Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | PIRES DA GRAÇA | ||
Descritores: | DECISÃO INSTRUTÓRIA PROCESSO RESPEITANTE A MAGISTRADO FALSIDADE DE TESTEMUNHO OU PERÍCIA RETRACTAÇÃO CAUSA DE EXCLUSÃO DE PUNIBILIDADE TEMPESTIVIDADE ARREPENDIMENTO VOLUNTARIEDADE PROCESSO DISCIPLINAR PROCEDIMENTO CRIMINAL | ||
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Data do Acordão: | 05/15/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL - CRIMES CONTRA O ESTADO / CRIMES CONTRA A REALIZAÇÃO DA JUSTIÇA. | ||
Doutrina: | - Maia Gonçalves, “Código Penal Português”, Anotado e Comentado – Legislação Complementar, 18ª edição – 2007, p. 1076. - Medina de Seiça, Comentário Conimbricense, III, pp. 460, 499, 500. - Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2ª edição actualizada, pp. 934, notas 2 e 3, 938, notas 2,3 e 5. - Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, “Código Penal”, Anotado e Comentado, Legislação Conexa e Complementar, Quid Juris, p. 878, nota 4. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 360.º, N.º1, 362.º. | ||
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Sumário : | I - Para efeitos do art. 362.º do CP, a retractação é uma causa pessoal de exclusão da pena, determinada pela falta de dignidade penal da conduta e que deve ter lugar: (1) de forma voluntária; (2) a tempo de poder ser tomada em conta na decisão proferida no processo em que teve lugar a declaração falsa e; (3) antes da declaração falsa ter causado prejuízo a terceiro. A retractação só é tempestiva se o depoimento ou testemunho falso não determinou qualquer decisão interlocutória ou final (Cf. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2.ª edição actualizada, p. 938, notas 2, 3 e 5). II - No caso, o arguido reconhece ter praticado os factos que lhe são imputados e que consubstanciam o crime p. p. pelo art. 360.º, n.º 1, do CP, mas alega que se verifica a causa de exclusão de punibilidade prevista no art. 362.º do mesmo Código, pois que se retractou eficazmente; substituiu uma declaração de conteúdo falso por uma declaração verdadeira, fê-lo a tempo de tal ser considerado na decisão a proferir no processo em que prestou depoimento e sem que deste resultasse prejuízo para terceiro; e que tal retratação deve ser considerada voluntária, pois que a mesma é obra pessoal do arguido, que decidiu o se e o como da reposição da verdade. III - A declaração de retractação vale por si e não se confunde com o móbil que a desencadeou, nem exige a demonstração de efectivo arrependimento. O que se torna necessário é que saia da esfera do poder e vontade do arguido, por sua iniciativa, de forma livre e voluntária, como aconteceu (ainda não tinha sido proferida decisão final em processo disciplinar, pelo que a retractação poderia ser tomada em conta na decisão e, antes que tenha resultado do depoimento prejuízo para terceiro). IV - O que não pode verificar-se no motivo é já existir contra o agente/declarante procedimento criminal, devido a ter prestado declarações falsas. Objectivamente este pressuposto afasta a voluntariedade, a menos que desconhecesse a sua existência.
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça _ Nos autos de processo comum com o nº 218/11.0TRPR do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES, foi proferida, em 21 de Janeiro de 2013, DECISÃO INSTRUTÓRIA, que não pronunciou o arguido AA, com os demais sinais dos autos, a quem o Ministério Púbico imputava a prática, em autoria material, de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360°,n.º 1 do Código Penal, tendo a decisão instrutória concluído que:” que a retratação levada a cabo pelo arguido opera, atento o disposto no artigo 362°,n.°l do CP, munida dos necessários pressupostos processuais. Em conformidade com o exposto decide-se peio arquivamento dos autos face à retratação levada a cabo pelo arguido que consideramos munida dos necessários pressupostos processuais e, consequentemente não tem lugar a punição tal como estipulado pelo preceituado no artigo 362° do Código Penal Assim, após trânsito em julgado, proceda ao arquivamento dos autos. Notifique.” - Inconformado, recorreu o Ministério Público, apresentando na motivação do recurso as seguintes conclusões: “I- O pressuposto voluntariedade da retractação, para efeitos do disposto no n° 1 do artigo 362° do Código Penal significa que a mesma tem de ser espontânea, tem de partir da iniciativa livre do arguido, tem de partir da existência de um visível arrependimento pelo facto de ter faltado à verdade num primeiro momento. II- No caso dos autos, a retractação que ocorreu não se pode caracterizar como sendo espontânea e de livre iniciativa (e, como tal, voluntária), uma vez que não surgiu ou emergiu de uma vontade livremente determinada pelo arrependimento. III- Antes, a mesma apenas ocorreu porque o arguido, sabendo que foram encetadas diligências que indiciariam a falsidade do seu primitivo depoimento, se sentiu "coagido" ou "forçado" a, antecipando ou prevenindo males maiores, repor a verdade. IV- Não se mostra, assim, preenchida, no caso concreto, a totalidade dos pressupostos fixados no n° 1 do artigo 362° do Código Penal para operar uma retractação susceptível de determinar a não punição do agente. V- Com o que a douta decisão recorrida violou o comando legal constante do normativo legal ante referido, devendo ser substituída por uma que determine a suspensão provisória do processo, mediante a fixação de uma injunção. De todo o modo, farão V. E^s a costumada JUSTIÇA”
- Respondeu o arguido à motivação do recurso, formulando as seguintes conclusões. “1. O arguido reconhece ter praticado os factos que lhe são imputados e que consubstanciam o crime p. e p. pelo art.° 360.°, n.° 1, do Código Penal; 2. Todavia, verifica-se a causa de exclusão de punibilidade prevista no art.º 362.° do mesmo Código, pois que se retratou eficazmente; 3. O arguido substituiu uma declaração de conteúdo falso por uma declaração verdadeira; 4. Fê-lo a tempo de tal ser considerado na decisão a proferir no processo em que prestou depoimento e sem que deste resultasse prejuízo para terceiro; 5. Tal retratação deve ser considerada voluntária, pois que a mesma é obra pessoal do arguido, que decidiu o se e o como da reposição da verdade; 6. Não se podendo considerar que a circunstância referida na acusação - o conhecimento de que haviam sido determinadas diligências para apurar da veracidade do seu depoimento - é suficiente para afastar a voluntariedade da retratação. Nestes termos e nos demais de Direito, requer o arguido que V.as Ex.as se dignem julgar improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público, confirmando-se a douta sentença proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, fazendo-se, assim, a habitual e sã Justiça.” - Neste Supremo, o Dig.mo Magistrado do Ministério Público emitiu douto Parecer onde assinala:: “Também nos parece desde já que todos os pressupostos p. no artº 362º se verificam, designadamente, a voluntariedade da retratação que o arguido apresentou em 23/3/2011, no processo disciplinar onde havia sido ouvido como testemunha. A douta decisão de não pronúncia proferida pela Veneranda Desembargadora da Relação, como Juiz de Instrução, no que respeita à tempestividade e voluntariedade da retratação considerou e fundamentou que a “retractação” ocorreu atempadamente, porque não havia ainda sido proferida decisão final no processo disciplinar onde o arguido havia prestado tais declarações falsas produzindo um efeito útil. E a decisão final proferida no processo disciplinar já não foi afectada ou influenciada por tais primeiras declarações. O Ministério Público pretende demonstrar que a retractação não é voluntária porque tal como consta na acusação, o arguido soube que o inspector andava a averiguar se o arguido Juiz em Braga estava em exercício de funções àquela hora. Logo a “retractação” não é voluntária, espontânea, porque não foi tomada espontaneamente nem evidenciou um arrependimento. No entanto do disposto no nº 1 do artº 360º do CP, parece-nos não poder resultar que a retratação para ser voluntária tem de conjugar-se com o arrependimento: “ A punição pelos artºs 359º, 360º e 361º, alínea a), não tem lugar se o agente se retratar voluntariamente, a tempo de a retractação poder ser tomada em conta na decisão e antes que tenha resultado do depoimento, relatório, informação ou tradução falsos, prejuízo para terceiro” Medina Seiça, anotação ao artº 362º, Comentário Conimbricense pag. 501, diz sobre voluntariedade da retractação: “embora não tenham de surgir como eticamente valioso, o motivo determinante da retractação, tem de ser autónomo, na esfera do poder do agente” (Faria Costa). O que não pode verificar-se no motivo determinante é já existir contra o agente/declarante procedimento criminal, devido a ter prestado declarações falsas. Objectivamente este pressuposto afasta a voluntariedade, a menos que desconhecesse a sua existência. No caso concreto do arguido AA não se poderá considerar que o facto de ter tido conhecimento que o inspector andaria a fazer diligências para averiguar a “validade” das suas declarações, equivale a ter sido apresentada queixa contra si – uma questão é o arguido ter-se arrependido de ter prestado tais declarações, porque poderia via a ser “descoberto” onde se encontrava à hora do telefonema e outro muito diferente por ser de maior dimensão, o já ter sido deduzida uma queixa sobre tal validade de declarações, após ter sido dado despacho final contra ou a favor da arguida disciplinar. Assim e por isso parece-nos que o recurso do M.P. não poderá obter provimento” - Cumpriu-se o disposto no artº 417º nº 2 do CPP
- Não tendo sido requerida audiência, seguiram os autos para conferência, após os vistos legais. - A decisão recorrida é a seguinte:
“DECISÃO INSTRUTÓRIA
I - - RELATÓRIO 1. “Nos presentes autos, findo o inquérito, o Ministério Público deduziu despacho de acusação, em processo comum, contra AA, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360º,nº1 do Código Penal. 2. Inconformado com este despacho, veio o arguido requerer a abertura da instrução, sustentando que não pretende pôr em causa os factos descritas na acusação, cuja verificação reconhece - sem prejuízo da discordância quanto à conclusão, contida naquela peça processual, relativa á “(...) falta de espontaneidade na reposição da verdade. 3. Subsidiariamente, alega que caso assim se não entenda invoca o arquivamento por dispensa de pena; ou ainda a suspensão provisória do processo ao que, adiantamos, o MP não se opõe. A. Termina requerendo que não seja pronunciado pela prática do crime que lhe é imputado. 5 1’ 6. Na instrução procedeu-se à realização do debate instrutório, conforme da respetiva ata consta.
7. Decidindo 8. O Tribunal é competente. 9. O processo é o próprio 10. Inexistem nulidades, que cumpra conhecer 11. Questão prévia 12. DA RETRATAÇÃO No requerimento de abertura de instrução, veio o arguido invocar A RETRATAÇÃO como tendo ocorrido de forma espontânea, ao contrário do que consigna o MP junto deste tribunal. Atentos os documentos juntas aos autos resulta: No dia 1 de Março de 2011, pelas 9,15 horas, no Tribunal Judicial da comarca de Braga, o arguido foi inquirido, na qualidade de testemunha (arrolada pela Exma. juiz de direito, Dra. BB) no âmbito do processo disciplinar n°333/2010 do C.S.M., pelo instrutor do mesmo, o Inspetor Judicial Dr. CC No decurso de tal inquirição declarou, para além do mais que do respetivo auto consta (fls. 90 a 93) que” A Dra. BB regressou das suas férias pessoais em meados de Setembro e, em dia que não recorda, mas sabe ser uma Segunda-feira almoçaram juntos no Braga Shopping. O depoente questionou a arguida no sentido de saber se já havia desenvolvimentos acerca da sua inspeção. Respondeu-lhe que ainda não sabia de nada. Acabados de almoçar, encontrando-se já no Café das Arcadas, junto à Praça Principal de Braga, sendo cerca das 14,00 horas, por sugestão do depoente a arguida telefonou, usando o telemóvel dela ao senhor inspetor para saber se já estava prevista a data do inicio da inspeção (...) O telefonema foi feito entre as 14,00 horas e as 15,30, nunca para além desta hora. (..) No decurso do telefonema ouviu a arguida questionar o Sr. Inspetor no sentido de saber se já tinha data prevista para o início da inspeção Resulta dos autos ainda que…”, ..“, contrariamente ao por si declarado, naqueles dia e horas, o arguido não acompanhou a Dra. BB nem assistiu ao telefonema anteriormente referido, encontrando-se, antes, em local diverso, concretamente nas instalações do Tribunal Judicial de Braga (varas mistas) onde exercia funções. Assim, e tendo tido conhecimento que aquele instrutor do processo disciplinar em apreço determinara a realização de diligências tendentes a comprovar a presença dele, arguido, naquele dia 13 de Setembro de 2010, pelas 14,00 horas, no Tribunal Judicial de Braga, presidindo a uma diligência (no âmbito do processo n° 6237/08.7) decidiu juntar, em 23 de Março de 2011, aos autos em causa e dirigida ao referido Inspetor Judicial, declaração de retratação (constante de fls. 122 a 124 das autos, e cuja conteúdo dou aqui por reproduzido) onde expressamente consignou: “Assim, desde já declara que, correspondendo à verdade tudo o mais que relatou no depoimento prestado perante V. Ex.” não é contudo verdade que tenha assistida ao telefonema a que no mesmo se faz alusão, efetuada no dia 13 de Setembro de 2010”
Analisemos a questão Face aos factos que se deixaram transcritos iremos analisar a figura da retratação Preceitua o art. 362° da Código Penal que “1 - A punição prevista nas artigos 359°, 360° e 361°, alínea a), não tem lugar se o agente se retratar voluntariamente, a tempo de a retratação poder ser tomada em conta na decisão e antes que tenha resultado da depoimento, relatório, informação ou tradução falsos, prejuízo para terceiro. 2 -- A retratação pode ser feita, conforme as casos, perante o tribunal, o Ministério Público ou o órgão de polícia criminal.” A retratação constitui assim fundamenta de não punição, mas para operar não basta simplesmente a substituição da declaração falsa por outra de conteúdo verídico, exige-se a verificação de dois outros requisitos: tempestividade e voluntariedade: Assim, para ser válida e afastar dessa forma a punibilidade da conduta tem de ser voluntária e tempestiva. Voluntária no sentido de ser expressa, que haja uma vontade no sentido de admitir a falsidade do depoimento e em repor a verdade dos factos - o agente tem de desdizer o que disse e tem de dizer a verdade do que aconteceu e com a consciência que o está a fazer consistindo assim num arrependimento ativo. Por outro lado, ela é tempestiva quando puder ser tomada em consideração na própria decisão a tomar no processo em que ela foi proferida, ou seja, quando produz um efeito útil no âmbito do processo onde a declaração falsa foi proferida, de forma a poder ser considerada em momento anterior ao da prolação da decisão; e desde que não tenha causado prejuízo a um terceiro. Como prejuízo entende-se uma concreta e efetiva lesão da posição jurídica de outra pessoa - Cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, página 500. No dizer do nosso supremo tribunal (BMJ 110º- 223) “Há retratação quando o agente repõe a verdade, desdizendo-se ou dando como não dito o que antes havia afirmado. Ao repor a verdade o agente desfaz a falsidade que cometeu.” A retratação é o reconhecimento por parte do agente de que prestou declarações falsas, substituindo simultaneamente o conteúdo falso da declaração por um conteúdo verdadeiro- vide A. Medina da Seiça, in comentário conimbricense, Tomo III, página 499. Reportados para o caso em análise importará agora aferir se a retratação em causa é tempestiva e voluntária, já que não está posto em causa que o arguido produziu uma declaração de retratação. Também não está em causa o requisito formal já que a retratação foi prestada perante a mesma entidade no sentido funcional que tomou as declarações falsas. De acordo com os factos descritas o arguido prestou declarações na qualidade de testemunha no âmbito do processo supra descrito (processo disciplinar) no dia 1 de Março de 2011, pelas 9,15 horas. No presente caso o arguido de forma expressa manifestou vontade no sentido de admitir a falsidade do depoimento e em repor a verdade das factos: desdisse o que dissera e disse a verdade do que aconteceu e com a consciência que o estava a fazer, consistindo deste modo num arrependimento activo. No que respeita à tempestividade importa reter o seguinte: O processo em causa que compreende a fase de instrução e a de defesa. Termina a sua primeira fase com a dedução de acusação ou de relatório propondo o arquivamento. Quando presta a seu testemunho no processo em causa a arguido fá-la na fase de instrução e quando apresenta a retratação encontra-se na decurso do prazo para a apresentação da sua defesa. Concretizando: A tempestividade da retratação depende da reposição da verdade ocorrer, antes de ser tomada qualquer decisão final no processa em que foram produzidas as declarações falsas e que pode ocorrer, dependendo da fase processual a que respeita, ande foi produzida a declaração falsa, podendo ser, até ao despacho de arquivamento, ou á acusação final do inquérito, até à decisão instrutória (final da instrução) ou até á sentença (final do julgamento) e nunca depois de a declaração falsa ter causado prejuízo a terceiro, que no caso concreto sabemos não ter ocorrido. Ora o arguido veio repor a verdade antes de ser tomada qualquer decisão final cujo sentido seja influenciado pela falsa declaração (neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque in comentário do código penal, página 938.) Assim foi feita a tempo de poder ser tomada em conta na decisão, produzindo um efeito útil no âmbito do processo onde a declaração falsa foi produzida de forma a poder de forma a poder considerada em momento anterior ao da prolação da decisão. Deste modo forçoso é concluir que a retratação levada a cabo pelo arguido opera, atento o disposto no artigo 362°,n.°l do CP, munida dos necessários pressupostos processuais. Em conformidade com o exposto decide-se pelo arquivamento das autos face à retratação levada a cabo pelo arguido que consideramos munida dos necessários pressupostos processuais e, consequentemente não tem lugar a punição tal como estipulado pelo preceituado no artigo 362° do Código Penal Assim, após trânsito em julgado, proceda ao arquivamento dos autos. Notifique.”
- O que tudo visto, cumpre apreciar e decidir:
O artigo 360, n° 1 do Código Penal dispõe: "Quem, como testemunha, perito, técnico, tradutor ou intérprete, perante tribunal ou funcionário competente para receber como meio de prova, depoimento, relatório informação ou tradução, prestar depoimento, apresentar relatório, der informações ou fizer traduções faltas, é punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa não inferior a 60 dias".
Por sua vez, consta do art. 362° do mesmo diploma legal substantivo “1 - A punição prevista nas artigos 359°, 360° e 361°, alínea a), não tem lugar se o agente se retratar voluntariamente, a tempo de a retratação poder ser tomada em conta na decisão e antes que tenha resultado do depoimento, relatório, informação ou tradução falsos, prejuízo para terceiro. 2 -- A retratação pode ser feita, conforme os casos, perante o tribunal, o Ministério Público ou o órgão de polícia criminal.”
Como se sabe, no crime de falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução, previsto no artº 360~ do CP, e como refere, por ex. Medina de Seiça, (Comentário Conimbricense III, 460), trata-se de um “interesse público na obtenção de declarações conformes à verdade no âmbito de processos judiciais e análogos, na medida em que constituem suporte para a decisão.” em que “o elemento típico comum às várias modalidades típicas da conduta reside na falsidade da declaração (depoimento, relatório, informação, tradução)”
“O bem jurídico protegido pela incriminação é a realização da justiça. A disposição tutela a veracidade dos depoimentos dos terceiros ao conflito. O crime de falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução é um crime de perigo abstracto (quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido) e de mera actividade (quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção”- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2º edição actualizada, p. 934, notas 2 e 3. A retratação é uma causa pessoal de exclusão da pena, determinada pela falta de dignidade penal da conduta e que deve ter lugar de (1) forma voluntária, (2) a tempo de poder ser tomada em conta na decisão proferida no processo em que teve lugar a declaração falsa e (3) antes da declaração falsa ter causado prejuízo a terceiro. A retractação só é tempestiva se o depoimento ou testemunho falso não determinou qualquer decisão interlocutória ou final (v. Paulo Pinto de Albuquerque, ibidem, p. 938, notas 2,3 e 5.
Como assinalam Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, Código Penal Anotado e Comentado, Legislação Conexa e Complementar, Quid Juris, p. 878, nota 4 “A retractação, que acontece quando se substitui o conteúdo falso da declaração por um contudo verídico, deve, segundo a lei, ser voluntária e oportuna ou tempestiva. Retractação voluntária é a que se afirma como autónoma, no sentido de emergir, segundo a feliz expressão de Faria Costa da “esfera do poder do agente”[…] Por outro lado, a retractação será oportuna ou tempestiva se vier a tempo de ser levada em conta na decisão do processo atinente e antes que da falsidade algum prejuízo tenha resultado para terceiro. Prejuízo este que não tem de ser patrimonial e pode traduzir-se em qualquer facto desfavorável.”
O arguido reconhece ter praticado os factos que lhe são imputados e que consubstanciam o crime p. e p. pelo art.° 360.°, n.° 1, do Código Penal, mas alega que verifica-se a causa de exclusão de punibilidade prevista no art.º 362.° do mesmo Código, pois que se retratou eficazmente; substituiu uma declaração de conteúdo falso por uma declaração verdadeira, fê-lo a tempo de tal ser considerado na decisão a proferir no processo em que prestou depoimento e sem que deste resultasse prejuízo para terceiro; e que tal retratação deve ser considerada voluntária, pois que a mesma é obra pessoal do arguido, que decidiu o se e o como da reposição da verdade;
E, na verdade, assim é, assistindo-lhe razão.
O Ministério Público recorrente alega que “a retractação em causa nos autos não foi produzida de forma voluntária, entendida esta como espontânea ou com uma vontade livremente determinada e, assim, susceptível de evidenciar um genuíno arrependimento.” “A voluntariedade, a ser atendida para efeitos de retractação tem de ser espontânea, tem de partir da iniciativa do arguido, tem de partir da existência de um visível arrependimento pelo facto de ter faltado à verdade num primeiro momento, o que não sucede, claramente, no caso aqui em apreço.”,
Ora o facto de a retractação efectuada pelo arguido, apenas ter ocorrido após ter tido conhecimento de que o instrutor do processo disciplinar determinara a realização de diligências tendentes a comprovar a presença do arguido, naquele dia 13 de Setembro de 2010, pelas 14,00 horas, no Tribunal Judicial de Braga, - presidindo a uma diligência (no âmbito do processo n° 6237/08.7) decidiu juntar, em 23 de Março de 2011. aos autos em causa e dirigida ao referido Inspector judicial, declaração de retractação (constante de fls. 122 a 124 dos autos (...) ", vindo então o arguido juntou a declaração de retractação 20 dias após ter prestado as declarações em causa, - não invalida a livre autonomia de voluntariedade e, a tempestividade da retractação, uma vez que, independentemente do motivo determinante, partiu da iniciativa do arguido, e ainda em tempo, porque estando o processo disciplinar em fase de instrução, ainda não tinha sido proferida decisão final.
A declaração de retractação vale por si e não se confunde com o móbil que a desencadeou, nem exige a demonstração de efectivo arrependimento. O que se torna necessário é que saia da esfera do poder e vontade do arguido, por sua iniciativa, de forma livre e voluntária, como aconteceu.
Por outro lado, como se refere na decisão instrutória, “No que respeita à tempestividade importa reter o seguinte: O processo em causa que compreende a fase de instrução e a de defesa. Termina a sua primeira fase com a dedução de acusação ou de relatório propondo o arquivamento. Quando presta a seu testemunho no processo em causa a arguido fá-la na fase de instrução e quando apresenta a retratação encontra-se no decurso do prazo para a apresentação da sua defesa. “
Ainda não tinha sido proferida decisão final em processo disciplinar, pelo que a retractação poderia ser tomada em conta na decisão e, antes que tenha resultado do depoimento prejuízo para terceiro,
Como escreve Maia Gonçalves, Código Penal Português, anotado e comentado – Anotado e Comentado – Legislação Complementar, 18ª edição – 2007, p. 1076: “2. Os efeitos da retratação foram ampliados desde a versão originária do Código, em relação ao anterior regime dos artºs 239º do CP de 1886 e 442º, 3º, do CPP de 1929, pois passou a dar-se incentivo a que um falso depoimento ou uma falsa declaração prestados na fase de inquérito ou durante a instrução sejam, depois, retractados pelo seu autor. 3. A expressão textual a punição…. não tem lugar corresponde a um caso de isenção de pena (ver anot. aoo artº 74º), sucedendo porém que o Código evita escrupulosamente usar esta última terminologia. Assim, o processo será arquivado e evitar-se-á o julgamento da testemunha ou do declarante quando estes se houverem retractado tempestivamente.”
Como bem salienta o Digmo Magistrado do MºPº em seu douto Parecer: “Medina Seiça, anotação ao artº 362º, Comentário Conimbricense pág. 501, diz sobre voluntariedade da retractação: “embora não tenham de surgir como eticamente valioso, o motivo determinante da retractação, tem de ser autónomo, na esfera do poder do agente” (Faria Costa). O que não pode verificar-se no motivo determinante é já existir contra o agente/declarante procedimento criminal, devido a ter prestado declarações falsas. Objectivamente este pressuposto afasta a voluntariedade, a menos que desconhecesse a sua existência. No caso concreto do arguido AA não se poderá considerar que o facto de ter tido conhecimento que o inspector andaria a fazer diligências para averiguar a “validade” das suas declarações, equivale a ter sido apresentada queixa contra si – uma questão é o arguido ter-se arrependido de ter prestado tais declarações, porque poderia via a ser “descoberto” onde se encontrava à hora do telefonema e outro muito diferente por ser de maior dimensão, o já ter sido deduzida uma queixa sobre tal validade de declarações, após ter sido dado despacho final contra ou a favor da arguida disciplinar”
O recurso não merece pois, provimento.
- Termos em que, decidindo:
Acordam os deste Supremo – 3ª Secção – em negar provimento ao recurso e confirmam a decisão recorrida
Sem custas face à isenção de que goza o Recorrente.
Supremo Tribunal de Justiça, 15 de Maio de 2013
Elaborado e revisto pelo relator Pires da Graça Raul Borges
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