Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
1.1.
O Tribunal Colectivo do Círculo de Santarém decidiu, por acórdão de 27 de Setembro de 2004, o seguinte:
- Julgar improcedente por não provada a acusação deduzida pelo Ministério Público contra AJMM pela prática, em 23.10.03, nas instalações da "Permutauto", sitas no Matadouro Regional, Lote ..., Santarém, de um crime de furto dos art.ºs 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1, al. f), ambos do C. Penal e, em consequência, em absolvê-lo da prática deste crime;
- Julgar parcialmente procedente por provada a acusação deduzida pelo Ministério Público contra o mesmo arguido com as alterações da qualificação jurídica oportunamente comunicadas e, em consequência, em condená-lo, em concurso efectivo, pela autoria material, na forma consumada:
- Em 9.2.04, de um crime de furto qualificado, previsto e punido nos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1, al. a), com referência à al. a), do art. 202º e n.º 2, al. e), esta última com referência às als d) e e), do art. 202º, todos do C. Penal, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão;
- Em 11.2.04, de um crime de furto do art.ºs 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e), com referência à al. d), do art. 202º e no n.º 4, do art. 204º, todos do C. Penal, na pena de 3 meses de prisão, em concurso ideal efectivo com um crime de violação de domicílio do art. 190º, n.ºs 1 e 3, do C. Penal punido com a pena de 4 meses de prisão;
- Em 16.2.04, de um crime de furto dos art.ºs 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e), com referência à al. d), do art. 202º, todos do C. Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
- Em 28.2.04, de um crime de furto qualificado dos art.ºs 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e), com referência às als d) e e), do art. 202º, todos do C. Penal, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão;
- Em 1.3.04, de um crime de furto qualificado dos art.ºs 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, als a) e e), com referência às als b), d) e e), do art. 202º, todos do C. Penal, na pena de 3 anos de prisão;
- E, em cúmulo de todas as penas antes indicadas, ao abrigo do disposto no art. 77º, n.º 1, do C. Penal, na pena única de 6 anos de prisão;
- Julgar procedente o pedido civil deduzido por EJABGS contra AJMM e condenar este a pagar àquele a quantia de três mil setecentos e quarenta euros, acrescida de juros de mora contados sobre tal quantia à taxa legal e que é neste momento de 4 % ao ano, desde 26 de Julho de 2004 até efectivo e integral pagamento, sem prejuízo da aplicação de ulteriores taxas legais que venham a vigorar aos juros corridos na sua vigência, tudo acrescido das custas do pedido civil.
1.2.1.
Inconformado, o arguido recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo na sua motivação:
1. Resulta dos factos provados que a actividade delituosa do arguido foi determinada pela sua dependência de heroína;
2. O arguido não pretendeu obter para si qualquer enriquecimento, e teve como única finalidade a obtenção de meios com vista ao consumo de heroína;
3. A causa da prática dos ilícitos não foi a inclinação forte para a actividade criminosa, mas antes o estado de dependência de estupefacientes.
4. O arguido não tinha, assim, a necessária capacidade de avaliação da ilicitude dos factos e para se determinar de acordo com essa avaliação.
5. A imputabilidade do arguido revela-se, portanto, diminuída.
6. O arguido procurou voluntariamente o tratamento para sua dependência, no essencial confessou os factos, e manifestou arrependimento sincero.
7. O Tribunal "a quo" não ponderou na justa medida as circunstâncias atenuantes, tendo aplicado pena em medida superior à medida da culpa do arguido, pelo que deve ser reduzida, atento o disposto nos art°s 40.º n° 2, 71° e 72°, n° 1 do Código Penal.
8. Uma pena próxima dos limites mínimos realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
9. Foram, assim, violadas as normas previstas nas citadas disposições legais,
10. Pelo que, dando-se provimento ao recurso deve o douto acórdão recorrido ser alterado, reduzindo-se a pena aplicada ao arguido para os mínimos legais.
1.2.2.
Respondeu o Ministério Público junto do Tribunal recorrido, que concluiu:
À guisa de conclusão diríamos que a pena única aplicada ao arguido, a merecer qualquer censura, seria a sua demasiada benevolência, tendo em conta os limites da pena aplicável (mínimo de 3 anos de prisão e máximo de 11 anos e 6 meses de prisão), a gravidade das condutas do arguido e a instabilidade social por elas causada.
Razão pela qual entendemos que deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo-se o douto acórdão recorrido nos seus precisos termos.
2.1.
Neste Supremo Tribunal de Justiça teve vista o Ministério Público que promoveu a realização de audiência.
Nela, o Ministério Público sustentou, em alegações orais da diminuição da pena única para cerca de 5 anos de prisão, atento o eco que as penas parcelares devem encontrar na pena unitária e que deve ser mais favorável do que a fixada. Com efeito, a proximidade temporal dos factos concentrados num curto período leva a avaliação da personalidade do agente que deve ter no quadro do art. 77.º, um maior reflexo na pena única.
A defesa acompanhou aposição do Ministério Público e a motivação, defendendo a procedência do recurso.
Cumpre, assim, conhecer e decidir.
E conhecendo.
2.2.
O presente recurso visando exclusivamente a medida concreta da pena, única questão a apreciar.
Mas importa antes reter a matéria de facto apurada pelo Tribunal Recorrido.
Factos provados
1 - No dia 09 de Fevereiro de 2004, entre as 9 horas e as 18 horas, AJMM, após partir o vidro da janela da cave da residência de EJABGS, sita em Casais da Alagoa, Santarém, introduziu-se no seu interior e daí retirou os seguintes objectos que fez seus, tudo no valor aproximado de cerca de sete mil e quinhentos euros: 1 telemóvel de marca "Alcatel"; 2 pares de brincos em ouro, um de criança e outro de senhora com pedras vermelhas; 1 relógio de homem de marca "Lacoste"; 1 relógio de homem de marca "Casio" próprio para mergulho; 2 relógios de homem de marca "Casio"; 1 relógio de colecção, numerado, marca "Internacional Watch"; 1 fio em ouro com bolinhas que foi recuperado pela polícia e entregue ao dono, tendo um valor situado entre cento e cinquenta euros e cento e setenta e cinco euros.
2 - No dia 11 de Fevereiro de 2004, entre as 8 horas e 45 minutos e as 18 horas e 45 minutos, AJMM dirigiu-se à residência de RMSA, sita em Casais da Alagoa, n.º ...., Santarém, e, depois de partir o vidro de uma porta situada no quintal, logrou aceder ao seu interior, de onde retirou se apropriou e fez seus os seguintes objectos: 1 isqueiro com a inscrição restaurante "A Bula"; 1 navalha de ponta e mola com o cabo castanho, com o valor de cerca de vinte euros, isqueiro e navalha que foram recuperadas pela polícia e entregues ao dono.
3 - AJMM partiu o vidro da referida porta.
4 - No dia 16 de Fevereiro de 2004, entre as 8 horas e as 17 horas e 50 minutos, AJMM, depois de partir o vidro da porta de entrada da residência pertencente a AMCF, sita na Rua da Esperança, ..., Santarém, introduziu-se no seu interior e aí apropriou-se e fez seus os seguintes objectos que ali se encontravam, tudo no valor aproximado de dois mil euros: 1 máquina fotográfica de marca "Fuji"; 2 pistolas antigas de valor estimativo enquadradas numa panóplia fixa na parede; 1 bolsa contendo várias moedas antigas; 1 óculos de sol; 30 CDs.; 1 almofariz, 1 telefone, 1 giradiscos e 1 amola-tesouras decorativos em bronze; 1 relógio de homem; 1 relógio de senhora; 2 guarda-jóias, um em estanho e outro em porcelana.
5 - No dia 28 de Fevereiro de 2004, entre as 9 horas e 30 minutos e as 19 horas, AJMM, depois de partir o vidro da janela do quarto da residência de JPRM, sita na Estrada Militar - Bairro Militar, Lote ..., Santarém, introduziu-se no interior da mesma e dela retirou e fez seus os seguintes objectos que ali se encontravam, no montante global aproximado de três mil e quinhentos euros a quatro mil euros: 1 cordão em ouro velho e de várias voltas; 7 fios diversos em ouro, prata e pérolas; 5 anéis e duas alianças em ouro; 5 pulseiras em ouro; 18 pares de brincos em ouro, prata e pérolas; 3 máquinas fotográficas de marca "Olimpus", "Fuji" e "Kodak"; 1 câmara de filmar de marca "Sony"; 1 leitor de DVD de marca "Baice"; 1 cigarreira de estanho com cabeça de cavalo; 1 cinzeiro de estanho RC 4; 1 walkman de marca "Phillips"; 2 telemóveis de marca "Motorola"; 1 telemóvel de marca "Sansung"; 1 telemóvel de marca "Ericsson"; 1 pote em casquinha com brasão; 1 pedra "água marinha"; 2 medalhas em ouro em forma de coração; 1 medalha em ouro com uma chapa com "C"; 1 relógio de marca "Camel" com pulseira de couro azul; 1 relógio de marca "Benetton" azul com pulseira de couro azul; 1 relógio de marca "Swatch" com pulseira plástica azul; 1 relógio com pulseira de couro castanho de marca "Union Terrosa"; 75 CDs. de música variada; 1 saco de desporto "Cerveja Cintra" de cor verde; 1 saco bolsa de cor creme em napa com barra castanha "Selectif"; 1 molho de chaves com quatro chaves que foram recuperadas pela polícia na posse do AJMM.
6 - No dia 01 de Março de 2004, cerca das 18 horas, AJMM partiu um vidro de uma janela da casa de banho, sita a cerca de um metro e meio a dois metros do solo, da residência de LMMC, no Casal -, Casais do..., Várzea, Santarém, e conseguiu, utilizando um escadote que ali encontrou, introduzir-se através da referenciada janela e aceder ao seu interior.
7 - Uma vez no interior da aludida residência, AJMM remexeu várias gavetas nas diversas divisões que constituem a mesma e verificando que ali se encontravam vários objectos, apropriou-se dos mesmos, retirando-os da dita habitação, logo os fazendo coisa sua.
8 - Assim, AJMM apropriou-se e fez seus os seguintes objectos, todos no valor global de cerca de dezanove mil e seiscentos euros: 18 relógios de bolso em metal amarelo; 4 relógios de bolso em metal prateado; 1 relógio de bolso em metal prateado de marca "Dagui"; 1 relógio de bolso prateado de marca "Santima"; 1 relógio de bolso em metal prateado de marca "Cortebert"; 1 relógio de bolso em metal prateado de marca "Especial"; 1 relógio de pulso de marca "Pierre Rucci"; 1 relógio de pulso de marca "Leiko"; 1 relógio de pulso de marca "Timex Quartz"; 1 relógio de pulso de marca "Premia"; 1 relógio de pulso de marca "Cauny"; 1 relógio de pulso de marca "Bandeiras"; 1 relógio de pulso de marca "Fernando Miguel"; 1 relógio de pulso de marca "APG-Quartz"; 1 relógio de pulso de marca "XTRM"; 1 relógio de pulso de marca "Titano"; 1 relógio de pulso de marca "Liader"; 1 relógio de pulso de marca "Camel"; 1 relógio de pulso de marca "Citizen"; 1 relógio de pulso de marca "Citizen Eco Drive"; 1 relógio de pulso de marca "Wewkuang"; 1 relógio de pulso de marca "Quartz"; 1 relógio de pulso de marca "Philippe Amor"; 1 relógio de pulso de marca "Perfectime"; 1 relógio de pulso de marca "Benfica"; 1 calculadora cinzenta; 1 gravador de voz de marca "Sanyo"; 1 telemóvel modelo 3210 de marca "Nokia", de cor preta; 1 máquina fotográfica de marca "Zenit"; 1 lupa de material prateado; 1 medalha em metal amarelo com brilhantes e a imagem de uma mulher; 1 anel em metal amarelo; 1 conjunto de vários anéis em metal amarelo; várias moedas portuguesas e estrangeiras de colecção; 1 navalha com o cabo em metal de cor cinza e madeira de cor castanha; 2 navalhas com o cabo dourado com inscrições "Munditerras Terraplanagens"; 1 pregadeira em metal amarelo em forma de rosa; 1 brinco com uma bola tipo pérola; 5 correntes prateadas em malha diversa; 1 corrente dourada entrançada; 1 fio em metal amarelo com três pedras brilhantes de cor branca; 1 fio em metal amarelo com três pedras; 2 fiadores em metal prateado; 1 fiador em metal dourado; 1 fecho em metal amarelo e prateado; 1 caixa em metal prateado; 1 taça em cerâmica com a inscrição "Olá"; 1 taça em vidro; 1 frasco em vidro com tampa.
9 - Os objectos retirados por AJMM da residência de LMMC foram recuperados pela polícia na posse daquele e devolvidos ao proprietário.
10 - AJMM quis introduzir-se no interior das aludidas residências não obstante saber que o acesso às mesmas lhe estava legalmente vedado, pois fazia-o contra a vontade dos seus legítimos donos e nos termos antes descritos.
11 - Não obstante, AJMM fê-lo, agindo sempre de modo consciente, livre e voluntário, com o propósito de se apropriar e fazer seus, tal qual fez os objectos discriminados e apesar de saber que os mesmos não lhe pertenciam e que ao apropriar-se deles o fazia em prejuízo patrimonial dos seus legítimos possuidores.
12 - AJMM foi condenado no processo comum com intervenção do tribunal singular n.º 584/99, do 1º juízo de competência especializada criminal, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, por sentença proferida em 28 de Junho de 2001, já transitada em julgado, pela prática, em 06 de Abril de 1999, de um crime de burla para obtenção de meio de transporte, previsto e punido no artigo 220º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, na pena de vinte dias de multa, à taxa diária de quinhentos escudos, com treze dias de prisão subsidiária.
13 - AJMM foi condenado no processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 283/97, do 1º juízo de competência especializada criminal, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, por acórdão proferido em 06 de Novembro de 2001, já transitado em julgado, pela prática, em 03 de Agosto de 1996, de um crime de furto, previsto e punido no artigo 203º, n.º 1, do Código Penal, na pena de trinta dias de multa, à taxa diária de seiscentos escudos, pelo crime de falsificação de documento, previsto e punido no artigo 256º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, do Código Penal, na pena de noventa dias de multa, à taxa diária de seiscentos escudos e pelo crime de burla simples, previsto e punido no artigo 217º, n.º 1, do Código Penal, na pena de sessenta dias de multa, à taxa diária de seiscentos escudos e, em cúmulo, na pena única de cento e vinte dias de multa, à taxa diária de seiscentos escudos.
14 - AJMM é solteiro, não tem filhos, tem o quinto ano de escolaridade e, antes de se achar na situação de prisão preventiva em que se acha presentemente, vivia na companhia de seus pais e de uma irmã mais nova, estudante.
15 - AJMM praticou os factos antes descritos a fim de trocar os objectos retirados das residências por heroína para seu consumo.
16 - AJMM é consumidor de heroína há cerca de dez anos e fez já algumas desintoxicações para tratamento da sua toxicodependência.
17 - À data dos factos AJMM consumia heroína sob forma injectada, duas a três vezes por dia.
18 - AJMM trabalhou até algum tempo antes dos factos como pedreiro, auferindo cerca de cento e cinquenta euros por semana.
19 - AJMM confessou, no essencial, os factos descritos nos números 1 e 4 a 8.
Factos não provados
I - Que no dia 23 de Outubro de 2003, cerca das 13 horas e 45 minutos, AJMM introduziu-se por forma não apurada no interior das instalações da empresa "Permutauto", sitas na Rua do Matadouro Regional, Lote ..., Santarém, e, uma vez no seu interior, apropriou-se e fez seus os seguintes objectos que lá se encontravam: dois cofres portáteis, um preto, contendo no seu interior quatrocentos euros e outro azul contendo facturas e moedas portuguesas já fora de circulação, um cartão multibanco do BPA e dois telemóveis "Nokia".
II - Que AJMM quis introduzir-se no interior da aludida empresa não obstante saber que o acesso à mesma lhe estava legalmente vedado, pois fazia-o contra a vontade do seu legítimo dono.
III - Que o custo de vidro da porta da residência de RMSA partido por AJMM é aproximadamente de quarenta euros.
IV - Que os objectos retirados a JPRM por AJMM tinham o valor de sete mil euros.
2.3.
Sustenta o recorrente que deveria ser aplicada uma pena próxima dos limites mínimos que realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (conclusões 8.ª, 9.ª e 10.ª).
Pois o Tribunal "a quo" não ponderou na justa medida as circunstâncias atenuantes, sendo a pena superior à medida da culpa do arguido (conclusão 7.ª).
É que resulta dos factos provados que a sua actividade delituosa foi determinada pela sua dependência de heroína (conclusão 1.ª); que não pretendeu obter para si qualquer enriquecimento, e teve como única finalidade a obtenção de meios com vista ao consumo de heroína (conclusão 2.ª); que a causa da prática dos ilícitos não foi a inclinação forte para a actividade criminosa, mas antes o estado de dependência de estupefacientes (conclusão 3.ª), pelo que não tinha, assim, a necessária capacidade de avaliação da ilicitude dos factos e para se determinar de acordo com essa avaliação (conclusão 4.ª), revelando-se, portanto, a sua imputabilidade diminuída (conclusão 5.ª), sendo que procurou voluntariamente o tratamento para sua dependência, no essencial confessou os factos, e manifestou arrependimento sincero (conclusão 6.ª).
Da matéria de facto provada resulta em termos apreensíveis por este Tribunal que o recorrente praticou os factos típicos para obter, para seu consumo, heroína de que é consumidor há cerca de 10 anos e que é toxicodependente, pois está estabelecido que já fez algumas (tentativas de) desintoxicações, e que à data dos factos consumia heroína 2 a 3 vezes por dia.
Trabalhou o arguido até algum tempo antes dos factos, confessou, no essencial, os factos.
Como se verá, nas considerações que teceu, o Tribunal Recorrido aceitou a toxicodependência do arguido e as limitações que essa situação ocasionou na sua liberdade de determinação.
Não está provado, porém, o arrependimento invocado pelo arguido.
Com efeito, ponderou a decisão recorrida, nessa matéria, o seguinte:
«5. Penalidades a aplicar
(-) A pena concreta deve fixar-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (artigo 71º, n.º 1, do Código Penal). Nas exigências de prevenção cremos que se incluem tanto as vertentes da prevenção especial como as da prevenção geral (entendida a primeira com o sentido de tentar que o agente não volte a delinquir e a segunda, no sentido da chamada prevenção geral positiva).
Na determinação da medida concreta da pena deve o tribunal atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, abstendo-se no entanto de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido (salvo nos casos em que a sua intensidade concreta supere aquela que foi considerada pelo legislador para efeitos da determinação da moldura em abstracto).
A pena justifica-se sempre pela finalidade prosseguida, estando superadas na actualidade as concepções que faziam dela um fim em si mesmo. As finalidades das penas, como já antes frisámos, são a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (artigo 40º, n.º 1, do Código Penal).
Não obstante estas finalidades de toda a punição criminal, nenhuma pena pode exceder a medida da culpa do agente e sob pena de se postergar o fundamento último de toda e qualquer punição criminal e que é a dignidade humana (artigo 40º, n.º 2, do Código Penal).
No que respeita os factos provados em 1 e em que foi ofendido EJABGS jogam em desfavor do arguido: - as exigências de prevenção geral, particularmente sentidas em casos em que são assaltadas casas de habitação e pela insegurança pessoal que tais factos geram; - as exigências de prevenção especial na medida em que a condição de toxicodependente do arguido motiva fortes receios de reiteração da sua conduta criminosa; - os antecedentes criminais do arguido; - o concurso de circunstâncias qualificativas - valor elevado e introdução com escalamento e arrombamento.
Em benefício do arguido divisa-se: - a confissão, no essencial, dos factos; - a recuperação de um dos objectos subtraídos; - a condição de toxicodependente do arguido na medida em que lhe reduz a capacidade de resistência à prática de factos criminosos.
Ponderando todas as circunstâncias antes enunciadas reputa-se adequada para punição deste crime a pena de dois anos e nove meses de prisão.
No que respeita os factos provados em 2 e em que foi ofendido RMSA jogam em desfavor do arguido, quanto ao crime de furto: - as exigências de prevenção geral, particularmente sentidas em casos em que são assaltadas casas de habitação e pela insegurança pessoal que tais factos geram; - as exigências de prevenção especial na medida em que a condição de toxicodependente do arguido motiva fortes receios de reiteração da sua conduta criminosa; - os antecedentes criminais do arguido.
Em benefício do arguido divisa-se: - a recuperação dos objectos subtraídos; - a condição de toxicodependente do arguido na medida em que lhe reduz a capacidade de resistência à prática de factos criminosos.
Ponderando todas as circunstâncias antes enunciadas reputa-se adequada para punição deste crime de furto a pena de três meses de prisão.
No que se prende com o crime de violação de domicílio em que foi ofendido RMSA, jogam em desfavor do arguido: - as exigências de prevenção geral, particularmente sentidas, pela insegurança pessoal que tais factos geram; - as exigências de prevenção especial na medida em que a condição de toxicodependente do arguido motiva fortes receios de reiteração da sua conduta criminosa; - os antecedentes criminais do arguido.
Em benefício do arguido divisa-se apenas a sua condição de toxicodependente, na medida em que lhe reduz a capacidade de resistência à prática de factos criminosos.
Ponderando todas as circunstâncias antes enunciadas reputa-se adequada para punição deste crime de violação de domicílio a pena de quatro meses de prisão.
Relativamente ao crime de furto em que foi ofendido AMCF jogam em desfavor do arguido: - as exigências de prevenção geral, particularmente sentidas em casos em que são assaltadas casas de habitação e pela insegurança pessoal que tais factos geram; - as exigências de prevenção especial na medida em que a condição de toxicodependente do arguido motiva fortes receios de reiteração da sua conduta criminosa; - os antecedentes criminais do arguido.
Em benefício do arguido divisa-se: - a confissão, no essencial, dos factos; - a condição de toxicodependente do arguido na medida em que lhe reduz a capacidade de resistência à prática de factos criminosos.
Ponderando todas as circunstâncias antes enunciadas reputa-se adequada para punição deste crime a pena de dois anos e seis meses de prisão.
No que respeita o crime de furto em que foi ofendido JPRM jogam em desfavor do arguido: - as exigências de prevenção geral, particularmente sentidas em casos em que são assaltadas casas de habitação e pela insegurança pessoal que tais factos geram; - as exigências de prevenção especial na medida em que a condição de toxicodependente do arguido motiva fortes receios de reiteração da sua conduta criminosa; - os antecedentes criminais do arguido.
Em benefício do arguido divisa-se: - a confissão, no essencial, dos factos; - a recuperação de um dos objectos subtraídos, ainda que de valor insignificante; - a condição de toxicodependente do arguido na medida em que lhe reduz a capacidade de resistência à prática de factos criminosos.
Ponderando todas as circunstâncias antes enunciadas reputa-se adequada para punição deste crime a pena de dois anos e oito meses de prisão.
No que respeita o crime em que foi ofendido LMMC jogam em desfavor do arguido: - as exigências de prevenção geral, particularmente sentidas em casos em que são assaltadas casas de habitação e pela insegurança pessoal que tais factos geram; - as exigências de prevenção especial na medida em que a condição de toxicodependente do arguido motiva fortes receios de reiteração da sua conduta criminosa; - os antecedentes criminais do arguido; - o concurso de circunstâncias qualificativas - valor consideravelmente elevado e introdução com escalamento e arrombamento.
Em benefício do arguido divisa-se: - a confissão, no essencial, dos factos; - a recuperação de todos os objectos subtraídos; - a condição de toxicodependente do arguido na medida em que lhe reduz a capacidade de resistência à prática de factos criminosos.
Ponderando todas as circunstâncias antes enunciadas reputa-se adequada para punição deste crime a pena de três anos de prisão.
Nos termos do disposto no artigo 77º, n.º 1, do Código Penal, na sua redacção actual, "quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente."
Neste caso, "a pena aplicável tem como limite superior a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes" (artigo 77º, n.º 2, do Código Penal).
No caso dos autos, os crimes deles objecto foram cometidos pelo arguido antes de responder por qualquer um deles, pelo que há lugar à aplicação de uma pena única nos termos previstos no artigo 77º, n.º 1, do Código Penal.
A pena aplicável ao arguido varia entre três anos de prisão e onze anos e seis meses de prisão.
Ponderando em conjunto os factos, a personalidade do arguido e a sua condição pessoal reputa-se adequada para punição destes crimes a pena única de seis anos de prisão.»
Importa notar que não se refere o recorrente às diversas penas parcelares, mas, pela argumentação expendida na sua forma e conteúdo, tão só à pena única, encontrado na realização do necessário cúmulo jurídico.
Vejamos, de todo o modo, o tratamento dado a essas penas parcelares.
De acordo com o disposto nos art.ºs 70.º a 82.º do C. Penal a escolha e a medida da pena, ou seja a determinação das consequências do facto punível, é levada a cabo pelo juiz conforme a sua natureza, gravidade e forma de execução, escolhendo uma das várias possibilidades legalmente previstas, traduzindo-se numa autêntica aplicação do direito.
Não só o Código de Processo Penal regulou aquele procedimento, de algum modo autonomizando-o da determinação da culpabilidade (cfr. art.ºs 369.º a 371.º), como o n.º 3 do art. 71.º do C. Penal (e antes dele o n.º 3 do art. 72.º na versão originária) dispõe que «na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos da medida da pena», alargando a sindicabilidade, tornando possível o controlo dos tribunais superiores sobre a decisão de determinação da medida da pena.
Numa primeira operação de determinação da medida da pena: a moldura penal abstracta e, numa segunda operação, é dentro dessa moldura penal, que funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente:
- O grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente);
- A intensidade do dolo ou negligência;
- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
- As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
- A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização, assim se desenhando uma sub-moldura (Ac. do STJ de 17-09-1997, proc. n.º 624/97).
A medida das penas determina-se, já o dissemos, em função da culpa do arguido e das exigências da prevenção, no caso concreto, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra ele.
A esta luz, impõe-se concluir que as penas concretas fixadas para cada crime se situam claramente dentro da sub-moldura a que se fez referência e que dentro dela foram sopesados todos aqueles elementos de facto a que o recorrente fez referência, com exclusão óbvia do arrependimento.
Na merecem, assim, censura as penas parcelares encontradas.
Mas o que dizer da pena única, ao fim e ao cabo, a visada pelo recorrente?
Pode, quanto a ela, adiantar-se que os motivos que levaram o recorrente a agir é susceptível de conduzir a uma pena menor.
Com efeito, as regras de determinação da pena única não coincidem totalmente com os critérios já referidos a propósito das penas parcelares.
Como entende este Supremo Tribunal de Justiça (cfr., por todos, o Ac. de 11.1.01, proc. n.º 3095/00-5, do mesmo Relator), a pena única a estabelecer em cúmulo deve ser encontrada numa moldura penal abstracta, balizada pela maior das penas parcelares abrangidas e a soma destas, e na medida dessa pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, com respeito pela pena unitária.
Na verdade, o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário, mas a personalidade traduzida na condução de vida, em que o juízo de culpabilidade se amplia a toda a personalidade do autor e ao seu desenvolvimento, também manifestada de forma imediata a acção típica, isto é nos factos.
Ora, se não se pode esquecer qual é o limite máximo da respectiva moldura, - 11 anos e 6 meses -, também não se pode esquecer que o limite mínimo se fica pelos 3 anos, baixo, se atendermos ao total das penas parcelares.
E, como se viu, é entre esses valores que se vai encontrar a pena única aplicável no caso.
Ora, neste contexto afigura-se que a pena única fixada (6 anos de prisão) não dá relevo suficiente ao elemento referente à personalidade do arguido e que integra todos os factos em apreciação:
- a concentração dos factos num período de tempo curto;
- a confissão, no essencial, dos factos;
- as várias tentativas de desintoxicação que já fez;
- o facto de trabalhar logo antes dos factos.
Assim, temos que uma pena que partindo da maior pena parcelar (limite mínimo da moldura) acrescida de menos de 1/3 da soma das restantes penas parcelares, se apresenta como mais justa e adequada se fixada em 5 anos de prisão.
3.
Pelo exposto, acordam os Juízes da 3.ª Secção (Criminal) do Supremo Tribunal de Justiça em conceder provimento ao recurso, fixando a pena única em 5 anos de prisão e no mais mantendo a decisão recorrida.
Honorários legais ao Ex.mo Defensor oficioso.
Sem custas.
Lisboa, 27 de Janeiro de 2005
Simas Santos (Relator)
Santos carvalho
Costa Mortágua