação e da decisão condenatória e a proposta de qualificação jurídica sustentada pelo recorrente.

Dispõe o art. 25.º do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro:

"Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de …".

O privilegiamento do crime dá-se, assim, não em função da (considerável) diminuição da culpa, mas em homenagem à considerável diminuição da ilicitude da conduta, que se pode espelhar, designadamente:

– Nos meios utilizados;

– Na modalidade ou nas circunstâncias da acção;

– Na qualidade ou na quantidade das plantas, substâncias ou preparações.

Vejamos, então, se como pretende o recorrente se prefigura no caso sujeito uma destas ou outra circunstância que traduza uma considerável diminuição da ilicitude da conduta em apreciação que justifique a desgraduação da qualificação jurídica.

Em primeiro lugar, importa considerar a quantidade e a qualidade da substância em causa: 556 comprimidos de "ecstasy", em cuja composição figura uma substância denominada MDMA, vendidos num ambiente de consumo recreativo «rave party», em quantidades a cada consumidor que não foi possível apurar, e com uma concentração de MDMA, a substância que gera o sancionamento penal, por comprimido que não foi apurada. O número de comprimidos parece expressivo, mas as circunstância assinaladas, bem como o peso total 117 grs, retiram grande parte do seu significado.

Como refere o Observatório Europeu da Droga e Tóxicodependência (Boletim ISSBN 1681-6374) a expressão “consumo recreativo de drogas” significa o consumo de substâncias psicoactivas para fins recreativos em locais de diversão nocturna. Adianta, no mesmo local, Mike Trace (Presidente do respectivo conselho de administração) que «o consumo recreativo de drogas, nomeadamente de drogas sintéticas, é cada vez mais frequente. Saliente-se que os seus consumidores não são maioritariamente pessoas marginalizadas ou de meios sociais desfavorecidos, mas sim jovens estudantes, ou jovens que exercem uma actividade profissional, e que apresentam uma situação financeira relativamente estável. Estas tendências parecem ter-se afirmado rapidamente em toda a EU».

Acrescenta-se, ainda na mesma publicação, ao tratar das questões políticas fundamentais respeitantes a este consumo que «apesar do relevo atribuído nos meios de comunicação social às mortes causadas por ecstasy, o principal problema em termos de saúde pública é a possibilidade de distúrbios a longo prazo causados pelo consumo habitual ou excessivo de estimulantes do tipo das anfetaminas como a MDMA».

A redução dos riscos do consumo recreativo, nomeadamente os possíveis riscos a longo prazo, constituem um domínio privilegiado de actuação.

No estádio actual dos conhecimentos, tratando-se de uma acção isolada, no mencionado contexto – com o que se entra na análise dos meios utilizados e da modalidade ou das circunstâncias da acção – aceitando que a limitação se situa no limite da previsão do art. 25.º do DL n.º 15/93, concluiu-se que a mesma ainda aí se pode abrigar.

Qualificação jurídica que se torna extensível ao arguido que não recorreu nesta parte, mas que comparticipou na conduta – art. 402.º, n.º 2, al. a) do CPP.

2.5.

Atenuação especial da pena.

Sustenta o recorrente NMF que só contava 16 anos de idade à data da prática dos factos e era delinquente primário (conclusão 3.ª), estando inserido socialmente vivendo com a sua mãe e um irmão, vivendo em Portugal desde os 5 anos (conclusão 4.ª), estudante, de modesta condição económico-social, encontrando-se em liberdade e não possuindo mais nenhum processo pendente (conclusão 5.ª), pelo que deveria beneficiar da atenuação especial prevista no art. 4.º do DL n.º 401/82, regime especial para jovens adultos (conclusão 12.ª).

O tribunal recorrido decidiu não atenuar especialmente a pena ao recorrente, de acordo com o regime especial de jovem delinquente, do DL n.º 401/82, nos termos seguintes:
«Vejamos, porém, se é de aplicar uma atenuação especial da pena ao arguido NMF por força do art.4º do D.L. nº401/82, de 23 de Setembro, uma vez que o mesmo, à data da prática dos factos, tinha 16 anos de idade.
Sobre esta questão o art.9º do C.P. indica que aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial. Tal legislação especial foi organizada pelo D.L. 401/82, de 23 de Setembro, cujo nº 2 do art.1º esclarece que é considerado jovem para os seus efeitos o agente que, à data do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos.
Tal regime penal especial para jovens delinquentes não é, porém, de aplicação automática, devendo o Tribunal equacionar a sua aplicação ao caso concreto se o agente tiver aquela idade (cfr. Ac. do STJ de 5.4.2000,Proc. nº55/2000).
Deve, pois, começar por se ponderar a gravidade do crime cometido, aferida pela medida da pena aplicável. E, depois, o Tribunal só deverá aplicar a atenuação especial a jovens delinquentes quando tiver "sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado".
Ora, no caso "sub judice", sendo irrecusável que o arguido NMF reúne os pressupostos formais de aplicabilidade desse regime - cometeu facto qualificado como crime, tinha, à data da sua prática, idade compreendida entre os 16 e os 21 anos (16 anos), e não é penalmente inimputável em virtude de anomalia psíquica (art.1º do citado diploma)- no entanto, essa aplicação não decorre automaticamente da verificação desses requisitos, exigindo ainda a verificação de pressupostos substanciais, de que vários dos preceitos seguintes do diploma dão nota.
Trata-se no caso "sub judice", de crime de tráfico de estupefaciente, cuja prática o arguido não assumiu, o que logo põe em crise aquele juízo de prognose positiva a que acima se aludiu, e, de resto, sendo, como são, fortes as exigências de defesa da sociedade e de prevenção contra este tipo de criminalidade, criminalidade essa muito grave e geradora de enorme alarme social, revelando total desprezo pelas mais elementares regras de vivência em sociedade e uma absoluta indiferença relativamente ao Direito e aos valores alheios.
Assim, não é de fazer uso da faculdade de atenuação especial prevista no art.4º do D.L. 401/82, de 23 de Setembro, por ser elevado o grau de ilicitude dos factos praticados pelo arguido e ser grave a sua culpa, tal como não é legítimo concluir que há razões sérias para crer que da atenuação especial resultem vantagens para a sua reinserção social.»

Merecerá censura a opção pela não atenuação especial da pena, nos termos daquele regime especial?

O art. 9.º do C. Penal remete para legislação especial o regime penal dos indivíduos maiores de 16 e menores de 21 anos, traduzindo a imposição de um regime penal próprio para os designados "jovens delinquentes" uma opção importante de política criminal que sublinha as finalidades de integração e socialização.

Dispõe o art. 4.º do DL n.º 401/82, que, se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos art.ºs 73.º e 74.º do Código Penal (referência que deve ser tida em relação aos art.ºs 72.º e 73.º do Código Penal na versão de 1995), quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
Na verdade, a delinquência juvenil, em particular a delinquência de jovens adultos e de jovens na fase de transição para a idade adulta, é um fenómeno social muito próprio das sociedades modernas, urbanas, industrializadas e economicamente desenvolvidas, obrigando, desde logo o legislador, a procurar respostas e reacções que melhor parecem adequar-se à prática por jovens adultos de crimes, que visem um ciclo de vida que corresponde a uma fase de latência social que faz da criminalidade um fenómeno efémero e transitório.

Como entendeu este Supremo Tribunal de Justiça (Ac. de 11.6.03, proc. n.º proc. n.º 1657/03), a ideia fundamental do regime é a de evitar que uma reacção penal severa, na fase latente da formação da personalidade, possa comprometer definitivamente a socialização do jovem, o que justifica a referência da aplicação do regime do art. 4º do DL n.º 401/82, às vantagens para a reinserção social do jovem condenado.

Período de latência social que hoje traduz o acesso à idade adulta, «uma fase de autonomia crescente face ao meio parental e de dependência crescente face à sociedade que faz dos jovens adultos uma categoria social heterogénea, alicerçada em variáveis tão diversas como são o facto de o jovem ter ou não autonomia financeira, possuir ou não uma profissão, residir em casa dos pais ou ter casa própria», e que potencia a delinquência transitória que é frequentemente estigmatizante, nas suas consequências.

Daí que, como se refere na proposta de Lei n.º 45/VIII (DAR, IIS-A, de 21.9.00, que visou a revisão desse regime) «comprovada a natureza criminógenea da prisão, sabe-se que os seus malefícios se exponenciam nos jovens adultos, já porque se trata de indivíduos particularmente influenciáveis, já porque a pena de prisão, ao retirar o jovem do meio em que é suposto ir inserir-se progressivamente, produz efeitos ressocializantes devastadores», constituindo um sério factor de exclusão (…)».

Mas deve o tribunal ter também presente o pensamento do legislador expresso no ponto 7 do preâmbulo desse diploma legal:

«As medidas propostas não afastam a aplicação – como ultima ratio – da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a dois anos.»
A gravidade do crime cometido, patente na medida da pena aplicável, é, pois, indicada pelo legislador como critério a atender também. E assim o foi entendido por este Supremo Tribunal, designadamente em relação aos crimes de homicídio negligente com culpa grave, homicídio e roubo (cfr. os Acs do STJ de 18-10-1989, proc. n.º 40279 e de 20-12-1989, AJ n.º 4, BMJ n.º 392 pág 263. Em sentido diverso, mas com um recorte especial da matéria de facto o Ac. do STJ de 16-01-1990, BMJ n.º 393, pág. 269).
A afirmação de ausência de automatismo na aplicação da atenuação especial aos jovens delinquentes significa que o tribunal só se socorrerá dela quando tiver «sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado», na terminologia da lei.
Haverá que apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes (cfr. o Ac. do STJ de 19-10-1994, proc. n.º 47022).
Não é de aplicar o regime dos jovens delinquentes ao arguido, que à data da prática dos factos tinha menos de 21 anos de idade, quando do conjunto dos actos por ele praticados e a sua gravidade desaconselham, em absoluto, a aplicação desse regime, por se não mostrar passível de prognose favorável à sua reinserção social (cfr. o Ac. do STJ de 8-1-1998, proc. n.º 1077/97).
Esse prognóstico favorável à ressocialização a radica, como se viu, na valoração, em cada caso concreto, da personalidade do jovem, da sua conduta anterior e posterior ao crime, da natureza e do modo de execução do ilícito e dos seus motivos determinantes.
E compreende-se este rigorismo: a idade não determina, por si só, o desencadear dos benefícios do regime, designadamente porque estes não se traduzem numa mera atenuação da dosimetria punitiva, mas numa atenuação especial, que terá de ser concretizada e quantificada de harmonia com o disposto nos artigos 72.º e 73.º do C. Penal, preceitos estes, que embora inseridos em perspectiva diversa, constituem apoio subsidiário daquele regime (Ac. do STJ de 24-6-99, proc. n.º 498/99).

No caso sujeito, o Tribunal recorrido debruçou-se expressamente sobre esta questão, nos termos já transcritos, ponderando a gravidade do crime de tráfico de estupefaciente simples, a sua não assunção pelo arguido não assumiu, extraindo daí a preclusão do juízo de um prognose positiva associada a fortes as exigências de defesa da sociedade e de prevenção contra este tipo de criminalidade.

Mas deve lembrar-se que o crime que se verifica é menos grave do que foi tido em consideração na decisão recorrida, e que circunstâncias que conduziram a esse juízo apontam para a relativa desvalorização das faladas exigências de prevenção. Por outro lado, não se pode esquecer que o arguido tinha então a idade mínimo que conduz à imputabilidade criminal, sem outros factos ilícitos praticados, vivendo com a mãe e um irmão, familiarmente inserido, pois. O que significa que não se mostra ultrapassado o período de latência social que se referiu.
É, assim e neste quadro, de atenuar especialmente a pena deste arguido, por aplicação do regime de jovem delinquente.
2.6.

Medida concreta da pena e suspensão da execução.

Sustenta o recorrente NMF que lhe deve ser aplicada uma pena suspensa na sua execução, acompanhada de um regime de prova (conclusão 11.ª), o que aponta para uma pena não superior a 3 anos de inserido socialmente vivendo com a sua mãe e um irmão, vivendo cm Portugal desde os cinco anos (conclusão 4.ª), sendo estudante, de modesta condição económico-social, encontrando-se em liberdade e não possuindo mais nenhum processo pendente (conclusão 5.ª). É doente, tendo estado internado no Hospital Egas Moniz tal como consta de Relatório Médico junto (conclusão 9.ª) e é consumidor de drogas, nomeadamente canabinoides e ecstasy (conclusão 6.ª).

Por sua vez, o arguido RMTF, sustenta que da pena de 5 anos fixada não resultam vantagens para a sua reinserção a nível sócio-económico (conclusão 2.ª), pelo que não deveria ter sido condenado numa pena efectiva de prisão, pois que é uma pessoa trabalhadora, e embora se encontre detido preventivamente à ordem de outro processo, antes de detido trabalhava na Construção Civil e vivia com a mãe e uma companheira (conclusão 3.ª) e os seus antecedentes criminais são de tipologia diversa do presente ilícito criminal (conclusão 4.ª), devendo ser condenado numa pena de 3 anos suspensa na sua execução, acrescida de imposição de regras de conduta, v.g. as das als. b), d), e) f) e g) do n° 1, do art. 52.° ou com regime de prova (conclusão 5.ª).

Defende ainda que, para a determinação da medida da pena é crucial apurar-se a qualidade da droga traficada, mas também a sua quantidade (conclusão 6.ª), sendo o ecstasy, de que é consumidor (conclusão 11.ª), uma substância menos nociva para a saúde humana que as designadas drogas duras (conclusão 7.ª). É de condição sócio-económica humilde, não possuindo quaisquer sinais exteriores de riqueza (conclusão 12.ª).

Escreve-se a propósito na decisão recorrida:
«Da medida concreta da pena.
Para efeitos da determinação da medida concreta da pena a aplicar aos arguidos, dentro dos limites apontados, importa ter presente a culpa do agente e as exigências de prevenção de futuros crimes, atendendo também a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele - arts.71º nºs.1 e 2 do C.P.
Dos vários factores erigidos por este preceito destaca-se a culpa do agente, pedra angular de todo o direito punitivo e sobre a qual foi dito no Acórdão da Relação de Coimbra de 9/01/85 - C.L.J. Tomo 1, pág.86 - "num direito penal como o vigente, que procura adequar todas as providências penais à personalidade do agente não pode ser descurada a consideração dos motivos. São eles que dão relevo à culpabilidade e, por conseguinte, entram no juízo complexivo relativo à personalidade moral do delinquente que deve ter-se presente para a determinação concreta da pena, a qual, para ser verdadeiramente retributiva, deve estar numa relação de proporção com a gravidade da culpa".
Segundo critérios adequados de ponderação, não existem circunstâncias de valor especial e ou extraordinário que justifiquem a atenuação especial da medida da pena a aplicar aos arguidos, pois que nenhum elemento de relevo se apurou no sentido de que alguma circunstância no seu comportamento diminua por forma acentuada a ilicitude dos factos, a sua culpa ou as necessidades punitivas.
Vejamos, porém, se é de aplicar uma atenuação especial da pena ao arguido NMF (…)
Assim, no doseamento da pena, a favor dos arguidos, de relevante, há a considerar a modesta condição sócio-económica de ambos.
Como circunstâncias que depõem contra os arguidos há que ponderar o modo de execução e a gravidade objectiva e subjectiva dos factos; o dolo com que actuaram, directo e intenso, tratando-se de um quadro revelador de culpa elevada, a quantidade de produto estupefaciente apreendido - 560 comprimidos de ecstasy -, bem como a falta de preparação conveniente das suas personalidades para preverem os resultados possíveis das suas condutas e manterem uma conduta lícita, e ainda, relativamente ao arguido RMTF as condenações já anteriormente sofridas pelo mesmo.
Ponderadas são ainda as intensas exigências de prevenção geral, porquanto é certo que a relativa frequência crescente da prática de crimes de tráfico de estupefacientes levam a apontar como elevadas as preocupações no domínio da prevenção geral, pois que, de outra forma, gera-se um sentimento social de insegurança e permissividade perante tais condutas, bem como as de prevenção especial, para que os arguidos sejam dissuadidos de praticar novos crimes e interiorizem a censura desta sua conduta.
Tudo ponderado – a culpa dos arguidos e as necessidades de prevenção do crime – à luz do principio de que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade, e, ainda, no principio de que a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa (Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p.227), considera-se adequada a aplicação a cada um dos arguidos de uma pena de cinco anos de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, e a aplicação de uma coima no montante de vinte e cinco Euros ao arguido NMF pela prática da contra-ordenação, p. e p. nos art. 2º, nº 1, e 16º, nº 2, da Lei nºc30/2000, de 29 de Novembro, com referência à Tabela I-C Anexa ao D.L .nº 15/93, de 22 de Janeiro.»

Como resulta do já decidido quanto à qualificação jurídica das condutas dos arguidos, move-se agora este Supremo Tribunal de Justiça no quadro de uma diversa moldura penal: prisão de 1 a 5 anos [art. 25.º, al. a)], para o arguido RMTF e de prisão de 30 dias a 3 anos e 4 meses para o arguido NMF [art. 73.º n.º 1, als. a) e b) do C. Penal].
Vejamos, pois, começando por analisar os poderes de cognição deste Tribunal em matéria de medida concreta da pena.
Mostra-se hoje afastada a concepção da medida da pena concreta, como a «arte de julgar»: um sistema de penas variadas e variáveis, com um acto de individualização judicial da sanção em que à lei cabia, no máximo, o papel de definir a espécie ou espécies de sanções aplicáveis ao facto e os limites dentro dos quais deveria actuar a plena discricionariedade judicial, em cujo processo de individualização interviriam, de resto coeficientes de difícil ou impossível racionalização.
De acordo com o disposto nos art.ºs 70.º a 82.º do Código Penal a escolha e a medida da pena, ou seja a determinação das consequências do facto punível, é levada a cabo pelo juiz conforme a sua natureza, gravidade e forma de execução, escolhendo uma das várias possibilidades legalmente previstas, traduzindo-se numa autêntica aplicação do direito. Não só o Código de Processo Penal regulou aquele procedimento, de algum modo autonomizando-o da determinação da culpabilidade (cfr. art.ºs 369.º a 371.º), como o n.º 3 do art. 71.º do Código Penal (e antes dele o n.º 3 do art. 72.º na versão originária) dispõe que «na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos da medida da pena», alargando a sindicabilidade, tornando possível o controlo dos tribunais superiores sobre a decisão de determinação da medida da pena.
Mas importa considerar os limites de controlabilidade da determinação da pena em recurso de revista, como é o caso.
Não oferece dúvidas de que é susceptível de revista a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação.
Tendo sido posto em dúvida que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade caibam dentro dos poderes de cognição do tribunal de revista (Cfr. Jescheck, Tratado de Derecho Penal, § 82 II 3), deve entender-se que a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada (Neste sentido, Maurach e Zipp, Derecho Penal, § 63n.º m. 200, Figueiredo Dias, Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 197 e Simas Santos e Correia Ribeiro, Medida Concreta da Pena, Disparidades, pág. 39).
A circunstância do grau de ilicitude da conduta ter relevado no precedente momento da determinação da moldura penal, sendo fundamental nessa escolha, não impede aquelaoutra intervenção. Com efeito, como sucede com vários outros tipos de crime previstos no Código Penal, a ilicitude intervém para agravar ou privilegiar o crime de tráfico de estupefacientes, numa primeira operação de determinação da medida da pena: a moldura penal abstracta. Numa segunda operação, é dentro dessa moldura penal, que funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente:
– O grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente);
– A intensidade do dolo ou negligência;
– Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
– As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
– A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
– A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena..
No domínio da ilicitude, importa considerar que, tendo-se considerado o presente caso como de fronteira entre o tráfico simples e o tráfico de menor gravidade, impõe-se a conclusão de que, no domínio desta última incriminação, é grande a ilicitude, atendendo à qualidade e quantidade da substância envolvida: 566 comprimidos de ecstasy.
O dolo é directo como é quase inevitável neste tipo de crime, tendo-se detectado hábitos de consumo de haxixe no arguido NMF, sem relação com a conduta dos autos.
O arguido RMTF sofreu já 3 condenações pela prática de crimes de condução sem habilitação legal e uma condenação pela prática de crime de auxílio material, estando preso e vivendo antes de preso, o arguido RMTF vivia com mãe e uma companheira e trabalhando na construção civil.
O arguido NMF vive em Portugal desde os 5 anos de idade, com a mãe e um irmão.
A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (Ac. do STJ de 17-09-1997, proc. n.º 624/97).
A medida das penas determina-se, já o dissemos, em função da culpa do arguido e das exigências da prevenção, no caso concreto, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra ele.
A esta luz, e atendendo aos poderes de cognição que a este Supremo Tribunal assistem, impõe-se concluir que as penas concretas a fixar se devem situar, para o arguido NMF numa sub-moldura que se situa entre 1 ano e o limite de 3 anos, estabelecido pela culpa, à quem do limite máximo especialmente atenuado de 3 anos e 4 meses e para o arguido RMTF numa sub-moldura de 3 a 4 anos e 6 meses de prisão.
Atendendo aos critérios e aos elementos que se salientaram, as penas devem ser concretamente fixadas em 2 anos e 6 meses de prisão para o arguido NMF e de 3 anos e 6 meses de prisão para o arguido RMTF.
A medida da pena aplicada ao arguido NMF impõe que se considere expressamente a possibilidade de substituição pela pena de suspensão da execução.
Dispõe o art. 50.°, n.º 1, do C. Penal:
"O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida; à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição" (sublinhado agora).
Este preceito consagra agora um poder-dever, ou seja um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos (Ac. do STJ de 23/03/2006, proc. n.º 768/06-5, com o mesmo Relator)
Sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, o juiz tem o dever de suspender a execução da pena: esta é uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico (cfr. Ac. do STJ, de 27.6.96; Acs do STJ, IV , 2, 204).
Para este efeito, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição (cfr. Ac. do STJ de 11.5.95, proc. n.º 4777/3ª).
Este juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido pode assentar numa expectativa razoável de que a simples ameaça da pena de prisão será suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização (em liberdade) do arguido (cfr. Acs do STJ, de 17.9.97, proc. n.º 423/97-3 e de 29.3.01, proc. n.º 261/01-5).
Ou dito de outro modo: a suspensão da execução da pena "deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao réu, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime" (Ac. do STJ, proc. n.º 1092/01-5).
"O tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa" (Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal, em anotação ao art.º 50.°, sublinhado agora).
Em síntese, deve reter-se que a suspensão da execução da pena se insere num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos.
É substitutivo particularmente adequado das penas privativas de liberdade que importa tornar maleável na sua utilização, libertando-a, na medida do possível, de limites formais, de modo a com ele cobrir uma apreciável gama de infracções puníveis com pena de prisão.
A suspensão da execução da pena que, embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição, deverá ter nas sua base uma prognose social favorável ao réu, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime.
São os seguintes os elementos a atender nesse juízo de prognose:
– a personalidade do réu;
– as suas condições de vida;
– a conduta anterior e posterior ao facto punível; e
– as circunstâncias do facto punível.
Devem atender-se a todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do réu, atendendo somente às razões da prevenção especial. E sendo essa conclusão favorável, o tribunal decidirá se a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para satisfazer as finalidades da punição, caso em que fixará o período de suspensão (Ac. do STJ de 21-11-2002, proc. n.º 3172/02-5, com o mesmo Relator)
Os elementos que se acentuaram e que estiveram na base da decidida alteração da qualificação jurídica e da aplicação da pena concreta, designadamente a idade, as circunstâncias do facto, a ausência de antecedentes criminais e processos pendentes, a inserção familiar, levam a que se considere que se pode fazer o juízo de prognose social favorável a que se aludiu, desde que acompanhado de regime de prova que apoie o arguido, por um período de 3 anos, que se reputa necessário para o efeito e que será oportunamente elaborado na 1.ª Instância (art.ºs 53.º e 54.º do C. Penal) e aí aprovado (art. 494.º do CPP)
Assim, decide-se suspender aquela pena aplicada ao recorrente NMF por 3 anos, com aplicação do regime de prova.
3.
Pelo exposto, acordam os juízes da (5.ª) Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em conceder provimento ao recurso do arguido NMF e parcial provimento ao recurso do arguido RMTF.
Custas no decaimento pelo recorrente RMTF, com a taxa de justiça de 3 Ucs.
Lisboa 25 de Maio de 2006.
Simas Santos (Relator)
Santos Carvalho
Costa Mortágua
Rodrigues da Costa