Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | OLIVEIRA MENDES | ||
Descritores: | RECURSO PENAL TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES CORREIO DE DROGA ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA MEDIDA CONCRETA DA PENA PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL CULPA ILICITUDE IMAGEM GLOBAL DO FACTO SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA | ||
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Data do Acordão: | 01/04/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO EM PARTE | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / MEDIDA DA PENA - TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES. DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSOS. | ||
Doutrina: | - Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111. - Sequeros Sazator nil, El Trafico de Drogas Ante El Ordenamiento Jurídico, 877. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 434.º. CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 72.º, N.º 1. D.L. N.º 15/93, DE 22-01: - ARTIGO 31.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 04.06.09, PUBLICADO NA CJ (STJ), XII, II, 221; -DE 07.09.27, 07.10.03, 07.11.14, 07.11.15 E DE 08.04.09, PROFERIDOS NOS PROC. N.ºS 3297/07, 2701/07, 3410/07, 3761/07 E 825/08; - E DE 12 DE JULHO DE 2006, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 1947/06. | ||
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Sumário : | I - Tendo a recorrente impugnado o acórdão através da interposição de recurso directo para este STJ, recurso que, por imposição legal, visa exclusivamente o reexame da matéria de direito (art. 434.º, do CPP) e alegando na sua motivação de recurso que confessou os factos e que mostrou arrependimento, dúvidas não existem que, conquanto tenha interposto recurso do acórdão condenatório, aceitou a decisão proferida sobre a matéria de facto, nomeadamente no segmento em que se consideraram provados os factos pelos quais foi acusada, pelo que, há que concluir que se tornou inútil o conhecimento dos recursos interlocutórios (que incidem sobre a invalidade do exame toxicológico realizado à substância que lhe foi apreendida, a nulidade decorrente da falta de nomeação de intérprete e de assistência por defensor para o acto através do qual autorizou a dispensa de sigilo das comunicações constantes do seu telemóvel e a nulidade das transcrições das comunicações contidas no referido telemóvel por falta de determinação, autorização e validação por parte do JIC), visto que a serem providos em nada afectariam o quadro factual considerado provado no acórdão impugnado, nomeadamente o quadro factual que fundamenta a condenação imposta à arguida, razão pela qual não se conhecerão aqueles dois recursos. II - O regime de favor concedido pelo art. 31.º, do DL 15/93, de 22-01, como claramente resulta da hermenêutica do preceito, não é de funcionamento automático, ou seja, para que o tribunal atenue especialmente a pena ou a dispense não basta a mera verificação de alguma ou de algumas das circunstâncias previstas no texto legal, visto que a lei ao textuar em pode, quer significar que fica ao prudente julgamento do tribunal a opção por uma punição especialmente atenuada ou por dispensa de pena, suposta a verificação de alguma ou de algumas daquelas circunstâncias. III - O tribunal deverá averiguar se, em concreto, pela ocorrência ou devido à ocorrência de alguma ou algumas das circunstâncias previstas no texto do art. 31.º, do DL 15/93, se verifica uma diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade de pena que justifique uma resposta punitiva atenuada, visto serem estes os factores de que a lei geral faz depender a atenuação especial da pena – art. 72.º, n.º 1, do CP. IV - Tem-se por verificada a circunstância prevista no art. 31.º, do DL 15/93, qual seja a do auxílio ou colaboração directa com a autoridade policial na recolha de provas para a identificação e a captura de outros responsáveis, se as arguidas aceitaram, após apanhadas em flagrante delito, dirigir-se para a zona pública de chegadas do aeroporto sob controlo da Polícia Judiciária, local onde sabiam encontrar-se à sua espera o co-arguido para ali receber as malas e mochilas com a cocaína e para as transportar a elas e ao estupefaciente para Espanha, há que concluir que se dispuseram a colaborar com a autoridade policial na identificação e na captura do co-arguido, colaboração que se mostrou decisiva. V - Perante a moldura penal abstracta a que, face à atenuação especial da pena, corresponde pena de 9 meses e 18 dias a 8 anos de prisão, ponderando todas as circunstâncias ocorrentes, destacando, por um lado o elevado grau de ilicitude do facto, traduzido no tipo (cocaína) e quantidade de estupefaciente detido por cada uma das arguidas (7.860,700 g. no que diz respeito à arguida L e 8.610g. no que tange à arguida M) e, por outro lado, a primariedade das arguidas, fixa-se, para cada uma delas, a pena de 3 anos e 6 meses de prisão. VI - Para aplicação da suspensão da execução da pena é necessário, em primeiro lugar, que a pena de suspensão da execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade. VII - Em segundo lugar, é necessário que o tribunal se convença, face à personalidade do arguido, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro evitará a repetição de comportamentos delituosos. Certo é que o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado deve ter em consideração, como a letra da lei impõe, a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste. VIII - No contexto vertente perante um crime de tráfico de estupefacientes internacional, consubstanciado no transporte aéreo da Colômbia para a Europa de cerca de 16 kg. de cocaína, sendo que a arguida M transportou cerca de 8,6 kg e a arguida L cerca de 7,8 kg., tendo presente que os correios internacionais de droga, atenta a frequência com que vêm actuando, fazem correr o risco de Portugal se transformar num offshore europeu do comércio transatlântico de cocaína, há que afastar a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão. | ||
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Decisão Texto Integral: |
* Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo supra referenciado, da Instância Central de ... – ... Secção Criminal – ..., as arguidas AA e BB, foram condenadas (cada uma delas) pela prática do crime de tráfico de estupefacientes do artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão[1]. As arguidas interpuseram recurso para este Supremo Tribunal. É do seguinte teor o segmento conclusivo da motivação apresentada pela arguida AA[2]:
Na motivação que apresentou a arguida BB formulou as seguintes conclusões: Na contra-motivação o Ministério Público alegou:
As arguidas AA e BB foram condenadas nos presentes autos pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.21º, nº1, do DL. Nº15/93, de 22/01, por referência à tabela I-B anexa, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, cada uma. Colaboraram voluntariamente para a descoberta da verdade e detenção de CC. Tal colaboração deveria ter sido premiada, devendo beneficiar do regime especial previsto no art.31º do D.L. nº15/93, ou mesmo da clausula geral de atenuação especial da pena prevista no art.72º, nº2, al.c), do C.P.. Na determinação da medida da pena o Tribunal não sopesou todas as circunstâncias favoráveis, revelando-se excessiva a pena aplicada. Estão reunidos os pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão. A arguida AA mantém interesse nos dois recursos interpostos e retidos de fls.515 a 518 e 554 a 558, que devem subir com o presente, e mais concluiu: Confessou parcialmente os factos, no que concerne ao transporte do estupefaciente apreendido. Negou o conhecimento da quantidade de produto estupefaciente transportado na sua bagagem, e o peso da mala pode justificar-se pela colocação de qualquer estrutura acoplada para impedir a detecção do produto estupefaciente, aumentando substancialmente o peso da bagagem. Colaborou na detenção de CC e DD. Como confessou, colaborou com as autoridades, mostra-se arrependida, tem quase 60 anos, é enfermeira geriátrica de profissão, não tem antecedentes criminais, mostra-se integrada social, laboral e familiarmente, já cumpriu 10 meses de prisão a qual já surtiu o efeito útil pretendido de não voltar a delinquir, deve ser condenada na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, a qual deve ser suspensa na sua execução.
Quanto aos recursos intercalares interpostos pela arguida AA a fls.515 a 518, e 554 a 558, o Ministério Público respondeu, respectivamente, a fls.532 a 539 e 571 a 577.
Quanto à determinação da medida da pena Neste sentido, como defende Max Weber, o direito surge como ordem de coacção que inflige um castigo ao infractor, obrigando-o a prestar contas pela violação da ordem estabelecida. Ora, como pondera Baptista Machado in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, a unidade Direito-Justiça só existe enquanto a força legitimadora está limitada ao próprio direito; a ruptura desse limite, quer por excesso quer por defeito, denega-o, destruindo a garantia de validade da ordem socialmente estabelecida e, consequentemente, aquela mesma unidade. Nos termos do disposto no art.40º, nº1, do C.P., são finalidades da pena a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo certo que a pena consiste na imposição de um sofrimento, ou privação de bens, infligidos ao autor de um delito, em razão desse delito, de algum modo proporcional ao dano causado pela violação da norma incriminadora e tendo como limite máximo inultrapassável a medida da culpa. Tendo o direito penal uma função exclusiva de preservação de bens jurídicos, as finalidades das penas serão sempre de carácter preventivo, o que resulta desde logo do art. 40.º, n.º 1, do Código Penal, ao afirmar-se que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e, assim, por referência àquele normativo, a determinação da medida da pena deve ser feita em função das exigências de prevenção geral e especial que a situação concreta oferece.
É, essencialmente, o grau de culpa que determina o "quantum" da pena que, contudo, contém uma margem de variação onde estão incluídos os fins de prevenção geral e especial como estabelece o art.71º - cfr. Eduardo Correia in Direito Criminal. Sendo a pena essencialmente a consequência da culpa ética, impõe-se atender ao primado ético-retributivo na fixação da pena. Como resulta do preâmbulo respectivo, o Código Penal traça um sistema punitivo que parte do pensamento fundamental de que as penas devem ser aplicadas com um sentido pedagógico e ressocializador. Posto isto, assente que está, no nosso modesto entendimento, que a factualidade apurada reflecte com rigor e de forma inequívoca a prova produzida em julgamento sem nulidade ou vício de que padeça, e que a mesma integra os elementos típicos do crime pela prática do qual foram condenadas as arguidas, suas autoras nos termos da factualidade em causa, e não existindo causas de justificação da ilicitude nem causas de exclusão da culpa, as arguidas são jurídico-penalmente responsáveis pelo crime em referência. Para efeitos da determinação da medida concreta da pena a aplicar, dentro dos limites apontados, importa ter presente a culpa do agente e as exigências de prevenção de futuros crimes, atendendo também a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele - arts.71º nºs.1 e 2 do C.P. Dos vários factores erigidos por este preceito destaca-se a culpa do agente, pedra angular de todo o direito punitivo e sobre a qual foi dito no Acórdão da Relação de Coimbra de 9/01/85 - C.L.J. Tomo 1, pág.86 - "num direito penal como o vigente, que procura adequar todas as providências penais à personalidade do agente não pode ser descurada a consideração dos motivos. São eles que dão relevo à culpabilidade e, por conseguinte, entram no juízo complexivo relativo à personalidade moral do delinquente que deve ter-se presente para a determinação concreta da pena, a qual, para ser verdadeiramente retributiva, deve estar numa relação de proporção com a gravidade da culpa". Segundo critérios adequados de ponderação não existem circunstâncias de valor especial e ou extraordinário que justifiquem a atenuação especial da medida da pena a aplicar à arguida, pois que nenhum elemento de relevo se apurou no sentido de que alguma circunstância no respectivo comportamento diminua por forma acentuada a ilicitude dos factos, a sua culpa ou as necessidades punitivas. Na ponderação concreta da pena, tendo em atenção os critérios do art.71º do C.P., cumpre determinar a medida da pena em função das exigências de prevenção de futuros crimes, tendo como limite a culpa da arguida, sem esquecer que a finalidade última da intervenção penal é a reinserção social do delinquente. Relativamente à medida da pena, atente-se ainda naquilo que a esse respeito se refere no AC. do S.T.J., de 6/05/98 : “ 1 – Sendo a culpa, o juízo de censura dirigido ao agente pela conduta que livremente assumiu, na definição da medida da pena cumpre ter presente que não há pena sem culpa e que a medida da pena não pode ultrapassar a da culpa.”; “ 2 – As exigências da prevenção geral, considerada esta como prevenção positiva ou de integração, definem o limite mínimo da medida concreta da pena”; “ 3 – A prevenção especial, no sentido positivo de reintegração do agente na sociedade determina a fixação da medida concreta da pena num “quantum” situado entre o limite mínimo exigido pela prevenção geral e o máximo ainda adequado à culpa” (B.M.J. nº477, p.100).
A pena tem de ser como tal sentida, e daí estarem incluídos na finalidade que a norma visa proteger e nos efeitos que com a condenação se pretendem atingir todos os incómodos decorrentes do cumprimento da mesma, sendo certo que tais consequências negativas têm de se mostrar balizadas por critérios de justiça e proporcionalidade. O tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n°1, do Dec-Lei nº15/93, de 22/01, é punível com pena de prisão de 4 a 12 anos. Nos termos do disposto no art.48°, do D.L. n° 15/93, de 22/1, à matéria nele constante são aplicáveis as disposições da parte geral do Código Penal (C.P.), onde se incluem os critérios de escolha da pena e de determinação da medida da mesma, pelo que importa atender aos critérios fixados nos arts.71º e 40º, n°2, do C.P.. No caso importa assim ter em atenção: - A ilicitude do facto (de natureza elevada já que se trata de tráfico internacional de estupefacientes), a qualidade e a quantidade da droga apreendida, cocaína, as circunstâncias que rodearam a prática do crime. - A culpa das arguidas, elevada - forte intensidade do dolo que é directo. - O facto de as arguidas serem primárias, não tendo sido condenadas pela prática de ilícitos penais. - A confissão dos factos por parte das arguidas (parcial, no caso da arguida BB), que demonstrou a existência de um juízo de assunção, de auto-censura, adequado. - As condições socio-económicas e pessoais das arguidas.
Quanto às exigências de prevenção geral nos termos já acima explanados, importa ter presente que se tratam de infracções que exigem uma resposta institucional intensa e eficaz, sobretudo de carácter preventivo.
Os critérios de prevenção especial aconselham que a pena seja doseada de molde a reinserir mas, em especial, a desencorajar a arguida da prossecução desta actividade, geradora de lucros adequados, não optando por fazer da mesma profissão e, por essa via, dificilmente se reinserindo futuramente. É necessário emitir o aviso pertinente à arguida que tal conduta futura não é opção e que a punição deste tipo de ilícitos é severa e pronta. O caso concreto exige cuidados especiais, na medida em que este tipo de crimes são actividades criminosas de difícil controlo, consubstanciadas no recrutamento, pelas redes criminosas, de indivíduos, e geradoras de grandes proveitos, sendo certo que na pena será determinante o grau de empenhamento na actividade, a dependência da mesma, a facilidade com que será expectável voltar ao seu exercício e a relevância do papel desempenhado. Importa, então, optar pela aplicação às arguidas de pena de prisão que, fixando-se próximo do seu limite mínimo (4 anos de prisão), reflicta e seja apta a tutelar todos os circunstancialismos referidos, não sendo pelas razões aduzida de se atenuar especialmente a pena. Por estas razões, atentas todas estas circunstâncias e o grau de culpa das arguidas, atendendo ainda às demais situações pessoais e económicas da arguida, tal como o Tribunal Colectivo, entendemos adequado a condenação da mesma numa pena de prisão de 5 anos e 6 meses, pelo crime de tráfico de estupefacientes p, e p. pelo artigo 21.º, n° 1, do D.L. n°15/93, de 22/01.
Dispõe o art.50º do C.P. (Pressupostos e duração): “ 1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova. 3 - Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente. 4 - A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições. 5 - O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão".
A ser aplicada ao arguido pena igual ou inferior a cinco anos de prisão, impõe-se que se fundamente especificamente quer a concessão, quer a denegação da suspensão da execução da pena de prisão (art.50º, nº1, do C.P.), "nomeadamente no que toca ao carácter favorável da prognose e (eventualmente) às exigências de defesa do ordenamento jurídico..." (Figueiredo Dias, "As Consequências Jurídicas do Crime", Editorial Notícias, 1993, pág.345). Como é sabido, não são considerações de culpa que interferem na decisão que ora se pondera, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto em análise, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas.
" A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer "correcção", "melhora" ou - ainda menos - "metanoia" das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É, em suma, como se exprime Zift, uma questão de "legalidade" e não de "moralidade" que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o "conteúdo mínimo" da ideia de socialização, traduzida na "prevenção da reincidência" - Figueiredo Dias, idem, págs.343 e 344.
"Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem "as necessidades de reprovação e prevenção do crime".... Já determinámos que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise - ibidem, pág.344).
Por outro lado, é conveniente esclarecer que o que está em causa no instituto da suspensão da execução da pena não é qualquer "certeza", mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser conseguida.
O tribunal deve correr risco "prudencial" (fundado e calculado) sobre a manutenção do agente em liberdade. Existindo, porém, razões sérias para pôr em causa a capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada. (ibidem, págs.344 e 345). No referido juízo de prognose há que ter em conta a personalidade do arguido, as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao facto punível e as circunstâncias deste mesmo facto. Tal como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Fevereiro de 2010, proferido no âmbito do processo n.º 279/06.4GBOAZ.P1, in www.dgsi.pt., «Só há lugar à suspensão da execução de uma pena de prisão, atento o disposto no art. 50.º, n.º 1 do C. Penal (1995), se a simples censura do facto e a ameaça daquela pena forem bastantes para afastar o arguido da criminalidade, satisfazendo simultaneamente as necessidades de reprovação e prevenção do crime. A jurisprudência tem assim vindo a acentuar, que a suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido, estando na sua base um juízo de prognose social favorável ao condenado [Ac. do STJ de 2002/Jan./09 (Recurso n.º 3026/01-3.ª) e 2007/Out./18, (Recurso n.º 3185/07) divulgados, respectivamente, em http://www.stj.pt e www.colectaneadejurisprudência.com)]. Tal juízo deverá assentar num risco de prudência entre a reinserção e a protecção dos bens jurídicos violados, reflectindo-se sobre a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta “ante et post crimen” e sobre todo o circunstancialismo envolvente da infracção.
Para o efeito, será de atender que a pena de prisão suspensa, sujeita ou não a certas condições ou obrigações, é a reacção penal por excelência que exprime um juízo de desvalor ético-social e que não só antevê, como propicia ao condenado, a sua reintegração na sociedade, que é um dos vectores dos fins das penas (função de prevenção especial de reinserção ou positiva). Porém, outros dos seus vectores é a protecção dos bens jurídicos violados e, naturalmente, a protecção da própria vítima e da sociedade em relação aos agentes do crime, de modo que, responsabilizando suficientemente estes últimos, se possa esperar que os mesmos não venham a adoptar novas condutas desviantes (função de prevenção especial defensiva ou negativa). Na protecção dos bens jurídicos, será igualmente de destacar que a reacção penal a aplicar deve, tanto quanto possível, neutralizar o efeito do delito, passando este a surgir, sem sombra de dúvidas, como um exemplo negativo para a comunidade e contribuindo, ao mesmo tempo, para fortalecer a consciência jurídica da mesma (função de prevenção geral). Pretende-se, assim, dar satisfação ao sentimento de justiça do mundo circundante que rodeia o arguido, através do mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica [Ac. STJ de 2007/Set./26, (Recurso n.º 2579/07), acessível em www.colectaneadejurisprudência.com]. Daí que, muitas vezes, e sobrepondo-se à ressocialização, seja necessária a execução de uma pena de prisão para defesa do ordenamento jurídico, designadamente quando o comportamento desviante for revelador de uma atitude generalizada e consequente de não se tomar a sério o desvalor de certas condutas relevantemente ofensivas da vida comunitária, de acordo com os princípios constitucionais relevantes de um Estado de Direito Democrático.
Por outro lado e muito embora o regime de suspensão da pena de prisão não seja graduado e condicionado materialmente em função do respectivo número de anos, não poderemos deixar de atender que o alargamento de 3 para 5 anos de prisão do pressuposto formal que possibilita essa suspensão, faz realçar, nesse excedente, a necessidade de uma ponderação mais criteriosa dos pressupostos materiais que regulam a sua aplicação, mormente quanto às circunstâncias em que ocorreram a conduta criminosa e a protecção adequada dos bens jurídicos violados [Ac. do STJ de 2008/Abr./03) (Recurso n.º 4827/07-5)]. E isto porque a suspensão generalizada e tida como “normal” ou “corrente” das penas de prisão de amplitude elevada, prejudica grandemente, por motivos óbvios de afrouxamento da reacção penal executiva, a eficácia preventiva do direito penal. Por último, refere-se no Acórdão do S.T.J. de 9/4/2008, SJ20080409008255, in www.dgsi.pt. « (…) deve entender-se, e tem-se entendido, que a suspensão da execução da pena se insere num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos (cfr. preâmbulo do Código Penal de 1982). Mas esta medida de conteúdo pedagógico e reeducativo só deve ser decretada quando o tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e outras circunstâncias indicadas nos textos transcritos, ser essa medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade e à devida protecção aos bens jurídicos postos em causa.
A suspensão da execução da pena que, embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição, deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao réu, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime. «O tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa» (Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal, em anotação ao art.50.º).
Neste sentido tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça: «o tribunal afirma a prognose social favorável em que assenta o instituto da suspensão da execução da pena, se conclui que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, devendo, para tal, atender à personalidade do agente; às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste. Só deve decretar a suspensão da execução quando concluir, face a esses elementos que essa é a medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade» (Ac. de 11-01-2001, proc. n.º 3095/00-5).
No caso em apreço, face aos factos provados, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, nada legitima que o Tribunal faça um juízo de prognose social favorável às arguidas, não tendo tido razões para prever que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, não podendo nunca a punição ser de tal modo suavizada, como pretendem as arguidas, que venha a adquirir carácter meramente simbólico, nem podendo as arguidas pretender pura e simplesmente apagar da sua vida o crime e a efectiva punição, pois tal situação seria a porta aberta a que voltassem a cometer crimes.
Atendendo à intensidade do dolo com que as arguidas actuaram - dolo directo - e ao elevado grau de ilicitude manifestado, desde logo, pela forma como é executado o facto, à gravidade deste, entendemos não haver lugar à suspensão da execução da pena de prisão no caso dos presentes autos por não se verificarem os pressupostos de que a lei penal faz depender a sua aplicação, designadamente por mostrar-se impossível efectuar, com os elementos constantes dos autos, um juízo de prognose favorável nos termos e para efeitos do art.50° do C.P..
Embora não tenham antecedentes criminais e tenham confessado os factos (parcialmente, no caso da arguida BB), confissão que, aliás, não teve relevância decisiva para a descoberta da verdade, tendo em conta a elevada quantidade de cocaína que lhe foi apreendida, em flagrante delito, nada nos permite fazer um juízo de prognose favorável e concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Os critérios de prevenção geral resultariam esvaziados com a suspensão da execução da pena de prisão aplicada às arguidas, deixando a sociedade de crer na efectiva punição deste tipo de crimes, esvaziando quer o efeito socializador quer o efeito dissuasor das penas.
Os critérios de prevenção especial emitiriam um perigoso sinal às arguidas, que optaram já por obter proventos com a venda de produto estupefaciente a troco de vantagem patrimonial, permitindo-lhes, ao invés de arrepiar caminho, optar pela prática deste tipo de crimes como modo de sustento, o que inviabiliza a formulação de um juízo de prognose favorável no sentido de a pena suspensa na sua execução ser de molde a satisfazer as necessidades de prevenção.
As dificuldades por que as arguidas passavam, iguais a tantos cidadãos do nosso e doutros países, não justificam ou desculpabilizam o seu comportamento, impossibilitam efectuar um juízo de prognose favorável no sentido de a pena, suspensa na sua execução, ser de molde a satisfazer as necessidades de prevenção (isto porque as necessidades económicas persistem e o recurso à mesma forma escolhida de as suprir também), não havendo lugar à suspensão da execução da pena por não se verificarem os pressupostos de que a lei penal faz depender a sua aplicação, o que se consigna, nos termos e para efeitos do artigo 50°, do Código Penal.
O douto Acórdão recorrido mostra-se bem fundamentado e não viola qualquer disposição legal.
* A arguida AA, conforme consignou na parte final da sua motivação de recurso, mantém interesse nos dois recursos interlocutórios que interpôs, dando assim cumprimento ao disposto no n.º 5 do artigo 412º do Código de Processo Penal. O primeiro recurso incidiu sobre o despacho seguinte:
Fls.428: Vem a arguida AA requerer, nos termos do artº. 123° nº1 CPP, que se declare a irregularidade do exame pericial toxicológico efetuado ao produto estupefaciente que lhe foi apreendido. Alega, em síntese, que sendo tal exame uma prova pericial regulada no artº. 151° CPP deveria a arguida ter sido notificada do despacho que ordenou a referida diligência, ao abrigo do princípio do contraditório. Mais alega que a lei prevê várias garantias de defesa aos arguidos no regime de prova, conforme o disposto nos artº.s 154° nº 4, 155° nº. 1 e 156° nº.2 CPP. O MP pronunciou-se pelo indeferimento. Vejamos. Após a detenção da arguida foi efetuado o teste rápido ao produto estupefaciente apreendido - fls. 28. O MP, nos termos do artº. 11° e 12° da Lei nº. 37/2008 de 6/8, delegou na PJ a competência para a investigação e para a realização das diligências necessárias ao apuramento dos factos - fls. 177. No âmbito da competência que lhe foi conferida, a PJ solicitou ao LPC exame ao produto apreendido que deu origem ao relatório de 15/12/2015 - fls. 248, 249, 341 a 344. Nos termos do disposto no arto. 154° nº. 4 e 5 CPP, a notificação da data da realização da perícia nem sempre é notificada às partes, tal como foi o caso dos autos, considerando estarmos perante um inquérito com arguidos presos preventivamente, com natureza de urgente. Por outro lado, o acesso aos autos estava vedado às partes, posto que em 7/10/2015 foi validada a decisão do MP de aplicar aos autos o regime de segredo de justiça - fls. 124. Ora, o facto de a arguida não ter sido notificada do exame ao produto estupefaciente não põe em causa o princípio do contraditório, uma vez que poderá, sempre, na fase seguinte do processo requerer o que tiver por conveniente. Assim, não se declara a irregularidade arguida. Notifique
Na respectiva motivação de recurso a arguida formulou as seguintes conclusões: O Ministério Público apresentou a contra-motivação seguinte: * Porém caso Vª s Exª s assim o não entendam sempre se dirá que:OS FACTOS. Invocando o disposto no art 123 nº1 do CPP veio arguida AA através do requerimento de fls 428 invocar a irregularidade do exame à droga efectuado nos autos (fls 342 e 344) por entender que devia ter sido notificada do despacho que ordenou a referida diligência. Notificação que a seu ver a lei impõe ( artºs 154 nº 4, 155 nº1 e 156 nº2) por estarem em causa as garantias de defesa dos arguidos; Não o tendo sido e dado que só tomou conhecimento dos mesmo com a acusação entende ter sido cometida uma irregularidade processual grave que invalida aquela perícia e os subsequentes termos do processo designadamente o despacho que ordenou a prisão preventiva da arguida. Salvo o devido respeito não lhe assiste qualquer razão.
A requerente confunde a nosso ver a realização de exames periciais toxicológicos aos produtos estupefacientes que devem ser efectuado em conformidade com o disposto no artº 62 nºs 1 e 2 do Dec. Lei 15/93 de 22 de Janeiro com os formalismos a que devem observância as perícias a que se reporta o artº 151 e 154 nºs 1 a 4 do CPP esquecendo que mesmo neste ultimo caso nem sempre a mesma é notificada à parte, tal como resulta do art 154 nº 3 e 5 al.b) do CPP, sendo certo que no caso vertente não está em causa nenhuma das situações previstas no aludido nº 3.
De facto, no caso vertente estamos perante um exame efectuado num inquérito com arguidos presos preventivamente que consequentemente tem natureza urgente.
Inquérito que foi colocado em segredo de justiça por decisão do MºPº validada pela Mmª JIC.
Acresce que os aludidos exames foram solicitados directamente pela PJ em estrita observância do disposto no artº 12 da lei 37/2008 de 6 de Agosto, após o MºPº ter delegado naquele OPC o encargo de proceder às diligências investigatórias.
De facto nos termos do aludido preceito legal a PJ tem competência para os solicitar directamente.
Foi o que ocorreu no caso vertente. Ao invés do que alegou no aludido requerimento aquando do seu interrogatório Judicial apenas existia o Teste Rápido efectuado ao produto estupefaciente que lhe foi apreendido sendo certo que aquando do primeiro interrogatório judicial lhe foi facultado o acesso a todos os elementos indicado nos autos de apresentação de detidos como Prova.
Obviamente que nessa altura inexistia qualquer dos aludidos exames que só vieram a ser efectaudos pelo LPC muito mais tarde.
Acresce que o facto de o aludido exame não ter sido nem ter de ser notificado à arguida aquando da sua realização não põe minimamente em causa o princípio do contraditório ao invés do que pretende a requerente.
De facto, na fase subsequente a arguido pode ainda requerer tudo o que tiver por conveniente em sua defesa.
Na verdade ressalta do artº 62 nº 2 do Dec. Lei 15/93 de 22 de Janeiro que: (…) “2. Após o exame laboratorial, o perito procede à recolha, identificação, pesagem, bruta e liquida, acondicionamento e selagem de uma amostra, no caso de a quantidade de droga o permitir, e do remanescente, se o houver”.
Foi isso o que foi feito no caso vertente tal como ressalta dos aludidos exames.
Amostra do estupefaciente que ficará até decisão final do Tribunal que na sequência do julgamento ordenará a sua destruição.
Ora a aludida amostra permite obviamente assegurar ao requerente o princípio do contraditório no que tange à natureza e características do aludido produto.
Natureza e características que, aliás, é o que o aludido exame comprova bem como os respectivos pesos bruto e liquido.
Acresce que tal como se pode ver in Anotações ao art 154 do CPP de Henrique Gaspar e outros, (págs. 655 e 666) mesmo nos casos das perícias aí previstas: “Não haverá lugar à notificação em casos de urgências ou perigo na demora em qualquer fase processual,” e ainda nos casos em que tiver sido determinado o segredo de justiça proibindo-se o acesso ao processo por parte dos sujeitos processuais
Ou seja in casu a data da realização do aludido exame não tinha de ser notificado á requerente ao contrário do que sustenta É do seguinte teor o segundo despacho recorrido:
FLS.444: Vem a arguida AA requerer que se declare a nulidade do inquérito, nos termos dos artº.s 119° c) e 120° nº.2 c)CPP por violação ao disposto nos artº.s 61° n°.1 f) e 92° nº.2 CPP. Alega que quando autorizou a quebra do sigilo das comunicações ao seu telemóvel não estava acompanhada de defensor nem foi assistida por intérprete, apesar, de não dominar a língua portuguesa pelo que o exame pericial ao telemóvel é inválido. Mais alega que em nenhum momento o JIC autorizou o exame pericial nem a apreensão dos sms limitando-se a tomar conhecimento (fls. 124 e 231) pelo que não tendo validado as mensagens apreendidas as mesmas são nulas - arto. 17° da Lei 109/2009 de 15/9 e artº. 179° n°.1 CPP. Mais alega que não tendo o JIC autorizado a interceção das comunicações resultantes dos exame aos telemóveis (fls. 91 a 98 e 191 a 193) são nulas as transcrições juntas aos autos – artº. 190° CPP. Vejamos. Atento ao teor de fls. 23, verifica-se que a arguida assinou uma declaração de dispensa de sigilo das comunicações que se encontra redigida na sua língua materna, portanto, teve conhecimento do que estava a autorizar não necessitando de intérprete para o efeito. Conjugando o disposto nos artº, 61° e 64° CPP não se vislumbrar que nesse ato fosse obrigatória a presença de um advogado. Por outro lado, tendo a arguida autorizado, expressamente, no levantamento do sigilo das comunicações não existe qualquer nulidade no exame pericial realizado ao telemóvel. O JTC ao ter conhecimento do relatório do exame pericial e da transcrição dos sms, validou o exame, a transcrição dos sms e a sua junção aos autos - despachos de fls. 1234 e 231. Pelo exposto, não se verifica a arguida nulidade do inquérito. Notifique.
Na respectiva motivação a arguida formulou as seguintes conclusões: O Ministério Público apresentou a contra-motivação seguinte: Neste Supremo Tribunal a Exma. Procuradora-Geral Adjunta na sequência da vista que teve nos autos limitou-se a consignar nada ter a acrescentar ao entendimento expresso pelo Ministério Público nas contra-motivações apresentadas. Na resposta a arguida AA alegou:
A ora recorrente, por razões de celeridade e economia processual, dá por integralmente reproduzido o constante das suas motivações (3) de recurso. Porque o MP suscita como questão prévia a excepção da extemporaneidade da arguição de irregularidade do douto despacho exarado a fls. 437 e sgs., impõe-se, somente quanto a esta questão, dizer o seguinte, É certo que o ora subscritor foi notificado da acusação por carta registada datada de 28/01/2016, quinta-feira. Não deixa de ser verdade que reza o art. 113/2, do CPP, que a referida notificação presume-se feita no 3.º dia útil posterior ao do envio. Assim sendo, a notificação da acusação ao ora subscritor foi formalmente efectuada em 02 de Fevereiro de 2016 – terça-feira. Aliás, curiosamente, foi precisamente nessa terça-feira, dia 02 de Fevereiro, que o ora subscritor recebeu a sobredita notificação. Sendo assim, fácil é de concluir que assistia à ora recorrente o direito de arguir qualquer irregularidade da acusação nos três dias seguintes a contar daquele em que foi notificada da acusação, através do seu mandatário. Perante o que fica dito, o prazo para invocar a irregularidade terminava no dia 05 de Fevereiro de 2016, precisamente a data em que o aludido vício foi invocado, conforme se retira da resposta do MP. Nestes termos, não assiste qualquer razão de facto ou de direito ao MP quando invoca ter sido a irregularidade suscitada fora do prazo legal. No exame preliminar deixou-se consignado verificar-se circunstância obstativa do conhecimento dos recursos interlocutórios interpostos pela arguida AA, tendo-se relegado para conferência, por razões de economia e de celeridade processual, a decisão sobre essa questão. Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir. * Atenta a regra da precedência lógica a que estão submetidas as decisões judiciais (artigo 608º, do Código de Processo Civil), cumpre em primeiro lugar abordar a questão suscitada no exame preliminar atinente ao não conhecimento dos recursos interlocutórios interpostos pela arguida AA, recursos que incidem sobre a arguida invalidade do exame toxicológico realizado à substância que lhe foi apreendida, a nulidade decorrente da falta de nomeação de intérprete e de assistência por defensor para o acto através do qual autorizou a dispensa de sigilo das comunicações constantes do seu telemóvel e a nulidade das transcrições das comunicações contidas no referido telemóvel por falta de determinação, autorização e validação por parte do Juiz de Instrução. Decidindo, dir-se-á. A arguida AA impugnou o acórdão que a condenou como autora material de um crime de tráfico de estupefacientes através da interposição de recurso directo para este Supremo Tribunal de Justiça, recurso que, por imposição legal, visa exclusivamente o reexame da matéria de direito (artigo 434º, do Código de Processo Penal), o que significa que a arguida se conformou com a decisão proferida sobre a matéria de facto, tanto mais que na motivação de recurso não arguiu qualquer um dos vícios previstos na alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal[3]. Certo é que na referida decisão consideraram-se provados todos os factos constantes da acusação pública. Como expressamente consta do acórdão impugnado, mais precisamente do segmento respeitante à motivação da matéria de facto, a arguida AA assumiu em audiência que: «… tudo o que consta da acusação corresponde à verdade» (fls.769 dos autos e 13 do acórdão). Por outro lado, certo é que na sua motivação de recurso, tendo em vista o seu provimento, concretamente a atenuação especial da pena por via da aplicação do regime especial previsto no artigo 31º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, bem como a imposição de pena de suspensão da prisão, a arguida AA faz apelo ao seu comportamento colaborante aquando da sua prisão em flagrante delito, comportamento que, a seu ver, foi decisivo para a identificação e captura do co-arguido CC, no qual inclui a autorização que concedeu para acesso às mensagens contidas no seu telemóvel. Como expressamente vem alegado na motivação de recurso: «… não fora a intervenção da recorrente e nunca a PJ identificava e capturava o arguido CC. Atentemos no seguinte, (i) a) É a comunicação ao PC pela arguida BB de que o CC aguardava as arguidas na zona de chegadas que permite à PJ apurar da existência deste arguido no aeroporto; b) É a autorização das arguidas para que o OPC aceda às suas mensagens dos telemóveis que permite à PJ concluir pelo envolvimento do CC na operação de tráfico, e, c) É a saída voluntária da ora recorrente para a zona de chegadas do aeroporto que permite a detenção do CC». Ademais, vem também expressamente alegado pela arguida AA na sua motivação de recurso que confessou os factos e que mostrou arrependimento. Neste contexto, dúvidas não temos de que a arguida AA, conquanto tenha interposto recurso do acórdão condenatório, aceitou a decisão proferida sobre a matéria de facto, nomeadamente no segmento em que se consideraram provados os factos pelos quais foi acusada. Deste modo, há que concluir que o conhecimento dos recursos interlocutórios se tornou inútil, visto que a serem providos em nada afectariam o quadro factual considerado provado no acórdão impugnado, nomeadamente o quadro factual que fundamenta a condenação imposta à arguida AA, razão pela qual não se conhecerão aqueles dois recursos. * Entrando no conhecimento dos recursos cumpre delimitar o seu objecto, sendo que ambas as arguidas pugnam pela aplicação do regime especial previsto no artigo 31º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com atenuação especial da pena, bem como pela redução da pena imposta independentemente da aplicação daquele regime especial, e, em qualquer caso, pela cominação de pena de suspensão da prisão. A arguida AA também fundamenta a atenuação especial da pena na cláusula geral constante do artigo 72º, do Código Penal, mais concretamente na previsão da alínea c) do n.º 2 daquele artigo. São os seguintes os factos considerados provados: *** FACTOS PROVADOS DA CONTESTAÇÃO DO ARGUIDO CC1.- O arguido CC colaborou com a Polícia Judiciária, colaboração que permitiu deter um indivíduo e apreender produtos estupefacientes e armas. 2.- Também da sua colaboração resultaram informações úteis e decisivas para outras investigações ao tráfico de estupefacientes em Espanha. 3.- O arguido é consumidor de drogas duras. 4.- O arguido tem apoio da família no Estabelecimento Prisional.
*
Atenuação especial da pena A arguida AA pugna pela cominação de pena especialmente atenuada, por aplicação do disposto no artigo 31º, do Decreto-Lei n.º 15/93, sob a alegação de que colaborou voluntária, activa e decisivamente na identificação e captura do co-arguido CC, para além de que a colaboração prestada configura um acto demonstrativo de arrependimento sincero, através do qual tentou reparar, até onde lhe era possível, os danos causados com o seu comportamento criminoso, razão pela qual sempre seria de atenuar especialmente a pena por via da cláusula geral do artigo 72º, do Código Penal, mais precisamente da previsão da alínea c) do n.º 2 daquele artigo. A arguida BB também pugna pela cominação de pena especialmente atenuada, por aplicação do disposto no artigo 31º, do Decreto-Lei n.º 15/93, para o que alega ter contribuído relevantemente para a detenção dos co-arguidos CC e DD, o que fez de forma voluntária, na convicção de que estava a auxiliar as autoridades policiais portuguesas. Como consignámos no acórdão deste Supremo Tribunal de 12 de Julho de 2006, proferido no Processo n.º 1947/06, o regime de favor concedido pelo artigo 31º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro[4], como claramente resulta da hermenêutica do preceito, não é de funcionamento automático, ou seja, para que o tribunal atenue especialmente a pena ou a dispense não basta a mera verificação de alguma ou de algumas das circunstâncias previstas no texto legal, visto que a lei ao textuar em pode, quer significar que fica ao prudente julgamento do tribunal a opção por uma punição especialmente atenuada ou por dispensa de pena, suposta a verificação de alguma ou de algumas daquelas circunstâncias. Destarte, sendo certo que a lei geral – artigo 72º, n.º1, do Código Penal[5] – faz depender a atenuação especial da pena da verificação de uma diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade de pena, cabe ao tribunal apreciar, caso a caso, se em face da verificação de alguma ou de algumas das circunstâncias previstas no artigo 31º, se deve considerar ocorrer uma diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade de pena em ordem a justificar uma punição especialmente atenuada. Dizendo de outro modo, o tribunal deverá averiguar se, em concreto, pela ocorrência ou devido à ocorrência de alguma ou algumas das circunstâncias previstas no texto do artigo 31º, do DL n.º 15/93, se verifica uma diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade de pena que justifique uma resposta punitiva atenuada, visto serem estes os factores de que a lei geral faz depender a atenuação especial da pena – artigo 72º, n.º1, do Código Penal. Certo é que o regime de favor instituído pelo artigo 31º, do Decreto-Lei n.º 15/93, constitui um meio de luta contra o tráfico em geral, especialmente o tráfico organizado[6], sendo nesse enquadramento que deve ser entendido e aplicado. Do quadro factual apurado resulta que as arguidas AA e BB, após terem sido revistadas e de lhes ter sido apreendida a cocaína que transportaram de Bogotá para Lisboa: «… na sequência de operação de vigilância montada no local pela PJ, com vista a identificar os demais arguidos que aí as aguardariam, vieram aquelas a serem autorizadas a dirigirem-se para a zona pública de chegadas do aeroporto sob controlo da PJ, local onde eram aguardadas pelo co-arguido CC com o intuito de, na sequência do previamente com este acordado, receber as malas e mochilas com a cocaína e transportar para Espanha as arguidas e tal produto… Após a BB ter virado à direita na rampa de acesso à zona pública de chegadas do aeroporto, no final da rampa, junto à Caixa Multibanco ali instalada, veio ao seu encontro o arguido DD, que previamente se dirigiu à arguida, assobiando-lhe com o intuito de assinalar a sua presença no local. O arguido DD foi interceptado de imediato e sujeito a revista… Após o que a AA virou, por sua vez, à esquerda da rampa de acesso à zona pública de chegadas e perto da cafetaria foi ao seu encontro o arguido CC…». Extraindo deste quadro factual o sentido e significado do concreto comportamento das arguidas em ordem a averiguar se deve ou não ser considerado como integrante de alguma das circunstâncias previstas no artigo 31º, do Decreto-Lei n.º 15/93, verificamos que, de acordo com o plano previamente concertado entre aquelas e o co-arguido CC, este aguardaria no aeroporto de Lisboa pela chegada de ambas, com o intuito de receber as malas e mochilas com a cocaína e transportar para Espanha as arguidas e tal produto… . Deste modo, ao aceitarem, após apanhadas em flagrante delito, dirigir-se para a zona pública de chegadas do aeroporto sob controlo da Polícia Judiciária, local onde sabiam encontrar-se à sua espera o co-arguido CC para ali receber as malas e mochilas com a cocaína e para as transportar a elas e ao estupefaciente para Espanha, há que concluir que se dispuseram a colaborar com a autoridade policial na identificação e na captura do co-arguido, colaboração que se mostrou decisiva[7] Temos pois por verificada circunstância prevista no artigo 31º, do DL n.º 15/93, qual seja a do auxílio ou colaboração directa com a autoridade policial na recolha de provas para a identificação e a captura de outros responsáveis. Aliás, vindo provado que as arguidas e o co-arguido CC actuavam como transportadores da cocaína para entrega e subsequente comercialização por terceiros, ou seja, como elementos integrantes de um grupo ou rede de tráfico de estupefacientes, rede que teremos de qualificar de grande dimensão, atenta a quantidade de cocaína apreendida, mais de 16 quilogramas, há que concluir que a colaboração prestada pelas arguidas à autoridade policial assume especial relevo, tal qual se estabelece na parte final do artigo 31º, do Decreto-Lei n.º 15/93. Tal comportamento, atento o contexto em que foi assumido, constitui, para além de um acto de colaboração com a autoridade policial, um acto de quebra de solidariedade para com o co-arguido, o que diminui as exigências de prevenção especial, ou seja, de necessidade de pena, a significar que o tribunal pode e deve atenuar especialmente a pena a ambas as arguidas ao abrigo do disposto no artigo 31º, do Decreto-Lei n.º 15/93. Há pois que alterar as penas impostas às arguidas, sendo que a sua determinação passa a ser efectuada dentro dos limites resultantes da aplicação do artigo 73º, n.º1, alíneas a) e b), do Código Penal (redução de um terço ao limite máximo e de um quinto ao limite mínimo), a que corresponde pena de 9 meses e 18 dias a 8 anos de prisão. * A determinação da medida concreta da pena faz-se com recurso ao critério geral estabelecido no artigo 71º, do Código Penal, tendo em vista as finalidades das respostas punitivas em sede de Direito Criminal, quais seja a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artigo 41º, n.º 1, do Código Penal –, sem esquecer, obviamente, que a culpa constitui um limite inultrapassável da medida da pena – n.º 2 daquele artigo. Efectivamente, a partir da revisão operada em 1995 ao Código Penal, a pena passou a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais. É este o critério da lei fundamental – artigo 18º, n.º 2 – e foi assumido pelo legislador penal de 1995[8]. Também este Supremo Tribunal se orienta em sentido concordante ao assumir que a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização. Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa[9], elegendo em cada caso aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, tendo em vista os fins das penas com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto, tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada; neste sentido sendo uma razoável forma de expressão afirmar-se como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção geral de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena a que o artigo 18º, n.º 2 da Constituição da República, consagra[10]. Ao crime, por efeito da atenuação especial, como já se deixou consignado, cabe a pena de 9 meses e 18 dias a 8 anos de prisão. A arguida AA tem 39 anos de idade, é solteira e professora de flamenco; a arguida BB tem 60 anos de idade, é viúva e encontra-se desempregada, sendo enfermeira de apoio domiciliário a pessoas idosas. São ambas primárias. Vem ainda provado no que respeita à arguida AA: Vem também provado no que tange à arguida BB: Ponderando todas as circunstâncias ocorrentes, destacando, por um lado o elevado grau de ilicitude do facto, traduzido no tipo (cocaína) e quantidade de estupefaciente detido por cada uma das arguidas (7.860, 700 gramas no que diz respeito à arguida BB e 8.610 gramas no que tange à arguida AA), por outro lado a primariedade das arguidas, fixa-se, para cada uma delas, a pena de 3 anos e 6 meses de prisão. Atento o quantum de pena, não superior a cinco anos de prisão, há que equacionar a eventual aplicação de pena de suspensão da prisão. A pena de suspensão da prisão só pode e deve ser aplicada se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, o tribunal concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – artigo 50º, n.º 1, do Código Penal. Consabido que as finalidades da punição se circunscrevem à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade – artigo 40º, n.º 1, do Código Penal –, é em função de considerações exclusivamente preventivas, prevenção geral e especial, que o julgador tem de se orientar na opção pela pena de suspensão da execução da prisão. Assim, para aplicação daquela pena de substituição é necessário, em primeiro lugar, que a pena de suspensão da execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade. Em segundo lugar, é necessário que o tribunal se convença, face à personalidade do arguido, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro evitará a repetição de comportamentos delituosos. Certo é que o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado deve ter em consideração, como a letra da lei impõe, a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste. No caso vertente estamos perante crime de tráfico de estupefacientes, consubstanciado no transporte aéreo da Colômbia para a Europa de cerca de 16 quilogramas de cocaína, sendo que a arguida AA transportou cerca de 8,6 quilogramas e a arguida BB cerca de 7,8 quilogramas. Como vem sendo enfaticamente salientado por este Supremo Tribunal, na concretização da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve-se atender a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade[11]. A cocaína é uma das mais perigosas e nefastas drogas duras. Como nos noticia Sequeros Sazator nil, El Trafico de Drogas Ante El Ordenamiento Jurídico, 877, a cocaína pode criar dependência em 48 horas e ao contrário dos opiáceos produz um efeito excitante, eliminando os mecanismos de inibição psíquica. De acordo com o Relatório Anual de 2015 da Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes da Polícia Judiciária, foram apreendidos 6.029,618 quilogramas de cocaína, em 1.078 apreensões, sendo certo que a quantidade de cocaína apreendida pelas autoridades portuguesas subiu pela segunda vez consecutiva, nos últimos cinco anos, alcançando o valor mais alto em 2015, com um aumento de 62,3% em relação a 2014. A via aérea continua a ser utilizada com frequência no transporte de cocaína, sendo que no ano de 2015 foram feitas 193 apreensões de cocaína transportada por aquela via. Ainda de acordo com o referido relatório, actualmente a cocaína é a substância estupefaciente apreendida em maior quantidade, tendo ultrapassado a canábis. As necessidades de prevenção geral impõem, pois, uma resposta punitiva firme, única forma de combater eficazmente o tráfico. Neste contexto, só em casos ou situações especiais, em que a ilicitude do facto se mostre diminuída e o sentimento de reprovação social se mostre esbatido, será admissível o uso do instituto da suspensão da execução da pena de prisão[12]. Na situação presente tal não se verifica, visto que estamos perante tráfico internacional de cocaína em quantidade considerável, para além de que, como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de 8 de Maio de 2008, proferido no processo n.º 1134/08, os correios internacionais de droga, atenta a frequência com que vêm actuando, fazem correr o risco de Portugal se transformar num offshore europeu do comércio transatlântico de cocaína. Assim sendo, há que afastar a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão. * Termos em que se acorda: - Não conhecer os dois recursos interlocutórios interpostos pela arguida AA; - Conceder parcial provimento a ambos os recursos, reduzindo as penas impostas às arguidas AA e BB para 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão. Sem tributação * Oliveira Mendes (Relator) Pires da Graça --------------------- |