Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
96A057
Nº Convencional: JSTJ00030645
Relator: HERCULANO LIMA
Descritores: EMPRÉSTIMO BANCÁRIO
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
INCUMPRIMENTO
Nº do Documento: SJ199610010000571
Data do Acordão: 10/01/1996
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N460 ANO1996 PAG702
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 9477/94
Data: 06/22/1995
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR CIV - DIR OBG.
Legislação Nacional:
Sumário : I - Tendo um banco concedido a uma empresa um empréstimo de elevado montante, cujo pagamento devia ser feito em doze prestações para facilidade do devedor, estamos perante uma só obrigação cujo pagamento foi fraccionado nas ditas prestações, não constituindo cada uma delas uma dívida distinta, nem se tratando sequer de uma obrigação de prestação continuada.
II - Sendo assim, na falta de pagamento da primeira prestação,
é de aplicar o dispositivo do artigo 781 do C.CIV., o que implica o imediato vencimento das restantes.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
"Socripor - Sociedade do Sul para Criação e Comercialização de Porcos, Lda." deduziu embargos a execução movida pelo "Banco Fonsecas & Burnay", os quais vieram ser parcialmente julgados procedentes, decidindo-se que a execução teria por base o capital de 271065951 escudos e setenta centavos, acrescido dos juros contados pelas taxas resultantes da Portaria n. 807-U1/83, de 30 de Julho, e Avisos do Banco de Portugal, sendo os vencidos em 31 de Dezembro de 1989 de 46626394 escudos.
Inconformada com esta decisão, apelou, sem êxito, a embargante para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Uma vez mais inconformada, recorreu ela para este Tribunal, formulando nas suas alegações as conclusões seguintes:
1.- com a execução dos autos, o recorrido pretendeu o cumprimento das obrigações emergentes do financiamento efectuado à recorrente, promovendo-a para o pagamento dos créditos emergentes do financiamento concedido, incluindo capital e juros remuneratórios e compensatórios.
2.- o acórdão recorrido considerou legítimo o exercício do direito do recorrido decorrente da resolução do contrato de financiamento.
3.- ora, o exercício do direito de resolução é incompatível com o exercício de um direito emergente da execução do contrato.
4.- por outro lado, o acórdão recorrido nem sequer apreciou uma das questões que lhe foram submetidas e que se prendem com a análise do direito do Banco recorrido em promover à execução relativa a prestações não vencidas à data da propositura da acção, em clara omissão de pronúncia.
5.- a recorrente alegou que à relação jurídica dos autos se não aplica o disposto no artigo 781, do C.CIV., porquanto em causa está um contrato de execução continuada e ao qual se referem as várias prestações acordadas;
6.- e a verdade é que no âmbito dos factos provados nos autos, não ficou demonstrado a existência de um acordo entre as partes no sentido de que a mora no pagamento de uma das prestações de reembolso determinasse a imediata exigibilidade das demais. Ao contrário, do acordo estabelecido resulta que a mora teria como consequência um agravamento consubstanciado numa sobretaxa de juros.
7.- assim, os factos provados impõem a conclusão de que não foi convencionada a perda do benefício de prazo, sendo que na falta de convenção das partes não se aplica o regime do artigo 781, supra citado, quanto às prestações vincendas, visto que está em causa um contrato de financiamento celebrado entre a recorrente e o recorrido que determina a estipulação de dívidas periódicas consubstanciadas em operações de amortização, inerentes à execução continuada do contrato.
8.- não ficou demonstrado o incumprimento definitivo, e a resolução do contrato por parte do recorrido, que pretende executar o acordo na perspectiva do seu cumprimento.
9.- ao julgar, como o fez, a decisão recorrida violou, entre outros, os artigos 781, 779, 808 e 693, do citado Código Civil.
O recorrido pugna nas suas contra-alegações pela confirmação do acórdão recorrido.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, quanto à questão agora em apreciação, nada requereu.
Foram colhidos os vistos legais.
Tudo visto. Cumpre decidir.
As instâncias, no que se refere à questão de fundo, deram por assentes os factos seguintes:
1.- por escritura de 4 de Maio de 1983, a executada, ora recorrente, constituiu hipoteca sobre o prédio denominado "Serrano", sito na freguesia e concelho de Castro Verde, a favor do recorrido;
2.- em 13 de Janeiro de 1984, foi celebrada uma escritura de reforço daquela hipoteca, nos termos dos documentos de folhas 11 a 24.
3.- no decurso das negociações, concedeu o recorrido à recorrente um empréstimo de 271065951 escudos e setenta centavos, para saneamento financeiro, a longo prazo e mediante facilidades em conta (docs. fls. 25-28);
4.- em conformidade com o acordado, foi, em 30 de Abril de 1987, a conta da recorrente D.O. creditada daquela importância.
5.- a recorrente não procedeu ao pagamento de qualquer amortização do capital nas datas dos vencimentos, nem posteriormente, como, finalmente, nunca liquidou juros;
6.- em 8 de Novembro de 1987, a recorrente não procedeu à liquidação do prémio vencido, tendo, em 31 de Março de 1988, o recorrido despendido 76950 escudos na liquidação do prémio.
7.- a quantia referida na alínea D) da especificação destinava-se a regularizar o montante em dívida, até então, recorrente.
8.- o recorrido referiu à recorrente que, em 31 de Dezembro de 1989, o saldo da conta era de 317692345 escudos e setenta centavos a favor do recorrido.
Estes os factos essenciais a partir dos quais devem ser apreciadas as questões suscitadas pela recorrente, tendo sempre presente que o objecto do recurso é delimitado pelas conlusões formuladas nas respectivas alegações.
A propósito destas conclusões, importa, antes do mais, salientar que se mostra manifestamente irrelevante a afirmação da recorrente de que "o exercício do direito de resolução é incompatível com o exercício de um direito emergente da execução do contrato" (conclusões 3. e 8.).
Com efeito, como resulta do requerimento executório, o que está em causa nestes autos não é a resolução do contrato de mútuo celebrado entre a recorrente e o recorrido, mas o seu cumprimento por parte daquela.
Daí que sejam também irrelevantes as considerações da recorrente sobre a mora e o incumprimento definitivo, como pressupostos da resolução do referido contrato.
Mas, postas estas notas prévias, vejamos qual o verdadeiro problema posto à nossa consideração.
Ambas as partes estão de acordo que o Banco recorrido concedeu à recorrente um empréstimo do valor de 271065951 escudos e setenta centavos, cujo pagamento devia ser feito em doze amortizações. E mais estão de acordo que, na data convencionada para o pagamento da 1. amortização, a recorrente não liquidou o respectivo capital, nem os respectivos juros.
Em virtude desse não pagamento, o recorrido, com o apoio das instâncias, entende que se tornaram imediatamente exigíveis todas as restantes amortizações. E daí que tenha promovido a execução do valor global do mútuo.
É contra esta pretensão do recorrido que se insurge a recorrente, alegando, essencialmente, que, tratando-se de dívidas periódicas consubstanciadas em operações de amortização, não é de aplicar o disposto no artigo 781, do Código Civil.
Vejamos se alguma razão lhe assiste.
Como é sabido, aquele disposto corresponde à do artigo 742 do código anterior, sempre se tendo entendido que "vencimento imediato significa exigibilidade imediata" (Código Civil anotado de Pires de Lima).
E, com aí se afirma, cai na previsão do referido dispositivo as obrigações emergentes de um empréstimo com cláusula de amortização.
No mesmo sentido, vai o Prof. Antunes Varela (Das obrigações em geral, II, pág. 53) ao afirmar que se trata de "obrigações cujo objecto, apesar de globalmente fixado, se reparte em várias fracções, cujo cumprimento se distribui ao longo do tempo. Ao contrário, porém, do que sucede nas obrigações de prestação continuada e de trato sucessivo, em que o tempo exerce uma influência essencial na fixação da prestação debitória, nas obrigações liquidáveis em prestações o objecto está determinado desde a constituição da dívida, e só o seu pagamento (cumprimento, ou liquidação como lhe chama o artigo 781), em regra para facilidade do devedor, é repartido por fracções.
Ora, no caso em apreço estamos precisamente perante uma só obrigação, cujo pagamento foi facilitado ao devedor, repartindo-se em fracções periódicas o respectivo valor global.
Contrariamente ao que afirma a recorrente, não se trata de várias dívidas distintas perante o mesmo credor, mas uma só dívida, cujo pagamento foi fraccionado em benefício do devedor. E muito menos de uma obrigação de prestação continuada, já que o decurso do tempo nenhuma influência exerce sobre a fixação da prestação debitória.
Impõe-se, deste modo, concluir que se deve aplicar ao caso dos autos o disposto no citado artigo 781.
O que implica a improcedência da pretensão da recorrente.
Finalmente, quanto à arguida omissão de pronúncia, imputada ao acórdão recorrido, apenas se dirá que ficou bem expressa nesta decisão a imediata exigibilidade das prestações não vencidas à data da propositura da execução, o que conduz ao natural indeferimento dessa arguição.
Pelo exposto, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 1 de Outubro de 1996.
Herculano Lima.
Aragão Seia.
Lopes Pinto.