Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
318/15.8 8JELSB
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA MENDES
Descritores: RECURSO PENAL
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
CORREIO DE DROGA
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
CULPA
ILICITUDE
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 01/04/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / MEDIDA DA PENA - TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSOS.
Doutrina:
- Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111.
- Sequeros Sazator nil, El Trafico de Drogas Ante El Ordenamiento Jurídico, 877.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 434.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 72.º, N.º 1.
D.L. N.º 15/93, DE 22-01: - ARTIGO 31.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 04.06.09, PUBLICADO NA CJ (STJ), XII, II, 221;
-DE 07.09.27, 07.10.03, 07.11.14, 07.11.15 E DE 08.04.09, PROFERIDOS NOS PROC. N.ºS 3297/07, 2701/07, 3410/07, 3761/07 E 825/08;
- E DE 12 DE JULHO DE 2006, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 1947/06.
Sumário :
I  -   Tendo a recorrente impugnado o acórdão através da interposição de recurso directo para este STJ, recurso que, por imposição legal, visa exclusivamente o reexame da matéria de direito (art. 434.º, do CPP) e alegando na sua motivação de recurso que confessou os factos e que mostrou arrependimento, dúvidas não existem que, con­quanto tenha interposto recurso do acórdão condenatório, aceitou a decisão proferida sobre a matéria de facto, nomeadamente no segmento em que se consideraram provados os factos pelos quais foi acusada, pelo que, há que concluir que se tornou inútil o conhecimento dos recursos interlocutórios (que incidem sobre a invalidade do exame toxicológico realizado à substância que lhe foi apreendida, a nulidade decorrente da falta de nomeação de intérprete e de assistência por defensor para o acto através do qual autorizou a dispensa de sigilo das comunicações constantes do seu telemóvel e a nulidade das transcrições das comunicações contidas no referido telemóvel por falta de determinação, autorização e validação por parte do JIC), visto que a serem providos em nada afectariam o quadro factu­al considerado provado no acórdão impugnado, nomeadamente o quadro factual que fundamenta a condenação imposta à arguida, razão pela qual não se conhe­cerão aqueles dois recursos.
II -  O regime de favor concedido pelo art. 31.º, do DL 15/93, de 22-01, como claramente resulta da hermenêutica do preceito, não é de funcionamento automático, ou seja, para que o tribunal atenue especialmente a pena ou a dispense não basta a mera verificação de alguma ou de algumas das circunstâncias previstas no texto legal, visto que a lei ao textuar em pode, quer significar que fica ao prudente julgamento do tribunal a opção por uma punição especialmente atenuada ou por dispensa de pena, suposta a verificação de alguma ou de algumas daquelas circunstâncias.
III - O tribunal deverá averiguar se, em concreto, pela ocorrência ou devido à ocorrência de alguma ou algumas das circunstâncias previstas no texto do art. 31.º, do DL 15/93, se verifica uma diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade de pena que justifique uma resposta punitiva atenuada, visto serem estes os factores de que a lei geral faz depender a atenuação especial da pena – art. 72.º, n.º 1, do CP.
IV - Tem-se por verificada a circunstância prevista no art. 31.º, do DL 15/93, qual seja a do auxílio ou colaboração directa com a autoridade policial na recolha de provas para a identificação e a captura de outros responsáveis, se as arguidas aceitaram, após apanhadas em flagrante delito, dirigir-se para a zona pública de chegadas do aeroporto sob controlo da Polícia Judiciária, local onde sabiam encontrar-se à sua espera o co-arguido para ali receber as malas e mochilas com a cocaína e para as transportar a elas e ao estupefaciente para Espanha, há que concluir que se dispuseram a colaborar com a autoridade policial na identificação e na captura do co-arguido, colaboração que se mostrou decisiva.
V - Perante a moldura penal abstracta a que, face à atenuação especial da pena, corresponde pena de 9 meses e 18 dias a 8 anos de prisão, ponderando todas as circunstâncias ocorrentes, destacando, por um lado o elevado grau de ilicitude do facto, traduzido no tipo (cocaína) e quantidade de estupefaciente detido por cada uma das arguidas (7.860,700 g. no que diz respeito à arguida L e 8.610g. no que tange à arguida M) e, por outro lado, a primariedade das arguidas, fixa-se, para cada uma delas, a pena de 3 anos e 6 meses de prisão.
VI - Para aplicação da suspensão da execução da pena é necessário, em primeiro lugar, que a pena de suspensão da execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade.
VII - Em segundo lugar, é necessário que o tribunal se convença, face à personalidade do arguido, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro evitará a repetição de comportamentos delituosos. Certo é que o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado deve ter em consideração, como a letra da lei impõe, a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste.
VIII - No contexto vertente perante um crime de tráfico de estupefacientes internacional, consubstanciado no transporte aéreo da Colômbia para a Europa de cerca de 16 kg. de cocaína, sendo que a arguida M transportou cerca de 8,6 kg e a arguida L cerca de 7,8 kg., tendo presente que os correios internacionais de droga, atenta a frequência com que vêm actuando, fazem correr o risco de Portugal se transformar num offshore europeu do comércio transatlântico de cocaína, há que afastar a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão.
Decisão Texto Integral:

                                          *

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo supra referenciado, da Instância Central de ... – ... Secção Criminal – ..., as arguidas AA e BB, foram condenadas (cada uma delas) pela prática do crime de tráfico de estupefacientes do artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão[1].

As arguidas interpuseram recurso para este Supremo Tribunal.

É do seguinte teor o segmento conclusivo da motivação apresentada pela arguida AA[2]:


a) A colaboração voluntária da recorrente foi causal e decisiva para a identificação, captura e condenação do coarguido CC.

b) O tribunal a quo devia ter premiado a colaboração da recorrente, beneficiando, assim, a sua pena, do regime especial previsto no artº 31, do referido DL 15/93, ou mesmo da cláusula geral de atenuação especial da pena, prevista no art.º 72/2, al. c), do CP.

Assim não se entendendo,

c) O tribunal recorrido não sopesou todas as circunstâncias favoráveis à recorrente na determinação da pena.

d) Estão reunidos os pressupostos da suspensão da execução da pena, caso o tribunal ad quem entenda fixar à recorrente pena não superior a cinco anos de prisão.

e) A pena de cinco anos e seis meses de prisão revela-se excessiva, atendendo às diversas circunstâncias que depõem a favor da recorrente.

f) O tribunal recorrido violou o artº 21/1 e 31, do DL 15/93, de 22/11, os artigos 71/2 (corpo), 71/2 al. e), 72/2, al. c) e 50/1, todos do CP.

g) O recorrente mantém interesse nos seus (2) recursos retidos de fls 515 a 518 e 554 a 558, que devem subir com o presente, conforme doutos despachos de fls.

Na motivação que apresentou a arguida BB formulou as seguintes conclusões:


1. A recorrente confessou parcialmente os factos por que vinha acusada.
2. Confessou serem verdadeiros os factos que lhe são imputados no que concerne ao transporte do estupefaciente apreendido.
3. Negou contudo, o conhecimento da quantidade de estupefaciente transportado na sua bagagem.
4. Decidiu o douto Tribunal, condenar a recorrente na pena de 5 anos e 6 meses de prisão. Da qual discordamos.  
5. Realçamos a efectiva colaboração da recorrente na detenção dos co-arguidos DD e CC.
6. Foi com referência às declarações da arguida aquando da sua detenção que os Srs. Inspectores da Policia Judiciária tiveram conhecimento de que o companheiro da recorrente, o Sr. CC, estaria no átrio das chegadas do aeroporto à sua espera.
7. Aliás, resulta inequívoca a colaboração da recorrente na detenção dos co-arguidos acima mencionados, uma vez que o Sr. Inspector da Policia judiciária, EE, referiu que não teriam detido os co-arguidos sem a colaboração da recorrente, declarações prestadas em sede de audiência de julgamento conforme acta do dia 24 de Maio do corrente ano.
8. A detenção dos co-arguidos DD e CC está em manifesta contradição com o expendido no acórdão recorrido a págs 25 do acórdão cuja citação
9. Parece-nos, salvo opinião contrária, que a actuação da recorrente, que culminou na detenção de dois cidadãos, um dos quais condenado a 5 anos e 6 meses de prisão, preenche de forma clara e concisa os elementos do tipo legal do artigo 31º do dec-lei 15/93 de 22 de janeiro
10. Até porque, a recorrente, detida em flagrante delito, lidos os seus direitos, em nada tinha que declarar e se por sua vez, decidiu faze-lo foi em estreita convicção de que estaria a auxiliar as autoridades portuguesas na detenção de pelo menos uma pessoa, o seu companheiro CC, que estaria à sua espera com conhecimento do transporte de droga.
11. Pelo que, em nosso entender, não faz sentido argumentar, com todo o respeito, que a situação do flagrante delito “não lhes permitia decidir se colaboravam ou não” (fim de citação-pág.25 do acórdão).
12. Por outro lado, a atuação da arguida determinou a detenção de duas pessoas no presente inquérito, enquanto que a atuação do co-arguido CC - na colaboração relativamente a outro inquérito - levou apenas à detenção de uma pessoa.
13. Ora, por maioria de razão, a colaboração da recorrente foi mais eficiente no âmbito dos presentes autos, pelo que deverá ver a sua pena especialmente atenuada.
14. Discordamos igualmente do entendimento do acórdão recorrido no que concerne ao conhecimento da arguida da quantidade de estupefaciente que transportava.
15. A recorrente referiu em audiência de julgamento ter sido contratada para o transporte de um quilo de estupefaciente
16. Referiu também a surpresa aquando da descoberta do estupefaciente que se encontrava dentro da estrutura da mala (portanto não era visível) porquanto não esperava ver aquela quantidade.
17. Dizem-nos as regras da experiencia no que respeita ao tráfico de droga que o traficante, proprietário do estupefaciente, na sua ganancia, procura fazer valer o transporte, colocando no “correio” a maior quantidade de droga que possa ser transportada.
18. A mala de viagem foi entregue à recorrente com a droga inserida na sua estrutura, pelo que não poderia saber a quantidade que transportava.
19. Por outro lado, o montante que iria auferir pelo transporte, 4500€, é, segundo as regras da experiencia nos crimes de tráfico de droga, compatível com o transporte da quantidade de 1 a 2 quilos de cocaína.
20. O acórdão recorrido argumenta que o peso de quase 8 quilos de cocaína na mala não poderia ser olvidado, pelo que a arguida teria que saber que transportava mais que um quilo na sua bagagem.
21. Ora, como se defendeu em sede de alegações finais, o peso da mala, pode muito bem ser justificado pela colocação de uma qualquer estrutura acoplada à mala para impedir a detecção do estupefaciente no aeroporto e que faria aumentar substancialmente o peso da bagagem.
22. Realçamos o facto de a mala não ter sido revistada, nem ter alertado as autoridades colombianas no aeroporto de Bogotá, pelo que o peso dentro da mala não significa necessariamente, para o recorrente, a quantidade de estupefaciente transportada.
23. Pelo exposto, entendemos aplicar-se à recorrente a atenuação especial da pena constante do artigo 31º do dec-lei 15/93 de 22 de Janeiro, condenando-a na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, que deverão ser suspensos na sua execução.
24. Refere o artigo 50º do C.P., que o “tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
25. Se é certo que o comportamento de um cidadão exemplar será o comportamento afastado da ilicitude, não deixará de se ter em conta, contudo, que a recorrente não tem antecedentes criminais e é a primeira vez que se encontra reclusa numa prisão.
26. A recorrente colaborou com as autoridades portuguesas e cuja actuação culminou na detenção de duas pessoas, uma das quais condenada a 5 anos e 6 meses de prisão.
27. A recorrente mostrou-se arrependida do crime cometido.
28. A recorrente é uma mulher de quase 60 anos, enfermeira geriátrica de profissão, sem antecedentes criminais.
29. Do relatório social elaborado pela DGRSP, referiu as seguintes passagens:
30. “Do que foi possível apurar, concluímos que o trajeto existência da arguida foi regular, quer a nível familiar, quer escolar e profissional até há cerca de 7/8 anos, altura em que o marido faleceu. Ao nível social, o seu registo biográfico é organizado, mas nos últimos anos surgem diversos indicadores de instabilidade laboral e financeira, com prejuízos na autonomia e sentido de realização pessoal. Apesar de se ter mobilizado na solução dos problemas que passou a enfrentar, tudo indica que BB não os ultrapassou, tomando-se progressivamente dependente, de entidades credoras, em como do apoio dos filhos e da mãe, o que pode ter instigado alguma vulnerabilidade à pressão. Em nosso entender, o contexto prisional pode ajudá-la a equacionar objectivos de vida e mudanças positivas nas estratégias de resolução de problemas. Por outro lado, o facto de se mostrar segura e adaptada à presente situação facilitará a aquisição de novas competências pessoais e sociais.” (fim de citação- págs. 8 e 9 do acórdão).
31. O arrependimento demonstrado em sede de audiência e julgamento, a postura adoptada na confissão e colaboração que culminou na detenção de duas pessoas, permitem-nos concluir pela interiorização do desvalor da sua conduta. Aliás, como já foi referido, a recorrente tem capacidade de análise de auto-critica.
32. A recorrente cumpriu já 10 meses de prisão.
33. A experiência de vida em reclusão terá surtido o efeito útil pretendido, sendo necessário agora, outro tipo de programa, de forma a capacitar a recorrente com valores pessoais e sociais de forma a que não volte a delinquir.
34. Pelo que o douto acórdão recorrido estaria na posse de todas as informações que permitiriam um juízo de prognose favorável com a consequente a aplicação do regime da suspensão da execução da pena, se entendesse condená-la em pena inferior a 5 anos de prisão.
35. Ainda a este respeito, o recentíssimo douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa nº 42/2008-9 da 9ª Secção, de 05 de Março de 2009, que passamos a transcrever:  “Como se afirma neste último acórdão, (Ac. da R.P. de 17/0/2008, relatado pelo Sr. Desembargador Manuel Joaquim Braz, in JusNet 3952/2008, que entendeu suspender a execução da pena num caso de tráfico de droga)*, são exclusivamente razões de prevenção geral e especial que decidem sobre a suspensão ou não da execução da pena de prisão. Posto que o/a Arg. seja primário/a e tenha confessado os factos, mostrando-se integrado familiar, laboral e socialmente, mostram-se atenuadas as razões de prevenção especial, sobrando as razões de prevenção geral. Quanto à prevenção geral, a jurisprudência que se opõe à suspensão da execução deste tipo de penas, acentua particularmente o seu papel “…..na repressão ao crime de tráfico de estupefacientes tendo em vista a tutela dos bens jurídicos com referencia à vida de jovens e estabilidade familiar e a saúde e segurança da comunidade, como expressivamente decorre do objectivo nacional estratégico referido na Resolução de Conselho de Ministros 4/99, de 26-05. Nisto se incluem “os correios internacionais de droga” – que fazem correr o risco de transformar Portugal – para além de uma plataforma giratória que de alguma forma já o é – como um off-shore europeu do comércio transatlântico da cocaína.” E que a “… necessidade estratégica nacional e internacional de combate a esse tipo de crime faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral”. Não podemos concordar com esta argumentação porque, por um lado, não compete aos tribunais definir ou participar em estratégias de prevenção e combate à criminalidade, uma vez que tal matéria é da competência da Assembleia da República, do Governo, do Ministério Público e dos Órgãos de Policia Criminal, nos termos do disposto nos artigos 165º/1-b), c) e d), 198º/1-b), 202º e 219º/1 da CRP, no artº 1º/1 da Lei 53/2008, de 29/08, e nos artºs 1º, 4º, 7, 11º, e 12º, da Li 17/2006, de 23/05. Por outro lado, sendo o legislador, certamente conhecedor das penas que os tribunais vinham aplicando aos condenados por tráfico de droga, na modalidade conhecida como”correio de droga”, nos termos do artigo 21º do DL 15/93, de 22/01, situando-se muitas delas entre os 3 e os 5 anos de prisão, por ocasião da última reforma do Código Penal, optou por alargar a possibilidade da suspensão da execução das penas de prisão até aos 5 anos, sem fazer qualquer ressalva relativamente a este tipo de crimes. Há, pois, que concluir que o legislador quis que às penas de prisão aplicadas por tráfico de droga se aplicassem os mesmo critérios que aos restantes crimes, para aferir da possibilidade de suspensão da sua execução, nos termos do disposto no artigo 9º do CC”.“Por outro lado, é muito frequente a aplicação de penas de prisão suspensas a delinquentes que pratiquem crimes de roubo, nomeadamente por esticão, desde que o agente seja primário e, por vezes, mesmo sem que seja primário ou tenha confessado o crime. Ora este tipo de crime, além de ser dos que mais sensação de insegurança gera na população, é muito mais frequente do que o de tráfico de droga, pelo que relativamente a ele se mostram muito acrescidas as necessidades de prevenção geral. Assim, entendemos que às penas de prisão aplicadas por crimes de tráfico de droga, sobretudo tratando-se dos chamados “correios de droga”, se devem aplicar exactamente os mesmos critérios de suspensão da execução da pena que se aplicam às penas aplicadas por outros crimes, ou seja, salva a existência de circunstancias excepcionais, a execução das penas de prisão fixadas em medida não superior a 5 anos, deve ser suspensa quando ao condenado primário e tenha confessado os factos.”(negrito e parêntesis nosso).
36. Seguem o mesmo entendimento, o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no recurso 1962/08-3 da 3ª Secção, o douto Acórdão do T.R.P. (atrás mencionado) no recurso nº 3952/2008 e no douto Acórdão do STJ no recurso nº 4694/2008 de 13/03/2008.
37. Na verdade, não existe nenhum estudo que comprove o aumento de crimes de tráfico de droga, no transporte internacional, devido à aplicação do regime de suspensão de execução da pena.
38. Por outro lado, a Defesa não tem conhecimento de que arguidos condenados pelo crime de transporte internacional de droga cuja pena de prisão foi suspensa, tenham reincidido no cometimento do crime de tráfico de droga.
39. Assim, perante a confissão do transporte de droga, o arrependimento demonstrado em sede de julgamento, a ausência de antecedentes criminais e a existência de condições sociais para dar continuidade à sua ressocialização, entende a Defesa dever condenar-se a recorrente na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensos na sua execução, condicionada e ao regime de prova a elaborar pela DGRSP.

Na contra-motivação o Ministério Público alegou:

As arguidas AA e BB foram condenadas nos presentes autos pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.21º, nº1, do DL. Nº15/93, de 22/01, por referência à tabela I-B anexa, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, cada uma.

             
Inconformadas com tal tal condenação vêm as arguidas recorrer do douto Acórdão condenatório, concluindo, em síntese:

          Colaboraram voluntariamente para a descoberta da verdade e detenção de CC.

          Tal colaboração deveria ter sido premiada, devendo beneficiar do regime especial previsto no art.31º do D.L. nº15/93, ou mesmo da clausula geral de atenuação especial da pena prevista no art.72º, nº2, al.c), do C.P.. 

         Na determinação da medida da pena o Tribunal não sopesou todas as circunstâncias favoráveis, revelando-se excessiva a pena aplicada.

         Estão reunidos os pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão.

        A arguida AA mantém interesse nos dois recursos interpostos e retidos de fls.515 a 518 e 554 a 558, que devem subir com o presente, e mais concluiu:

        Confessou parcialmente os factos, no que concerne ao transporte do estupefaciente apreendido.

        Negou o conhecimento da quantidade de produto estupefaciente  transportado na sua bagagem, e o peso da mala pode justificar-se pela colocação de qualquer estrutura acoplada para impedir a detecção do produto estupefaciente, aumentando substancialmente o peso da bagagem.

        Colaborou na detenção de  CC e DD.

         Como confessou, colaborou com as autoridades, mostra-se arrependida, tem quase 60 anos, é enfermeira geriátrica de profissão, não tem antecedentes criminais, mostra-se integrada social, laboral e familiarmente, já cumpriu 10 meses de prisão a qual já surtiu o efeito útil pretendido de não voltar a delinquir, deve ser condenada na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, a qual deve ser suspensa na sua execução.
Ora, salvo sempre o devido respeito por opinião diversa, as recorrentes carecem inteiramente de razão.

Vejamos:

          Quanto aos recursos intercalares interpostos pela arguida AA a fls.515 a 518, e 554 a 558, o Ministério Público respondeu, respectivamente, a fls.532 a 539 e 571 a 577.

          Quanto à determinação da medida da pena


A pena, meio de tutela gravoso, implica a privação de um bem e uma reprovação da conduta do infractor.

          Neste sentido, como defende Max Weber, o direito surge como ordem de coacção que inflige um castigo ao infractor, obrigando-o a prestar contas pela violação da ordem estabelecida.

          Ora, como pondera Baptista Machado in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, a unidade Direito-Justiça só existe enquanto a força legitimadora está limitada ao próprio direito; a ruptura desse limite, quer por excesso quer por defeito, denega-o, destruindo a garantia de validade da ordem socialmente estabelecida e, consequentemente, aquela mesma unidade.

Nos termos do disposto no art.40º, nº1, do C.P., são finalidades da pena a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo certo que a pena consiste na imposição de um sofrimento, ou privação de bens, infligidos ao autor de um delito, em razão desse delito, de algum modo proporcional ao dano causado pela violação da norma incriminadora e tendo como limite máximo inultrapassável a medida da culpa.

Tendo o direito penal uma função exclusiva de preservação de bens jurídicos, as finalidades das penas serão sempre de carácter preventivo, o que resulta desde logo do art. 40.º, n.º 1, do Código Penal, ao afirmar-se que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e, assim, por referência àquele normativo, a determinação da medida da pena deve ser feita em função das exigências de prevenção geral e especial que a situação concreta oferece.

          É, essencialmente, o grau de culpa que determina o "quantum" da pena que, contudo, contém uma margem de variação onde estão incluídos os fins de prevenção geral e especial como estabelece o art.71º - cfr. Eduardo Correia in Direito Criminal.

          Sendo a pena essencialmente a consequência da culpa ética, impõe-se atender ao primado ético-retributivo na fixação da pena.

          Como resulta do preâmbulo respectivo, o Código Penal traça um sistema punitivo que parte do pensamento fundamental de que as penas devem ser aplicadas com um sentido pedagógico e ressocializador.

          Posto isto, assente que está, no nosso modesto entendimento, que a factualidade apurada reflecte com rigor e de forma inequívoca a prova produzida em julgamento sem nulidade ou vício de que padeça, e que a mesma integra os elementos típicos do crime pela prática do qual foram condenadas as arguidas, suas autoras nos termos da factualidade em causa, e não existindo causas de justificação da ilicitude nem causas de exclusão da culpa, as arguidas são jurídico-penalmente responsáveis pelo crime em referência.

          Para efeitos da determinação da medida concreta da pena a aplicar, dentro dos limites apontados, importa ter presente a culpa do agente e as exigências de prevenção de futuros crimes, atendendo também a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele - arts.71º nºs.1 e 2 do C.P.           

          Dos vários factores erigidos por este preceito destaca-se a culpa do agente, pedra angular de todo o direito punitivo e sobre a qual foi dito no Acórdão da Relação de Coimbra de 9/01/85 - C.L.J. Tomo 1, pág.86 - "num direito penal como o vigente, que procura adequar todas as providências penais à personalidade do agente não pode ser descurada a consideração dos motivos. São eles que dão relevo à culpabilidade e, por conseguinte, entram no juízo complexivo relativo à personalidade moral do delinquente que deve ter-se presente para a determinação concreta da pena, a qual, para ser verdadeiramente retributiva, deve estar numa relação de proporção com a gravidade da culpa".

   Segundo critérios adequados de ponderação não existem circunstâncias de valor especial e ou extraordinário que justifiquem a atenuação especial da medida da pena a aplicar à arguida, pois que nenhum elemento de relevo se apurou no sentido de que alguma circunstância no respectivo comportamento diminua por forma acentuada a ilicitude dos factos, a sua culpa ou as necessidades punitivas.

           Na ponderação concreta da pena, tendo em atenção os critérios do art.71º do C.P., cumpre determinar a medida da pena em função das exigências de prevenção de futuros crimes, tendo como limite a culpa da arguida, sem esquecer que a finalidade última da intervenção penal é a reinserção social do delinquente.

Relativamente à medida da pena, atente-se ainda naquilo que a esse respeito se refere no AC. do S.T.J., de 6/05/98 :

“ 1 – Sendo a culpa, o juízo de censura dirigido ao agente pela conduta que livremente assumiu, na definição da medida da pena cumpre ter presente que não há pena sem culpa e que a medida da pena não pode ultrapassar a da culpa.”;

“ 2 – As exigências da prevenção geral, considerada esta como prevenção positiva ou de integração, definem o limite mínimo da medida concreta da pena”;

“ 3 – A prevenção especial, no sentido positivo de reintegração do agente na sociedade determina a fixação da medida concreta da pena num “quantum” situado entre o limite mínimo exigido pela prevenção geral e o máximo ainda adequado à culpa” (B.M.J. nº477, p.100).

          A pena tem de ser como tal sentida, e daí estarem incluídos na finalidade que a norma visa proteger e nos efeitos que com a condenação se pretendem atingir todos os incómodos decorrentes do cumprimento da mesma, sendo certo que tais consequências negativas têm de se mostrar balizadas por critérios de justiça e proporcionalidade.

          O tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n°1, do Dec-Lei nº15/93, de 22/01, é punível com pena de prisão de 4 a 12 anos.

Nos termos do disposto no art.48°, do D.L. n° 15/93, de 22/1, à matéria nele constante são aplicáveis as disposições da parte geral do Código Penal (C.P.), onde se incluem os critérios de escolha da pena e de determinação da medida da mesma, pelo que importa atender aos critérios fixados nos arts.71º e 40º, n°2, do C.P..

No caso importa assim ter em atenção:

- A ilicitude do facto (de natureza elevada já que se trata de tráfico internacional de estupefacientes), a qualidade e a quantidade da droga apreendida, cocaína, as circunstâncias que rodearam a prática do crime.

- A culpa das arguidas, elevada - forte intensidade do dolo que é directo.

- O facto de as arguidas serem primárias, não tendo sido condenadas pela prática de ilícitos penais.

- A confissão dos factos por parte das arguidas (parcial, no caso da arguida BB), que demonstrou a existência de um juízo de assunção, de auto-censura, adequado.

- As condições socio-económicas e pessoais das arguidas.   

Quanto às exigências de prevenção geral nos termos já acima explanados, importa ter presente que se tratam de infracções que exigem uma resposta institucional intensa e eficaz, sobretudo de carácter preventivo.

Os critérios de prevenção especial aconselham que a pena seja doseada de molde a reinserir mas, em especial, a desencorajar a arguida da prossecução desta actividade, geradora de lucros adequados, não optando por fazer da mesma profissão e, por essa via, dificilmente se reinserindo futuramente.

É necessário emitir o aviso pertinente à arguida que tal conduta futura não é opção e que a punição deste tipo de ilícitos é severa e pronta.

O caso concreto exige cuidados especiais, na medida em que este tipo de crimes são actividades criminosas de difícil controlo, consubstanciadas no recrutamento, pelas redes criminosas, de indivíduos, e geradoras de grandes proveitos, sendo certo que na pena será determinante o grau de empenhamento na actividade, a dependência da mesma, a facilidade com que será expectável voltar ao seu exercício e a relevância do papel desempenhado.

Importa, então, optar pela aplicação às arguidas de pena de prisão que, fixando-se próximo do seu limite mínimo (4 anos de prisão), reflicta e seja apta a tutelar todos os circunstancialismos referidos, não sendo pelas razões aduzida de se atenuar especialmente a pena.

Por estas razões, atentas todas estas circunstâncias e o grau de culpa das arguidas, atendendo ainda às demais situações pessoais e económicas da arguida, tal como o Tribunal Colectivo, entendemos adequado a condenação da mesma numa pena de prisão de 5 anos e 6 meses, pelo crime de tráfico de estupefacientes p, e p. pelo artigo 21.º, n° 1, do D.L. n°15/93, de 22/01.

        
Quanto à não aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão, previsto no art.50º do Código Penal

Dispõe o art.50º do C.P. (Pressupostos e duração):

“ 1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.

3 - Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.

4 - A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.

5 - O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão".

A ser aplicada ao arguido pena igual ou inferior a cinco anos de prisão, impõe-se que se fundamente especificamente quer a concessão, quer a denegação da suspensão da execução da pena de prisão (art.50º, nº1, do C.P.), "nomeadamente no que toca ao carácter favorável da prognose e (eventualmente) às exigências de defesa do ordenamento jurídico..." (Figueiredo Dias, "As Consequências Jurídicas do Crime", Editorial Notícias, 1993, pág.345).

Como é sabido, não são considerações de culpa que interferem na decisão que ora se pondera, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto em análise, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas.

" A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer "correcção", "melhora" ou - ainda menos - "metanoia" das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É, em suma, como se exprime Zift, uma questão de "legalidade" e não de "moralidade" que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o "conteúdo mínimo" da ideia de socialização, traduzida na "prevenção da reincidência" - Figueiredo Dias, idem, págs.343 e 344.

"Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem "as necessidades de reprovação e prevenção do crime".... Já determinámos que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise - ibidem, pág.344).

Por outro lado, é conveniente esclarecer que o que está em causa no instituto da suspensão da execução da pena não é qualquer "certeza", mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser conseguida.  

O tribunal deve correr risco "prudencial" (fundado e calculado) sobre a manutenção do agente em liberdade. Existindo, porém, razões sérias para pôr em causa a capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada. (ibidem, págs.344 e 345).

No referido juízo de prognose há que ter em conta a personalidade do arguido, as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao facto punível e as circunstâncias deste mesmo facto.

Tal como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Fevereiro de 2010, proferido no âmbito do processo n.º 279/06.4GBOAZ.P1, in www.dgsi.pt., «Só há lugar à suspensão da execução de uma pena de prisão, atento o disposto no art. 50.º, n.º 1 do C. Penal (1995), se a simples censura do facto e a ameaça daquela pena forem bastantes para afastar o arguido da criminalidade, satisfazendo simultaneamente as necessidades de reprovação e prevenção do crime.

A jurisprudência tem assim vindo a acentuar, que a suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido, estando na sua base um juízo de prognose social favorável ao condenado [Ac. do STJ de 2002/Jan./09 (Recurso n.º 3026/01-3.ª) e 2007/Out./18, (Recurso n.º 3185/07) divulgados, respectivamente, em http://www.stj.pt e www.colectaneadejurisprudência.com)].

Tal juízo deverá assentar num risco de prudência entre a reinserção e a protecção dos bens jurídicos violados, reflectindo-se sobre a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta “ante et post crimen” e sobre todo o circunstancialismo envolvente da infracção.

Para o efeito, será de atender que a pena de prisão suspensa, sujeita ou não a certas condições ou obrigações, é a reacção penal por excelência que exprime um juízo de desvalor ético-social e que não só antevê, como propicia ao condenado, a sua reintegração na sociedade, que é um dos vectores dos fins das penas (função de prevenção especial de reinserção ou positiva).

Porém, outros dos seus vectores é a protecção dos bens jurídicos violados e, naturalmente, a protecção da própria vítima e da sociedade em relação aos agentes do crime, de modo que, responsabilizando suficientemente estes últimos, se possa esperar que os mesmos não venham a adoptar novas condutas desviantes (função de prevenção especial defensiva ou negativa).

Na protecção dos bens jurídicos, será igualmente de destacar que a reacção penal a aplicar deve, tanto quanto possível, neutralizar o efeito do delito, passando este a surgir, sem sombra de dúvidas, como um exemplo negativo para a comunidade e contribuindo, ao mesmo tempo, para fortalecer a consciência jurídica da mesma (função de prevenção geral).

Pretende-se, assim, dar satisfação ao sentimento de justiça do mundo circundante que rodeia o arguido, através do mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica [Ac. STJ de 2007/Set./26, (Recurso n.º 2579/07), acessível em www.colectaneadejurisprudência.com].

Daí que, muitas vezes, e sobrepondo-se à ressocialização, seja necessária a execução de uma pena de prisão para defesa do ordenamento jurídico, designadamente quando o comportamento desviante for revelador de uma atitude generalizada e consequente de não se tomar a sério o desvalor de certas condutas relevantemente ofensivas da vida comunitária, de acordo com os princípios constitucionais relevantes de um Estado de Direito Democrático.

Por outro lado e muito embora o regime de suspensão da pena de prisão não seja graduado e condicionado materialmente em função do respectivo número de anos, não poderemos deixar de atender que o alargamento de 3 para 5 anos de prisão do pressuposto formal que possibilita essa suspensão, faz realçar, nesse excedente, a necessidade de uma ponderação mais criteriosa dos pressupostos materiais que regulam a sua aplicação, mormente quanto às circunstâncias em que ocorreram a conduta criminosa e a protecção adequada dos bens jurídicos violados [Ac. do STJ de 2008/Abr./03) (Recurso n.º 4827/07-5)].

E isto porque a suspensão generalizada e tida como “normal” ou “corrente” das penas de prisão de amplitude elevada, prejudica grandemente, por motivos óbvios de afrouxamento da reacção penal executiva, a eficácia preventiva do direito penal.

Por último, refere-se no Acórdão do S.T.J. de 9/4/2008, SJ20080409008255, in www.dgsi.pt. « (…) deve entender-se, e tem-se entendido, que a suspensão da execução da pena se insere num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos (cfr. preâmbulo do Código Penal de 1982).

Mas esta medida de conteúdo pedagógico e reeducativo só deve ser decretada quando o tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e outras circunstâncias indicadas nos textos transcritos, ser essa medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade e à devida protecção aos bens jurídicos postos em causa.

A suspensão da execução da pena que, embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição, deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao réu, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime. «O tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa» (Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal, em anotação ao art.50.º).

Neste sentido tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça: «o tribunal afirma a prognose social favorável em que assenta o instituto da suspensão da execução da pena, se conclui que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, devendo, para tal, atender à personalidade do agente; às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste. Só deve decretar a suspensão da execução quando concluir, face a esses elementos que essa é a medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade» (Ac. de 11-01-2001, proc. n.º 3095/00-5).

No caso em apreço, face aos factos provados, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, nada legitima que o Tribunal faça um juízo de prognose social favorável às  arguidas, não tendo tido razões para prever que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, não podendo nunca a punição ser de tal modo suavizada, como pretendem as arguidas, que venha a adquirir carácter meramente simbólico, nem podendo as arguidas pretender pura e simplesmente apagar da sua vida o crime e a efectiva punição, pois tal situação seria a porta aberta a que voltassem a cometer crimes.

Atendendo à intensidade do dolo com que as arguidas actuaram - dolo directo - e ao elevado grau de ilicitude manifestado, desde logo, pela forma como é executado o facto, à gravidade deste, entendemos não haver lugar à suspensão da execução da pena de prisão no caso dos presentes autos por não se verificarem os pressupostos de que a lei penal faz depender a sua aplicação, designadamente por mostrar-se impossível efectuar, com os elementos constantes dos autos, um juízo de prognose favorável nos termos e para efeitos do art.50° do C.P..

Embora não tenham antecedentes criminais e tenham confessado os factos (parcialmente, no caso da arguida BB), confissão que, aliás, não teve relevância decisiva para a descoberta da verdade, tendo em conta a elevada quantidade de cocaína que lhe foi apreendida, em flagrante delito, nada nos permite fazer um juízo de prognose favorável e concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Os critérios de prevenção geral resultariam esvaziados com a suspensão da execução da pena de prisão aplicada às arguidas, deixando a sociedade de crer na efectiva punição deste tipo de crimes, esvaziando quer o efeito socializador quer o efeito dissuasor das penas.

Os critérios de prevenção especial emitiriam um perigoso sinal às arguidas, que optaram já por obter proventos com a venda de produto estupefaciente a troco de vantagem patrimonial, permitindo-lhes, ao invés de arrepiar caminho, optar pela prática deste tipo de crimes como modo de sustento, o que inviabiliza a formulação de um juízo de prognose favorável no sentido de a pena suspensa na sua execução ser de molde a satisfazer as necessidades de prevenção.

As dificuldades por que as arguidas passavam, iguais a tantos cidadãos do nosso e doutros países, não justificam ou desculpabilizam o seu comportamento, impossibilitam efectuar um juízo de prognose favorável no sentido de a pena, suspensa na sua execução, ser de molde a satisfazer as necessidades de prevenção (isto porque as necessidades económicas persistem e o recurso à mesma forma escolhida de as suprir também), não havendo lugar à suspensão da execução da pena por não se verificarem os pressupostos de que a lei penal faz depender a sua aplicação, o que se consigna, nos termos e para efeitos do artigo 50°, do Código Penal.

O douto Acórdão recorrido mostra-se bem fundamentado e não viola qualquer disposição legal.

                                               *

A arguida AA, conforme consignou na parte final da sua motivação de recurso, mantém interesse nos dois recursos interlocutórios que interpôs, dando assim cumprimento ao disposto no n.º 5 do artigo 412º do Código de Processo Penal.

O primeiro recurso incidiu sobre o despacho seguinte:

 

Fls.428:

Vem a arguida AA requerer, nos termos do artº. 123° nº1 CPP, que se declare a irregularidade do exame pericial toxicológico efetuado ao produto estupefaciente que lhe foi apreendido.

Alega, em síntese, que sendo tal exame uma prova pericial regulada no artº. 151° CPP deveria a arguida ter sido notificada do despacho que ordenou a referida diligência, ao abrigo do princípio do contraditório.

Mais alega que a lei prevê várias garantias de defesa aos arguidos no regime de prova, conforme o disposto nos artº.s 154° nº 4, 155° nº. 1 e 156° nº.2 CPP.

O MP pronunciou-se pelo indeferimento.

Vejamos.

Após a detenção da arguida foi efetuado o teste rápido ao produto estupefaciente apreendido - fls. 28.

O MP, nos termos do artº. 11° e 12° da Lei nº. 37/2008 de 6/8, delegou na PJ a competência para a investigação e para a realização das diligências necessárias ao apuramento dos factos - fls. 177.

No âmbito da competência que lhe foi conferida, a PJ solicitou ao LPC exame ao produto apreendido que deu origem ao relatório de 15/12/2015  - fls. 248, 249, 341 a 344.

Nos termos do disposto no arto. 154° nº. 4 e 5 CPP, a notificação da data da realização da perícia nem sempre é notificada às partes, tal como foi o caso dos autos, considerando estarmos perante um inquérito com arguidos presos preventivamente, com natureza de urgente.

Por outro lado, o acesso aos autos estava vedado às partes, posto que em 7/10/2015 foi validada a decisão do MP de aplicar aos autos o regime de segredo de justiça - fls. 124.

Ora, o facto de a arguida não ter sido notificada do exame ao produto estupefaciente não põe em causa o princípio do contraditório, uma vez que poderá, sempre, na fase seguinte do processo requerer o que tiver por conveniente.

Assim, não se declara a irregularidade arguida.

Notifique

Na respectiva motivação de recurso a arguida formulou as seguintes conclusões:


a) O douto despacho recorrido violou o artº 154, nº 4, 155, nº1, 156º, nº 2, todos do CPP, ao entender que a notificação da data da realização da perícia de fls 342 e 344 não tinha que ser notificada à ora recorrente por estarmos perante processo com natureza urgente.

b) A urgência do processo não se confunde com a urgência da perícia prevista no artº 154, nº 5, al. b) do CPP, reportando-se esta ao objecto material da perícia propriamente dita e aquela a razões de ordem processual.

c) Validou o douto despacho recorrido prova irregular ao não decretar aquele vício na sua decisão ora impugnada.

d) Devia a ora recorrente ter sido notificada da realização da perícia de fls 342 e 344, por forma a assegurar os seus diretos de defesa na referida diligência.

e) A ora recorrente tinha o direito de comparecer na diligência de prova apesar de vigorar o segredo de justiça nos autos, art.º 86, nº 8, al, a) e artºs 154, nº 4, 155, nº1, 156º, nº 2, todos do CPP.

f) O regime previsto nos artºs 157 e 158, do CPP, não invalida que as formalidades legais prévias da prova pericial devessem ter sido observadas e, no caso do autos, não foram!

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, declarando-se a irregularidade da prova de fls 342 e 344.

O Ministério Público apresentou a contra-motivação seguinte:


Questão prévia:
Veio a arguida invocar a irregularidade prevista no artº 123 nº1 do CPP sustentando para tal que só tomou conhecimento dos factos aquando a notificação que lhe foi feita da acusação.
Ora tal como resulta de fls 431 a acusação foi notificada pessoalmente á arguida a 29.1.2016 e à sua ilustre defensora por carta registada datada de 28.1.2016
Por outro lado o requerimento através do qual invocou a aludida irregularidade deu entrada neste Tribunal a 5.2.29016.
Assim, em conformidade com o disposto no artº 123 nº1 do CPP foi invocado fora do prazo legal, já que devia ter sido suscitada no prazo de 3 dias após dela ter tomado conhecimento, pelo que Vª s Exas não devem conhecer do presente recurso rejeitando-o por extemporâneo.

*
Porém caso Vª s Exª s assim o não entendam sempre se dirá que:
OS FACTOS.

Invocando o disposto no art 123 nº1 do CPP veio arguida AA através do requerimento de fls 428 invocar a irregularidade do exame à droga efectuado nos autos (fls 342 e 344) por entender que devia ter sido notificada do despacho que ordenou a referida diligência.

Notificação que a seu ver a lei impõe ( artºs 154 nº 4, 155 nº1 e 156 nº2) por estarem em causa as garantias de defesa  dos arguidos;

Não o tendo sido e dado que só tomou conhecimento dos mesmo com a acusação entende ter sido cometida uma irregularidade processual grave que invalida aquela perícia e os subsequentes termos do processo designadamente o despacho que ordenou a prisão preventiva da arguida.

Omissão que a seu ver origina a invalidade daqueles e dos subsequentes termos do processo designadamente do despacho que ordenara a sua prisão preventiva

A pretensão da arguida foi objecto do douto despacho constante de fls 437 e 438, aqui dado por reproduzido, através do qual a Mmª JIC, indeferiu a pretensão da recorrente.
Ressalta do mesmo que, tal decisão teve subjacente os seguintes fundamentos:
Os aludidos exames tinham sido solicitados pela PJ no âmbito das competências que lhe foram legalmente cometidas- arts 11 e 12 da Lei 37/2008 de 6/8- e da delegação de competência para a realização das investigações que lhe foi atribuída pelo MºPº;

Frisou ainda que nos termos do artº 154 nºs 4 e 5 do CPP a notificação da data da realização de perícias nem sempre é notificada às partes designadamente nos casos em que, tal como ocorre nos autos, estes se encontram em segredo de justiça, com arguidos presos, tendo consequentemente natureza urgente

A concluir frisou ainda que tal decisão nunca poria em causa o princípio do contraditório uma vez que a requerente sempre poderá, na fase subsequente requerer tudo o que tiver por conveniente. Motivos pelos quais indeferiu o requerido por entender não se verificar a irregularidade invocada.

O DIREITO.

Salvo o devido respeito não lhe assiste qualquer razão.

A requerente confunde a nosso ver a realização de exames periciais toxicológicos aos produtos estupefacientes que devem ser efectuado em conformidade com o disposto no artº 62 nºs 1 e 2 do Dec. Lei 15/93 de 22 de Janeiro com os formalismos a que devem observância as perícias a que se reporta o artº 151 e 154 nºs 1 a 4 do CPP esquecendo que mesmo neste ultimo caso nem sempre a mesma é notificada à parte, tal como resulta do art 154 nº 3 e 5 al.b) do CPP, sendo certo que no caso vertente não está em causa nenhuma das situações previstas no aludido nº 3.

De facto, no caso vertente estamos perante um exame efectuado num inquérito com arguidos presos preventivamente que consequentemente tem natureza urgente.

Inquérito que foi colocado em segredo de justiça por decisão do MºPº validada pela Mmª JIC.

Acresce que os aludidos exames foram solicitados directamente pela PJ em estrita observância do disposto no artº 12 da lei 37/2008 de 6 de Agosto, após o MºPº ter delegado naquele OPC o encargo de proceder às diligências investigatórias.

De facto nos termos do aludido preceito legal a PJ tem competência para os solicitar directamente.

Foi o que ocorreu no caso vertente. Ao invés do que alegou no aludido requerimento aquando do seu interrogatório Judicial apenas existia o Teste Rápido efectuado ao produto estupefaciente que lhe foi apreendido sendo certo que aquando do primeiro interrogatório judicial lhe foi facultado o acesso a todos os elementos indicado nos autos de apresentação de detidos como Prova.

Obviamente que nessa altura inexistia qualquer dos aludidos exames que só vieram a ser efectaudos pelo LPC muito mais tarde.

Acresce que o facto de o aludido exame não ter sido nem ter de ser notificado à arguida aquando da sua realização não põe minimamente em causa o princípio do contraditório ao invés do que pretende a requerente.

De facto, na fase subsequente a arguido pode ainda requerer tudo o que tiver por conveniente em sua defesa.

Na verdade ressalta do artº 62 nº 2 do Dec. Lei 15/93 de 22 de Janeiro que:

(…)

 “2. Após o exame laboratorial, o perito procede à recolha, identificação, pesagem, bruta e liquida, acondicionamento e selagem de uma amostra, no caso de a quantidade de droga o permitir, e do remanescente, se o houver”.

Foi isso o que foi feito no caso vertente tal como ressalta dos aludidos exames.

Amostra do estupefaciente que ficará até decisão final do Tribunal que na sequência do julgamento ordenará a sua destruição.

Ora a aludida amostra permite obviamente assegurar ao requerente o princípio do contraditório no que tange à natureza e características do aludido produto.

Natureza e características que, aliás, é o que o aludido exame comprova bem como os respectivos pesos bruto e liquido.

Acresce que tal como se pode ver in Anotações ao art 154 do CPP de Henrique Gaspar e outros, (págs. 655 e 666) mesmo nos casos das perícias aí previstas: “Não haverá lugar à notificação em casos de urgências ou perigo na demora em qualquer fase processual,” e ainda nos casos em que tiver sido determinado o segredo de justiça proibindo-se o acesso ao processo por parte dos sujeitos processuais

Ou seja in casu a data da realização do aludido exame não tinha de ser notificado á requerente ao contrário do que sustenta


Resulta, consequentemente, do exposto que a decisão recorrida fez uma correcta aplicação do direito ao caso em apreço, não merecendo qualquer juízo de censura.

É do seguinte teor o segundo despacho recorrido:

FLS.444:

Vem a arguida AA requerer que se declare a nulidade do inquérito, nos termos dos artº.s 119° c) e 120° nº.2 c)CPP por violação ao disposto nos artº.s 61° n°.1 f) e 92° nº.2 CPP.

Alega que quando autorizou a quebra do sigilo das comunicações ao seu telemóvel não estava acompanhada de defensor nem foi assistida por intérprete, apesar, de não dominar a língua portuguesa pelo que o exame pericial ao telemóvel é inválido.

Mais alega que em nenhum momento o JIC autorizou o exame pericial nem a apreensão dos sms limitando-se a tomar conhecimento (fls. 124 e 231) pelo que não tendo validado as mensagens apreendidas as mesmas são nulas - arto. 17° da Lei 109/2009 de 15/9 e artº. 179° n°.1 CPP.

Mais alega que não tendo o JIC autorizado a interceção das comunicações resultantes dos exame aos telemóveis (fls. 91 a 98 e 191 a 193) são nulas as transcrições juntas aos autos – artº. 190° CPP.

Vejamos.

Atento ao teor de fls. 23, verifica-se que a arguida assinou uma declaração de dispensa de sigilo das comunicações que se encontra redigida na sua língua materna, portanto, teve conhecimento do que estava a autorizar não necessitando de intérprete para o efeito.

Conjugando o disposto nos artº, 61° e 64° CPP não se vislumbrar que nesse ato fosse obrigatória a presença de um advogado.

Por outro lado, tendo a arguida autorizado, expressamente, no levantamento do sigilo das comunicações não existe qualquer nulidade no exame pericial realizado ao telemóvel.

O JTC ao ter conhecimento do relatório do exame pericial e da transcrição dos sms, validou o exame, a transcrição dos sms e a sua junção aos autos - despachos de fls. 1234 e 231.

Pelo exposto, não se verifica a arguida nulidade do inquérito.

Notifique.

Na respectiva motivação a arguida formulou as seguintes conclusões:


a) A ora recorrente não domina a língua portuguesa, conforme resulta de fls 132.
 
b) A recorrente tinha o direito de saber o que estava escrito em português a fls 23 e ainda de lhe ser nomeado intérprete gratuito, artº 92.º, nº2, do CPP, para o referido acto processual – artigo 6º, § 3º, al e), da CEDH.

c) Não foi nomeado intérprete à recorrente que lhe explicasse o que significava o texto em português constante de fls 23.


d) Assim, foi cometida nulidade prevista no artigo 120º, nº 2, al c), do CPP, porquanto era obrigatório nomear intérprete à recorrente, por força do art.º 92º, nºs 1 e 2, do CPP.

e) Prevê o artigo 64º, nº 1, al. d), do CPP, que é obrigatória a assistência do defensor em qualquer acto processual sempre que o arguido for desconhecedor da língua portuguesa.

f) A subscrição de fls 23 pela recorrente foi feita sem assistência obrigatória de defensor, cominando a lei aquele vício com a nulidade insanável – artº 119, al c), do CPP, a qual vai expressamente invocada para todos os efeitos legais.

g) A fls 124 e 131 o JIC não autorizou ou ordenou a apreensão dos alegados sms da recorrente, nos termos do artº 17º da Lei 109/2009, de 15/09 e do artº 179º, nº3, do CPP, nem tão pouco foi a primeira pessoa a tomar contacto com as referidas comunicações.

h) Não resta invocar a nulidade das transcrições e apreensões dos Sms da recorrente constante de fls.

i) O douto despacho em recurso violou o artigo 92.º, nºs 1 e 2, do CPP; artigo 6º, § 3º, al e), da CEDH; artigo 17º da Lei 109/2009, de 15/09 e artigo 179º, nº3, do CPP, ao indeferir as nulidades supra citadas.

O Ministério Público apresentou a contra-motivação seguinte:


1. Ao invés do que sustenta a recorrente o douto despacho sob censura, não violou os preceitos legais que invoca dos quais fez justa, adequada e criteriosa aplicação;
2. De facto, no caso vertente, a recorrente, leu e assinou a declaração de fls 23, redigida na língua que domina, através da qual dispensou o sigilo das comunicações relativamente ao seu telemóvel, autorizando assim o exame pericial efectuado ao mesmo;
3. Conjugando o disposto nos arts 61 e 64 do CPP não se vislumbra que nesse acto fosse obrigatória a presença de um advogado;
4. De facto, tendo a arguida autorizado, expressamente, o levantamento do sigilo das comunicações não existe qualquer nulidade no exame pericial realizado ao telemóvel;
5.  Já que, em observância do princípio "volenti non fit injúria" tratou-se de uma manifestação de autonomia pessoal constitucionalmente tutelada cfr art 34 nº 4 da CRP;
6. Acresce que, o JIC, ao ter conhecimento do relatório do exame pericial e da transcrição dos sms, validou o exame, a transcrição dos sms e a sua junção aos autos tal como ressalta dos despachos de fls 24 e 31;
7. Consequentemente, não sendo o pretenso vicia invocado cominado pela lei como nulidade constituiria quando muito, o que só por hipótese académica se admite, mera irregularidade, por força do art° 118 nº2, que segue o regime do art. 123 do CPP cfr Ac do ST J de 14.11.2007 citado a fls 395 do citado CPP;
8. Irregularidade que há muito estaria sanada já que quer aquando do primeiro interrogatório judicial quer na sequência do requerido a fls 219 lhe foi dado conhecimento de tal meio de Prova cfr fls 137, sem que por qualquer forma se tenha insurgido contra o mesmo.

Neste Supremo Tribunal a Exma. Procuradora-Geral Adjunta na sequência da vista que teve nos autos limitou-se a consignar nada ter a acrescentar ao entendimento expresso pelo Ministério Público nas contra-motivações apresentadas.

Na resposta a arguida AA alegou:

A ora recorrente, por razões de celeridade e economia processual, dá por integralmente reproduzido o constante das suas motivações (3) de recurso.

Porque o MP suscita como questão prévia a excepção da extemporaneidade da arguição de irregularidade do douto despacho exarado a fls. 437 e sgs., impõe-se, somente quanto a esta questão, dizer o seguinte,

É certo que o ora subscritor foi notificado da acusação por carta registada datada de 28/01/2016, quinta-feira.

Não deixa de ser verdade que reza o art. 113/2, do CPP, que a referida notificação presume-se feita no 3.º dia útil posterior ao do envio.

Assim sendo, a notificação da acusação ao ora subscritor foi formalmente efectuada em 02 de Fevereiro de 2016 – terça-feira.

Aliás, curiosamente, foi precisamente nessa terça-feira, dia 02 de Fevereiro, que o ora subscritor recebeu a sobredita notificação.

Sendo assim, fácil é de concluir que assistia à ora recorrente o direito de arguir qualquer irregularidade da acusação nos três dias seguintes a contar daquele em que foi notificada da acusação, através do seu mandatário.

Perante o que fica dito, o prazo para invocar a irregularidade terminava no dia 05 de Fevereiro de 2016, precisamente a data em que o aludido vício foi invocado, conforme se retira da resposta do MP.

Nestes termos, não assiste qualquer razão de facto ou de direito ao MP quando invoca ter sido a irregularidade suscitada fora do prazo legal.

                           No exame preliminar deixou-se consignado verificar-se circunstância obstativa do conhecimento dos recursos interlocutórios interpostos pela arguida AA, tendo-se relegado para conferência, por razões de economia e de celeridade processual, a decisão sobre essa questão.

Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir.

                                          *

Atenta a regra da precedência lógica a que estão submetidas as decisões judiciais (artigo 608º, do Código de Processo Civil), cumpre em primeiro lugar abordar a questão suscitada no exame preliminar atinente ao não conhecimento dos recursos interlocutórios interpostos pela arguida AA, recursos que incidem sobre a arguida invalidade do exame toxicológico realizado à substância que lhe foi apreendida, a nulidade decorrente da falta de nomeação de intérprete e de assistência por defensor para o acto através do qual autorizou a dispensa de sigilo das comunicações constantes do seu telemóvel e a nulidade das transcrições das comunicações contidas no referido telemóvel por falta de determinação, autorização e validação por parte do Juiz de Instrução.

Decidindo, dir-se-á.

A arguida AA impugnou o acórdão que a condenou como autora material de um crime de tráfico de estupefacientes através da interposição de recurso directo para este Supremo Tribunal de Justiça, recurso que, por imposição legal, visa exclusivamente o reexame da matéria de direito (artigo 434º, do Código de Processo Penal), o que significa que a arguida se conformou com a decisão proferida sobre a matéria de facto, tanto mais que na motivação de recurso não arguiu qualquer um dos vícios previstos na alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal[3].

Certo é que na referida decisão consideraram-se provados todos os factos constantes da acusação pública.

Como expressamente consta do acórdão impugnado, mais precisamente do segmento respeitante à motivação da matéria de facto, a arguida AA assumiu em audiência que: «… tudo o que consta da acusação corresponde à verdade» (fls.769 dos autos e 13 do acórdão).

Por outro lado, certo é que na sua motivação de recurso, tendo em vista o seu provimento, concretamente a atenuação especial da pena por via da aplicação do regime especial previsto no artigo 31º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, bem como a imposição de pena de suspensão da prisão, a arguida AA faz apelo ao seu comportamento colaborante aquando da sua prisão em flagrante delito, comportamento que, a seu ver, foi decisivo para a identificação e captura do co-arguido CC, no qual inclui a autorização que concedeu para acesso às mensagens contidas no seu telemóvel.

Como expressamente vem alegado na motivação de recurso:

«… não fora a intervenção da recorrente e nunca a PJ identificava e capturava o arguido CC.

Atentemos no seguinte,

(i)

a) É a comunicação ao PC pela arguida BB de que o CC aguardava as arguidas na zona de chegadas que permite à PJ apurar da existência deste arguido no aeroporto;

b) É a autorização das arguidas para que o OPC aceda às suas mensagens dos telemóveis que permite à PJ concluir pelo envolvimento do CC na operação de tráfico, e,

c) É a saída voluntária da ora recorrente para a zona de chegadas do aeroporto que permite a detenção do CC».

Ademais, vem também expressamente alegado pela arguida AA na sua motivação de recurso que confessou os factos e que mostrou arrependimento.

Neste contexto, dúvidas não temos de que a arguida AA, conquanto tenha interposto recurso do acórdão condenatório, aceitou a decisão proferida sobre a matéria de facto, nomeadamente no segmento em que se consideraram provados os factos pelos quais foi acusada.

Deste modo, há que concluir que o conhecimento dos recursos interlocutórios se tornou inútil, visto que a serem providos em nada afectariam o quadro factual considerado provado no acórdão impugnado, nomeadamente o quadro factual que fundamenta a condenação imposta à arguida AA, razão pela qual não se conhecerão aqueles dois recursos.

                                         *

Entrando no conhecimento dos recursos cumpre delimitar o seu objecto, sendo que ambas as arguidas pugnam pela aplicação do regime especial previsto no artigo 31º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com atenuação especial da pena, bem como pela redução da pena imposta independentemente da aplicação daquele regime especial, e, em qualquer caso, pela cominação de pena de suspensão da prisão.

A arguida AA também fundamenta a atenuação especial da pena na cláusula geral constante do artigo 72º, do Código Penal, mais concretamente na previsão da alínea c) do n.º 2 daquele artigo.

São os seguintes os factos considerados provados:


1.- Em data que não se logrou apurar, mas anterior a 6.10.2015 os arguidos BB, AA e CC, na sequência do previamente acordado, em separado, com indivíduos não identificados conceberam um plano tendente a permitir-lhes introduzirem em Portugal cocaína que seria transportada desde a Colômbia, por via aérea pelas 1.ª e 2.ª arguidas, até ao aeroporto de Lisboa
2.- Local onde seriam aguardadas pelo 4.º arguido que, para o efeito, ali se deslocaria em viatura automóvel desde Madrid - Espanha
3.- Após o que, transportaria as coarguidas e a cocaína para aquele país a fim de ar ser comercializada por terceiros com quem haviam acordado o referido em 1.-.
4.- As arguidas, BB e AA, viajaram de Espanha para a Colômbia
5.- Onde obtiveram, de pessoa cuja identidade se ignora duas malas tipo trólei, mochilas e mala de transporte de computador contendo um total de 21 embalagens com cocaína.
6.- Produto que já lhes foi entregue dissimulando nas respetivas bagagens (tróleis).
7.- No dia 6 de Outubro de 2015 pelas 11h25 vieram as arguidas a chegar ao aeroporto de Lisboa no voo TP 191 procedente de Bogotá, Colômbia.
8.- Tendo-se apresentado no Canal verde foram selecionadas para revisão de bagagem pelos funcionários alfandegários.
9.- No decurso da qual veio a ser encontrado na posse da arguida BB, oculto na mochila e bolsa de mão, que consigo trazia 10 embalagens envoltas em plástico preto e pelicula aderente, contendo um produto suspeito de ser cocaína com o peso bruto de 7.860,700 gramas.
10.- Por sua vez na posse da coarguida AA foram encontradas e apreendidas dissimuladas na estrutura da sua mala, tipo trólei, na mochila e na mala portátil, que consigo trazia, 11 embalagens envoltas em plástico preto e película aderente, contendo um produto suspeito de ser cocaína com o peso bruto de 8.610 gramas.
11.- Mais lhes foi apreendido:
À arguida BB:
- Um telemóvel marca Alcatel com cartão SIM da operadora Movistar;
- €80.00;
- Uma cópia de cartão de embarque em nome da arguida referente ao voo ... Bogotá EI Dorado/Lisboa, datado de 5.10.2015;
- Três "post it" com dizeres manuscritos;
- 2 Cartões-de-visita e documentos manuscritos;
- Uma embalagem de cartão pré-pago da operadora móvel Movistar;
12.- E à arguida AA:
- Um telemóvel marca "Ipro", com o Imei ... e ... com cartão Sim da operadora Claro;
- Dois Boarding pass para o voo ...;
- Dois canhotos da ...;
- Dois bilhetes de comboio da Renfe do dia viagem Madrid/Lisboa;
- Uma fatura do Hotel Caviar em nome da coarguida BB;
- Uma reserva no Hotel Arménia Estelar sito em Bogotá em nome da arguida AA;
- Dois bilhetes eletrónicos em nome da arguida AA para o percurso Lisboa Bogotá e viagem de regresso e um cartão de embarque para o voo ... igualmente em nome da arguida AA;
13.- De seguida e na sequência de operação de vigilância montada no local pela PJ, com vista a identificar os demais arguidos que aí as aguardariam, vieram aquelas a serem autorizadas a dirigirem-se para a zona pública de chegadas do aeroporto sob o controlo da PJ.
14.- Local onde eram aguardadas pelo coarguido CC com o intuito de, na sequência do previamente com este acordado, receber as malas e mochilas com a cocaína e transportar para Espanha as arguidas e tal produto na viatura automóvel matricula ..., que, para o efeito, tinha parqueado nas imediações.
15.- Após BB ter virado à direita na rampa de acesso à zona pública de chegadas do aeroporto, no final da rampa, junto à caixa Multibanco ali instalada, veio ao seu encontro o arguido DD, que previamente se dirigiu à arguida, assobiando-lhe com o intuito de assinalar a sua presença no local.
16.- O arguido DD foi interceptado de imediato e sujeito a revista.
17.- No decurso da qual foi encontrado na sua posse e apreendido:
- Um telemóvel marca Samsung modelo DUOS, de cor branca, com os IMEIS n.º ... e ... e respectiva bateria contendo o cartão Sim da operadora YU com a referência ... com o PIN ...;
- Um telemóvel marca Blackberry, branco, com o Imei n.º ... e respectiva bateria, contendo o cartão sim da YU com a referência ... e um cartão micro SD com capacidade de 2 GB com o PIN 9273 e senha 6309;
- Um telemóvel Samsung modelo Yateley, preto, com o lmei n.º ... e respectiva bateria contendo o cartão sim da Lebara com a referencia ...,
- Um telemóvel marca Nokia, modelo 105, preto, com o Imei ... e respectiva bateria com o cartão da Lebara ...,
- 650€;
- Um cartão de segurança correspondente ao cartão SIM com a referência ... da Lebara e um ticket com o n° ... de 6.10.2015 da ANA, Aeroportos de Portugal.
18.- Após o que AA virou, por sua vez, à esquerda na rampa de acesso à zona pública de chegadas e perto da cafetaria foi ao seu encontro o arguido CC.
19.- Este arguido tinha, nessa ocasião, na sua posse:
- A chave da viatura de marca Fiat, modelo Marea, que, na altura, ostentava a matrícula ..., a que correspondia o talão de parqueamento na posse do co-arguido DD;
- Viatura, essa, apreendida nos autos;
- O telemóvel Samsung S5 a que corresponde o número ... com os IMEI ... e ..., com cartão SIM da YU com o código PIN 2580;
20.- Os produtos referidos em 9 e 10 foram submetidos a exame laboratorial e identificados como sendo cocaína (cloridrato) tendo as respectivas amostras cofre, os pesos líquidos de 24,800 e 20,300 gramas enquanto o remanescente tinha os pesos igualmente líquidos de 7.177,300 e 7.867,800 gramas.
21.- Os telemóveis apreendidos, designadamente o que utiliza o n.º ..., na posse do arguido CC, destinavam-se a permitirem aos arguidos e suspeitos não identificados estabelecerem contactos entre si
22.- De facto constam do mesmo diversas mensagens transmitidas entre o arguido CC e a coarguida BB que evidenciam o seu envolvimento nessa actividade, o relacionamento íntimo existente entre ambos bem como o facto de estar ciente do objetivo comum da viagem efectuada à Colômbia pelas arguidas a fim de no regresso transportarem a cocaína
23.- As quantias apreendidas destinavam-se a permitirem-lhes fazer face às despesas com as viagens
24.- O ligeiro de passageiro marca Fiat Marea com a matricula 9845 BLH foi utilizados pelos arguidos para se deslocarem de Espanha a Portugal a fim de no regresso, àquele país, o arguido CC transportar, de forma dissimulada e oculta das autoridades a cocaína.
25.- Os arguidos CC, BB e AA, conheciam perfeitamente a natureza e características do produto que lhes foi apreendido
26.- Produto que introduziram em Portugal, pela forma descrita, visando transportá-lo de seguida para Espanha, a fim de aí ser comercializado.
27.- O que quiseram concretizar, por para tanto, lhes ter sido prometida quantia de 4.500 €, 5.000,00€ e 1.500,00€ aos arguidos BB, AA e CC, respetivamente.
28.- Os arguidos CC, BB e AA, não têm quaisquer familiares, amigos ou emprego em Portugal.
29.- Onde apenas se deslocaram para praticar os factos antes descritos.
30.- Agiram livre e voluntariamente.
31.- Bem sabendo que tal conduta lhes estava legalmente vedada
32.- Os arguidos não registam antecedentes criminais.
33.- A DGRSP elaborou relatório social à arguida BB, tendo informado o seguinte:
a) Do que foi possível apurar, concluímos que o trajecto existencial da arguida foi regular, quer a nível familiar, quer escolar e profissional até há cerca 7/8 anos, altura em que o marido faleceu.
b) Ao nível social, o seu registo biográfico é organizado, mas nos últimos anos surgem diversos indicadores de instabilidade laboral e financeira, com prejuízos na autonomia e sentido de realização pessoal.
c) Apesar de se ter mobilizado na solução dos problemas que passou a enfrentar, tudo indica que BB não os ultrapassou, tomando-se progressivamente dependente, de entidades credoras, bem como do apoio dos filhos e da mãe, o que pode ter instigado alguma vulnerabilidade à pressão.
d) Em nosso entender, o contexto prisional pode ajudá-la a equacionar objectivos de vida e mudanças positivas nas estratégias de resolução de problemas. Por outro lado, o facto de se mostrar segura e adaptada à presente situação facilitará a aquisição de novas competências pessoais e sociais.
34.- A DGRSP elaborou relatório social à arguida AA, tendo informado o seguinte:
a) A socialização da arguida decorreu com normalidade permitindo a interiorização das normas sociais, induzidas pela família e pela formação escolar e artística de elevada exigência e disciplina.
b) Apesar das suas competências profissionais e do aparente sucesso no seu percurso, AA não estaria preparada para enfrentar um novo ciclo de vida, quando terminou a sua carreira artística, tendo permanecido, desde então, numa situação de instabilidade sócio profissional e económica. Não foi capaz de encontrar alternativas de enquadramento sócio profissional estáveis para se adaptar às novas exigências, confrontando-se com constrangimentos e dependências, que não tinha. A tentativa de formação foi pouco efectiva e resolução do problema parece não ter sido conseguida.
c) Cremos no entanto que a forma como encara a actual situação, pode funcionar como um inibidor do envolvimento em situações problemáticas no futuro, atendendo também às suas características de funcionamento pessoal, moldadas pela disciplina e a natureza pró social da sua história de vida.
d) Por outro lado, o actual contexto pode contribuir para a ajudar desenvolver a capacidade de reflexão e análise antecipada das consequências dos seus atos e a equacionar alternativas de resolução dos seus problemas mais consentâneas com as normas sociais.
35.- A DGRS elaborou relatório às condições sociais, económicas e culturais do arguido CC, tendo informado o seguinte:
a) Perante os escassos dados disponíveis, parece poder concluir-se que o arguido terá registado no país de origem, um processo de socialização aparentemente pautado por adequação aos valores e normas sociais, destacando-se um percurso laboral contínuo como maquinista por conta de outrem, e as tentativas em se estabelecer por conta própria, ainda que sem grande sucesso económico
b) O início da conduta aditiva já na fase adulta poderá ter sido um dos factores de peso na desorganização pessoal que o próprio terá passado a registar, sendo que nos últimos anos, a sua prestação laboral terá sido por conta própria, na revenda de metais, actividade marcada por alguma instabilidade dependente do produto adquirido.
c) O arguido apresentará hábitos de trabalho e também apoio por parte dos familiares de origem bem como da actual companheira, factores de protecção no seu eventual processo de reintegração social, sendo contudo de ponderar no trajecto pessoal marcado pela prática aditiva, no qual cremos não estar resolvida, o que se constitui Como um factor de risco de eventual impacto na sua reorganização pessoal/laboral.

***
FACTOS PROVADOS DA CONTESTAÇÃO DO ARGUIDO CC
1.- O arguido CC colaborou com a Polícia Judiciária, colaboração que permitiu deter um indivíduo e apreender produtos estupefacientes e armas.
2.- Também da sua colaboração resultaram informações úteis e decisivas para outras investigações ao tráfico de estupefacientes em Espanha.
3.- O arguido é consumidor de drogas duras.
4.- O arguido tem apoio da família no Estabelecimento Prisional.

                                                                                     *

Atenuação especial da pena

A arguida AA pugna pela cominação de pena especialmente atenuada, por aplicação do disposto no artigo 31º, do Decreto-Lei n.º 15/93, sob a alegação de que colaborou voluntária, activa e decisivamente na identificação e captura do co-arguido CC, para além de que a colaboração prestada configura um acto demonstrativo de arrependimento sincero, através do qual tentou reparar, até onde lhe era possível, os danos causados com o seu comportamento criminoso, razão pela qual sempre seria de atenuar especialmente a pena por via da cláusula geral do artigo 72º, do Código Penal, mais precisamente da previsão da alínea c) do n.º 2 daquele artigo.

A arguida BB também pugna pela cominação de pena especialmente atenuada, por aplicação do disposto no artigo 31º, do Decreto-Lei n.º 15/93, para o que alega ter contribuído relevantemente para a detenção dos co-arguidos CC e DD, o que fez de forma voluntária, na convicção de que estava a auxiliar as autoridades policiais portuguesas.

Como consignámos no acórdão deste Supremo Tribunal de 12 de Julho de 2006, proferido no Processo n.º 1947/06, o regime de favor concedido pelo artigo 31º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro[4], como claramente resulta da hermenêutica do preceito, não é de funcionamento automático, ou seja, para que o tribunal atenue especialmente a pena ou a dispense não basta a mera verificação de alguma ou de algumas das circunstâncias previstas no texto legal, visto que a lei ao textuar em pode, quer significar que fica ao prudente julgamento do tribunal a opção por uma punição especialmente atenuada ou por dispensa de pena, suposta a verificação de alguma ou de algumas daquelas circunstâncias.

Destarte, sendo certo que a lei geral – artigo 72º, n.º1, do Código Penal[5] – faz depender a atenuação especial da pena da verificação de uma diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade de pena, cabe ao tribunal apreciar, caso a caso, se em face da verificação de alguma ou de algumas das circunstâncias previstas no artigo 31º, se deve considerar ocorrer uma diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade de pena em ordem a justificar uma punição especialmente atenuada.

Dizendo de outro modo, o tribunal deverá averiguar se, em concreto, pela ocorrência ou devido à ocorrência de alguma ou algumas das circunstâncias previstas no texto do artigo 31º, do DL n.º 15/93, se verifica uma diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade de pena que justifique uma resposta punitiva atenuada, visto serem estes os factores de que a lei geral faz depender a atenuação especial da pena – artigo 72º, n.º1, do Código Penal.

Certo é que o regime de favor instituído pelo artigo 31º, do Decreto-Lei n.º 15/93, constitui um meio de luta contra o tráfico em geral, especialmente o tráfico organizado[6], sendo nesse enquadramento que deve ser entendido e aplicado.

Do quadro factual apurado resulta que as arguidas AA e BB, após terem sido revistadas e de lhes ter sido apreendida a cocaína que transportaram de Bogotá para Lisboa:

«… na sequência de operação de vigilância montada no local pela PJ, com vista a identificar os demais arguidos que aí as aguardariam, vieram aquelas a serem autorizadas a dirigirem-se para a zona pública de chegadas do aeroporto sob controlo da PJ, local onde eram aguardadas pelo co-arguido CC com o intuito de, na sequência do previamente com este acordado, receber as malas e mochilas com a cocaína e transportar para Espanha as arguidas e tal produto…

Após a BB ter virado à direita na rampa de acesso à zona pública de chegadas do aeroporto, no final da rampa, junto à Caixa Multibanco ali instalada, veio ao seu encontro o arguido DD, que previamente se dirigiu à arguida, assobiando-lhe com o intuito de assinalar a sua presença no local.

O arguido DD foi interceptado de imediato e sujeito a revista…

Após o que a AA virou, por sua vez, à esquerda da rampa de acesso à zona pública de chegadas e perto da cafetaria foi ao seu encontro o arguido CC…».

Extraindo deste quadro factual o sentido e significado do concreto comportamento das arguidas em ordem a averiguar se deve ou não ser considerado como integrante de alguma das circunstâncias previstas no artigo 31º, do Decreto-Lei n.º 15/93, verificamos que, de acordo com o plano previamente concertado entre aquelas e o co-arguido CC, este aguardaria no aeroporto de Lisboa pela chegada de ambas, com o intuito de receber as malas e mochilas com a cocaína e transportar para Espanha as arguidas e tal produto… .

Deste modo, ao aceitarem, após apanhadas em flagrante delito, dirigir-se para a zona pública de chegadas do aeroporto sob controlo da Polícia Judiciária, local onde sabiam encontrar-se à sua espera o co-arguido CC para ali receber as malas e mochilas com a cocaína e para as transportar a elas e ao estupefaciente para Espanha, há que concluir que se dispuseram a colaborar com a autoridade policial na identificação e na captura do co-arguido, colaboração que se mostrou decisiva[7]

Temos pois por verificada circunstância prevista no artigo 31º, do DL n.º 15/93, qual seja a do auxílio ou colaboração directa com a autoridade policial na recolha de provas para a identificação e a captura de outros responsáveis.

Aliás, vindo provado que as arguidas e o co-arguido CC actuavam como transportadores da cocaína para entrega e subsequente comercialização por terceiros, ou seja, como elementos integrantes de um grupo ou rede de tráfico de estupefacientes, rede que teremos de qualificar de grande dimensão, atenta a quantidade de cocaína apreendida, mais de 16 quilogramas, há que concluir que a colaboração prestada pelas arguidas à autoridade policial assume especial relevo, tal qual se estabelece na parte final do artigo 31º, do Decreto-Lei n.º 15/93.

Tal comportamento, atento o contexto em que foi assumido, constitui, para além de um acto de colaboração com a autoridade policial, um acto de quebra de solidariedade para com o co-arguido, o que diminui as exigências de prevenção especial, ou seja, de necessidade de pena, a significar que o tribunal pode e deve atenuar especialmente a pena a ambas as arguidas ao abrigo do disposto no artigo 31º, do Decreto-Lei n.º 15/93.

Há pois que alterar as penas impostas às arguidas, sendo que a sua determinação passa a ser efectuada dentro dos limites resultantes da aplicação do artigo 73º, n.º1, alíneas a) e b), do Código Penal (redução de um terço ao limite máximo e de um quinto ao limite mínimo), a que corresponde pena de 9 meses e 18 dias a 8 anos de prisão.

                                                                            *

A determinação da medida concreta da pena faz-se com recurso ao critério geral estabelecido no artigo 71º, do Código Penal, tendo em vista as finalidades das respostas punitivas em sede de Direito Criminal, quais seja a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artigo 41º, n.º 1, do Código Penal –, sem esquecer, obviamente, que a culpa constitui um limite inultrapassável da medida da pena – n.º 2 daquele artigo.

Efectivamente, a partir da revisão operada em 1995 ao Código Penal, a pena passou a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

É este o critério da lei fundamental – artigo 18º, n.º 2 – e foi assumido pelo legislador penal de 1995[8].

Também este Supremo Tribunal se orienta em sentido concordante ao assumir que a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.

Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa[9], elegendo em cada caso aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, tendo em vista os fins das penas com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto, tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada; neste sentido sendo uma razoável forma de expressão afirmar-se como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção geral de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena a que o artigo 18º, n.º 2 da Constituição da República, consagra[10].

Ao crime, por efeito da atenuação especial, como já se deixou consignado, cabe a pena de 9 meses e 18 dias a 8 anos de prisão.

A arguida AA tem 39 anos de idade, é solteira e professora de flamenco; a arguida BB tem 60 anos de idade, é viúva e encontra-se desempregada, sendo enfermeira de apoio domiciliário a pessoas idosas. São ambas primárias.

Vem ainda provado no que respeita à arguida AA:


«a) A socialização da arguida decorreu com normalidade permitindo a interiorização das normas sociais, induzidas pela família e pela formação escolar e artística de elevada exigência e disciplina.
b) Apesar das suas competências profissionais e do aparente sucesso no seu percurso, AA não estaria preparada para enfrentar um novo ciclo de vida, quando terminou a sua carreira artística, tendo permanecido, desde então, numa situação de instabilidade sócio profissional e económica. Não foi capaz de encontrar alternativas de enquadramento sócio profissional estáveis para se adaptar às novas exigências, confrontando-se com constrangimentos e dependências, que não tinha. A tentativa de formação foi pouco efectiva e resolução do problema parece não ter sido conseguida.
c) Cremos no entanto que a forma como encara a actual situação, pode funcionar como um inibidor do envolvimento em situações problemáticas no futuro, atendendo também às suas características de funcionamento pessoal, moldadas pela disciplina e a natureza pró social da sua história de vida.
d) Por outro lado, o actual contexto pode contribuir para a ajudar desenvolver a capacidade de reflexão e análise antecipada das consequências dos seus atos e a equacionar alternativas de resolução dos seus problemas mais consentâneas com as normas sociais».

Vem também provado no que tange à arguida BB:


a) Do que foi possível apurar, concluímos que o trajecto existencial da arguida foi regular, quer a nível familiar, quer escolar e profissional até há cerca 7/8 anos, altura em que o marido faleceu.
b) Ao nível social, o seu registo biográfico é organizado, mas nos últimos anos surgem diversos indicadores de instabilidade laboral e financeira, com prejuízos na autonomia e sentido de realização pessoal.
c) Apesar de se ter mobilizado na solução dos problemas que passou a enfrentar, tudo indica que BB não os ultrapassou, tomando-se progressivamente dependente, de entidades credoras, bem como do apoio dos filhos e da mãe, o que pode ter instigado alguma vulnerabilidade à pressão.
d) Em nosso entender, o contexto prisional pode ajudá-la a equacionar objectivos de vida e mudanças positivas nas estratégias de resolução de problemas. Por outro lado, o facto de se mostrar segura e adaptada à presente situação facilitará a aquisição de novas competências pessoais e sociais.

Ponderando todas as circunstâncias ocorrentes, destacando, por um lado o elevado grau de ilicitude do facto, traduzido no tipo (cocaína) e quantidade de estupefaciente detido por cada uma das arguidas (7.860, 700 gramas no que diz respeito à arguida BB e 8.610 gramas no que tange à arguida AA), por outro lado a primariedade das arguidas, fixa-se, para cada uma delas, a pena de 3 anos e 6 meses de prisão.

Atento o quantum de pena, não superior a cinco anos de prisão, há que equacionar a eventual aplicação de pena de suspensão da prisão.

A pena de suspensão da prisão só pode e deve ser aplicada se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, o tribunal concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – artigo 50º, n.º 1, do Código Penal.

Consabido que as finalidades da punição se circunscrevem à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade – artigo 40º, n.º 1, do Código Penal –, é em função de considerações exclusivamente preventivas, prevenção geral e especial, que o julgador tem de se orientar na opção pela pena de suspensão da execução da prisão.

Assim, para aplicação daquela pena de substituição é necessário, em primeiro lugar, que a pena de suspensão da execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade. Em segundo lugar, é necessário que o tribunal se convença, face à personalidade do arguido, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro evitará a repetição de comportamentos delituosos. Certo é que o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado deve ter em consideração, como a letra da lei impõe, a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste.

No caso vertente estamos perante crime de tráfico de estupefacientes, consubstanciado no transporte aéreo da Colômbia para a Europa de cerca de 16 quilogramas de cocaína, sendo que a arguida AA transportou cerca de 8,6 quilogramas e a arguida BB cerca de 7,8 quilogramas.

Como vem sendo enfaticamente salientado por este Supremo Tribunal, na concretização da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve-se atender a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade[11].

A cocaína é uma das mais perigosas e nefastas drogas duras. Como nos noticia Sequeros Sazator nil, El Trafico de Drogas Ante El Ordenamiento Jurídico, 877, a cocaína pode criar dependência em 48 horas e ao contrário dos opiáceos produz um efeito excitante, eliminando os mecanismos de inibição psíquica.

De acordo com o Relatório Anual de 2015 da Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes da Polícia Judiciária, foram apreendidos 6.029,618 quilogramas de cocaína, em 1.078 apreensões, sendo certo que a quantidade de cocaína apreendida pelas autoridades portuguesas subiu pela segunda vez consecutiva, nos últimos cinco anos, alcançando o valor mais alto em 2015, com um aumento de 62,3% em relação a 2014. A via aérea continua a ser utilizada com frequência no transporte de cocaína, sendo que no ano de 2015 foram feitas 193 apreensões de cocaína transportada por aquela via. Ainda de acordo com o referido relatório, actualmente a cocaína é a substância estupefaciente apreendida em maior quantidade, tendo ultrapassado a canábis.

As necessidades de prevenção geral impõem, pois, uma resposta punitiva firme, única forma de combater eficazmente o tráfico.

Neste contexto, só em casos ou situações especiais, em que a ilicitude do facto se mostre diminuída e o sentimento de reprovação social se mostre esbatido, será admissível o uso do instituto da suspensão da execução da pena de prisão[12].

Na situação presente tal não se verifica, visto que estamos perante tráfico internacional de cocaína em quantidade considerável, para além de que, como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de 8 de Maio de 2008, proferido no processo n.º 1134/08, os correios internacionais de droga, atenta a frequência com que vêm actuando, fazem correr o risco de Portugal se transformar num offshore europeu do comércio transatlântico de cocaína.

Assim sendo, há que afastar a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão.

                                          *

Termos em que se acorda:

- Não conhecer os dois recursos interlocutórios interpostos pela arguida AA;

- Conceder parcial provimento a ambos os recursos, reduzindo as penas impostas às arguidas AA e BB para 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Sem tributação

                                          *

Oliveira Mendes (Relator)

Pires da Graça

---------------------
[1] - O co-arguido CC foi condenado pela prática do mesmo crime na pena de 5 ano e 6 meses de prisão e o co-arguido DD foi absolvido.
[2] - O texto que a seguir se transcreve, bem como todos os que mais adiante se irão transcrever, correspondem ipsis verbis aos constantes dos autos.
[3] - Vícios que, tendo sido arguidos, implicariam que o recurso tivesse de ser apreciado pelo Tribunal da Relação, visto que a sua sindicação não oficiosa cai no âmbito do reexame da matéria de facto.
[4] - É do seguinte teor o artigo 31º, do Decreto-Lei n.º 15/93:
«Se, nos casos previstos nos artigos 21º, 22º, 23º e 28º, o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir por forma considerável o perigo produzido pela conduta, impedir ou se esforçar seriamente por impedir que o resultado que a lei quer evitar se verifique, ou auxiliar concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis, particularmente tratando-se de grupos, organizações ou associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou ter lugar a dispensa de pena».
[5] - É do seguinte teor o n.º 1 do artigo 72º do Código Penal:
«O tribunal atenua especialmente a pena, além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade de pena».
[6] - Trata-se de solução adoptada pela generalidade dos ordenamentos jurídicos europeus, entre outros, pelo Direito Penal Alemão – § 49 do StGB –, pelo Direito Penal Italiano – artigo 73 § 7º do Texto Único de 9 de Outubro de 1990 –, pelo Direito Penal Francês – artigos 222.34 a 222.43 do Nouveau Code Penal –, bem como pelo Direito Penal Espanhol – artigo 376 do Código Penal de 1995.
[7] - Tenha-se em atenção que a lei nem sequer impõe que a colaboração do agente seja decisiva, sendo que se contenta com o mero auxílio. Neste preciso sentido já se pronunciou este Supremo Tribunal no acórdão de 30 de Novembro de 1988, proferido no Processo n.º 397/08.
[8] - Vide Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111.
[9] - O mínimo da pena, como já ficou dito, é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, ou seja, nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados.
[10] - Cf. Figueiredo Dias, ibidem, 105/106.
[11] - Cf. entre muitos outros, o acórdão de 04.06.09, publicado na CJ (STJ), XII, II, 221..
[12] - Cf. neste sentido, entre outros, os acórdãos de 07.09.27, 07.10.03, 07.11.14, 07.11.15 e de 08.04.09, proferidos no Recursos n.ºs 3297/07, 2701/07, 3410/07, 3761/07 e 825/08.