Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
083556
Nº Convencional: JSTJ00019799
Relator: FERNANDO FABIÃO
Descritores: CONSTRUÇÃO DE OBRAS
EDIFICAÇÃO URBANA
PRÉDIO CONFINANTE
FRESTA
SETEIRA
ÓCULO PARA LUZ E AR
JANELAS
CONCEITO JURÍDICO
SERVIDÃO DE VISTAS
Nº do Documento: SJ199306010835561
Data do Acordão: 06/01/1993
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 5970/92
Data: 06/11/1992
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: P LIMA E A VARELA IN CCIV ANOTADO 2ED VIII PAG223.
Área Temática: DIR CIV - DIR REAIS / TEORIA GERAL.
Legislação Nacional:
Jurisprudência Nacional:
Sumário : I - Vãos de parede preenchidos com tijolos de vidro, que não permitam visibilidade, fixos, não amovíveis, permanentes, fazendo parte da parede, não tendo esta solução continuidade, podem ser feitos sem guardar a distância de metro e meio entre esses vãos e o prédio vizinho.
II - O objectivo dos artigos 1360, 1363 e 1364 do Código Civil foi o de atingir, senão completamente e de modo absoluto, ao menos em parte, um dupla finalidade: evitar que o prédio seja facilmente objecto tanto das vistas como do devassamento com o arremesso ou queda de objectos, facilidade esta que, contudo, só ocorrerá quando as paredes tenham a possibilidade física de ocupar ou invadir o prédio vizinho, para além da linha divisória, e, em tal situação, ver ou arremessar e deixar cair objectos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Na Comarca de Lisboa, primeiro juízo,
A Companhia Carris de Ferro de Lisboa Lda propôs contra F. Simões de Oliveira e Filhos, Limitada,
Sociedade de Construções, a presente acção de processo ordinário, na qual pediu que a ré fosse condenada nos termos do artigo 1360 n. 1 do Código Civil, a fechar por completo (ou a reduzir-los às dimensões estabelecidas nos artigos 1363 do Código Civil, se o desejar) todas as aberturas que na fachada poente de um prédio identificado na petição deitam directamente sobre dela autora, também identificado na mesma petição, dado tais aberturas ofenderem os textos legais citados.
Seguiu o processo os seus regulares termos até que, feito o julgamento, o meritíssimo juiz da primeira instância julgou a acção improcedente.
Desta sentença apelou a autora, mas o Tribunal da
Relação negou provimento ao recurso.
Voltou a autora, a interpor recurso de revista do acórdão da Relação e, na sua alegação, concluiu assim:
I- o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos
1360 n. 1 e 1363 n. 2, por um lado, e 1251 e seguintes, designadamente os artigos 1287; 1293 a), 1316; 1344;
10356 e 1362 n. 1, todos do Código Civil, por outro;
II- a situação de facto é a de que as fachadas poente dos edifícios da recorrida coincidem com a linha de extrema nascente do prédio da recorrente e numas fachadas poente de ambos os edifícios a recorrida construiu vãos tapados com tijolos de vidro (...) que deitam directa e imediatamente sobre o prédio confinante, sendo que esses vãos (tapados com tijolos de vidro) possuem dimensões superiores a 15 centímetros, sendo aproximadamente de 80 centímetros;
III- deve dar-se provimento ao recurso e decidir-se que a recorrida deve ou fechar totalmente cada um dos referidos vãos ou reduzi-los à dimensão máxima que lhes fixa o artigo 1363 n. 2 referido.
Na sua contra-alegação, a recorrida conclui assim:
I"- com as restrições do artigo 1360 n. 1 do Código
Civil, o legislador pretendeu evitar que sobre os prédios vizinhos sejam feitos despejos e arremessados objectos ou que sejam devassados com a vista;
II"- através dos vãos tapados com tijolos de vidro com carácter fixo e permanente, existentes na fachada poente do edifício da recorrida não é possível devassar com a vista, com o arremesso de objectos ou com os despejos, o prédio confinante da recorrente;
III"- os ditos vãos tapados com tijolos de vidros não integram o conceito jurídico de janelas, pelo que não ofendem o direito de propriedade do prédio vizinho;
IV"- o que acontece é que a parede em questão é formada ali com material de construção diferente, mas com carácter definitivo os resultados permanentes e nada na lei obriga a que as janelas sejam construídas com o mesmo material, o que é necessário é que , pela fixidez e permanência definitiva dos elementos de construção, não seja possível abrir e fechar superfície alguma da janela, de modo a que se devasse o prédio vizinho;
V"- a construção de tais vãos tapados com tijolos de vidro não está pois, sujeita às restrições impostas pelo artigo 1360 do Código Civil, pelo que não parecem violadas quaisquer normas, nomeadamente os artigos 1360 n. 1 e 1363 n. 2 do Código Civil, devendo manter-se o acórdão recorrido.
É a seguinte a matéria de facto:
1- a autora é dona dos prédios inscritos a seu favor e descritos na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob os números 570 a folhas 110/v do livro 82 e 2185 a folhas 179/v do Livro B-86, os quais confinam pela sua extrema nascente com a extrema poente do prédio descrito sobre o n. 561 a folhas 103/v dos Livros B-2, cuja propriedade está inscrita a favor da ré;
2- nos anos de 1988 e 1989, a ré levou a efeito naquele seu prédio uma construção, cuja fachada parte efectuada pela ré coincide com a linha da extrema nascente do prédio da autora;
3- tal construção é constituída por um embaraçante comum no rés-do-chão com dois blocos elevados, destinando-se estes a habitação e sendo um dos blocos com sete pisos e mais dois recuados e o outro constituído por quatro pisos e mais um recuado;
4- nas fachadas poente de ambos os edifícios a ré construiu vãos tapados com tijolos de vidro (com o aspecto que apresentam as fotos de folhas 13 e 70) que deitam directamente e imediatamente sobre o prédio confinante e vizinho pertencente à autora, não havendo entre esses vãos e o prédio da autora qualquer intervalo;
5- esses vãos (tapados com tijolos de vidro) possuem dimensões superiores a 15 centímetros; aproximadamente de 80 centímetros vezes 80 centímetros.
6- o embarcamento da dita construção efectuada pela ré
é destinada a comércio e serviços;
7- a parede que constitui a referida fachada é de betão armado e alvenaria de tijolo revestida em parte por peças cerâmicas decorativas.
Segundo o disposto nos artigos 1360 n. 1 do Código
Civil, o proprietário que no seu prédio levantar edifícios ou outra construção não pode abrir nela janelas ou portas que deitem directamente sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das obras o intervalo de metro e meio, igual restrição se aplicam, nos dizeres dos n. 2 do mesmo artigo, às varandas, terraços eiradas ou obras semelhantes, quando sejam servidos de parapeitos de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão ou parte dela.
Mas, nos termos do artigo 1363 números 1 e 2 do mesmo
Código, não são abrangidas pelas restrições da lei as frestas, seteiras ou óculos para luz e ar que se situem pelo menos a um metro e oitenta centímetros de altura, a contar do solo ou do sobrado e não tenham, numa das suas dimensões, mais de quinze centímetros, respeitando aquela altura a ambos os lados da parede ou muro onde essas aberturas se encontram, o mesmo acontecendo, segundo o preceituado no artigo 1364 do Código Civil, quanto às aberturas, quaisquer que sejam as suas dimensões, igualmente situadas a mais de um metro e oitenta centímetros do solo ou do sobrado, com grades fixas de ferro ou outro metal, de secção não inferior a um centímetro quadrado e cuja malha não seja superior a cinco centímetros.
No caso sub-judice, há constatações indiscutíveis a saber: a) a restrição do n. 2 do artigo 1360 é inaplicável, dado que os vãos tapados com tijolos de vidro e com a aparência das fotos de folhas 13 e 70 de modo algum se podem considerar varandas, terraços, eiradas ou obras semelhantes; além disto, a autora nada alegou quanto à existência de qualquer parapeito e sua altura, ónus que lhe competia por ser facto constitutivo de seu direito, se quisesse que acção precedesse por força deste trato legal (artigo 342 n. 1 do Código Civil), de tal maneira que, mesmo a aplicar-se este texto, sempre a acção improcederia. b) Também nos parece sequer que os ditos vãos com tijolos de vidro se não podem considerar frestas, seteiras ou óculos para luz e ar (artigo 1363) ou grades fixas de ferro ou outro metal (artigo 1364) mas, mesmo que como tais pudessem ser considerados, certo é que a autora nada alegou quanto à altura a que as aberturas se situavam do solo ou do sobrado nem quanto
às suas dimensões, secção ao malha, ónus que também lhe competia, por ser facto constitutivo do seu direito, se quisesse a procedência da acção com base na ofensa destes textos legais (artigo 342 n. 1 citado), por tal forma que, mesmo a aplicar-se qualquer destes artigos, sempre a acção teria de improceder.
Tudo, pois, se resume a saber se os vãos em causa estão abrangidos pela proibição do n. 1 do artigo 1360.
Não sofre dúvida que os vãos construídos pela ré no seu prédio deitam directamente sobre o prédio vizinho da autora e que entre eles e o prédio desta não há qualquer intervalo.
Por conseguinte, o problema fica limitado a saber se tais vãos se podem considerar janelas ou portas para efeitos do preceituado no texto legal em apreço.
Portas seguramente que não são.
E janelas?
Como se vem entendendo, e bem, o artigo 1360 n. 1 não define o que seja uma "janela", mas o conceito desta
é-nos dado por exclusão de partes, com base no disposto no artigo 1363, o qual caracteriza as aberturas de tolerância, ou seja, as frestas, seteiras ou óculos para luz e ar - estas, com as reduzidas dimensões e os efeitos que lhes são peculiares, destinar-se-ão apenas a permitir a entrada da luz e do ar - ao passo que as janelas têm uma função mais ampla - estas, sendo aberturas maiores que aquelas, além de permitirem a entrada da luz e do ar, também possibilitam as vista e a saída de objectos com ocupação e devassamento do prédio vizinho; assim sendo, são de considerar janelas todas as aberturas na parede que não possam considerar-se frestas, seteiras ou óculos para a luz e ar e, claro está, maiores que estas últimas (Pires de
Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, Volume
III, segunda edição, 223; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Boletim do Ministério da Justiça 203; 169; acórdão da Relação do Porto, Colectânea de Jurisprudência , 1988, T1, 198).
Ora, os vãos construídos pela ré tapados com tijolos de vidro, com o aspecto apresentado nas fotos de folhas 13 e 70, fixos e não amovíveis; fazendo parte integrante da parede do edifício, parede esta que não tem soluções de continuidade - matéria de facto esta apurada pela
Relação directamente ou por ilação e por eles incensurável por este Supremo - não são de modo algum, janelas. Deste modo, impõe-se a conclusão de que nem sequer existam quaisquer aberturas na fachada do prédio da ré, na medida em que os vãos constituem parte da parede desta fachada, se bem que de material diferente do da parte restante, que é constituído por betão armado e alvenaria de tijolo, coisa que norma alguma proíbe, Não há por conseguinte, aberturas porque os tigolos de vidro são fixos e, consequentemente permanentes, pelo que não é possível abrir e fechar tais vãos, como se fossem janelas, por maneira a devassar o prédio da autora.
Acresce um outro argumento.
Entende-se que os vãos tapados com tijolos de vidro não permitem a visibilidade para o prédio vizinho e, sendo assim, não se viola o objectivo ou um dos objectivos que o artigo 1360 n.1 do Código Civil pretende atingir.
Mas, poderá objectar-se, nada vem pesando sobre a possibilidade de ver ou não ver através dos vãos tapados com tijolos de vidro. Porém, mesmo aceitando que assim seja, certo é que o ónus da prova de que esses vãos permitiam a visibilidade para o prédio vizinho caberá à autora o correspondente ónus da prova
(artigo 342 n. 1 do Código Civil) e por isso forçoso é concluir contra ela, ou seja, concluir que tais vãos não permitem a visibilidade sobre o prédio vizinho.
Em suma, para nós o objectivo da lei foi atingir uma dupla finalidade, senão completamente e de modo absoluto pelo menos em parte, ou seja, evitar que o prédio vizinho seja facilmente objecto tanto das vistas como do devassamento como o arremesso ou quer de objecto, facilidade esta que, contudo só ocorrerá quando as provas tenham a possibilidade física de ocupar ou invadir o prédio vizinho para além da linha divisória e, em tal posição, ver ou arremessar ou deixar cair objectos.
Ora isto é coisa que manifestamente não poderá ocorrer neste caso, dada a fixidez, e permanência dos tijolos de vidro, a fazer parte da parede do prédio da ré, parede que não tem soluções de continuidade, e bem assim a não visibilidade através desses tijolos de vidro.
Pelo exposto, nega-se a revista.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 1 de Junho de 1993.
Fernando Fabião;
César Marques;
José Martins da Costa.