Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | SOUSA PEIXOTO | ||
| Descritores: | ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO JUSTA CAUSA RESPOSTA À NOTA DE CULPA DANOS NÃO PATRIMONIAIS TRABALHO EM FERIADO TRABALHO AO DOMINGO NULIDADE PROCESSUAL | ||
| Nº do Documento: | SJ200902250024614 | ||
| Data do Acordão: | 02/25/2009 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE AS REVISTAS | ||
| Sumário : | 1. A isenção de horário de trabalho carece de autorização prévia da Inspecção-Geral do Trabalho. 2. Constitui justa causa de despedimento a recusa do trabalhador em frequentar uma acção de formação com vista a prepará-lo para exercer cabalmente as funções de Chefe de Sector de peixaria. 3. Tendo o trabalhador recusado receber a nota de culpa que a entidade empregadora lhe pretendia entregar em mão, a data relevante para o cômputo do prazo para responder à nota de culpa é a data daquela recusa e não a data em que recebeu a nota de culpa que, posteriormente, a entidade empregadora lhe enviou pelo correio. 4. O desgosto, sem qualquer adjectivação, não é um dano não patrimonial digno da tutela do direito. 5. Na vigência do DL n.º 421/83, o trabalho prestado em dia feriado constituía trabalho suplementar, independentemente da empresa estar ou não autorizada a trabalhar em todos os dias da semana. 6. Nas chamadas grandes superfícies, o trabalho prestado aos domingos que não sejam dias de descanso semanal é pago com o acréscimo previsto na cláusula 18.º dos CCT’s publicados nos BTEs n.ºs 12/94 e 33/2000. 7. A falta de despacho sobre requerimento apresentado pela parte constitui irregularidade processual, susceptível de gerar nulidade processual, que tem de ser arguida, o mais tardar, até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento. 8. A sua arguição no requerimento de interposição de recurso de apelação é intempestiva, mormente quando tal requerimento tenha sido apresentado mais de dez dias depois do encerramento da audiência de julgamento. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório Na presente acção emergente de contrato de trabalho, proposta no Tribunal do Trabalho de Lisboa, o autor AA pediu que a ré F...-N... – H..., S. A., fosse condenada: a) a reintegrá-lo ao serviço, sob a cominação de sanção pecuniária compulsória que se tenha por adequada e que propõe seja de € 1.000,00, por dia; b) ou a pagar-lhe a indemnização correspondente a dois meses de retribuição por cada ano de antiguidade, ou fracção, contada até à data da sentença; c) a pagar-lhe a importância de € 56.173,14, de créditos já vencidos, acrescida das retribuições que se vencerem até à sentença; d) a pagar-lhe a quantia de € 50.000,00 de indemnização por danos morais (sic); e) a pagar-lhe os juros de mora, somando os já vencidos o montante de € 18.679,85. Em resumo, o autor alegou o seguinte: - foi admitido ao serviço da ré, com a categoria profissional de Chefe de Sector de Quinquilharia, em 15.11.1994; - é associado do CESP – Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal e foi eleito delegado sindical em 8.5.2001 e membros dos corpos directivos do referido Sindicato em 25.5.2002, factos de que a ré foi informada; - por sua vez, a ré está inscrita na APED – Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição; - a relação laboral entre as partes era regulada pelo CCT celebrado entre o CESP e a APED, publicado no BTE n.º 12/94; - por carta datada de 23.8.2002, que recebeu no dia 30 do mesmo mês e ano, foi despedido pela ré; - o despedimento é ilícito, por inexistência de justa causa e por ser nulo o processo disciplinar, resultando tal nulidade do facto da ré não ter junto ao aludido processo os documentos por ele indicados na resposta à nota de culpa e de não ter inquirido as testemunhas que ele arrolou na dita resposta, sob o pretexto de que tal resposta tinha sido apresentada fora de prazo, o que não corresponde à verdade; - desde Abril de 2001 até, praticamente, à data do despedimento, a ré manteve-o absolutamente desocupado, violando, assim, gravemente o seu direito de ocupação efectiva, o que lhe casou danos não patrimoniais; - desde a data da admissão até 21.2.2001, sempre trabalhou em regime de isenção de horário de trabalho, mas a ré nunca lhe pagou o subsídio, correspondente a 25% da retribuição base, previsto no n.º 2 da cláusula 14.ª do CCT aplicável; - só tinha um dia de descanso por semana; - a ré não lhe pagou o subsídio de refeição referente aos dias de descanso em que trabalhou; - a ré violou o seu direito a férias, relativamente a 11 dias das férias vencidas em 1.1.2001, uma vez que só permitiu que gozasse aqueles dias de férias no 1.º trimestre de 2002; - trabalhava aos domingos, mas a ré nunca lhe pagou o subsídio previsto no n.º 1 da cláusula 18.ª do referido CCT, que correspondia a um dia normal de trabalho; - sempre trabalhou em todos os dias feriados do ano, excepto nos dias 1 de Janeiro, 1 de Maio e 25 de Dezembro, mas a ré nunca lhe pagou o acréscimo (100%) a que tinha direito nos termos da cláusula 12.ª do mencionado CCT, nem lhe concedeu o correspondente descanso compensatório. Na contestação, a ré defendeu a validade do processo disciplinar e a existência de justa causa e impugnou todos os créditos salariais peticionados pelo autor. Realizado o julgamento e dadas as respostas aos quesitos que integravam a base instrutória, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, tendo declarado válido o processo disciplinar, mas ilícito o despedimento, por inexistência de justa causa, e condenado a ré: «1 - A reintegrar o Autor no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade. 2 - A pagar ao autor as retribuições devidas desde 2 de Outubro de 2002 e a data da sentença (das quais devem ser deduzidos os rendimentos do trabalho eventualmente auferidos pelo Autor durante este lapso de tempo), em montante a liquidar posteriormente em incidente próprio. 3 - A pagar ao Autor o montante global de vinte e oito mil, novecentos e trinta e três Euros e dez cêntimos (28.933,10 Euros) devidos a título de subsídio pela isenção do horário de trabalho. 4 - A pagar ao Autor o subsídio inerente ao trabalho prestado aos Domingos, no montante que se vier a apurar em incidente de liquidação: 5 - A pagar ao Autor a quantia de quatro centos e cinquenta de seis Euros e oitenta e seis cêntimos (456,86 Euros) relativos aos montantes indevidamente descontados ao Autor por faltas dadas em Julho de 2002. 6 - A pagar ao Autor o montante de sete mil e quinhentos Euros (7.500,00 Euros) a título de danos morais. 7 - A quantia referida em 6) será acrescida de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a presente data até integral pagamento – vide art. 2.º do DL n. 69/85, de 18 de Março. 8 - As retribuições referidas em 2) a 5) serão acrescidas de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento - vide art. 2.º do DL n.º 69/85, de 18 de Março.» Inconformado com a sentença, a ré recorreu, por discordar da decisão da matéria de facto, que parcialmente impugnou, e por entender que devia ter sido absolvida de todos os pedidos e, sem prescindir, por entender que o montante da indemnização arbitrada ao autor a título de danos não patrimoniais é exagerado e que os juros de mora referentes ao subsídio de isenção de horário de trabalho vencidos há mais de cinco anos estavam prescritos. Além disso, no requerimento de interposição do recurso a ré arguiu a prática de uma nulidade processual e a nulidade da sentença, consistindo a primeira no facto de o M.mo Juiz não se ter pronunciado sobre o que por ela tinha sido requerido na resposta que apresentara, a fls. 359-360 dos autos, relativamente aos documentos que anteriormente tinham sido juntos pelo autor, e a segunda no facto de o M.mo Juiz ter levado em conta, na apreciação da ilicitude do despedimento, a resposta dada ao quesito 132.º, a qual não devia ter sido considerada, por nada ter a ver com o que se perguntava no quesito. O autor também recorreu da sentença, mas fê-lo a título subordinado, por entender que o processo disciplinar era nulo, que a indemnização que lhe foi arbitrada, a título de danos não patrimoniais, era insuficiente, que tem direito à remuneração referente ao trabalho prestado nos dias feriados e nos correspondentes dias de descanso compensatório, o mesmo acontecendo relativamente ao trabalho prestado aos domingos e respectivos descansos compensatórios. No que toca ao recurso da ré, o Tribunal da Relação de Lisboa começou por apreciar a nulidade processual e a nulidade da sentença arguidas no requerimento de interposição do recurso, decidindo que a primeira se encontrava sanada e que a segunda não existia. De seguida, a Relação passou a apreciar a impugnação da matéria de facto que julgou parcialmente procedente, tendo alterado as respostas dadas aos quesitos 37/130, 113, 117, 120 e 141. E, depois, passou a apreciar a decisão de mérito, tendo, nesta sede, decidido: - pela improcedência do recurso no que toca à justa causa de despedimento, aos danos não patrimoniais e ao pagamento do subsídio pelo trabalho prestado aos domingos, por ter considerado que o despedimento tinha sido decretado sem justa causa, que os danos não patrimoniais sofridos pelo autor eram merecedores de tutela jurídica, que o valor da indemnização arbitrada era ajustado e que o subsídio pela prestação de trabalho ao domingo era devido; - pela procedência do recurso no que concerne ao subsídio por isenção do horário de trabalho, que considerou não ser devido, por falta de autorização da Inspecção-Geral do Trabalho, tendo revogado a sentença nessa parte; - pela procedência parcial do recurso no que diz respeito à quantia de € 456,86 que a ré indevidamente havia descontado ao autor na retribuição do mês de Julho de 2002, a título de faltas injustificadas, tendo reduzido aquela quantia para € 404,01; - julgar prejudicado o recurso quanto aos juros de mora referentes ao subsídio de isenção de horário de trabalho, vencidos nos últimos anos, uma vez que anteriormente tinha sido decidido que o autor não tinha direito a tal subsídio. Por sua vez, no que toca ao recurso do autor a Relação julgou-o procedente apenas no que concerne à nulidade do processo disciplinar, tendo decidido que o mesmo era nulo por violação do direito de defesa do autor, por ter entendido que a resposta à nota de culpa tinha sido apresentada dentro do prazo. Inconformados com a decisão da Relação, dela recorreram a ré e o autor, este a título subordinado, tendo concluído as respectivas alegações da seguinte forma: Conclusões da ré: 1.ª - Ao não se pronunciar sobre o requerido a fls. 359 e 360 do 2.º volume dos autos principais, foi violado o princípio do contraditório e o princípio da igualdade das partes (previstos pelos art.os 3.º e 3.º-A do C.P.C.) e, considerando que com aquela omissão não foram carreados para os autos elementos fundamentais para o exame e boa decisão da causa, a falta de despacho em causa encontra-se inquinada com a nulidade prevista pelo art.º 201.º, n.º 1 do C.P.C., pelo que deverá ser anulada a douta sentença, na parte em que se pronunciou sobre o pedido de isenção de horário de trabalho (cfr. art.º 201.º, n.º 2, do C.P.C.). 2.ª - Exceptuando a parte final do ponto 4 dos factos provados (a partir de "sem ... "), é evidente que tudo o mais não constitui a afirmação ou a negação de um facto material, contendo apenas matéria de direito, pelo que deverá o mesmo ser considerado por não escrito. 3.ª - Ao considerar que "a própria Ré considerou como não efectuada a entrega da nota de culpa no dia 5.07.02 e, aceitando o pedido do A., achou por bem enviar-lhe a nota de culpa por correio, só podendo depreender-se desta conduta que aceitou que a data relevante para a recepção da nota de culpa seria a do recebimento da nota de culpa enviada pelo correio", o douto acórdão recorrido violou o artigo 349.º do Código Civil, já que procedeu de forma encoberta à alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto fora das hipóteses previstas no artigo 712.º do CPC, designadamente porque a matéria em causa nem sequer constava do acervo factual quesitado. 4.ª - Quando assim não se entenda, a verdade é que, conforme entendido pela 1.a instância, o "envio [por correio] também pode ser encarado como uma mera precaução, sendo certo que dessa forma a Ré apenas propiciou ao trabalhador a possibilidade de se defender de uma forma mais eficaz". 5.ª - Deve assim, concluir-se que bem decidiu a 1.ª instância ao considerar que o Autor foi notificado da Nota de Culpa em 05.7.2002 e que, como tal, a resposta do Autor foi extemporânea, não tendo a Ré violado o direito de defesa do Autor. 6.ª - Avaliando objectivamente a actuação do Apelado – seja no que concerne à recusa de assunção de funções, seja na vertente das faltas ao trabalho –, ou seja, na perspectiva do "empregador razoável", conclui-se que a mesma obstou à continuidade do trabalhador ao serviço da sua entidade patronal, pelo que tal comportamento constitui justa causa de despedimento (cfr. art.º 9.º, n.os 1 e 2, al. a) da Lei dos Despedimentos). 7.ª - Não poderá o douto acórdão manter-se na parte em que considerou como justificadas aquelas faltas e na parte em condena a Ré a pagar ao Autor a respectiva retribuição, sob pena de estar violando, como viola, o disposto no art.º 27.º, n.º 1, da LFFF. 8.ª - O simples desgosto (s. m. desagrado) não espelha dor ou sofrimento psíquico suficientemente grave a merecer a tutela do Direito, já que, como se sabe, tem sido entendimento uniforme que os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais. 9.ª - Por conseguinte, ao decidir em sentido inverso, o douto Acórdão não terá feito uma correcta interpretação e aplicação do disposto nos art.os 483.º e 496.º do Código Civil que, assim, se mostram violados. 10.ª - Sem prescindir, sempre se dirá que o montante em que a Ré foi condenada se afigura desajustado face à não demonstrada gravidade do alegado dano, pelo que sempre deverá tal quantum ser fixado em montante inferior. 11.ª - Tendo-se apenas provado que "o Autor trabalhava aos domingos" e não também que o domingo fazia parte do período normal de trabalho do Apelado, não se encontram preenchidos no caso sub judice todos os pressupostos de aplicação do preceituado pela Cláusula 18.a do CCT aplicável, pelo que não poderia a douta sentença condenar a apelante a pagar ao Autor o chamado "subsídio de domingo", sob pena de estar violando, como viola, aquela norma do instrumento de regulamentação colectiva. Conclusões do autor: 1.ª - Encontra-se provado que o Autor estava isento de horário. 2.ª - E que exercia um cargo de direcção e de confiança, pelo que estava em condições de ter isenção de horário de trabalho. 3.ª - Encontra-se igualmente provado que a Ré pediu ao IDICT autorização para o efeito, acompanhada de declaração de concordância do trabalhador, como se encontra comprovado nos autos. 4.ª - Que só não foi oportunamente despachado, como se lê na respectiva certidão "por falta de recursos humanos"! 5.ª - Estão, assim, preenchidos todos os requisitos do art.º 13.º, n.os 1 e 2, do Dec.-Lei 409/71. 6.ª - Bem como o estatuído no art.os 10.º, n.os 5 a 7, ex vi n.º 3 do art.º 13.º do mesmo diploma legal, que nos deverá conduzir a constatação da existência de deferimento tácito. 7.ª - Mas mesmo que assim não fosse, como sustenta Monteiro Fernandes a mera isenção de facto, isto é não autorizada administrativamente, confere direito à retribuição especial, como aliás resulta do n.º 2 da Cl.ª 14.ª do CCT aplicável. 8.ª - A quantia de € 7.500,00, que na sentença se fixou como indemnização de danos não patrimoniais, é manifestamente exígua face à gravidade dos danos que o Autor sofreu e dos quais bem dá conta o doc. n.º 25 da p. i., pelo que a mesma deverá ser consideravelmente elevada. 9.ª - É devida ao Autor retribuição pelo trabalho prestado em feriados, sem que a tal obste a circunstância de a Ré estar dispensada de encerrar nos dias feriados. 10.ª - Bem como lhe é devida a retribuição pela não concessão de descanso compensatório do trabalho prestado em feriados e nos dias de descanso complementar e obrigatório nos termos do disposto no art.º 9.º do Dec.-Lei 421/83. Ambas as partes contra-alegaram e, neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, em parecer a que só a ré respondeu, pronunciou-se pela procedência parcial de ambos os recursos. Mais concretamente, no que toca à revista da ré aquela magistrada pronunciou-se a favor da improcedência da mesma no que diz respeito à nulidade da sentença, à impugnação da matéria de facto, à justa causa, ao subsídio pelo trabalho ao domingo e pela sua procedência no que concerne à nulidade do procedimento disciplinar e ao montante arbitrado a título de danos não patrimoniais. E, no que toca à revista do autor, pronunciou-se pela sua improcedência no que diz respeito ao montante de indemnização por danos não patrimoniais e ao acréscimo remuneratório pelo trabalho prestado em feriados e em dias de descanso compensatório, e pela sua procedência no que se refere à isenção do horário de trabalho. Colhidos os vistos dos juízes adjuntos, cumpre apreciar e decidir. 2. Os factos Os factos que vêm dados como provados, levando já em conta as alterações efectuadas pela Relação, são os seguintes: Factos admitidos por acordo: A) O Autor trabalhou por conta sob a autoridade e direcção da Ré, desde 15.11.1994, na loja de Telheiras. B) Ultimamente, o Autor auferia a remuneração base de € 1.585,43. C) O Autor é associado do CESP – Sindicato dos Trabalhadores do Comércio Escritórios e Serviços de Portugal. D) Em 8 de Maio de 2001, o Autor foi eleito delegado sindical do CESP. E) A eleição referida em D) veio a ser comunicada à Ré. F) Em 25 de Maio de 2002, o Autor foi eleito membro dos corpos directivos do CESP, o que foi, de igual modo, comunicado à ora Ré. G)A Ré dedica-se à actividade de super e hipermercados. H) A Ré encontra-se inscrita na APED – Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição. I) O Autor foi notificado da nota de culpa constante de fls. 138 a 148 do processo disciplinar que aqui se dá por integralmente transcrita. J) À qual respondeu nos termos constantes de fls. 158 a 192 do processo disciplinar, que aqui se dá por integralmente reproduzida. K) Por carta datada de 23 de Agosto de 2002, que veio a ser recebida pelo Autor em 30 de Agosto de 2002, a ora Ré despediu o Autor, com invocação de justa causa, na sequência de processo disciplinar que lhe havia sido instaurado. L) A Loja de Telheiras compreende 1 Director de Loja, 3 Gerentes de Departamento e 13 chefes de sector. M) O Departamento de Bazar compreende 6 sectores: sector de quinquilharia, sector Casa/Jardim, sector Ménage, sector Livraria/Papelaria, sector Sazonais, sector Bazar pesado. N) E existem, além daquele Departamento, o Departamento Alimentar, o Departamento de Perecíveis e o Departamento Têxtil. O) Como alguns sectores são relativamente pequenos, existem casos em que um Chefe de Sector chefia mais do que um sector. P) As funções do Chefe de Sector são normalmente: 1- Funções comerciais (com base em orçamento fornecido pelo superior hierárquico): a) compras ao armazém central; b) compras/negociação c/fornecedores; c) gestão de stocks; d) controlo de margens; e) proveitos. 2 - Funções operacionais (armazém e placa de vendas), zelar por: a) organização; b) arrumação; c) limpeza; d) preços correctos; e) reposição atempada. 3 - Funções administrativas/recursos humanos: a) elaboração dos horários de trabalho; b) mapa de férias; c) assiduidade. Q) Em 20 de Março de 2002, o Autor entrou no gozo de 11 dias úteis de férias vencidas em 1.1.2001. R) O A. auferiu sucessivamente os ordenados mensais seguintes: em 1995, € 1072,42; em 1996, € 1122,29; em 1997, € 1396,63; em 1998, € 1452,00; em 1999, € 15424,58; e desde 2000, € 1585,43. S) E recebeu de subsídio de alimentação: em 1995, € 2,49; em 1996, € 3,24; em 1997, € 3,49; em 1998, € 3,74; em 1999, € 3,89, em 2000, € 3,99; em 2001, € 3,99 e, em 2002, € 4,26. T) O Autor trabalhava aos Domingos. V) - (1) Em 24 de Julho de 2002, o Director de Recursos Humanos da Ré enviou ao Autor a carta constante de fls. 205 e 205 do processo disciplinar, que aqui se dá por transcrita, na qual considerou a resposta à nota de culpa referida em J) como intempestiva e indeferiu a realização das diligências probatórias ali requeridas, sendo certo que nenhuma delas foi levada a cabo. Das respostas aos quesitos (a numeração corresponde à dos quesitos que foram dados como provados e, em itálico, vão os pontos da matéria de facto que foram alterados pela Relação): 1 - Em 8 de Julho de 2002, o Autor recebeu a nota de culpa referida em I) que lhe havia sido remetida através de carta registada, com AR. 2 e 83 – A resposta referida em J) foi enviada à Ré, em 15 de Julho de 2002, através de carta registada, na estação dos CTT do Aeroporto, com correio azul. 3 – O Autor foi admitido ao serviço da Ré com a categoria profissional de chefe de sector. 4 – As chefias da Ré prestavam-lhe o seu trabalho, com isenção de horário de trabalho, sem picarem o cartão de ponto (2). 5 – Até Fevereiro de 2001, o Autor não tinha horário de trabalho, não estando sujeito a picar ponto. 6 – Em Fevereiro de 2001, a Ré fixou um horário ao Autor e ordenou-lhe que procedesse à marcação de ponto. 9 – Em 3 de Abril de 2001, ao voltar de férias, o Autor constatou que as suas funções se encontravam a ser exercidas por um trabalhador novo na loja, de nome BB. 10 – Os documentos do Autor, relativos à empresa, haviam sido postos de lado, num monte. 12 – A partir de 3 de Abril de 2001, o Autor, por vezes, estava desocupado. 15 – Os chefes de sector trabalham maioritariamente na área de venda (na placa), sendo certo que também têm trabalho administrativo de escritório. 16 – Nos escritórios, cada chefe de sector tem afecta uma secretária, uma cadeira, um computador de mesa, uma extensão de telefone e uma estante para arquivo. 17 – No exercício das suas funções de chefe de sector de quinquilharia, o Autor chegou a desempenhar funções de reposição de mercadoria, manipulação de empilhador e arrumação de armazém. 18 – O Autor não tornou a ser convocado para as reuniões periódicas do departamento entre o seu chefe e os chefes dos respectivos sectores. 19 – Na lista telefónica interna, o nome do Autor foi substituído pelo do sr. BB. 20 – O Autor andava na Loja e nos armazéns, sendo certo que, por vezes, ajudava colegas que lhe pediam. 21 – Por vezes, colegas do Autor “metiam-se com ele”. 23 – Desde 1999, houve trabalhadores da Ré que tiveram aumentos. 24 – O Director de loja mandou o Autor para o sector de papelaria/livraria, que tinha como chefe de sector, em acumulação com o sector de jardim, o Sr. CC, e, quando o sr. CC solicitou esclarecimentos à gerente de Departamento sobre a situação do Autor, foi-lhe dito que a situação dele “estava em estudo”. 25 – No sector da papelaria, o Autor andava na loja, sendo certo que colocava etiquetas e fazia arrumações. 26 – Em Dezembro de 2001, o Sr. CC saiu. 27 – Após a saída do Sr. CC, foi exercer funções de chefe do sector de papelaria a Sr.ª DD. 28 – A situação do Autor manteve-se igual à ocorrida anteriormente, quando ali se encontrava o Sr. CC. 29 – Em 30 de Maio de 2002, o Autor foi mandado para chefe do sector de Peixaria, substituir a anterior chefe Dª EE que saíra há uns meses e fora substituída pela respectiva adjunta. 30 – O Autor nunca lidara com peixe. 31 – Como chefe de sector de peixaria, o Autor, durante o seu período normal diário de trabalho, sobretudo numa primeira fase, devia aprender a amanhar peixe. 32 e 33 – Em 7 de Junho de 2002, o Autor remeteu à Ré a carta constante de fls. 195 a 199 do processo disciplinar que aqui se dá por reproduzida. 34 – Em 27 de Junho de 2002, o Chefe do Departamento de perecíveis, Sr. FF, apresentou o Autor às funcionárias GG, HH, II e JJ como chefe de secção. 35 e 128 – Nessa data, foi entregue ao Autor o plano de formação constante de fls. 114 do processo disciplinar, que aqui se dá como integralmente transcrito, na presença do chefe de departamento Sr. FF, do Dr. LL, do Sr. MM e do Sr. NN. 36 e 130 – A formação seria dada pelo gerente do Departamento e pelas D. OO, II e PP. 37 e 130 – Em 27 de Junho de 2002, o Chefe de Departamento de Perecíveis disse ao Autor para se fardar e ir amanhar peixe, vai receber formação dos operadores. 38 e 131 – O Autor respondeu que não tinha que se fardar, porque era chefe de sector e que não fazia sentido receber instruções de subalternos. 39 – O Autor quis falar com as funcionárias do sector do peixe. 45 e 46 – Em 1 de Julho de 2002, o chefe de Departamento teve conhecimento que o Autor havia atendido o telefone portátil do sector que se encontrava no escritório. 48 e 49 – O chefe de Departamento disse ao Autor que não devia ter utilizado o telefone portátil, porque o mesmo fora atribuído à anterior chefe de peixaria Dª EE destinando-se a fazer pedidos. 52 - Nos dias 31 de Maio e 5 de Junho de 2002, o Autor esteve ao serviço do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio e Escritórios e Serviços de Portugal e, em 5 de Junho de 2002, o supra mencionado Sindicato efectuou a comunicação cuja cópia constante de fls. 111 do processo disciplinar, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito. 53 – Entre 10 a 21 de Junho de 2002, o Autor esteve de baixa por doença. 54 – Em 11 de Junho de 2002, o Autor enviou certificado de incapacidade temporária para o trabalho, por carta registada, com AR, que a Ré recebeu no dia 12 desse mês. 57 e 135 – No dia 30 de Maio de 2002, o Autor dirigiu-se ao seu anterior espaço habitual de trabalho, sito no escritório no Departamento de Bazar, para recolher os seus objectos e documentos pessoais, por forma a transferi-los para o posto de trabalho afecto ao Sector de Peixaria, mas encontrou o local vazio. 58 – O Autor solicitou a presença, no local, da permanência da direcção que, nesse dia, era efectuada pela Chefe de Departamento, Sr.ª Dr.ª QQ. 59, 62, 63 e 64 – Perguntada sobre os objectos e documentos pessoais do Autor, a Sr.ª Dr.ª QQ respondeu que não sabia e que, no dia anterior, o local já se encontrava vazio. 60 – O Autor solicitou a presença de delegados sindicais, no local, para confirmarem que o espaço estava vazio. 67 – Após se ter dirigido para a portaria, para solicitar a intervenção da PSP, o Autor veio a ser informado que os seus documentos e objectos pessoais tinham sido retirados e que estavam na sala dos Recursos Humanos. 68 – O Autor foi informado que se devia dirigir à sala de recursos humanos, para ir buscar os seus objectos. 69 – O Autor dirigiu-se ao gabinete de recursos humanos, juntamente com os delegados sindicais, mas veio a verificar que, no local, não se encontravam os seus objectos e documentos pessoais, mas apenas uma caixa de cartão contendo umas pastas, sendo certo que também foi informado que o seu computador estava no gabinete do Director de loja e que o módulo da sua secretária contendo os seus restantes pertences estava no sótão. 70 – O Autor insistiu que lhe fossem entregues os seus objectos e documentos e, ainda, que lhe devia ser facultado o acesso ao computador, para retirar os seus documentos, sendo certo que lhe foi dito pelo Sr. FF que se quisesse podia ir buscar os seus objectos ao sótão. 71 – A pedido do Autor, com prévia autorização da Sr.ª Dr.ª QQ, veio a ser solicitada a presença da PSP, no local. 72 – Após lhe ter sido dada autorização para o efeito, o delegado sindical efectuou telefonema para a PSP que se dirigiu ao local e identificou a Sr.ª Dr.ª QQ. 73 – Não é usual mexerem nos pertences dos trabalhadores da Ré, quando estes desocupam o seu posto de trabalho. 74 – Entre Abril de 2001, até à data do seu despedimento, o Autor esteve amiúde desocupado. 75 e 76 – A situação referida no n.º 74 desgostou o Autor. 78 – Em 5 de Julho de 2002, a Ré, através do seu Director de Recursos Humanos, leu a nota de culpa referida em I) ao Autor e tentou proceder à sua entrega. 79 – O Autor não quis aceitar a nota de culpa. 80 – O Autor disse que, se quisessem, mandassem a nota de culpa, por correio registado, para a sua residência. 81 – Em 5 de Julho de 2002, a Ré remeteu ao Autor a nota de culpa referida em I) por correio registado com aviso de recepção. 82 – O Autor recebeu a nota de culpa referida em I), com a comunicação de intenção de despedimento, em 8 de Julho de 2002. 84 – A Ré recebeu a resposta referida em J). 85 – A Ré teve conhecimento da eleição do Autor como dirigente do CESP. 86 – O Autor foi admitido ao serviço da Ré com a categoria de chefe de sector. 87 – O Autor exerceu funções de chefe do sector de Quinquilharia do Réu, de 14.11.94 até data que não foi possível precisar do primeiro trimestre de 1998. 88 – O Autor exerceu funções de chefe do sector de Bazar pesado, desde data que não foi possível determinar do primeiro trimestre de 1998 até 21 de Fevereiro de 2001, sendo certo que se manteve nessa qualidade até data que não foi possível determinar de Abril de 2001. 89 - O Autor foi nomeado chefe da Secção de Livraria/Papelaria, em data que não foi possível determinar de Abril de 2001, tendo mantido essa qualidade até 28 de Maio de 2002. 90 – O Autor foi nomeado Chefe de Sector da Secção de Peixaria, em 29 de Maio de 2002. 91 – A Ré entregou ao Autor uma carta, cujo teor não foi possível determinar, na qual referia as funções do chefe de sector de peixaria. 92 – Em 30 de Maio de 2002, o Autor apresentou-se na loja, tendo-lhe sido solicitado que levantasse o fardamento necessário ao desempenho das suas funções. 93 – Pedido que o Autor ignorou. 94 – Durante todo o dia, o Autor não se apresentou na Secção de Peixaria. 95 – Em 31 de Maio de 2002, o Autor não compareceu na loja. 96, 97, 98, 99, 100, 101 e 102 – O chefe de segurança da Ristecna, nas instalações da Ré, sitas em Telheiras, elaborou o Relatório Diário relativo ao dia 1 de Junho de 2002, que consta de fls.90 do processo disciplinar, que aqui se dá por integralmente reproduzido. A elaboração desse relatório foi previamente ordenada pelo Director de loja da Ré, sendo certo que o relatório constitui um resumo de informações obtidas pela globalidade dos cerca de 6/7 elementos da Ristecna que ali prestavam serviço. 103 – No dia 3 de Junho de 2002, o autor entrou no hipermercado pelas 8h20 e saiu às 17h39. 117 - No dia 5 de Junho de 2002, o autor entrou na loja pelas 8h44 e saiu definitivamente pelas 9h20 120 – O autor faltou ao serviço nos dias 8, 10, 11, 12, 13, 15, 17, 18, 19, 20 e 21 de Junho de 2002. 122 – Por carta remetida por correio azul, em 11 de Junho de 2002, o Autor comunicou à Ré que se encontrava na situação de baixa de 10 a 21 de Junho de 2002, tendo junto o "boletim de baixa". 123 – Em 25 de Junho de 2002, o Autor esteve na loja entre as 8h30 e as 12h03. 124 – Em 26 de Junho de 2002, o Autor esteve na loja das 8h24 às 12h55 e das 14h02 às 17h35. 125 – Em 27 de Junho de 2002, o Autor esteve na loja, chegando a dirigir-se ao balcão de atendimento do sector de peixaria, onde esteve algum tempo a tomar notas. 126 – Não tendo envergado o seu fardamento. 129 – Em 27 de Junho de 2002, o Autor recusou acatar o plano referido no n.º 35. 131 – Enquanto foi chefe do sector peixaria, o Autor nunca se fardou. 132 – Durante o período em que foi chefe do sector de peixaria, o Autor fez perguntas às trabalhadoras do sector e tomou notas do que lhe diziam. 141 – O autor comprometeu-se para com a ré a prestar trabalho de segunda-feira a domingo, em horário a fixar pela ré. 146 – Os estabelecimentos da Ré apenas encerram nos dias 1 de Janeiro, 1 de Maio e 25 de Dezembro de cada ano e o Autor trabalhava em dias feriados. 3. O direito Antes de entrarmos na apreciação das questões suscitadas nos recursos, importa referir que a relação de trabalho mantida entre as partes se iniciou, desenvolveu e cessou antes da publicação da Lei n.º 99/2003, de 27/8, que aprovou o Código do Trabalho, uma vez que o autor foi admitido ao serviço da ré em 15.11.94 e veio por ela a ser despedido em 30.8.2002, data em que recebeu a carta de despedimento (alíneas A) e K) da matéria de facto). Daí que o complexo normativo aplicável àquela relação jurídica seja o que estava em vigor antes da entrada em vigor daquele Código, nomeadamente o regime jurídico do contrato de trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT), o regime jurídico da cessação do contrato de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT), o Decreto-Lei n.º 409/71, de 27 de Setembro e o Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro. Por outro lado, também interessa referir que as instâncias entenderam que os instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis à mencionada relação laboral foram, sucessivamente, o CCT celebrado entre a ANS - Associação Nacional de Supermercados e a FEPCES - Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e outros, publicado no BTE n.º 14, de 29.3.1994, e o CCT celebrado entre a APED - Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição e a referida FEPCES, publicado no BTE n.º 33, de 8.9.2000, aplicação essa que as partes nunca puseram em causa, sendo que também não havia razões para o fazer, dada a filiação sindical do autor e o facto da ré se dedicar à actividade e super e hipermercados e ser associada da APED (alíneas C), G) e H) dos factos provados). Diremos ainda que as disposições do CPC que vierem a ser citadas são as que estavam em vigor antes das alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, uma vez o DL só entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2008 e as suas disposições não se aplicam aos processos pendentes à data da entrada em vigor (artigos 11.º, n.º 1 e 12.º, n.º 1), sendo que a presente acção foi proposta em 8.11.2002. Feitos estes esclarecimentos, passemos, então, à análise das questões que integram o objecto dos recursos, respeitando a ordem por que estes foram interpostos. 4.Recurso da ré As questões levantadas pela ré são as seguintes: - Saber se a sentença devia ter sido anulada, na parte referente à isenção do horário de trabalho; - Saber se a resposta dada ao quesito 4.º deve ser parcialmente dada como não escrita; - Saber se o processo disciplinar enferma da nulidade, por violação do direito de defesa do autor; - Saber se a ré tinha justa causa para despedir o autor; - Saber se os danos não patrimoniais sofridos pelo autor são merecedores da tutela do direito e, na hipótese afirmativa, se o montante da indemnização que, a esse título, lhe foi arbitrada (€ 7.500) deve ser reduzido; - Saber se o autor tem direito ao subsídio previsto na cláusula 18.ª do CCT aplicável, pela prestação de trabalho ao domingo. 4.1 Da “anulação” da sentença A fls. 273 dos autos, o autor veio requerer a junção de 30 documentos, para prova de diversos quesitos da base instrutória, sendo que do documento n.º 3 – apresentado para prova do quesito 5.º, onde se perguntava se “o Autor esteve isento de horário de trabalho até 21 de Fevereiro de 2001?” –, fazia parte uma certidão emitida, a pedido do autor, pela Chefe de Repartição Técnica da Delegação de Lisboa do Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho, atestando que, em 17.3.1997, a ré tinha apresentado, naquela Delegação, um pedido de isenção de horário de trabalho para o autor e que tal pedido não fora oportunamente despachado, por falta de recursos humanos. A fls. 358-364, a ré pronunciou-se sobre o dito requerimento e sobre os documentos que o acompanharam, e, relativamente ao doc. n.º 3, requereu que o M.mo Juiz mandasse notificar a Delegação de Lisboa do IDICT, para que esta juntasse aos autos cópia do requerimento que aí tinha sido apresentado pela ré a pedir a isenção de horário do autor, bem como da declaração de concordância do autor e dos demais documentos que instruíram aquele pedido. Todavia, sobre o assim requerido pela ré não foi proferido qualquer despacho, tendo a ré vindo a ser condenada, na sentença, a pagar ao autor a quantia de € 28.933,10, a título de subsídio por isenção de horário de trabalho. Como já foi referido em “1.Relatório”, no requerimento de interposição do recurso de apelação, a ré arguiu, expressa e separadamente, a omissão daquele despacho, alegando que tal falta constituía uma violação do contraditório e do princípio da igualdade das partes (artigos 3.º e 3.º-A do CPC) e que integrava a nulidade prevista no art.º 201.º, n.º 1, do CPC, uma vez que, devido a tal omissão, deixaram de ser carreados para os autos elementos fundamentais para o exame e boa decisão da causa, devendo, por isso, a sentença ser anulada, “na parte em que se pronunciou sobre o pedido de isenção de horário de trabalho”. Conhecendo daquela questão, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu que o facto do M.mo Juiz não se ter pronunciado sobre o mencionado requerimento poderia constituir, quando muito, uma nulidade de natureza processual, nos termos do art.º 201.º, n.º 1, do CPC, mas que tal nulidade se encontrava sanada, uma vez que a ré tinha tido inúmeras intervenções no processo, após a formulação do dito requerimento, nomeadamente nas diversas audiências de julgamento, sem nunca ter reclamado da dita omissão, sendo de presumir que, agindo com a devida diligência, dela podia ter tomado conhecimento, conforme dispõe o art.º 205.º, n.º 1, do CPC. A ré discorda de tal decisão, alegando que o despacho do M.mo Juiz relativamente ao que por ela tinha sido requerido podia ser proferido sido até à prolação da sentença, pois só então se esgotaria o seu poder jurisdicional, pelo que a ré sempre poderia contar com tal pronúncia até àquele momento, e que, não se tendo verificado qualquer decisão, a ré agiu tempestivamente ao arguir a nulidade em causa no requerimento de interposição do recurso de apelação. Não lhe assiste, todavia, razão. É indiscutível que o M.mo Juiz devia ter apreciado o que pela ré foi requerido no requerimento de fls. 358-364, pois o disposto no art.º 156.º, n.º 1, do CPC a isso o obrigava. Não o tendo feito, omitiu-se a prática de um acto processual imposto por lei (o despacho judicial) e a omissão desse acto processual era susceptível de constituir uma nulidade processual (art.º 201.º, n.º 1, do CPC). Entendemos, porém, face ao disposto no art.º 205.º, n.º 1, do CPC, que essa nulidade processual devia ter sido arguida até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento que teve lugar no dia 21.5.2004 ou, o mais tardar, até 2.6.2004, data em que o M.mo Juiz procedeu à leitura das respostas aos quesitos da base instrutória, acto a que os mandatários das partes estiveram presentes. Com efeito, encerrada definitivamente a audiência de discussão e julgamento, com as respostas aos quesitos, a nulidade em causa consumou-se, uma vez que o M.mo Juiz deixou de ter hipótese de, oficiosamente, reabrir a fase de discussão e, consequentemente, de se pronunciar sobre o requerimento da ré. Não tendo sido arguida em nenhum daqueles momentos, a nulidade ficou sanada. De qualquer modo, mesmo que se entendesse, como defende a ré, que a data relevante para a arguição da nulidade era a da prolação da sentença, a verdade é que a ré só dispunha de dez dias para o fazer (art.º 153.º, n.º 1, do CPC). Ora, tendo a sentença sido proferida em 15.9.2004 e notificada às partes, por carta registada expedida no dia seguinte, é de presumir, nos termos do art.º 254.º, n.º 2, do CPC, que a ré foi dela notificada em 20.9.2004 (segunda-feira) e, deste modo, ainda que se entendesse que o prazo para arguir a nulidade começava a decorrer a partir da notificação da sentença, tal prazo teria terminado em 30.9.2004. E, porque, nessa data, o processo ainda se encontrava na 1.ª instância, a nulidade aí teria de ser arguida, mediante reclamação dirigida ao respectivo Juiz (art.º 205.º, n.º 3, do CPC). Acontece que a nulidade só veio a ser arguida no requerimento de interposição do recurso de apelação, sendo que tal requerimento só foi remetido a juízo por registo postal expedido pela ré em 25.10.2004, ou seja, muito depois de, mesmo na tese da ré, ter decorrido o prazo de que dispunha para reclamar da nulidade, o que vale por dizer que a arguição da mesma sempre teria de ser julgada intempestiva, por se encontrar sanada quando foi arguida, o que acarreta a improcedência do recurso, nesta parte. 4.2 Da impugnação do n.º 4 da matéria de facto Na petição inicial, o autor alegou que foi admitido como Chefe de Sector de Quinquilharia (art.º 57.º), que todas as chefias prestavam o seu trabalho em regime de isenção de horário (art.º 58.º da p.i.) e que, desde a data de admissão até 21.2.2001, sempre tinha trabalhado nesse regime, assistindo-lhe, por isso, o direito a um subsídio de 25% da retribuição base, de acordo com o n.º 2 da Cláusula 14.ª do CCT aplicável à relação laboral em causa (artigos 259.º, 260.º e 261.º da p.i.). E, a esse título, pediu que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 28.933,10 (art.º 274.º da p.i.). Na contestação (art.os 1.º e 121.º), a ré impugnou expressamente aquela factualidade que, por via disso, foi levada à base instrutória. Assim, no quesito 4.º perguntava-se se “[t]odas as chefias da Ré prestavam o seu trabalho em regime de isenção de horário, não estando sujeitas a picagem do cartão de ponto?” Na 1.ª instância, aquele quesito obteve a seguinte resposta: “Provado apenas que as chefias da Ré prestavam-lhe o seu trabalho, com isenção de horário de trabalho, sem picarem o cartão de ponto.” Aquela resposta foi objecto de impugnação por parte da ré, no recurso de apelação, pois, segundo a ré, a mesma, com excepção da sua parte final (a partir de sem), continha apenas matéria de direito, devendo, por isso, ser dada como não escrita, sendo que, sem prescindir, o quesito em causa sempre teria de ser dado como não provado, uma vez que, nos termos do art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 409/71, de 27/9, a isenção do horário de trabalho só pode ser provada por documento que nos autos não existe. A Relação julgou improcedente o recurso, nesta parte, com o fundamento de que a afirmação prestar trabalho com isenção de horário de trabalho, embora tenha um significado jurídico preciso, também é correntemente utilizada pela generalidade das pessoas com um sentido fáctico inequívoco, sendo com este sentido que ele foi usada no quesito 4.º, explicitado, aliás, pela frase “sem picarem o cartão de ponto”. E mais considerou a Relação que a questão de saber se a lei exige, para a validade do regime de isenção de horário de trabalho, a existência de determinados documentos como formalidade ad substantiam, era já uma questão jurídica, aliás controvertida, que seria apreciada no momento próprio. No recurso de revista, a ré admite que a aludida expressão possa ter um significado fáctico, mas considera que “não o terá certamente naquele quesito, porquanto pressupõe a interpretação e aplicação das regras de direito – no sentido de querer significar que o Autor estava sujeito a um regime válido e eficaz de isenção de horário de trabalho –, podendo conter, por isso, conforme parece decorrer dos votos de vencido formulados na parte final do douto Acórdão recorrido, a solução final da questão da existência do referido regime de isenção de horário, o que não é admissível. Adiantando, desde já a resposta, diremos que a razão está do lado da ré. Vejamos porquê. A lei aplicável ao caso (o Decreto-Lei n.º 409/71, de 27/9, uma vez que o Código do Trabalho só veio a ser publicado depois da data em que o autor foi despedido) não define expressamente o que se deve entender por isenção de horário de trabalho, mas do disposto no seu art.º 11.º decorre que a isenção de horário de trabalho corresponde à falta de horário de trabalho. Com efeito, afirmando-se no n.º 2 daquele artigo, que “[e]ntende-se por “horário de trabalho” a determinação das horas do início e do termo do período normal de trabalho diário, bem assim como dos intervalos de descanso”, temos de concluir que a isenção de horário de trabalho ocorre quando as horas do início e do termo do período normal de trabalho diário e dos intervalos de descanso não se encontram estabelecidas. E, sendo assim, a afirmação de que determinado trabalhador está isento de horário de trabalho corresponde a um juízo de natureza jurídica, uma vez que tal juízo resulta da valoração de determinadas ocorrência da vida real (a inexistência de horas para o trabalhador iniciar e terminar o seu período de trabalho e a inexistência de horas para o intervalo de descanso), feita à luz de determinada norma jurídica, ou seja, de um juízo normativo operado através da subsunção de determinados factos ao direito. Reconhece-se que a expressão isenção de horário de trabalho também é usada na linguagem corrente com um significado fáctico coincidente com o seu sentido jurídico. E aceita--se que as expressões jurídicas possam ser levadas à matéria de facto quando na linguagem corrente sejam utilizadas com um sentido unívoco, excepto quando essas expressões integrem o thema decidendum objecto da acção, dado que, nesse caso, a solução jurídica do pleito poderia resultar directamente da decisão proferida sobre a matéria de facto. Ora, uma das questões que integram o thema decidendum da presente acção diz respeito, precisamente, ao regime de horário de trabalho que era praticado pelo autor, mais concretamente à questão de saber se ele trabalhou, ou não, em regime de isenção de horário, desde a data da sua admissão ao serviço da ré até 21.2.2001. É verdade que a resposta dada ao quesito 4.º não contende directamente com o autor, uma vez que apenas se refere às chefias da ré em geral, mas também é verdade que o autor exercia funções de chefia e que, por esse motivo, a resposta ao quesito não pode ser considerada absolutamente indiferente para a resolução jurídica daquela questão. E, sendo assim, importa dar como não escrita, nessa parte, a resposta dada ao quesito 4.º, o que se faz ao abrigo do disposto no art.º 643.º do CPC, e, consequentemente, alterar a dita resposta, cujo teor passa a ser o seguinte: 4 – As chefias da Ré prestavam-lhe o seu trabalho sem picarem o cartão de ponto. 4.3 Da nulidade do processo disciplinar Como já foi referido, na petição inicial o autor alegou que o processo disciplinar era nulo, pelo facto da ré não ter diligenciado, como o autor tinha requerido na resposta à nota de culpa, pela junção àquele processo dos documentos por ele indicados na dita resposta e também não ter procedido à inquirição das testemunhas arroladas pelo autor na sua defesa. E mais alegou que o fundamento invocado pela ré, para não realizar aquelas diligências probatórias, de que a resposta à nota de culpa tinha sido apresentada para além do prazo legal, não correspondia à verdade, uma vez que a ré tinha reconhecido que o autor só tinha sido notificado da nota de culpa em 8.7.2002, sendo que a resposta foi por ele enviada em 15 de Julho, ou seja, no último dia dos cinco dias úteis de que dispunha responder à nota de culpa (art.º 10.º, n.º 4, da LCCT). Por sua vez, na contestação, a ré alegou que, em 5 de Julho de 2002, tentou entregar ao autor a nota de culpa, através do seu Director de Recursos Humanos, RR, mas não o logrou fazer, por ele se ter recusado a recebê-la, exigindo que a mesma lhe fosse enviada por correio registado, para a sua residência, o que a ré fez, não obstante o despropósito da recusa e a petulante exigência do autor, naquela mesma data, através de correio registado com aviso de recepção, tendo a mesma sido recebida pelo autor em 8 de Julho de 2002, sendo que a resposta à nota de culpa só foi enviada em 15 de Julho de 2002, após as 21 horas, por carta registada com aviso de recepção. E mais alegou que o facto de, em 5 de Julho de 2002, o autor ter recusado receber a nota de culpa não impediu que o prazo para a apresentação da resposta tivesse começado a decorrer naquela data, face ao disposto no art.º 224.º, n.º 2, do C. C., tendo, por isso, o prazo terminado no dia 12 de Julho de 2002. Porém, acrescentou a ré, ainda que se entendesse que a notificação da nota de culpa só tinha ocorrido com a entrega efectiva da mesma na residência do autor, em 8 de Julho de 2002, o direito de resposta sempre estaria precludido, pois, tendo o autor enviado a nota de culpa por correio, no último dia do prazo, é evidente que a mesma só chegou ao conhecimento do seu destinatário depois de terem decorrido os cinco dias úteis previstos no art.º 10.º, n.º 4, da LCCT. Com interesse para esta questão provou-se que, em 5 de Julho de 2002, a Ré, através do seu Director de Recursos Humanos, leu a nota de culpa ao autor e tentou fazer-lhe a entrega da mesma (facto 78), mas que o autor a não quis aceitar (facto 79), dizendo que, se quisessem, a mandassem, por correio registado, para a sua residência (facto 80), o que a ré fez, nessa mesma data, através de correio registado com aviso de recepção (facto 81), que veio a ser recebido pelo autor no dia 8 de Julho de 2002 (facto 82), tendo este respondido à nota de culpa nos termos constantes de fls. 158 a 192 do processo disciplinar, através de carta registada expedida em 15 de Julho de 2002 (factos 2 a 83), que a ré recebeu (facto 84). Na 1.ª instância decidiu-se que a resposta à nota de culpa tinha sido intempestiva, com o fundamento de que ao caso era aplicável o disposto no art.º 224.º, n.º 2, do C.C., e que, por essa razão, se devia considerar que o autor foi notificado da nota de culpa em 5 de Julho de 2002, data em que se recusou a recebê-la, uma vez que a lei não obriga a entidade empregadora a enviar a nota de culpa pelo correio. Na Relação, porém, entendeu-se que a data relevante, para efeitos da notificação da nota de culpa, era a de 8 de Julho de 2002 (data em que o autor recebeu a nota de culpa que lhe foi enviada pelo correio), com o fundamento de que a ré tinha acedido ao pedido nesse sentido formulado pelo do autor, daí se depreendendo que a própria ré considerou como não efectuada a entrega da nota de culpa no dia 5 de Julho, assim tendo sido compreendido pelo autor, como, aliás, o teria sido por qualquer declaratário normal colocado na posição do autor, sendo que entender de outra forma seria violar as regras da boa fé que supõem confiança nos comportamentos. E mais se entendeu, na Relação, que a resposta à nota de culpa foi apresentada em tempo, apesar de só ter sido remetida no correio no último dia do prazo, pois, “dispondo o trabalhador arguido de cinco dias úteis para organizar a sua defesa e tendo enviado a resposta à nota de culpa através de correio registado expedido no quinto dia útil, é de concluir que a data da prática do acto é a data em que o registo postal foi efectuado, à semelhança do regime previsto no art. 150.º, n.º 1, al. b), do CPC”, pois “a não ser assim, não se garantiam os cinco dias úteis para o trabalhador organizar a sua defesa”. E com base no referido entendimento, a Relação concluiu que o processo disciplinar era nulo, dado que a ré não tinha efectuado nenhuma das diligências de prova requeridas pelo autor na resposta à nota de culpa, violando, assim, o direito de defesa previsto no art.º 10.º, n.º 5, da LCCT, com a consequente ilicitude do despedimento, nos termos do art.º 12.º, n.º 3, alínea b), da LCCT. No recurso de revista, a ré insurge-se contra tal decisão, mas limitou-se a alegar que à Relação não era lícito extrair a ilação de que da conduta da ré, ao ter acedido ao pedido do autor para que a nota de culpa lhe fosse enviada pelo correio, só podia depreender-se que ela tinha considerado como não efectuada a entrega da nota de culpa em 5.7.2002 e que tinha aceitado que a data relevante para a recepção da nota de culpa seria a data em que o autor a recebesse pelo correio. A ré não questionou, pois, a decisão da Relação na parte em que esta considerou que a resposta à nota de culpa é de considerar tempestiva, mesmo que tenha sido recebida pelo empregador depois de ter decorrido o prazo de que o trabalhador dispunha para responder, desde que a resposta tivesse sido expedida no correio no último dia útil do referido prazo, ou seja, desde que fosse metida no correio no quinto dia útil. Deste modo, a questão a apreciar no recurso restringe-se a saber se a Relação podia ter extraído a referida ilação. A ré não põe em causa que a Relação possa, com base nos factos provados, dar como provados outros factos, através do recurso às presunções judiciais, ou seja, com base nas regras da experiência comum (art.º 351.º do C.C.). O que a ré contesta é que os factos provados em que a Relação assentou a ilação sejam suficientes para tal. Saber se os factos provados permitiam ou não à Relação extrair a ilação em causa configura uma questão de direito, qual seja a de saber se houve ou não violação do disposto no art.º 351.º do C.C., e, por se tratar de uma questão de direito, a competência do Supremo para dela conhecer é inquestionável. Ora, e como bem diz a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta no seu douto parecer, que seguiremos de perto, são de reputar inadmissíveis as conclusões (ilações) que não correspondam ao desenvolvimento lógico da matéria de facto dada como provada, sendo que, no caso concreto, a ilação extraída pela Relação não corresponde realmente ao desenvolvimento lógico da matéria de facto dada como provada e que supra foi referida. Desde logo, como diz aquela magistrada, porque, contrariamente ao que é afirmado no douto acórdão recorrido, o autor não pediu à ré que lhe enviasse a nota de culpa pelo correio. O que ficou provado que foi, no dia 5.7.2002, a ré tentou entregar ao autor a nota de culpa e que este não quis aceitá-la, tendo dito que, se quisessem, a mandassem pelo correio, para a mandassem por correio registado, para a sua residência. Verifica-se, assim, que o autor deixou ao critério da ré o envio, ou não, pelo correio da nota de culpa, como claramente resulta da expressão “se quiserem mandassem”, da qual decorre uma manifesta indiferença do autor relativamente ao facto da ré lhe enviar, ou não, a nota de culpa pelo correio. Como flui do acórdão recorrido, o facto de que a Relação se serviu para extrair a ilação que vem sendo referida foi o pedido que o autor teria feito à ré, para que esta lhe enviasse a nota de culpa pelo correio, para a sua residência. Ora, não constando esse facto do elenco da matéria de facto provada, é óbvio que a ilação em causa não podia ter sido extraída, por falta de fundamento factual bastante para tal, sendo que o facto da ré ter enviado a nota de culpa pelo correio não é, só por si, suficiente para tal. E, sendo assim, temos de concluir que a notificação da nota de culpa ocorreu no dia 5 de Julho de 2002, data em que o autor se recusou a recebê-la, em mão, uma vez que o disposto no n.º 2 do art.º 224.º do C.C. não deixa margens para dúvidas a esse respeito, ao estipular que “[é] também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi pró ele oportunamente recebida”. E, face a tal conclusão, é óbvio que, quando a resposta à nota de culpa foi expedida por correio, em 15.7.2002, já há muito haviam decorrido os cinco dias úteis de que o autor dispunha para a apresentar, pois, compulsado o calendário do ano de 2002, constatamos que o 5.º dia útil já tinha ocorrido em 12.7.2002. Procede, pois, o recurso, nesta parte, o que implica a revogação do acórdão recorrido na parte em que declarou ilícito o despedimento do autor, com fundamento na nulidade do processo disciplinar. 4.4 Da justa causa Nos termos do art.º 9.º, n.º 1, da LCCT constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. O conceito de justa causa contido no normativo referido diz respeito à chamada justa causa subjectiva, ou seja, àquela que tem por fundamento uma conduta imputável ao trabalhador, ao contrário do que sucede com a denominada justa causa objectiva que se baseia em motivos relacionados com a empresa. E, como do referido conceito resulta, a justa causa subjectiva pressupõe, antes de mais, um comportamento culposo do trabalhador, que necessariamente implica um acto ilícito e censurável do trabalhador, uma vez que, como diz Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, Abril 2002, p. 851-852), a culpa, em termos de responsabilidade civil, não se pode dissociar da ilicitude, em particular no domínio da responsabilidade contratual, onde a culpa é usada em sentido amplo, de modo a abranger a própria ilicitude. Por sua vez, o acto ilícito e culposo há-de corresponder a uma violação grave, por parte do trabalhador, dos seus deveres contratuais (seja dos deveres principais, secundários ou acessórios), por acção ou omissão, podendo essa violação revestir qualquer uma das três modalidades de incumprimento das obrigações: o não cumprimento definitivo, a simples mora e o cumprimento defeituoso. Por outro lado, a culpa do trabalhador há-de ser apreciada segundo um critério objectivo, ou seja, pela diligência que um bom pai de família teria adoptado, em face das circunstâncias do caso (art.º 487.º, n.º 2, do C.C.), e não segundo os critérios subjectivos do empregador. Para que se verifique a justa causa, não basta, porém, um qualquer incumprimento dos deveres contratuais, por parte do trabalhador. É necessário, ainda, que se trate de um comportamento que, pela sua gravidade e consequências, nos leve a concluir que a subsistência da relação de trabalho se tornou imediata e praticamente impossível, sendo esta situação de imediata impossibilidade prática que constitui, no dizer Bernardo Lobo Xavier (Curso de Direito do Trabalho, 2.ª ed., p. 491), a verdadeira “pedra de toque” do conceito de justa causa. E, para chegar a tal conclusão, importa ter presente que a impossibilidade em questão não é uma impossibilidade de ordem material, correspondendo, antes, a uma situação de inexigibilidade reportada a um padrão essencialmente psicológico, qual seja “o das condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura, implicando mais ou menos frequentes e intensos contactos entre os sujeitos” (Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 12.ª edição, p. 557-559), e que, na apreciação dessa inexigibilidade, há que atender, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e seus companheiros e demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes (art.º 12.º, n.º 5, da LCCT), tudo à luz dos critérios de um bonus paterfamilias, ou seja, de um empregador normal, e não à luz da sensibilidade do real empregador. E também importa ter presente que o conceito legal de justa causa funciona como uma cláusula geral ou conceito indeterminado que, por natureza, é refractário a operações de mera subsunção, uma vez que “as ideias de “justa causa” e de “impossibilidade prática” não têm somente a ver com factos ou situações de facto, mas também com valores que como tal não podem nem devem ser objecto de alegação e prova, sendo que “a apreciação final não é só de carácter valorativo, mas tem ela própria base num conjunto impossível de descrever de sub--resultados, objectos eles próprios de valoração, susceptíveis das mais variadas combinações” (B. Lobo Xavier, ob. cit., p. 492, 493 e 498). A inexigibilidade há-de, pois, ser aferida através de um juízo de probabilidade, de prognose, sobre a viabilidade da relação de trabalho, sendo de concluir pela existência de justa causa quando, sopesando os interesses em presença, se verifique que a continuidade da vinculação representaria, objectivamente, uma insuportável e injusta imposição ao empregador, isto é, quando, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações (pessoais e patrimoniais) que ele supõe seriam de molde a ferir de modo desmesurado e violento a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador (Monteiro Fernandes, ob. e local citados). É necessário salientar, ainda, que, nas acções de impugnação de despedimento, a entidade empregadora só pode invocar factos constantes da decisão final proferida no processo disciplinar, a qual por sua vez só pode incluir factos que tenham sido invocados na nota de culpa e na defesa do trabalhador, salvo se os mesmos atenuarem ou dirimirem a responsabilidade do trabalhador (artigos 10.º, n.º 9, e 12.º, n.º 4, da LCCT) e que, na acção de impugnação judicial do despedimento, cabe à entidade empregadora alegar e provar os factos por si invocados para justificar o despedimento do trabalhador (art.º 12.º, n.º 4, da LCCT) E, por último, há que referir que o legislador enumera, de forma não taxativa, um conjunto de situações susceptíveis de constituírem justa causa de despedimento (art.º 9.º, n.º 2, da LCCT), mas que tal elenco, contribuindo embora, como diz Bernardo Xavier (ob. cit., p. 495) “para iluminar quais são os interesses fundamentais que, atingidos, determinam a impossibilidade prática de manutenção das relações de trabalho”, não dispensa o juízo de prognose a que acima fizemos referência nem o conceito legal de justa causa contido no n.º 1 do art.º 9.º da LCCT, o que equivale a dizer que a simples verificação de um daqueles comportamentos não permite, só por si, concluir pela existência de justa causa, tendo o comportamento em questão de ser sempre apreciado à luz do critério geral contido naquele normativo legal. Revertendo, agora, ao caso em apreço e compulsadas a nota de culpa e a decisão de despedimento, constatamos que o autor foi despedido por quatro ordens de razões: - por ilegitimamente se ter recusado sistematicamente a assumir, efectivamente, as funções (e obrigações acessórias, como trajar o devido fardamento) de Chefe do Sector na Peixaria, para que fora nomeado em 29.5.2002; - por se ter recusado a acatar o Plano de Formação; - por ter faltado injustificadamente ao trabalho; - e por ter violado os deveres de respeito e de boa fé. No que diz respeito à recusa em assumir as funções de Chefe de Sector da peixaria, à recusa em cumprir o Plano de Formação e às faltas injustificadas, na contestação a ré alegou o seguinte: - por determinação da ré, consubstanciada em carta datada de 27.5.2002, o Autor passaria, a partir de 29.5.2002, a exercer as funções de chefe de sector na Peixaria do hipermercado, incumbindo-lhe, de acordo com aquela carta: a) Garantir a arrumação de armazém e loja; b) Garantir a implementação das normas e planos de higienização; c) Garantir a implementação das normas de segurança no trabalho; d) Garantir que o correcto manuseamento e funcionamento dos utensílios e máquinas no local de trabalho são respeitados pelos funcionários do sector; e) Controlar e garantir a reposição dos produtos do sector; f) Garantir a correcta apresentação dos produtos nos lineares; g) Garantir a correcta apresentação dos funcionários, com os respectivos fardamentos instituídos pela Companhia, assim como a sua própria apresentação e fardamento; h) Garantir a conformidade, salubridade e validade dos produtos comercializados no Sector, assim como efectuar as necessárias triagens; i) Garantir a devolução de artigos aos fornecedores nos prazos estipulados; j) Efectuar shopping na concorrência; k) Garantir a colocação de preços, assim como a descrição correcta nas respectivas etiquetas dos produtos pré-embalados na loja; l) Garantir a correcta afixação nos preçários do respectivo Sector; m) Formar e distribuir tarefas pelos funcionários do Sector; n) Ser um exemplo de credibilidade e postura idónea; o) Informar a Direcção da Loja das anomalias e não conformidades inerentes ao normal funcionamento do Sector; p) Atender e zelar pela satisfação do consumidor (art.º 44 da contestação); - nos termos da mesma instrução, “em virtude da centralização da peixaria, a gestão de margens, compras, pvp’s e pessoal é da responsabilidade do Gerente de Departamento” (art.º 45.º da contestação); - tendo o autor, na qualidade de chefe de Sector de Peixaria, “o período diário de 30 minutos que será das 15:00 horas às 15:30 horas sem excepção, para as consultas que julgue necessárias no gabinete do departamento Perecíveis, qualquer alteração a este período só poderá acontecer com autorização do Gerente de Departamento” (art.º 46.º da contestação); - pelo mesmo meio, foi o Autor advertido de que “as ausências do local de trabalho (área do sector Peixaria) que não sejam devidamente justificadas por motivo de serviço ou necessidade pessoal inadiável, serão consideradas injustificadas” e que “reportará directamente ao Gerente [do] Departamento de Perecíveis, que será responsável pela sua formação” (art.º 47.º da contestação); - no dia 30.5.2002, o autor apresentou-se na loja, tendo-lhe sido solicitado que levantasse fardamento necessário ao desempenho das suas funções, pedido que o autor ignorou, não tendo inclusive se apresentado durante todo o dia no Sector de Peixaria (artigos 48.º, 49.º e 50.º da contestação); - no dia 31.5.2002, o autor não compareceu na loja (art.º 51.º da contestação); - no dia 1.6.2002, o autor entrou na loja às 8h30, saiu para almoço às 14h15 e regressou às 15h45, tendo saído definitivamente da loja às 17h45 e, enquanto permaneceu na loja, o autor jamais se dirigiu ao Sector da Peixaria, tendo ocupado o seu tempo a passear pela loja e pelos escritórios, conversando com os restantes funcionários, nada fazendo que se relacionasse com as funções que lhe estavam atribuídas (artigos 52.º a 59.º, inclusive, da contestação); - no dia 3.6.2002, o autor entrou no hipermercado às 8h20, mas não se dirigiu ao Sector da Peixaria, saindo da loja às 9h10, para tomar o pequeno-almoço, regressando às 9h43, sem ter picado o cartão de ponto quando saiu e quando regressou do pequeno-almoço (artigos 60.º a 64.º, inclusive, da contestação); - nesse mesmo dia, o autor saiu da loja, para almoçar, às 12h35, regressando às 14h30, tendo saído definitivamente às 17h39, e, enquanto se manteve na loja, jamais se dirigiu ao Sector da Peixaria, ocupando o tempo a passear pela loja, sem nada fazer (artigos 65.º a 68.º, inclusive, da contestação); - contrariando ainda o que lhe fora determinado e sem que para tal tivesse solicitado e obtido a necessária autorização, o autor, também nesse dia, pelas 10h45, encontrava-se a andar pelos escritórios, sem que estivesse a fazer algo que se prendesse com o seu trabalho (art.º 69.º da contestação); - no dia 4.6.2002, o autor entrou na loja às 8h30, esteve ausente para almoço entre as 12h47 e as 13h58, saindo definitivamente às 17h40, sem que, em todo o dia, se dirigisse sequer ao Sector da Peixaria, e, mais uma vez, contrariando a instrução que lhe havia sido dada, pelas 14h50 e pelas 16h00, encontrava-se a andar pelos escritórios, sem que tivesse solicitado e obtido a necessária autorização e sem que estivesse a fazer algo que se prendesse com o seu trabalho (artigos 70.º e 71.º da contestação); - no dia 5.6.2002, o autor entrou na loja às 8h44 e dela saiu definitivamente às 9h20, sem sequer se ter dirigido ao sector da peixaria, abandonando a loja sem apresentar qualquer justificação para a sua ausência no resto do dia (artigos 72.º, 73.º e 74.º da contestação); - o autor faltou desde o dia 8 até ao dia 24.6.2002, sendo que os dias 9, 14, 16, 22, 23 e 24 correspondiam a dias de descanso semanal (folgas) e só no dia 12.6.2002 é que o autor telefonou para o hipermercado, informando estar de baixa, tendo comunicado à ré, por carta remetida, por correio azul, em 11.6.2002, que se encontrava situação de baixa desde 10 a 21.6.2002, tendo junto o correspondente “boletim de baixa” (artigos 75.º, 76.º e 77.º da contestação); - no dia 25.6.2002, o autor esteve na loja entre as 8h24 e as 12h55 e entre as 14h02 e as 17h35, sem que, no entanto, tenha estado no Sector da Peixaria (art.º 79.º da contestação); - no dia 27.6.2002, o autor esteve na loja, chegando a dirigir-se ao balcão de atendimento do Sector da Peixaria, mas sem cuidar de qualquer tarefa relacionada com as suas funções, não envergando sequer o devido fardamento (art.º 80.º da contestação); - nesse mesmo dia, o autor esteve no Gabinete de Perecíveis, entre as 12h00 e as 12h30 e no Gabinete do Bazar entre as 12h30 e as 12h38, sem que para tal tivesse solicitado e obtido a necessária autorização, contrariando uma vez mais a instrução da ré (art.º 81.º da contestação); - também no dia 27, a ré, através do Chefe de Recursos Humanos daquele hipermercado (Sr. NN), comunicou ao autor que havia sido elaborado um Plano de Formação ad hoc para Chefe de Sector de Peixaria, a ser ministrado pelo Gerente de Departamento e pelas trabalhadoras OO, II e PP (art.º 82.º da contestação); - o autor recusou peremptoriamente acatar aquele Plano, alegando que não tinha sido elaborado por pessoas com credibilidade para tal nem tinha carácter científico (art.º 83.º da contestação); - contudo, o Sr. FF, Gerente do Departamento de Perecíveis e superior hierárquico do autor, informou-o de que a II iria iniciar a sua formação, pelo que deveria fardar-se, e informou as funcionárias que não tinham nada que o ensinar, porque as tarefas previstas no Plano não se destinavam ao Chefe de Sector e que, a partir daquele momento, não tinham que receber instruções de mais ninguém a não ser dele próprio, chegando a frisar que “nem do Sr. FF recebem ordens. O Sr. FF, a partir de agora, se quiser alguma coisa do Sector tem forçosamente que se dirigir a mim. As decisões passaram a ser da minha responsabilidade” (artigos 84.º a 88.º da contestação). Por sua vez, no que concerne à violação do dever de respeito, na contestação a ré alegou o seguinte: - no dia 30.5.2002, pelas 10h00, o autor dirigiu-se ao seu antigo posto de trabalho e, não encontrando lá a secretária que costumava utilizar, questionou onde estavam os seus bens pessoais (secretária, computador, material de escritório, documentos), bens esses que mais não eram do que os instrumentos de trabalho que lhe tinham sido proporcionados pela ré (artigos 89.º e 90.º da contestação); - o autor foi, então, informado que aqueles bens se encontravam guardados no gabinete dos Recursos Humanos e, relativamente à secretária e ao computador, que, por escassez de espaço daquele gabinete, se encontravam no sótão, tendo o sr. António Lopes Dias dito ao autor que, se quisesse, poderia confirmar, o que o autor, por sua iniciativa, não fez, referindo, antes que “isto para mim é um furto retirarem os meus pertences pessoais sem me avisarem” e, em seguida, chamou a P.S.P. (artigos 91.º, 92.º, 93.º e 94 da contestação); - chegando à loja dois agentes da P.S.P., ouviram as queixas do autor e procederam à identificação da trabalhadora Maria Alexandra Anjinho, então responsável máxima pelo hipermercado (art.º 96.º da contestação). Por outro lado, em sede de direito e no que toca à justa causa, na contestação a ré alegou o seguinte: - a ordem dada ao autor para exercer funções de Chefe de Sector na Peixaria era legítima, uma vez que a sua categoria profissional era a de Chefe de Sector, e que no quadro factual referido a sua recusa sistemática em assumir efectivamente as funções (e obrigações acessórias, como trajar o devido fardamento) de Chefe de Sector na Peixaria e em acatar o Plano de Formação desenhado pela sua entidade patronal, se afigurava ilegítima e violadora do dever de obediência que sobre si impedia e que decorria, além do mais, do preceituado no art.º 20.º, n.º 1, al. c), da LCT, sendo essa violação patentemente culposa (como o demonstra a comparência na loja, sem assumir o respectivo posto) e grave (nomeadamente pela demonstração de falta de colaboração a que está obrigado, pela “orfandade” em que deixou o sector, pelo mau exemplo demonstrado com os seus subalternos e pela desarmonia introduzida na organização do hipermercado), sendo certo que a gravidade do seu comportamento se revela deveras acentuada porquanto, quando confrontado com a efectivação das suas funções, verberou tal recusa perante as suas subalternas, chegando ao ponto de subverter, por motu proprio, a ordem hierárquica estabelecida pela sua entidade patronal, arvorando-se em superior hierárquico máximo das trabalhadores do Sector de que não quer ser Chefe; - lateralmente, a não picagem do cartão de ponto e as visitas não autorizadas do autor aos escritórios terão de ser valoradas no âmbito da recusa sistemática do trabalhador em assumir efectivamente as suas funções e em bem se relacionar com a sua empregadora; - em face do exposto, é evidente que a recusa do autor tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, pelo que o seu comportamento constitui justa causa de despedimento; - acresce que, sendo ilegítima tal recusa, as situações acima descritas em que o autor esteve na loja sem assumir o seu posto, devem considerar-se como faltas ao serviço e, concretamente, deverá considerar-se que o autor faltou injustificadamente nos dia 30 de Maio, 1, 3, 4, 5, 25 (período da manhã), 26 e 27 de Junho de 2002, havendo que somar a estas faltas as dadas nos dia 31 de Maio e 5 (segunda parte do dia), 8, 10 e 11 de Junho de 2002, as quais também devem ser consideradas injustificadas por não ter sido observado o disposto no art.º 25.º, n.º 2 do RJFFF e o disposto no art.º 32.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril; - por último, parece evidente que a actuação do autor vertida no artigo 93 e seguintes da contestação, pela suspeita de honestidade manifestada e inclusive comunicada a agentes da autoridade – censurável, em última análise, pelo conhecimento que o autor tinha de que aqueles bens pertenciam à sua entidade patronal, fazendo-os passar por seus, sendo subsumível ao tipo de crime previsto e punido pelos artigos 180.º a 183.º do Código Penal –, viola as mais básicas regras de respeito e sã convívio exigíveis ao autor na sua relação com os seus companheiros de trabalho e superiores hierárquicos, sendo inclusive ofensivo do bom-nome da sua entidade patronal, tendo o autor violado, por isso, o dever que decorre do art.º 20., n.º 1, al. a), da LCT e desestabilizando o ambiente de trabalho que se pretende produtivo, sério e profissional, não sendo objectivamente exigível à entidade patronal que, em consequência desse comportamento, mantenha as mesmas expectativas quanto à verticalidade do trabalhador, pelo que também este comportamento, por si e analisado em conjunto com os demais factos, constitui justa causa de despedimento; - o comportamento do autor revelou-se, pois, em cada uma das situações e na sua globalidade, objectivamente incompatível com a sua continuidade ao serviço da ré. Os factos supra referidos, alegados na contestação, correspondem aos que foram imputados ao autor na nota de culpa e na decisão de despedimento e foram todos levados à base instrutória (quesitos 91 a 140 inclusive). Todavia, nem todos eles foram dados como provados. Como tal apenas foram considerados os seguintes: - a Ré entregou ao Autor uma carta, cujo teor não foi possível determinar, na qual referia as funções do Chefe de Sector de Peixaria (facto 91); - em 30 de Maio de 2002, o Autor apresentou-se na loja, tendo-lhe sido solicitado que levantasse o fardamento necessário ao desempenho das suas funções (facto 92); - pedido que o Autor ignorou (facto 93); - durante todo o dia, o Autor não se apresentou na Secção de Peixaria (facto 94); - em 31 de Maio de 2002, o Autor não compareceu na loja (facto 95); - o chefe de segurança da Ristecna, nas instalações da Ré, sitas em Telheiras, elaborou o Relatório Diário relativo ao dia 1 de Junho de 2002, que consta de fls.90 do processo disciplinar, que aqui se dá por integralmente reproduzido. A elaboração desse relatório foi previamente ordenada pelo Director de loja da Ré, sendo certo que o relatório constitui um resumo de informações obtidas pela globalidade dos cerca de 6/7 elementos da Ristecna que ali prestavam serviço (facto 96); - no dia 3 de Junho de 2002, o autor entrou no hipermercado pelas 8h20 e saiu às 17h39 (facto 103); - no dia 5 de Junho de 2002, o autor entrou na loja pelas 8h44 e saiu definitivamente pelas 9h20 (facto 117); - o autor faltou ao serviço nos dias 8, 10, 11, 12, 13, 15, 17, 18, 19, 20 e 21 de Junho de 2002 (facto 112); - por carta remetida, por correio azul, em 11 de Junho de 2002, o Autor comunicou à Ré que se encontrava na situação de baixa de 10 a 21 de Junho de 2002, tendo junto o "boletim de baixa" (facto 122); - em 25 de Junho de 2002, o Autor esteve na loja entre as 8h30 e as 12h03 (facto 123); - em 26 de Junho de 2002, o Autor esteve na loja das 8h24 às 12h55 e das 14h02 às 17h35 (facto 124); - em 27 de Junho de 2002, o Autor esteve na loja, chegando a dirigir-se ao balcão de atendimento do sector de peixaria, onde esteve algum tempo a tomar notas (facto 125); - não tendo envergado o seu fardamento (facto 126); - em 27 de Junho de 2002, o Autor recusou acatar o plano referido no n.º 35 (facto 129); - enquanto foi Chefe do Sector de peixaria, o Autor nunca se fardou (facto 131); - durante o período em que foi Chefe do Sector de peixaria, o Autor fez perguntas às trabalhadoras do sector e tomou notas do que lhe diziam (facto 132). Ora, compulsados estes factos e todos os demais que foram dados como provados, verifica-se que a recusa do autor em assumir as funções efectivas de Chefe de Sector da Peixaria não consta de nenhum deles. E, perante isso, o que se poderia questionar era se os factos provados não permitiam concluir, ao abrigo do disposto no art.º 351.º do Código Civil, pela existência da referida recusa. Todavia, em sede do recurso de revista os poderes do Supremo, no que toca à matéria de facto, restringem-se às situações previstas nos artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 3, do CPC, os quais não abrangem a faculdade do Supremo alterar ou fixar os factos materiais com base em presunções judiciais. Só as instâncias é que podem, lançando mão das regras da experiência e da lógica, extrair ilações de natureza factual, a partir dos factos que expressamente tenham sido dados como provados, desde que tais ilações se mostrem efectivamente de acordo com as ditas regras. No caso em apreço, as instâncias não extraíram qualquer ilação no sentido de que o autor se tinha efectivamente recusado a assumir as funções que lhe tinham sido atribuídas de Chefe de Sector da peixaria. Pelo contrário, a Relação extraiu claramente uma ilação de sentido contrário, ao afirmar que “[a] nosso ver, o que o Autor verdadeiramente recusou foi a tarefa de amanhar peixe, para a qual tinha de vestir a farda própria, por entender que essa actividade não é inerente às suas funções de chefe de sector”. Deste modo, não estando provada a recusa do autor em assumir as funções de Chefe de Sector de Peixaria, improcedente se mostra o primeiro dos fundamentos invocados pela ré para justificar o despedimento. Porém, o mesmo não acontece relativamente ao segundo dos fundamentos da justa causa: a recusa do autor em acatar o Plano de Formação que se encontra junto a fls. 111 do processo disciplinar (facto 129). Como do mesmo se constata, aquele Plano tinha como destinatário único o autor e tinha como objectivo a prepará-lo para o exercício cabal das novas funções de que tinha sido incumbido, que eram, como já se disse, as de Chefe de Sector de Peixaria. A recusa do autor em se sujeitar à acção de formação delineada naquele Plano de Formação consubstancia um caso de desobediência ilegítima. Na verdade, estando a entidade patronal obrigada a “proporcionar aos seus trabalhadores meios de formação e aperfeiçoamento profissional” (art.º 42.º, n.º 1, da LCT – regime jurídico do contrato individual de trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24/11/69, vigente á data dos factos em apreço nos autos) e a contribuir para a elevação do nível de produtividade dos seus trabalhadores (art.º 19.º, al. d), da LCT), é óbvio que a organização de acções de formação ainda se insere no poder directivo do empregador, daí decorrendo a obrigatoriedade da sua frequência para os trabalhadores a que as mesmas são destinadas, constituindo a recusa de tal frequência uma violação do dever de obediência previsto no art.º 19.º, n.º 1, alínea c), da LCT. E, embora não caiba ao tribunal sindicar a necessidade das acções de formação desencadeadas pelo empregador, por tal contender com os poderes de gestão da empresa, a verdade é que, no caso em apreço, a acção de formação que o autor teria de cumprir se mostra plenamente justificada, inclusive o seu item n.º 9 (“Amanhar o pescado”), pois, como ficou provado, o autor nunca lidara com peixe” (facto 30) e, como chefe de sector de peixaria, devia aprender a amanhar o peixe, sobretudo numa primeira fase (facto 31). Não subscrevemos, por isso, a posição assumida pela Relação de que o que o autor verdadeiramente recusou foi a tarefa de amanhar o peixe e de que essa recusa tinha sido legítima, uma vez que vestir a farda e amanhar peixe tinham sido, realmente, as únicas tarefas que lhe tinham sido atribuídas, desde que fora nomeado Chefe de Sector da peixaria, sendo que, embora um chefe de secção deva ter conhecimento de tudo o que se passa na secção que dirige, não era necessário, para saber como se amanha o peixe, ter ele próprio que realizar essa tarefa, acrescendo que, não lhe tendo sido marcado o tempo durante o qual teria de a executar, poderia o autor ter de estar a realizar por tempo indeterminado uma tarefa que é própria da categoria de “operador”, o que não podia deixar de ser considerado como vexatório e humilhante para o autor. Como é fácil de ver, a argumentação da Relação assentou em meras suposições e não levou na devida conta os factos referidos nos n.os 34, 35/128 e 129 da matéria de facto, pois, como estes factos atestam, o autor não se recusou apenas a vestir o fardamento e a amanhar o peixe. A sua desobediência foi bem mais substancial: como provado está, o autor recusou-se a acatar o próprio Plano de Formação que, no dia 27 de Junho de 2002, lhe foi entregue. Provou-se, é certo, que a formação seria dada pelo gerente do departamento, por OO e por II e PP e que estas duas últimas eram funcionárias da peixaria (factos 34 e 36/130). E mais se provou que, quando o Chefe de Departamento de Perecíveis disse ao autor para se ir fardar, este respondeu que não tinha que se fardar porque era chefe de sector e que não fazia sentido receber instruções de subalternos (factos n.os 37/130 e 38/131). Todavia, o facto de dois dos formadores serem subordinados do autor não constituía motivo válido para este recusar o plano de formação. A escolha dos formadores cabe, naturalmente, nas competências do empregador e não existe disposição legal a impor-lhe restrições nessa matéria. Por outro lado, receber formação dos subordinados nada tinha de humilhante para o autor, uma vez que este nunca tinha lidado com peixe, sendo de supor que os trabalhadores da peixaria seriam, naturalmente, os mais bem preparados para o elucidarem acerca dos procedimentos relacionados com a recepção dos produtos, com o acondicionamento do peixe, com a apresentação dos produtos (frescura e exposição), com o atendimento ao público, com o amanhar do pescado e com a sua retirada de venda, por falta de qualidade, que, segundo o Plano de Formação em causa, eram os itens que estavam a cargo das trabalhadoras II e. No contexto referido, a desobediência do autor assumiu, em si mesma e nas suas consequências, uma gravidade muito acentuada, desde logo pelo facto de o autor exercer funções de chefia. E constitui, só por si, justa causa de despedimento (3), por não ser razoável exigir à ré a manutenção da relação laboral, não só pela gravidade do acto de indisciplina cometido pelo autor e pelas consequências que do mesmo poderiam resultar no seio da empresa, mas também porque, destinando-se a acção de formação a preparar o autor para o desempenho das novas funções que lhe tinham sido atribuídas, não se vislumbra como é que a manutenção da relação laboral poderia subsistir perante aquela recusa, uma vez que a subsistência do vínculo laboral, naquelas circunstâncias, implicaria que o autor passasse a exercer as funções para que foi designado sem estar devidamente preparado para tal, o que se traduziria numa situação verdadeiramente insustentável para um qualquer empregador normal e razoável. E, sendo assim, não podemos deixar de concluir pela licitude do despedimento e pela procedência do recurso, nesta parte, o que dispensa, por desnecessário, a apreciação dos outros dois fundamentos da justa causa invocada pela ré (as faltas ao serviço e a violação do dever de respeito e lealdade). 4.5 Da indemnização por danos não patrimoniais Na petição inicial, o autor pediu que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 50.000, a título de danos não patrimoniais, por violação do dever de ocupação efectiva e, nesse sentido, alegou que, desde Abril de 2001 até praticamente à data do despedimento, a ré o tinha mantido sem quaisquer funções, absolutamente desocupado, o que lhe causou sérios danos de ordem moral, traduzidos no vexame e nas humilhações por que diariamente passava, de costas direitas a pedinchar um trabalho, sob o olhar irónico e trocista dos verdugos, sujeito aos comentários compungidos dos colegas, fazendo-o descrer de si e das suas capacidades, com desaparecimento da auto-estima, o que se traduziu em desgosto, vexame e sofrimento moral que o obrigou a tratamento psicológico (artigos 247.º a 257.º, inclusive, da p.i.). Os factos referidos foram levados à base instrutória (quesitos 74 a 77, inclusive), mas apenas foi dado como provado que, desde Abril de 2001 até à data do seu despedimento, o autor esteve amiúde desocupado e que tal situação o desgostou (factos 74 e 75/76). Não se provou que ele tivesse sofrido vexame nem tratamento psicológico (respostas negativas aos quesitos 76 e 77). Na 1.ª instância, entendeu-se que o regime jurídico laboral impunha ao empregador um verdadeiro dever de ocupação efectiva dos trabalhadores ao seu serviço e considerou-se que os danos não patrimoniais decorrentes da violação desse dever conferiam ao trabalhador o direito a indemnização. E, com base nos factos provados, o M.mo Juiz deu por verificada a violação desse dever, no que diz respeito à pessoa do autor, e considerou que o desgosto por este sofrido em consequência daquela violação tinha assumido “relevo negativo mais do que suficiente para permitir o respectivo ressarcimento” e, por via disso, condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 7.500, a título de indemnização pelo referido dano. Na apelação, a ré impugnou as respostas dadas aos quesitos 74.º e 75.º que se prendiam com a violação do dever de ocupação efectiva e com o dano sofrido e, sem prescindir, sustentou “que o simples desgosto (s.m. desagrado) não espelha dor ou sofrimento psíquico suficientemente grave a merecer a tutela do Direito, já que, como se sabe, tem sido entendimento uniforme que os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais” e, ainda sem prescindir, alegou que o montante da indemnização se afigurava desajustado face à não demonstrada gravidade do alegado dano, pelo que o quantum indemnizatório sempre deveria ser fixado em montante inferior. A Relação não alterou as respostas dadas aos mencionados quesitos e confirmou a decisão da 1.ª instância na parte referente à indemnização por danos não patrimoniais, limitando-se a dizer que nada havia a objectar à fundamentação da sentença da 1.ª instância e que o montante fixado se afigurava “razoável atendendo à relevância dos danos sofridos pelo autor em resultado da situação de inactividade e de despromoção a que foi votado durante longos períodos, a partir de Abril de 2001”. No recurso de revista, tal como já havia sucedido no recurso de apelação, a ré não impugnou a decisão no que toca à existência e violação do dever de ocupação efectiva nem a ressarcibilidade dos danos morais dessa violação pode causar. Limitou-se a repetir o que havia alegado na apelação relativamente à gravidade do dano e à sua tutela jurídica do mesmo e ao montante indemnizatório. Deste modo, a questão a apreciar na revista cinge-se à ressarcibilidade do dano e ao montante da indemnização que foi arbitrada ao autor. E, tendo presente o disposto no art.º 496.º, n.º 1, do C.C., nos termos do qual os danos não patrimoniais só são indemnizáveis quando, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, temos de convir que o dano sofrido pelo autor não é merecedor de tal reparação. Com efeito, recorde-se, apenas se provou que, entre Abril de 2001 e a data do despedimento, o autor esteve amiúde desocupado e que tal situação o desgostou. Não se provou se o desgosto foi grande ou pequeno, o que vale por dizer que não há elementos para aferir da real gravidade do dano, sendo que ao autor incumbia fazer essa prova, nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do C.C. Desconhecendo-se a gravidade do dano, temos de convir que o desgosto, só por si, não é merecedor de tutela do direito, pois, na falta de qualquer adjectivação, mais não será do que mero aborrecimento, contrariedade, descontentamento, dissabor, mágoa (vide “Dicionário de Sinónimos”, Porto Editora, 2.ª edição). Procede, pois, o recurso da ré, nesta parte. 4.6 Do subsídio pelo trabalho prestado ao domingo Na petição inicial, o autor alegou que trabalhava aos domingos e que a ré nunca lhe pagou o subsídio previsto na cláusula 18.ª, n.º 1, do CCT aplicável e pediu que a ré fosse condenada a pagar-lhe, a esse título, a quantia de € 7.473,94. A cláusula 18.ª do CCT/94 tem por título “Subsídio de domingo”, e no seu n.º 1 estabelecia o seguinte: “Os trabalhadores cujo período normal de trabalho inclui a prestação ao domingo terão direito, por cada domingo de trabalho, a um subsídio correspondente a um dia de trabalho, calculado segundo a fórmula seguinte (…)”. A cláusula 18.ª do CCT/2000 tem a mesma redacção. Como da referida cláusula decorre, os outorgantes dos referidos instrumentos de regulamentação colectiva convencionaram atribuir um acréscimo remuneratório pelo trabalho prestado ao domingos aos trabalhadores cujo período normal de trabalho inclua o domingo. A cláusula não se aplica, pois, ao trabalho prestado ao domingo quando este não faça parte do período normal de trabalho do trabalhador, ou seja, quando o domingo seja dia de descanso semanal. O CCT não prevê a remuneração a pagar ao trabalhador pelo trabalho por este prestado ao domingo, quando o domingo não faça parte do seu período normal de trabalho, mas isso não significa que tal trabalho não deva ser remunerado com acréscimo. Apenas significa que os outorgantes do CCT não quiseram estabelecer um regime de remuneração diferente do que já constava da lei geral para o trabalho prestado em dias de descanso semanal, nos termos do qual o trabalho prestado em dias de descanso semanal, obrigatório ou complementar, é considerado trabalho suplementar e é remunerado com o acréscimo mínimo de 100% da retribuição normal (artigos 2.º, n.º 1, e 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2/12). A utilidade e vantagem da cláusula 18.ª reside precisamente no facto de ela atribuir aos trabalhadores um subsídio remuneratório pelo trabalho prestado ao domingo, quando este integra o seu período normal de trabalhado, já que, segundo o regime geral, essa prestação de trabalho não lhe daria o direito a qualquer suplemento remuneratório, exactamente por se tratar de um dia normal de trabalho. E a mencionada cláusula prende-se com o disposto na cláusula 10.ª dos referidos CCT’s que, regulando o descanso semanal, expressamente prevê que a organização de horários de trabalho com prestação de trabalho aos domingos, quando a laboração da empresa decorra em todos os sete dias da semana. Com interesse para esta questão, em sede da matéria de facto provou-se que a ré se dedica à actividade de super e hipermercados (al. G) dos factos), que os estabelecimentos da ré apenas encerram nos dias 1 de Janeiro, 1 de Maio e 25 de Dezembro de cada ano (facto 146) e que o autor trabalhava aos domingos (al. T) dos factos). Na sentença decidiu-se que o autor tinha direito ao reclamado subsídio, nos termos da cláusula 18.ª, mas relegou-se para liquidação posterior à sentença o montante dos subsídios que, a esse título, eram devidos ao autor, por não estar provado o número de domingos em que ele trabalhou nem os moldes exactos em que esse trabalho foi prestado. No recurso de apelação, a ré não pôs em causa a prestação de trabalho ao domingo por parte do autor. Limitou-se a alegar que, nos termos da cláusula referida, o reconhecimento do direito do autor ao subsídio em causa implicava que se desse como provado que o domingo fazia parte do período normal de trabalho do autor. A Relação julgou improcedente o recurso, nessa parte, com o fundamento de que os domingos faziam parte do horário normal de trabalho do autor, “como resulta exemplificativamente dos mapas de horário de trabalho juntos a fls. 181, e 236 a 247”. No recurso de revista, a ré reage contra a decisão da Relação, limitando-se, todavia, a repetir o argumento que produzira na apelação e a alegar que, ao contrário do que vem afirmado pela Relação, não estava provado que o domingo fazia parte do período normal de trabalho do autor. Como se constata do que foi dito, a Relação extraiu uma ilação de facto, a partir dos mapas de horário de trabalho juntos aos autos, que consistiu em dar como assente que os domingos faziam parte do período normal de trabalho do autor. A ré não impugnou a referida ilação, pois não vale como tal a sua alegação de que não estava provado que o domingo fazia parte do período normal de trabalho do autor. Deste modo, temos de considerar como assente que o domingo fazia parte do horário de trabalho do autor, o que lhe confere o direito ao subsídio previsto no n.º 1 da cláusula 18.ª dos CCT’s aplicáveis, uma vez que, constituindo o pagamento um facto extintivo do direito invocado pelo autor, à ré competia alegar e provar que tinha pago o subsídio em causa (art.º 342.º, n.º 2, do C.C.). De qualquer modo, ainda que se entendesse que não estava provado que o domingo fazia parte do período normal de trabalho do autor, a verdade é que o autor sempre teria direito a retribuição especial pelo trabalho prestado aos domingos, ao abrigo da cláusula 18.º ou do art.º 7.º, n.º 2, do DL n.º 421/89. Improcede, pois, o recurso, nesta parte. 5. Recurso do autor As questões colocadas pelo recorrente/autor são as seguintes: - Saber se lhe assiste o direito ao subsídio por isenção de horário de trabalho; - Saber se a indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixada em montante superior àquele que lhe foi arbitrado; - Saber se o autor tem direito a retribuição acrescida pelo trabalho prestado em dias feriados e à retribuição pela não concessão dos descansos compensatórios pelo trabalho prestado em dias feriados e em dias de descanso obrigatório e complementar. 5.1 Do subsídio por isenção do horário de trabalho Na petição inicial, o autor alegou que trabalhou sempre em regime de isenção de horário de trabalho, desde a data de admissão até 21.2.2001, e que, nos termos do n.º 2 da cláusula 14.ª do CCT aplicável, tinha direito a um subsídio igual a 25% da retribuição base mensal que a ré jamais lhe pagou, e pediu que esta fosse condenada a pagar-lhe, a esse título, a importância de € 28.933,10. Em sede da matéria de facto, apenas se deu como provado que “até Fevereiro de 2001, o Autor não tinha horário de trabalho, não estando sujeito a picar o ponto” (resposta ao quesito 5.º que corresponde o n.º 5 dos factos supra). Na 1.ª instância, a pretensão do autor foi julgada procedente e a ré foi condenada a pagar--lhe a quantia de € 28.933,10, com o fundamento de que, na prática, o autor tinha trabalhado em regime de isenção de horário de trabalho, apesar de, entre as partes, não ter havido um acordo formal nesse sentido e de não estar provada a verificação dos requisitos referidos no art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 409/71, de 27/9, nem a obtenção da autorização administrativa, dado que o M.mo Juiz, na esteira do entendimento seguido por Menezes Cordeiro (Isenção de Horário de Trabalho, Subsídios para a Dogmática Actual do Direito da Duração do Trabalho, Almedina, p. 95) considerou que falta da referida autorização não inquinava materialmente a isenção. Todavia, na 2.ª instância, o entendimento foi diferente. Na verdade, sob impulso recursório da ré, a Relação – seguindo a orientação que tem vindo a ser perfilhada por este Supremo Tribunal e citando os acórdãos de 9.1.2008 e de 13.9.2006 (disponíveis da base de dados do ITIJ) e de 19.12.2002 (proc. 2078/02), de 22.1.2003 (proc. 2908/02), de 18.6.2003 (proc. 2767/02), de 30.6.2004 (proc. 1006/04), de 8.2.2006 (proc. 3494/05) e de 14.11.2007 (proc, 2448/07), todos da 4.ª Secção – considerou que, no âmbito do regime jurídico da duração do trabalho, aprovado pelo DL 409/71, de 27/9, “a prestação de actividade profissional em regime de isenção de horário de trabalho só era legalmente admissível se, para além do interesse manifestado pelo empregador e pelo trabalhador, houvesse autorização prévia por parte da Inspecção-Geral do Trabalho, autorização [essa] que se configurava como uma formalidade ad substantiam para a validade e eficácia daquele regime de isenção”, e veio a decidir que, não tendo havido tal autorização, não podia ter-se por válido e eficaz o regime de isenção de horário de trabalho, não existindo, por isso, fundamento para a condenação da ré no pagamento do respectivo subsídio, revogando, consequentemente, nessa parte, a decisão da 1.ª instância. No recurso de revista, o autor insurge-se contra a decisão da Relação, alegando, em resumo, o seguinte: - a ré apresentou na Inspecção-Geral do Trabalho um pedido de isenção de horário de trabalho para o autor; - é certo que esse pedido, como se vê da mesma certidão, “não foi oportunamente despachado por falta de recursos humanos”, mas pelo menos existe e tem de ter algum significado; - acresce que da matéria de facto resulta que o autor estava em condições de beneficiar da referida isenção e que, na prática, trabalhou nesse regime, desde a data da admissão até 21.2.2001, sem receber a respectiva contrapartida; - a simples isenção de facto dá direito ao subsídio respectivo, como diz Monteiro Fernandes, in “Isenção de Horário de Trabalho”, p. 95; - o n.º 2 da cláusula 14.ª do CCT limita-se a dizer que a isenção será sempre da iniciativa da entidade patronal, sem fazer referência à exigência de quaisquer outras formalidades; - ainda que se entendesse que a autorização do IDICT constituía uma formalidade ad substantiam, no caso em apreço essa formalidade deverá ter-se por preenchida por deferimento tácito, nos termos dos n.os 5 a 7 do art.º 10.º, ex vi art.º 13.º, n.º 3, do DL n.º 409/71. Nos termos do n.º 1 do art.º 13.º do DL n.º 409/71, “[p]odem ser isentos de horário de trabalho, mediante requerimento das entidades empregadoras, os trabalhadores que se encontrem nas seguintes situações: a) Exercício de cargos de direcção, de confiança ou de fiscalização; b) Execução de trabalhos preparatórios ou complementares que pela sua natureza só possam ser efectuados fora dos limites dos horários normais de trabalho; c) Exercício regular da actividade fora do estabelecimento, sem controlo imediato da hierarquia.” E nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, “[o]s requerimentos de isenção de horário de trabalho, dirigidos ao INTP, serão acompanhados da declaração de concordância dos trabalhadores, bem como dos documentos que sejam necessários para comprovar os factos alegados”. Por sua vez, o n.º 3 do mencionado artigo estabelece que, “[a]os requerimentos referidos no número anterior é aplicável o disposto nos n.os 5 a 7 do artigo 10.º”. Finalmente, os n.os 5, 6 e 7 do art.º 10.º estipulam, respectivamente, que “[o] pedido de redução ou dispensa de intervalo de descanso considera-se tacitamente deferido se a Inspecção--Geral do Trabalho não proferir decisão final, dentro do prazo de 15 dias a contar da apresentação do requerimento”, que “[o] prazo referido no número anterior suspende-se se a Inspecção-Geral do Trabalho solicitar a prestação de informações ou a apresentação de documentos e recomeça logo que as informações ou os documentos forem entregues” e que “[o] período do prazo posteriormente à entrega das informações ou dos documentos não pode ser inferior a cinco dias”. Como decorre da conjugação dos normativos referidos, a isenção do horário de trabalho tem de ser requerida pela entidade empregadora à Inspecção-Geral do Trabalho e carece da autorização desta entidade. Sem essa autorização, expressa ou tácita, não existe isenção de horário de trabalho. Poderá existir uma situação de facto que corresponda ao regime legal de isenção de horário de trabalho, mas esta situação não pode beneficiar do regime jurídico que é próprio da isenção de horário de trabalho legalmente constituída, exactamente por não ser uma situação conforme ao direito. Este tem sido o entendimento que, desde há anos, vem sendo perfilhado por este Supremo Tribunal (vide acórdãos de 22.1.2003, proc. 2908/02, de 18.6.2003, proc. 2767/02, de 30.6.2004, proc. 1006/04, de 8.2.2006, proc. 3494/05, de 13.9.2006, proc. 1068/06, e de 9.1.2008, proc. 2906/07, todos da 4.ª Secção), e que não há razões para alterar. No caso em apreço, da matéria de facto não consta que a ré tenha requerido a isenção de horário de trabalho para o autor e também não consta que a Inspecção-Geral de Trabalho tenha concedido a respectiva autorização. Segundo o autor, o pedido de isenção foi solicitado e o mesmo deve considerar-se tacitamente deferido, conforme consta de certidão junta aos autos. Na sua alegação, o autor não identifica a referida certidão e depreende-se que será o documento que por ele foi junto a fls. 280 dos autos e que supra já foi referido no ponto “3.1.1 Da anulação da sentença”. O documento em questão é mera fotocópia de uma certidão que foi emitida em 12 de Junho de 2001, por SS, TT, Chefe da Repartição Técnica da Delegação de Lisboa do Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho, e nele se certifica, a pedido de AA, que a F... N... – H..., Sociedade Anónima, apresentou nesta Repartição, em dezassete de Março de mil novecentos e noventa e sete, um pedido de isenção para o trabalhador acima referido” e que, “[o] referido pedido não foi oportunamente despachado, por falta de recursos humanos”. Com base no dito documento, o que o autor realmente pretende é que se considere provado que o pedido de isenção de horário foi requerido e que o mesmo foi tacitamente deferido. O documento em questão não foi impugnado pela ré e esta não requereu a apresentação do respectivo original. Por outro lado, trata-se de um documento autêntico, por ser de presumir que provém do oficial público a quem é atribuído, sendo que este é competente, em razão da matéria, para o exarar (artigos 369.º, n.º 1 e 370.º, n.º 1, do C.C.) e faz prova plena dos factos que nele são referidos (artigos 368.º e 371, n.º 1, do C.C.). Poderia, pois, dizer-se, à primeira vista, que o Supremo podia dar, agora, como provado o pedido de isenção de horário de trabalho e o deferimento tácito do mesmo. Todavia, para que tal sucedesse era indispensável que os factos em questão tivessem sido alegados pelas partes, até ao encerramento da discussão da causa, o que manifestamente não aconteceu (vide artigos 264.º, n.º 2, 663.º, n.º 1, e 664.º do CPC). Deste modo, não estando provado que o autor tivesse sido autorizado pela Inspecção--Geral do Trabalho a prestar a sua actividade à ré em regime de isenção de horário de trabalho, não lhe pode ser reconhecido o direito ao acréscimo remuneratório previsto no n.º 2 da cláusula 14.ª do CCT aplicável, ainda que, até Fevereiro de 2001, ele tivesse trabalhado, de facto, sem sujeição a horário de trabalho, o que determina a improcedência da revista, nesta parte. 5.2 Do montante da indemnização por danos não patrimoniais O conhecimento desta questão ficou prejudicado, uma vez que em sede do recurso da ré foi decidido que o autor não tinha direito a indemnização por danos não patrimoniais. 5.3 Da retribuição pelo trabalho prestado em dias feriados e pela não concessão dos descansos compensatórios pelo trabalho prestado em dias feriados e em dias de descanso obrigatório e complementar Na petição inicial, o autor pediu que a ré fosse condenada a pagar-lhe € 5.405 a título de trabalho prestado em dias feriados, € 649,26 a título de descanso compensatório e € 6.522,67 a título de remuneração pelo trabalho prestado em dia de descanso complementar e dia de descanso obrigatório, € 406,66 a título de descanso compensatório pelo trabalho prestado em dias de descanso complementar e € 1.630,68 a título de descanso compensatório pelo trabalho prestado em dia de descanso obrigatório. E nesse sentido, limitou-se a alegar que, de acordo com o disposto no n.º 1 da cláusula 10.ª do CCT aplicável, tinha direito, em cada semana, a um dia de descanso obrigatório e a um dia de descanso complementar (art.º 267.º da p.i.); que trabalhava aos domingos e que a ré nunca lhe pagou o subsídio previsto o n.º 1 da cláusula 18.º do CCT (art.º 268.º da p.i.); que trabalhou sempre em todos os dias feriados do ano, excepto nos dia 1 de Janeiro, 1 de Maio e 25 de Dezembro (art.º 269.º da p.i.); que a ré não lhe pagou o acréscimo previsto na cláusula 12.ª do CCT (art.º 270.º da p.i.) e que não lhe concedeu o correspondente descanso compensatório (art.º 271.º da p.i.). Na contestação, a ré alegou que era uma empresa de laboração contínua e que, por essa razão, o trabalho prestado aos feriados e domingos não podia ser considerado trabalho suplementar, além de que o autor se tinha comprometido a trabalhar em qualquer dia da semana. Deste modo, os feriados faziam parte do seu período normal de trabalho, não dando por isso, direito a remuneração nem a descanso compensatório. Com interesse para os pedidos em causa, em sede da matéria de facto apenas se provou que “[o]s estabelecimentos da Ré apenas encerram nos dias 1 de Janeiro, 1 de Maio e 25 de Dezembro de cada ano” e que “[o] Autor trabalhou em dias feriados” (facto 146). Com base naqueles factos e ainda nos factos referidos nas alíneas A), G) e L) dos factos provados (“O Autor trabalhou por conta, sob a autoridade e direcção da Ré desde 15-11-1994 na loja de Telheiras”; “A Ré dedica-se à actividade de super e hipermercados”), a 1.ª instância começou por considerar como facto notório (art.º 514.º do CPC) que a loja onde o autor trabalhava se situava na cidade de Lisboa e que esta cidade tinha mais de 30.000 habitantes. Depois, com base no facto da loja em questão ter um Director (alínea L) dos factos provados (“A loja de Telheiras compreende: 1 Director de Loja, 3 Gerentes de Departamento e 13 Chefes de Sector”) e com base no CCT aplicável (BTE, n.º 33/2000), o M.mo Juiz concluiu que a loja tinha uma área superior a 2.500 m2 e, de seguida, inferiu, nos termos do art.º 351.º do C.C., que a loja constituía uma grande superfície comercial contínua (art.º 2.º, n.º 1, al. a), do DL n.º 254/92, de 20/11, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 83/95, de 26/4), para efeitos do disposto nos n.os 1 e 6 do art.º 1.º do DL n.º 48/96, de 25/5 e do n.º 1 da Portaria n.º 153/96, de 15/5, estando, dessa forma autorizada a estar aberta entre as 6 e as 24 horas, todos os dias da semana, excepto entre os meses de Janeiro a Outubro, aos domingos e feriados em que só podia abrir entre as 8 e as 13 horas. E, finalmente, o M.mo Juiz acabou por decidir que os feriados e os domingos eram dias normais de trabalho para o autor, uma vez que a ré estava legalmente autorizada a laborar todos os dias da semana, e que, por isso, o trabalho prestado nesses dias não podia ser considerado como trabalho suplementar e não conferia direito a descanso compensatório, não tendo o autor direito, por esse motivo, às importâncias reclamadas a esses títulos, o mesmo acontecendo relativamente aos pedidos formulados com base na alegada não concessão do descanso complementar, por não estar provado que a ré não tivesse concedido ao autor o gozo desses dias de descanso. No recurso de apelação, o autor não pôs em causa as ilações de facto que na sentença foram extraídas pelo M.mo Juiz. Limitou-se a alegar que o trabalho prestado em dias feriados deve ser considerado trabalho suplementar e que, como tal, deve ser remunerado com o acréscimo de 100%, nos termos do n.º 2 do art.º 7.º do DL n.º 421/83, sendo irrelevante o facto da ré estar autorizada a laborar em dias feriados, pois tal facto não a isenta de pagar a retribuição adicional, e a alegar que aquele trabalho lhe conferia o direito a um descanso compensatório remunerado, nos do art.º 9.º, n.º 1, do citado DL. A Relação manteve a decisão da 1.ª instância, por mera adesão aos fundamentos nela produzidos. Na revista, o autor limitou-se a reproduzir a argumentação utilizada na apelação. Vejamos se lhe assiste razão. A cláusula 10.ª dos CCT’s aplicáveis estabelece no seu n.º 1, que “[o]s trabalhadores abrangidos pelo presente contrato têm direito, em cada semana, a um dia de descanso complementar e um dia de descanso obrigatório (…)”. Por sua vez, o D.L. n.º 421/83, no seu art.º 7.º, n.º 2, estipula que “[o] trabalho prestado em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e em dia feriado será remunerado com o acréscimo mínimo de 100% da retribuição normal”. E nos n.os 1, 2, 3 do seu art.º 9.º determina que, “[n]as empresas com mais de 10 trabalhadores, a prestação de trabalho suplementar em dia útil, em dia de descanso semanal complementar e em dia feriado confere aos trabalhadores o direito a um dia de descanso compensatório remunerado, correspondente a 25% das horas de trabalho suplementar realizado” (n.º 1), que “[o] descanso compensatório vence-se quando perfizer um número de horas igual ao período normal de trabalho diário e deve ser gozado nos noventas dias seguintes” (n.º 2), e que, “[n]os casos de prestação de trabalho suplementar em dia de descanso semanal obrigatório, o trabalhador terá direito a um dia de descanso compensatório remunerado, a gozar num dos três dias úteis seguintes” (n.º 3). Ora, no que toca à prestação de trabalho em dias de descanso obrigatório e em dias de descanso complementar, nada se provou em sede da matéria de facto. Provou-se, é certo, que o autor trabalhava aos domingos, mas, como já foi dito, o domingo inseria-se no período normal de trabalho do autor, não podendo, por isso, ser considerado como dia de descanso semanal. Nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do C.C., competia ao autor alegar e provar que tinha trabalhado em dias de descanso obrigatório e em dias de descanso complementar, por se tratar de factos constitutivos do direito às importâncias que reclamou com esse fundamento, seja as devidas pelo trabalho prestado nesses dias de descanso semanal, seja as devidas pelo descanso compensatório a que, por via desse trabalho, teria direito. Não estando provados esses factos, é óbvio que o correspondente pedido do autor teria de improceder. No que toca ao trabalho prestado em dias feriados, a questão já é diferente. Com efeito, não subscrevemos a tese perfilhada na sentença e, por adesão, no acórdão da Relação, segundo a qual o trabalho aos feriados não seria de considerar trabalho suplementar, uma vez que a ré estava dispensada de encerrar aos feriados. Um tal entendimento não tem o menor apoio na letra da lei, uma vez que esta considera o trabalho prestado em dias feriados como trabalho suplementar, sem fazer qualquer distinção entre as empresas que estão autorizadas a laborar aos feriados e as que não estão (art.º 7.º, n.º 2, do DL n.º 421/83). Não pode, por isso, um tal entendimento ser considerado pelo intérprete (art.º 9.º, n.º 2, do C.C.). Como se disse no acórdão de 2.2.2006, proferido no proc. 3225/05, e depois se reafirmou no acórdão de 8.3.2006, proferido no proc. 3486/05, ambos da 4.ª Secção deste Supremo Tribunal (4), “[o] estabelecimento de um regime específico de funcionamento de certos estabelecimentos comerciais, por conveniência relacionada com a satisfação das necessidades de abastecimento dos consumidores e os interesses dos agentes económicos, não pode implicar a derrogação dos direitos e garantias sociais dos trabalhadores”. De qualquer modo, ainda que se perfilhasse o entendimento seguido nas instâncias, a verdade é que o trabalho prestado aos feriados sempre devia ser pago ao autor com o acréscimo de 100%, sobre a remuneração base, por força da cláusula 16.º, n.º 2, dos CCT’s aplicáveis, pois nessa cláusula se prevê tal pagamento, sem qualquer ressalva relativamente às empresas dispensadas de encerrar aos feriados. Procede, pois, o recurso do autor, nesta parte, embora o apuramento do montante das retribuições em causa tenha de ser relegado para posterior liquidação, ao abrigo do disposto no art.º 661.º, n.º 2, do CPC, uma vez que não se apurou o número e quais os feriados em que o autor efectivamente trabalhou (apenas se provou que o autor trabalhou em feriados). Mas o mesmo não acontece relativamente à quantia pedida a título de descansos compensatórios pelo trabalho prestado em dias feriados que alegadamente não lhe teriam sido concedidos, pelas mesmas razões que levaram a julgar improcedente o recurso relativamente aos descansos compensatórios pelo trabalho alegadamente prestado em dias de descanso semanal, ou seja, pelo facto de não estar provado que a ré não tinha concedido ao autor o gozo dos descansos compensatórios referentes ao trabalho por ele prestado em dias feriados, sendo que era sobre o autor que impendia o ónus de fazer a prova desse facto, nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do C.C. * Em derradeiro termo e tendo em vista a reformulação da condenação final, refere-se que a decisão relativa aos descontos efectuados pelas faltas dadas pelo autor se mostra transitado em julgado.5. Decisão Nos termos expostos decide-se julgar parcialmente procedente a revista da ré e parcialmente procedente também a revista do autor, e , reformulando a condenação, fica a ré condenada a pagar ao autor tão-somente: a) o subsídio inerente ao trabalho prestado aos Domingos, no montante que se vier a apurar em incidente de liquidação; b) a quantia de € 404,01 relativos aos montantes indevidamente descontados ao Autor por faltas dadas em Julho de 2002; c) a quantia que se vier a apurar, em incidente de liquidação, referente ao trabalho prestados pelo autor em dias feriados. Custas por autor e ré, na proporção do vencido, nas instâncias e no Supremo.
LISBOA, 25 de Fevereiro de 2009 Sousa Peixoto Sousa Grandão Pinto Hespanhol ________________________________ 1- A al. U) foi eliminada pelo despacho de fls. 130. 2- Anote-se, desde já, que a redacção deste n.º 4 irá ser alterada, nos termos que adiante serão referidos, ficando o mesmo a ter o seguinte teor: “As chefias da Ré prestavam-lhe o seu trabalho sem picarem o cartão de ponto” 3- No mesmo sentido, vide o acórdão de 22.10.2003, proferido no processo n.º 1784/03, da 4.ª Secção, de que foi relator o Conselheiro Mário Pereira, onde se decidiu que a recusa em frequentar uma acção de formação constituía desobediência e justa causa de despedimento. 4- De que foram relatores, respectivamente, os Conselheiros Fernandes Cadilha e Sousa Grandão. |