Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | TÁVORA VICTOR | ||
Descritores: | FALTA DE CITAÇÃO CÔNJUGE EXECUTADO NULIDADE PROCESSUAL CONHECIMENTO OFICIOSO OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FIANÇA GARANTIA REAL DEVEDOR DEVEDOR ACESSÓRIO SÓCIO GERENTE CESSÃO DE QUOTA NULIDADE OBJECTO INDETERMINAVEL OBRIGAÇÃO FUTURA | ||
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Apenso: | | ||
Data do Acordão: | 03/08/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : | I - A falta de citação do cônjuge do executado para os termos do art. 864.º, n.º 1, al a), do CPC acarreta uma nulidade de conhecimento oficioso, mas cuja sede de apreciação exclusiva é o processo executivo. A ausência da dita citação não impede que o objecto da oposição à execução seja conhecido. II - Numa garantia de fiança coexistem dois patrimónios, do devedor e do fiador, tendo o credor em relação a ambos uma garantia geral. O devedor principal responde por uma dívida própria enquanto o fiador responde por uma dívida alheia. São características da fiança acessoriedade e a subsidiariedade. A primeira conatural à garantia em causa, evidencia o vínculo de ligação à dívida principal, traduzida desde logo no facto de “a vontade de prestar fiança dever ser manifestada pela forma exigida para a obrigação principal e ainda na possibilidade “poder ser prestada sem o conhecimento ou contra vontade do devedor principal e à sua prestação não obsta o facto de a obrigação ser futura ou condicional – art. 628.º, n.ºs 1 e 2, do CC. A segunda característica da fiança é da subsidiariedade, traduzindo o facto de o fiador só responder pela dívida no caso e quando se provar que o património do devedor é insuficiente para saldar a dívida contraída, podendo ser afastada pela vontade das partes. III - Constituindo-se o gerente de uma sociedade como fiador da mesma ao ceder as respectivas quotas e abandonar a gerência, nem por isso cessará em princípio aquela qualidade de garante, o que, a suceder, produzirá apenas efeitos ex nunc. IV - O Acórdão Uniformizador deste STJ de 08-03-2001, que veio fixar Jurisprudência no sentido de que "é nula por indeterminabilidade do seu objecto a fiança de obrigações futuras (…)”aponta, como decorre dos seus termos para casos extremos deixando ainda ao Juiz intérprete larga margem de manobra para que, analisado o caso concreto e com recurso ao princípio da boa-fé, possa aquilatar até que ponto é lícita a manutenção da fiança perante uma situação concreta e mesmo no caso de sócio fiador que perdeu essa qualidade, ponderar até onde a manutenção da garantia casuisticamente pensada, se inscreve no círculo das responsabilidades assumidas ou possa ser considerada como uma abarcável projecção das mesmas. V - É válida uma fiança prestada pelo então gerente de uma sociedade em que o mesmo no acto em que prestou a garantia deu o seu acordo “a eventuais alterações das taxas de juro, dos prazos, moratórias ou quaisquer outras modificações que viessem a ser fixadas ou convencionadas entre a C e a mutuária”, estando fixado um plafond de garantia de € 120 000. | ||
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Decisão Texto Integral: |
1. RELATÓRIO. Acordam no Supremo Tribunal de Justiça. Na 1ª secção das Varas de Competência Mista e Juízos Criminais de Coimbra, AA, residente na Rua ..............., Pampilhosa, intentou, por apenso à execução comum com o nº 448/07.0TBCBR, oposição à execução contra a ali exequente, “Caixa Geral de Depósitos, S. A.”, com sede na Av. João XXI, n.º 63, Lisboa, alegando que o executado opoente, embora tendo-se obrigado como fiador da sociedade “BB”, no âmbito de contrato de financiamento sob a forma de abertura de crédito, celebrado entre tal sociedade (como mutuária) e a aqui exequente (como mutuante) em 29/11/1991, ficou desobrigado por força de respectiva alteração contratual de 20/12/2002, em que foi alterada a cláusula relativa à fiança, tendo as partes pretendido que o opoente deixasse de estar vinculado à prestação da fiança, o que se traduz em revogação da fiança por si primitivamente prestada, pelo que o título dado à execução não é oponível ao aqui executado/opoente; - Já em 07/02/1997 o aqui opoente havia cedido a sua quota aos outros sócios da sociedade mutuária, deixando de ser sócio desta, motivo pelo qual na alteração do contrato de financiamento datada de 15/02/2000 o opoente já não consta como fiador, dado que essa garantia só foi por si prestada enquanto sócio da mutuária; - Associados ao ora opoente, foram indicados à penhora dois bens: a prestação mensal de aposentação paga pelo Centro Nacional de Pensões e o prédio urbano sito na freguesia da Pampilhosa, concelho da Mealhada, inscrito na respectiva matriz predial sob o art.º 1352.º; - Este imóvel é bem comum do casal, pelo que deveria ter sido citado o cônjuge, CC, nos termos do disposto na al. a) do nº 3 do artº 864º do CPCiv., o que não ocorreu. Conclui pela procedência da oposição, julgando-se extinta a execução relativamente ao aqui opoente, com as legais consequências. Recebida a oposição, a exequente contestou impugnando que nunca a exequente quis desvincular o opoente como fiador solidário e principal pagador das obrigações decorrentes do contrato de 26/11/1991, nem tal pretensão lhe foi apresentada pelo opoente; Por isso, apesar de não ter subscrito as alterações contratuais de 15/02/2000, 20/12/2002 e 13/07/2004, o aqui opoente manteve-se e mantém-se vinculado nos termos da fiança prestada no contrato de 26/11/1991 e respectivas alterações ulteriores; Alterações e modificações essas inicialmente autorizadas de forma expressa por todos os fiadores, sendo que consta expressamente do clausulado do contrato que a renovação não acarreta qualquer novação, mantendo-se na integra as garantias constituídas, ao que o opoente deu o seu acordo; De tais alterações resultou benefício para todos os intervenientes no contrato inicial, designadamente para o ora opoente, de quem não foi exigida a assinatura, para além do mais, pela dificuldade ao tempo em a obter; Pelo facto de o opoente ter entretanto cedido a sua quota social aos restantes sócios da sociedade mutuária e de ter renunciado à sua gerência não deixou de se manter vinculado às obrigações que pessoalmente assumiu como fiador solidário e principal pagador, independentemente de ser, ou não, seu sócio. Concluiu pela improcedência da oposição, por não provada. Designada data para realização da audiência preliminar, foi depois proferido despacho saneador-sentença que conheceu do mérito da oposição, concluindo-se por ocorrer abuso do direito de execução da fiança em relação ao opoente, pelo que foi julgada procedente a oposição, com a consequente extinção da instância executiva relativamente ao aqui opoente. Recorreu a exequente/oponida vindo a apelação a ser julgada procedente, com a consequente revogação da decisão impugnada, ordenando-se o prosseguimento do processo (cfr. acórdão de fls. 176 a 206). Elaborada a base instrutória e seleccionados os factos assentes realizou-se julgamento e foi proferida sentença na qual se decidiu julgar “improcedente, por não provada, a presente oposição, com a consequente subsistência integral da acção executiva”. De novo inconformado recorre, agora de revista, o executado pedindo que se conclua pela subsistência da oposição. Foram para tanto apresentadas as seguintes, Conclusões. 1) Ao contrário do que é defendido pelo tribunal recorrido, no quadro de um contrato de conta-corrente bancária - em que se combinam notas quer do contrato da credito, quer do contrato de depósito -, a qualidade de sócio-gerente comportará, em si mesma, importantes condicionantes no que ao prazo de durabilidade de uma fiança pelo mesmo prestada diz respeito. 2) A não ser assim, graves consequências resultarão, sem mais, para a esfera jurídica de quem, a certa altura - já depois de cedida a sua quota de sócio e de ter renunciado, em conformidade, à gerência de uma sociedade outorgante de tal contrata -, se vê na contingência de suportar os custos de eventuais erros de gestão da autoria de um terceiro, que na entretanto lhe sucedeu naquela posição. 3) Mesmo que se aceite, em nome da tutela das legítimos direitos do credor, que a fiança tem de se manter até ao cumprimento integral da obrigação principal, como garantia pessoal da mesma, o certo é que tal obrigação apenas impenderá sobre quem, a determinado momento, figure como sócio sucessor em tal posição. 4) Tem-se, pois, como seguro que a solução avançada pelo tribunal recorrido, sendo aceite, sancionaria, sem mais, situações contrárias aos mais básicos juízos de equidade. 5) Muito para lá de se poder aceitar que um dado credor, em virtude de sucessivas alterações do contrato inicial - a que corresponderão, certamente, mudanças nra estrutura societária da entidade a quem o crédito é concedido - esteja no direito de «coleccionar» um número sempre crescente de garantias, tem-se por seguro e mais conforme quer, lá está, à equidade, quer ao princípio da segurança do comércio jurídico, que deverá o mesmo, outrossim, ter a perfeita noção de que só poderá contar com aquelas que, em determinado momento, se mostrem fixadas por instrumento contratual devidamente outorgado. 6) Por outro lado, custa a aceitar, por contrário ao princípio da protecção da parte mais fraca que, no contexto da celebração deste contrato, que não deixa da ser um contrato de adesão, se possa ainda pensar que teria sido possível ao recorrente estabelecer qualquer cláusula onde expressamente estivesse estabelecida a condição, por si desejada, de apenas ser tido como fiador da sociedade de que era sócio gerente, apenas enquanto mantivesse tal condição. 7) Acrescendo ainda que a perda de qualidade de sócio, ao contrário do que torna a ser defendido pelo tribunal recorrido, não pode ser tida como uma daquelas «eventuais alterações que viessem a ser convencionadas entre a Caixa e a mutuária» e a que o recorrente deu, enquanto fiador e sócio gerente, o seu acordo. 8) Nos termos de uma qualquer vontade ideal própria de um homem médio, bom pai de família, aquilo a que o recorrente quis dar o seu acordo terá sido a alterações futuras que ele ainda pudesse negociar, na sua qualidade de sócio gerente. 9) Se realmente uma fiança, prestada no âmbito de um contrato de crédito em conta-corrente bancária a favor de uma dada sociedade comercial, comporta em si um período de durabilidade eventualmente mais extenso do que aquele em que o seu titular goza da qualidade de sócio gerente, não se pode aceitar que sobre o credor não recaia o dever de. em caso de alteração como a documentada nos presentes autos, alertar os fiadores primitivos acerca da continuidade da sua condição; dando-lhes, lá está, a possibilidade de comunicar a sua pretensão liberatória. 10) «Estranha coincidência» ou não, a recorrida, no momento da alteração contratual operada em Dezembro de 2000, tomou conhecimento da modificação da estrutura societária, podendo aperceber-se, se não da saída do recorrente e da perda da sua qualidade de sócio, pelo menos da entrada de outros fiadores. 11) Sendo sua prerrogativa, lá está, nessa mesma altura, comunicar ao recorrente quais as suas expectativas relativamente às responsabilidades por ele inicialmente assumidas. 12) Não o tendo feito e dando-se conta do seu conhecimento acerca da prestação de novas fianças em Dezembro de 2000, mais não resta concluir do que pela sua conformação, pelo menos nesse preciso momento e ainda que inconscientemente, com aquele entendimento de que o prazo de durabilidade da fiança prestada pelo recorrente coincidiria sempre com o período em que o mesmo gozasse da qualidade de sócio gerente da sociedade mutuária. 13) Ou a recorrida agiu com clara reserva mental - prestando-se a criar no recorrente a convicção de que as eventuais futuras alterações ao contrato celebrado nunca comportariam a perda de qualidade de sócio, contando com a expectativa legítima de que tais negócios são celebradas tendo em conta uma certa ideia optimista de imutabilidade de posições - ou, querendo englobar nesse tal catálogo tal mudança substancial da estrutura societária, não acautelou, em dado momento, os seus legítimos interesses. 14) Ao contrário do sustentado pelo acórdão ora posto em crise, estamos em crer que todos os factos provados, dada a notoriedade de que os mesmos se revestem, e inseridos que sejam numa dada dinâmica de acontecimentos, oferecem as premissas necessárias para que se conclua pelo seguinte: as alterações contratuais realizadas em Dezembro de 2000 corresponderam à libertação do recorrente da fiança anteriormente por si prestada enquanto sócio gerente da sociedade mutuária; qualidade que entretanto perdeu. 15) Por outro lado, e mercê de tudo quanto já foi sendo dito no âmbito dos presentes autos desde a primeira hora, dúvidas não restam de que estamos perante uma fiança omnibus que já cai dentro daquele domínio de inadmissibilidade, fruto da, então, indeterminabilidade do seu objecto. 16) Na verdade, querendo ainda ver no facto de o recorrente ter dado inicialmente o seu acordo a eventuais alterações futuras do contrato a sua conformação - e, por aí, falta de fundamento para a sua pretensão presente - com a possibilidade de se manter fiador muito para lá do momento em que deixasse de ser sócia da mutuária - não interessando tal qualidade para rigorosamente nada - não representa mais do que sancionar como válido o imponderável, ou, logo naquela altura, não expectável. 17) Valendo, pois o mesmo para dizer que obrigar ainda o recorrente, após a perda da sua qualidade de sócio gerente, a reconhecer a sua qualidade de fiador perante a recorrida, mercê do facto de ter dado o seu acordo a tais eventuais alterações, genéricas e futuras - sempre e apenas reconduzíveis, diga-se mais uma vez, a um quadro, agora hipotético, em que ele, precisamente, continuaria como sócio gerente e correspectivo fiador - representa algo de insustentável nos termos dos ditames da boa fé e da certeza do comércio jurídico. 18) O tribunal recorrido peca ainda por um entendimento inteiramente erróneo acerca das seus poderes de cognição de nulidades de conhecimento oficioso, como seja aquela que nos presentes autos está em causa - a falta de citação do cônjuge do executado. 19) Na verdade, resultará sempre como inaceitável que após reconhecer tratar-se de uma nulidade de conhecimento oficioso, não carecendo de invocação pelas a quem ela aproveita, se baste em dizer que a mesma deve ser conhecida apenas pelo tribunal onde corre a execução. 20) E que não deixa de ser patente que o tribunal de primeira instância dela conheceu, embora não tenha, fruto de uma interpretação desactualizada da lei, dado o devido acolhimento aos argumentos aduzidos pelo recorrente a esse respeito. 21) Contra aquele entendimento, reagiu o ora recorrente nos termos já melhor expostos nas conclusões apresentadas perante o tribunal recorrido e para onde, por economia de argumentos, se remete; 22) Bastando então dizer que se o tribunal a quo soube inclusivamente reconduzir tal situação concreta às normas legais respectivas, mais não lhe restava fazer, por respeito ao princípio do duplo grau de jurisdição, senão corrigir o entendimento dado pelo tribunal de primeira instância. 23) Conhecimento oficioso também quererá significar, por certo, que determinada nulidade pode ser percepcionada a qualquer tempo, em qualquer instância. 24) A falta de citação do seu cônjuge configura uma nulidade que importa a destruição de todos os actos ablativos da propriedade, como sejam as penhoras que entretanto foram recaindo sobre bens comuns do casal. 25) Sempre se dirá que cabe, pois, a este Alto Tribunal corrigir tal situação, reexaminando o entendimento dado pelas instâncias a tal matéria, e decidindo em conformidade com aquilo que inclusivamente a última soube dar como assente. 26) Foram violadas, entre outras, as normas dos artigos 227° nº 1 e 334º do Código Civil, e 864º nºs 1 e 3 al. a), 864º-A e 825° nº 5 do Código de Processo Civil. Contra-alegou a recorrida pugnando pela confirmação do julgado. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. 2. FUNDAMENTOS. O Tribunal da Relação deu como provados os seguintes, 2.1. Factos. 2.1.1. Nos autos principais foi apresentado como título executivo o documento de fls. 17 a 29, do qual consta a constituição de fiança de fls. 24 e seg., referente, entre outros, ao aqui opoente AA, documento esse cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 2.1.2. Em 26/11/1991 a exequente e a “BB”, esta como primeira outorgante, celebraram um “contrato de abertura de crédito em conta corrente” com o clausulado constante de fls. 18 a 25 dos autos principais. 2.1.3. O executado ora oponente constituiu-se, assim, como os demais sócios, fiador solidário e principal pagador do que à Caixa viesse a ser devido, dando desde logo o seu acordo a eventuais alterações das taxas de juro, dos prazos, a moratórias ou quaisquer outras modificações que viessem a ser fixadas ou convencionadas entre a CGD e a mutuária. 2.1.4. Durante a sua vigência, o referido contrato foi alterado por escrito em 07-05-1993, 29-08-1994, 15-02-2000, 20-12-2002 e 13-07-2004. 2.1.5. Em 20.12.2002 foi elaborado e assinado um documento denominado “Alteração contratual ao contrato de abertura de crédito em conta corrente n.º 00000000000000”, em que figura como primeiro contratante, “BB Ld.ª”, como segundos contratantes, DD, EE, FF, GG, HH e II, com o clausulado constante de fls. 48 a 51 dos autos principais, cujo teor aqui se dá por reproduzido. 2.1.6. O ora oponente não consta das pessoas identificadas como fiadores nem assina a referida alteração. 2.1.7. Por escritura pública datada de 7-02-1997, intitulada “Cessões e Unificação de Quotas”, AA e mulher, CC, declararam ceder as quotas da sociedade BB Ldª Lda.” de que o marido era titular aos restantes sócios – documento de fls. 6 a 10, cujo teor aqui se dá por reproduzido. E AA renunciou à gerência. 2.1.8. Já na alteração ao contrato, datada de 15-02-2000 o oponente não consta como fiador. 2.1.9. Ao abrigo do contrato referido na alª B) supra e suas alterações, do financiamento concedido existia em 19-02-2007 um débito no valor de 70.144,89 Euros a favor da exequente. 2.1.10. O aqui opoente quis prestar a fiança dos autos por ser então sócio da sociedade “BB” – resposta ao quesito 1º da base instrutória; 2.1.11. Tal era do conhecimento da exequente – resposta ao quesito 2º da base instrutória; 2.1.12. O mesmo aqui opoente/executado não comunicou à exequente a sua cessação de sócio da sociedade “BB” e a sua decorrente intenção ou pretensão de desvinculação da fiança prestada – resposta ao quesito 4º da base instrutória. 2.2. O Direito. Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos: - Da falta de citação do cônjuge do fiador. Consequências processuais. - A fiança: conceito e alcance da garantia. - Fiança de sócio e cessação dessa qualidade. A problemática da fiança omnibus. 2.2.1. Da falta de citação do cônjuge do fiador. Consequências processuais. Insurge-se o fiador recorrente, AA, contra o decidido na medida em que não se pronunciou pela nulidade da falta de citação do seu cônjuge, nos termos do disposto no artigo 825º do Código de Processo Civil. Estatui o nº 1 do mencionado Diploma legal que “Quando em execução movida contra um só dos cônjuges sejam penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, cita-se o cônjuge do executado para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência da acção em que a separação já tenha sido requerida”. Ficando o citado inerte, a execução continua com os bens penhorados. Se por via da realização da partilha os bens comuns vierem a caber ao cônjuge do executado a penhora desses bens fica afastada, podendo ser penhorados outros que tenham ficado a pertencer ao executado. A citação a que vimos fazendo referência insere-se no âmbito daquelas a que se reporta o artigo 864º nº 3 alínea a) do Código de Processo Civil e a nulidade da respectiva falta deverá ser arguida e conhecida não nesta sede, mas antes no processo de execução, a fim de que possa usar da faculdade a que se reporta o artigo 825º nº 1 do citado Diploma Legal. Nesta conformidade não pode ser aqui apreciada, como aliás também acertadamente não o foi nas instâncias, o que não obsta a que o Tribunal possa sempre conhecer as restantes questões que constituem o objecto do recurso. 2.2.2. A fiança: conceito e alcance da garantia. A fiança surge-nos como uma das garantias mais relevantes tendo a sua sede de regulamentação nos artigos 627º ss do Código Civil. Numa situação de fiança coexistem dois patrimónios, do devedor e do fiador, tendo o credor em relação a ambos uma garantia geral. O devedor principal responde por uma dívida própria enquanto o fiador responde por uma dívida alheia, sendo todavia possível, em caso de incumprimento, limitar a responsabilidade a alguns dos seus bens. São características da fiança a acessoriedade e a subsidiariedade. A primeira, conatural à garantia em causa, evidencia o vínculo de ligação à dívida principal, traduzida desde logo no facto de “a vontade de prestar fiança dever ser manifestada pela forma exigida para a obrigação principal e ainda na possibilidade “poder ser prestada sem o conhecimento ou contra vontade do devedor principal e à sua prestação não obsta o facto de a obrigação ser futura ou condicional – artigo 628º nº 1 e 2 do Código Civil. A segunda característica da fiança é da subsidiariedade, traduzindo o facto de o fiador só responder pela dívida em caso e quando se provar que o património do devedor é insuficiente para saldar a dívida contraída. Contrariamente ao que sucede quanto à acessoriedade, pode ser afastada por vontade do garante – artigo 638º do Código Civil e não funciona nas obrigações mercantis, por força do artigo 101º do Código Comercial[1]. 2.2.2. Fiança de sócio e cessação dessa qualidade. A problemática da fiança omnibus. Refere o recorrente ter sido na qualidade de sócio- gerente da “BB” que ao celebrar o contrato de abertura de crédito em conta corrente com a recorrida Caixa Geral de Depósitos se constituiu fiador daquela sociedade a fim de assegurar a concessão do montante estipulado. No entanto, ao deixar aquela qualidade de sócio e ter renunciado à gerência – o que ocorreu aquando da outorga da escritura de cessão datada de 7-02-1997 e intitulada “Cessões e Unificação de Quotas” cfr. Doc fls. 6 a 10 - não poderá sustentar-se a manutenção da garantia por parte do Réu, sob pena de se conceder um aval em branco aos actos de uma gerência que este já não controla. Os efeitos da cessação da qualidade de sócio na fiança prestada não tem congregado sempre unanimidade quer por banda da Doutrina, quer mesmo da Jurisprudência. Parte da Doutrina perfilhando uma posição radical entende que “sempre que o sócio de uma sociedade declare que garantirá, como fiador o cumprimento das obrigações que a firma a que pertence venha a assumir no futuro, a sua declaração deve ser interpretada no sentido de que a garantia prestada abrange apenas as obrigações que venham a ser assumidas pela devedora enquanto o garante for sócio dela[2]. Posição ecléctica é manifestada por outro sector da Doutrina que reconduz a questão da subsistência da fiança a uma problemática da interpretação do contrato que lhe está subjacente, emprestando particular relevo às declarações emitidas pelo fiador no momento da sua outorga[3]. De qualquer maneira afasta-se aqui a necessária imediata cessação da qualidade de fiador com o termo da qualidade de sócio, frisando-se também que, nos casos em que tal se verifica, aquela tem efeitos meramente ex nunc. Isto releva particularmente quando circunstâncias imprevisíveis posteriores à desvinculação tornam inexigível a manutenção da posição de garante, podendo em tais casos o fiador eximir-se às responsabilidades emergentes da garantia em causa. Ao tocarmos este ponto, haverá que versar a problemática da fiança omnibus, discutida também na presente acção e intimamente ligada aqui ao alcance da responsabilidade do ora Réu. Este tipo de garantia generalizou-se em virtude do incremento da actividade comercial e do crescente recurso ao crédito e tornando-se um modo expedito para simplificar a sua concessão, tendo em linha de conta que, dessa forma, se evitam desde logo as delongas com a tramitação de novos processos de garantia bancária sempre que o plafond de determinado empréstimo é excedido e é necessário proceder ao seu aumento. Aqui a flexibilidade da garantia pessoal surge como a forma preferível face à natureza um tanto rígida das garantias reais, v.g. a hipoteca[4]. A fiança pode garantir o pagamento das obrigações presentes, futuras ou condicionais, importando de sobremaneira apreciar dentro deste quadro o problema da determinabilidade do objecto da aludida garantia. Estamos perante uma “fiança indeterminável” quando não exista um critério para proceder à sua determinação, caso em que a mesma será nula por força do preceituado no artº 280º do Código Civil. Ainda nesta sede há que considerar a fiança genérica de obrigações já constituídas e as fianças genéricas de obrigações futuras. No que toca às primeiras, consubstanciam um negócio jurídico com um objecto determinável à face do que estatui o artº 280º do Código Civil uma vez que o mesmo pode ser concretizado por meio de operações matemáticas[5]. As obrigações futuras consubstanciam algo de fluído dada a incerteza das situações vindouras, pelo que se impõe que no momento em que celebra o contrato, o fiador tenha conhecimento do que vai afiançar, já que não é exigível a alguém que afiance um número infinito e inesperado de situações contratuais. Importa pois que, ao constituir-se a obrigação, seja determinado o título de onde a obrigação futura poderá resultar ou como o mesmo poderá ser determinado[6]. A divisão jurisprudencial que sobre esta matéria se constatava[7], acabou por ser finalmente e de algum modo superada pelo Acórdão Uniformizador do STJ de 8 de Março de 2001 que veio fixar Jurisprudência no sentido de que "é nula por indeterminabilidade do seu objecto a fiança de obrigações futuras quanto o fiador se constitua garante de todas as responsabilidades provenientes de qualquer operação em direito consentida, sem menção expressa da sua origem ou natureza e independentemente da qualidade em que o afiançado intervenha". No entanto o aresto deste Supremo Tribunal aponta, como decorre dos seus termos, para casos extremos, deixando ainda ao Juiz intérprete larga margem de manobra para que, analisado o caso concreto e com recurso ao princípio da boa-fé, possa aquilatar até que ponto é licita a manutenção da fiança perante uma situação concreta e mesmo no caso de sócio fiador que perdeu essa qualidade, ponderar até onde a manutenção da garantia casuisticamente pensada se inscreve no círculo das responsabilidades assumidas ou possa ser considerada como uma abarcável projecção das mesmas[8]. Revertendo agora ao caso concreto passaremos a aquilatar da responsabilidade do Réu JJ. A Sociedade BB, da qual o Réu era gerente, em 26 de Novembro de 1991 celebrou um contrato de abertura de crédito com a Caixa Geral de Depósitos em conta corrente, com o clausulado constante de fls. 18 a 25, constituindo-se aquele como fiador do mesmo. Em 20-12-20012 foi elaborado e assinado um documento denominado de contrato de abertura de crédito em conta corrente nº 0000000000000 em que figura como primeira contratante, “BB Ldª.”, como segundos contratantes, DD, EE, FF, GG, HH e II, com o clausulado constante de fls. 48 a 51 dos autos principais, cujo teor aqui se dá por reproduzido. O ora oponente não consta das pessoas identificadas como fiadores nem assina a referida alteração. Por escritura pública datada de 7-02-1997, intitulada “Cessões e Unificação de Quotas”, AA e mulher, CC, declararam ceder as quotas da sociedade BB Ldª Lda.” de que o marido era titular aos restantes sócios – documento de fls. 6 a 10, cujo teor aqui se dá por reproduzido; e AA renunciou à gerência. Já na alteração ao contrato, datada de 15-02-2000 o oponente não consta como fiador. Ao abrigo do contrato referido na alínea B) supra e suas alterações, do financiamento concedido existia em 19-02-2007 um débito no valor de € 70.144,89 a favor da Caixa Geral de Depósitos. Na sequência da análise da problemática que temos vindo a abordar uma pergunta se impõe para já: qual a consequência da cessão de créditos e renúncia à gerência por parte o Réu? Vem dado como provado que este se havia vinculado porque era sócio gerente da sua representada; contudo não se vê em parte alguma dos factos provados que o mesmo pretendesse desvincular-se no momento em que cedesse os créditos e renunciasse à gerência; e podia tê-lo feito, através de comunicação à Caixa Geral dos Depósitos. É que para além das alterações em causa não serem do conhecimento automático da oponida, a manutenção da fiança não deixa de ser um dado com que aquela muito provavelmente contaria, desde o momento da outorga do contrato, onde a disponibilidade do fiador quanto ao alcance da sua garantia não é despicienda para o fecho do negócio. E, por outro lado, como deixámos já entrever, a todo o tempo o opoente poderia comunicar à outra outorgante a cessação da sua garantia. No entanto o recorrente levanta agora a questão da indeterminabilidade da fiança invocando a sua nulidade ao abrigo do preceituado no artigo 280º do Código Civil. Contudo e como se tem vindo a entender neste Supremo Tribunal, quando o crédito a que se reporta a garantia é referenciado, designadamente quanto a valores máximos, não se tem considerado nula a fiança[9]. Pretende-se assim responsabilizar as partes e nomeadamente o garante de molde a evitar que para conseguir v.g. um financiamento, se assuma amplamente como fiador num contrato cuja nulidade já pensa arguir. Ponderando o caso concreto concluímos pela validade do negócio em análise à luz da Jurisprudência mais recente, nomeadamente deste Tribunal. Com efeito “BB” e a Caixa Geral de Depósitos celebraram um contrato de abertura de crédito em conta corrente no qual o Réu, ora recorrente se vinculou como fiador com vista a um escopo bem claro: financiamento sob a forma de abertura de crédito destinado à tesouraria importação e ou exportação – e um plafond fixado em 100 000 000$00 (ou nos casos aí previstos 120 000 000$00 pelo prazo de seis meses automaticamente renovados por períodos iguais e sucessivos, salvo denúncia por qualquer das partes (…). E assim teremos de concluir que ponderados os termos do contrato tal fiança reporta-se às dívidas do contrato celebrado em 26/11/91 e subsequentes alterações, tanto mais que o recorrente deu desde logo o seu acordo “a eventuais alterações das taxas de juro, dos prazos, moratórias ou quaisquer outras modificações que viessem a ser fixadas ou convencionadas entre a Caixa Geral de Depósitos e a mutuária”. A fiança permanece pois incólume o que dita a negação da revista. Do exposto poderá em suma concluir-se o seguinte: 1) A falta de citação do cônjuge do executado para os termos do artigo 864º nº 1 alínea a) do Código de Processo Civil acarreta uma nulidade de conhecimento oficioso, mas cuja sede de apreciação exclusiva é o processo executivo. A ausência da dita citação não impede que o objecto da oposição à execução seja conhecido. 2) Numa garantia de fiança coexistem dois patrimónios, do devedor e do fiador, tendo o credor em relação a ambos uma garantia geral. O devedor principal responde por uma dívida própria enquanto o fiador responde por uma dívida alheia. São características da fiança acessoriedade e a a subsidiariedade. A primeira conatural à garantia em causa, evidencia o vínculo de ligação à dívida principal, traduzida desde logo no facto de “a vontade de prestar fiança dever ser manifestada pela forma exigida para a obrigação principal e ainda na possibilidade “poder ser prestada sem o conhecimento ou contra vontade do devedor principal e à sua prestação não obsta o facto de a obrigação ser futura ou condicional – artigo 628º nº 1 e 2 do Código Civil A segunda característica da fiança é da subsidiariedade, traduzindo o facto de o fiador só responder pela dívida no caso e quando se provar que o património do devedor é insuficiente para saldar a dívida contraída, podendo ser afastada pela vontade das partes. 3) Constituindo-se o gerente de uma sociedade como fiador da mesma ao ceder as respectivas quotas e abandonar a gerência, nem por isso cessará em princípio aquela qualidade de garante, o que, a suceder, produzirá apenas efeitos ex nunc. 4) O Acórdão Uniformizador deste STJ de 8 de Março de 2001 que veio fixar Jurisprudência no sentido de que "é nula por indeterminabilidade do seu objecto a fiança de obrigações futuras (…)”aponta, como decorre dos seus termos para casos extremos deixando ainda ao Juiz intérprete larga margem de manobra para que, analisado o caso concreto e com recurso ao princípio da boa-fé, possa aquilatar até que ponto é lícita a manutenção da fiança perante uma situação concreta e mesmo no caso de sócio fiador que perdeu essa qualidade, ponderar até onde a manutenção da garantia casuisticamente pensada, se inscreve no círculo das responsabilidades assumidas ou possa ser considerada como uma abarcável projecção das mesmas. 5) É válida uma fiança prestada pelo então gerente de uma sociedade em que o mesmo no acto em que prestou a garantia deu o seu acordo “a eventuais alterações das taxas de juro, dos prazos, moratórias ou quaisquer outras modificações que viessem a ser fixadas ou convencionadas entre a Caixa Geral de Depósitos e a mutuária”, estando fixado um plafond de garantia de € 120.000. 3. DECISÃO. Pelo exposto acorda-se em negar a revista. Custas pelo recorrente. |