Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
684/07.9TTSTB.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: SOUSA GRANDÃO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
REFORMA
CADUCIDADE
DESPEDIMENTO ILÍCITO
VEÍCULO AUTOMÓVEL
LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 05/27/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
I - O excesso de pronúncia ocorre quando o tribunal conhece de questões que, não tendo sido colocadas pelas partes, também não são de conhecimento oficioso, sendo que as questões não se confundem com os argumentos, as razões e motivações produzidas pelas beligerantes para fazer valer as suas pretensões: questões, para efeitos do n.º 2 do art. 660.º, do CPC, são apenas aquelas que integram a matéria decisória, isto é, os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções deduzidas.
II - Tendo o Autor fundamentado, como consequência do despedimento ilícito que considerou ter sido alvo por banda da Ré, a sua pretensão no disposto no art. 437.º, do CT, e tendo o Acórdão recorrido, em consequência do acolhimento da alegação do Autor no sentido de ter sido ilicitamente despedido pela Ré, condenado esta última com fundamento no disposto no art. 440.º, do CT, apenas se verifica que, na parte referente às consequências da ilicitude do despedimento, o Acórdão recorrido procedeu a uma qualificação jurídica dos factos apurados distinta da realizada na 1.ª instância e pelo Autor, mas não exorbitou nem o âmbito da causa de pedir, nem o pedido por este formulado.
III - O regime estabelecido no art. 392.º, ns. 1 e 2, do CT, apenas tem aplicação para as situações em que o trabalhador se mantém vinculado à entidade patronal quando atinge a idade da reforma por velhice.
IV - Sendo as pensões de velhice acumuláveis com rendimentos de trabalho, nada impede a eventual contratação de trabalhadores reformados, ficando o respectivo vínculo sujeito, sem ressalvas ou restrições, aos princípios gerais da contratação, designadamente à contratação sem termo. Contudo, logo que o trabalhador atinja os 70 anos de idade sem que o contrato caduque, o mesmo converte-se em contrato a termo de seis meses.
V - Admitido o Autor para exercer funções na Ré em 1 de Junho de 1994, altura em que se encontrava já na situação de reformado por velhice, facto que era do conhecimento da Ré, é de considerar que ao vínculo estabelecido entre as partes não é aplicável o disposto no art. 5.º, n.º 1, da LCCT, estando, outrossim, tal vínculo sujeito ao regime da lei geral no que ao respectivo prazo respeita.
VI - Assim, a comunicação pela Ré endereçada ao Autor em 22 de Junho de 2006, na qual mencionava que, devido à situação de reforma do Autor – cujo conhecimento invoca ter ocorrido em 1 de Março de 1998 – o contrato que os vinculava se havia convertido automaticamente num contrato a termo de seis meses, pelo que, não sendo sua intenção continuar com o vínculo, o mesmo caducaria no dia 31 de Agosto de 2006, consubstancia um despedimento ilícito.
VII - A declaração de ilicitude do despedimento de que o Autor foi alvo repõe em vigor o contrato de trabalho como se o despedimento não tivesse existido; todavia, tendo o Autor, entre o momento do despedimento e a propositura da acção, perfeito 70 anos de idade, é de considerar que, ao abrigo do disposto no art. 392.º, n.º 3, do CT, ao contrato de trabalho reposto por via da declaração de ilicitude do despedimento foi aposto um termo resolutivo de seis meses.
VIII - Em consequência, atento o disposto no art. 440.º, do CT, assiste ao Autor o direito a uma compensação equivalente às retribuições que deveria ter auferido desde 4 de Abril de 2007 até 3 de Outubro de 2008, respectivamente a data em que perfez os 70 anos de idade e a data em que terminava a renovação em curso do prazo do contrato a termo de seis meses que entre as partes vigorava quando o Autor fez operar a respectiva caducidade (caducidade essa operada por via da declaração, efectuada em sede de audiência de discussão e julgamento, no sentido de optar pela indemnização substitutiva da reintegração).
IX - Demonstrada a privação do uso, por banda do Autor, do veículo automóvel que lhe estava atribuído para uso no exercício das suas funções e fora delas – uso esse equivalente a retribuição – mas não estando demonstrado o valor exacto dessa componente retributiva, deve tal valor ser apurado em sede de liquidação em execução de sentença.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1 – Relatório
1.1. AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Setúbal, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “BB – Empresa de Trabalho Portuário de Setúbal, Lda”, pedindo – sob a alegação, em suma, de que se achava vinculado à R. por um contrato de trabalho sem termo, que a demandada não procedeu às actualizações salariais a que se vinculara, que lhe proporcionou, nos últimos meses, deficientes condições de trabalho, provocando--lhe um estado depressivo que se agravou com a comunicação do despedimento, que não procedeu à reparação da viatura que lhe estava distribuída e não lhe forneceu a necessária formação profissional – que a R. seja condenada a reintegrá-lo nos quadros da empresa e a pagar-lhe as prestações retributivas (créditos salariais vencidos e vincendos, créditos de horas por formação e reposição do valor devido pela retirada da retribuição em espécie) e ressarcitórias (eventual indemnização optativa e indemnização por danos não patrimoniais) discriminados e quantificados no petitório inicial.
No seu instrumento contestatório, em que reclama a improcedência total da acção, considera a R. que o vínculo laboral aprazado entre as partes tem natureza necessariamente precária – uma vez que, segundo diz, só em momento posterior à sua celebração teve conhecimento de que o A. já se achava reformado do seu precedente emprego – sendo certo, de todo o modo, que apenas poderiam ser-lhe eventualmente devidos os salários intercalares até à data em que perfez 70 anos, ou, quando muito, até ao final dos seis meses subsequentes.
Nega, no mais, todos os direitos accionados pelo A.

1.2. Instruída e discutida a causa, veio a 1ª instância a proferir sentença onde integrou o componente dispositivo que ora se transcreve:
“ Destarte, julgo a acção parcialmente procedente, na medida em que se condena a R. Operestiva – Empresa de Trabalho Portuário de Setúbal, Lda, no seguinte:
a) A reconhecer como ilícito o despedimento do A. AA;
b) A pagar ao A. a quantia de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa do art. 559.º, n.º 1 do C. Civil, desde citação e até integral pagamento;
c) A pagar ao A. a quantia de € 2.994,36, a título de diferenças salariais, acrescida de juros de mora, contados pelo mesmo modo;
d) A pagar ao A. a quantia de € 1.500,00 pela privação do uso da viatura nos meses de Julho e Agosto de 2006, acrescida de juros de mora, contados pelo mesmo modo;
e) A pagar ao A. a quantia de € 1.058,67 a título de crédito de horas por falta de formação profissional, acrescida de juros de mora, contados pelo mesmo modo.
No mais, julgo a acção improcedente, em especial, no que concerne aos pedidos de atribuição de uma indemnização de antiguidade e do pagamento das retribuições vencidas desde a cessação do contrato”.

Ambas as partes apelaram da sentença, com o que lograram obter parcial ganho de causa.
Com efeito, o Colectivo da Relação de Évora decidiu nos seguintes termos:
“A) em julgar a apelação da R. parcialmente procedente e, por via disso:
1. Revogam a sentença recorrida, na parte em que condenou a R. a pagar ao A. a quantia de € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais e respectivos juros, nessa parte absolvendo a R. do pedido.
2. Reduzir a condenação da R., no que respeita a crédito de horas por falta de formação profissional, ao montante de € 1.021,75, acrescido de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde a citação até integral pagamento.
B) em julgar a apelação do A. também parcialmente procedente e, por via disso, condena-se a R. a pagar ao A. a título de compensação pela ilicitude do despedimento, o montante correspondente ao valor das retribuições que este deixou de auferir desde 4/04/2007 até 3/10/2008, a liquidar em incidente de liquidação de sentença.
C) em tudo mais, confirma-se a decisão recorrida.”

1.3. Desta feita, o inconformismo provém apenas da R. que pede a presente revista, onde convoca o seguinte núcleo conclusivo:
(A) Ao julgar o recurso de apelação interposto pelo Autor (fls. 19 e ss. do douto acórdão), julgou o Venerando Tribunal da Relação de Évora, em suma, que: (i) tendo o Autor atingido os 70 anos de idade depois da cessação do contrato, e bem mais de 30 dias antes da propositura da acção (27.07.2007), na data em que perfez essa idade (04.04.2007) o seu contrato de trabalho converteu-se num contrato a termo certo de seis meses, renovável por períodos iguais e sucessivos, nos termos do n. ° 3 do artigo 392. ° do Código do Trabalho (na redacção vigente à data dos factos); (ii) na esteira desse regime, o referido contrato continuou a renovar-se sucessivamente por iguais períodos de seis meses, em 04.10.2007 e 04.04.2008, durante a pendência da presente acção; (iii) apenas quando o Autor fez a opção pela indemnização de antiguidade em 17.06.2008 (acta de fls. 208 dos autos) é que se operou a caducidade do seu contrato de trabalho, para o termo da renovação em curso, em 03.10.2008;
(B) Foi com base neste raciocínio que entendeu o douto Tribunal a quo condenar a Ré no pagamento das retribuições que o Autor deixou de auferir entre 04.04.2007 e 03.10.2008, a liquidar em incidente de liquidação de sentença;
(C) Sem prejuízo de igualmente não se conceder no mérito da decisão, como se verá adiante, a verdade é que o Venerando Tribunal da Relação de Évora apenas poderia eventualmente entender e decidir dessa forma o caso se (i) o Autor tivesse anteriormente invocado essa questão (rectius, causa de pedir) na presente acção, ainda que subsidiariamente, (ii) e, tendo essa questão sido objecto de uma decisão desfavorável por parte do Tribunal a quo, viesse a ser, ainda que novamente de forma subsidiária, suscitada pelo Autor nas conclusões das suas alegações de recurso;
(D) Assim, e salvo o devido respeito, foram violados os artigos 660.°, 661.°, n.º 1, 684.°, 690.°, 668.°, n.º 1, alíneas d) e e) e 716.°, n.° 1, todos do Código de Processo Civil, porquanto o douto Tribunal da Relação de Évora conheceu de uma questão nunca suscitada pelo Recorrido, ainda que subsidiariamente, na presente acção nem tampouco nas conclusões das suas alegações de apelação, sendo nulo por excesso de pronúncia e condenação em objecto diverso do pedido;
(E) Sem conceder na aludida nulidade, crê ainda a Recorrente que o decidido pelo Tribunal da Relação de Évora a respeito do enquadramento contratual do Recorrido e forma de cessação do seu contrato de trabalho não se compadece com o disposto na Lei e na Constituição;
(F) E isto porque, tendo o Recorrido sido contratado pela Recorrente quando já se encontrava reformado por velhice, deve-se entender que foi contratado ab initio nos termos do artigo 5.° da LCCT (vigente à data da celebração) e artigo 392.° do Código do Trabalho (na redacção vigente à data da cessação do contrato) - neste sentido, Abílio Neto, in "Contrato de Trabalho - Notas Práticas", Ediforum, 13.a Edição, 1994, pag. 610;
(G) Não é de admitir outra hipótese, pois caso contrário quedaria violado o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa: caso um trabalhador se reforme por velhice e continue ao serviço da sua entidade empregadora, basta que passem 30 dias sobre o conhecimento da situação de reforma por parte desta para que o contrato fique irremediavelmente sujeito a termo resolutivo, pelo que violaria o referido princípio admitir que outro trabalhador na mesma situação viesse depois ocupar o seu lugar, ou ser seu colega de trabalho, com sujeição a um regime jurídico que aqueloutro nunca poderia beneficiar - neste sentido, vide Pedro Romano Martinez in Código do Trabalho Anotado, Almedina, 5a Edição, 2007, pag. 686;
(H) Por outro lado, os valores próprios do sistema juslaboral e a interpretação teleológica e sistemática demonstram claramente que esta é a solução que se impõe, visando os mais elevados fins de ordem pública;
(I) Com efeito, o artigo 392.° do Código do Trabalho exprime um princípio de justiça geral, e uma preocupação de ordem pública com expressa consagração constitucional: a sucessão dos mais novos nos postos de trabalho, conforme disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 70.° da CRP;
(J) Na verdade, o legislador está consciente de que o trabalhador reformado já se encontra protegido através da concessão de uma pensão, sendo o seu interesse na estabilidade do vínculo reduzido, pois a caducidade do seu contrato não atingirá inelutavelmente as suas necessidades de sobrevivência;
(K) Com base nestes princípios, o legislador pretendeu que esse trabalhador passasse a trabalhar num regime mais precário, de forma a garantir a produtividade e a rotação no emprego;
(L) Na verdade, o legislador crê que um trabalhador, chegado ao fim da sua vida activa, deverá ceder o seu lugar a outro trabalhador mais jovem e produtivo, o qual não deverá acabar os estudos e engrossar as cada vez mais negras estatísticas de jovens desempregados;
(M) Porém, o legislador também não foi radical ao ponto de impor a caducidade automática: de facto, o trabalhador pode, apesar da sua idade, ser altamente produtivo e beneficiar a empresa, caso em que o empregador poderá continuar indefinidamente com o trabalhador, apenas tendo para tal que abster-se de denunciar o contrato;
(N) O pensamento do legislador torna-se ainda mais claro se conciliarmos o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 392.° do Código do Trabalho com a previsão do subsequente n.° 3 do mesmo preceito legal: o legislador está consciente de que o trabalhador poderia obstar injustificadamente à sua passagem a um vínculo mais precário, protelando o requerimento da reforma apesar de reunir os requisitos necessários para tal;
(O) Nesse caso, o empregador ficaria "amarrado", sem possibilidade de denunciar o contrato de um trabalhador que já não mais merece a protecção da legislação laboral (pois poderia receber uma pensão), e impedindo-se o acesso ao seu posto por trabalhadores mais jovens e activos;
(P) Assim, tomou uma decisão drástica: ainda que o trabalhador não esteja reformado por velhice, assim que perfizer 70 anos de idade é aposto um termo resolutivo de 6 meses ao seu contrato, ilimitadamente renovável e denunciável pela entidade empregadora, mediante pré-aviso de 60 dias;
(Q) Em suma, atento o artigo 13.°, e alínea b) do n.° 1 do artigo 70.° da CRP, não podemos senão interpretar o artigo 392.° do CT no sentido de que todos os trabalhadores reformados por velhice são contratados nos termos do n.° 1 do artigo 5.° da LCCT, ou n.os 1 e 2 do artigo 392.° do CT, tendo todos esses preceitos sido violados no douto acórdão ora posto em crise;
(R) Este entendimento não configura qualquer aplicação analógica de uma norma excepcional: não se está perante a integração de uma lacuna, mas tão-só à reconstituir o pensamento legislativo (conceito de trabalhador reformado por velhice) a partir dos textos legais (artigo 5° da LCCT e artigo 392.° do CT), tendo em conta a unidade do sistema jurídico - com especial enfoque no ordenamento Constitucional -, e as condições específicas do tempo em que é aplicada (cfr. n.° 1 do artigo 9.° do Código Civil);
(S) Face a todo o exposto, ao denunciar o contrato de trabalho do Recorrido em 22 de Junho de 2006, espaldando-se nos artigos 387.° e 392.° do Código do Trabalho (vide facto provado n.° 23), o contrato de trabalho do Recorrido caducou em termos perfeitamente lícitos, não se podendo falar em despedimento ilícito;
(T) Mas sem conceder na nulidade já invocada, a verdade é que mesmo entendendo que o Recorrido se encontrava vinculado à Recorrente mediante um contrato por tempo indeterminado, e que a denúncia do contrato consubstancia um despedimento ilícito - o que de forma alguma se concede, e apenas se equaciona por dever de patrocínio -, parece-nos que o douto Tribunal da Relação de Évora andou mal ao condenar a Recorrente no pagamento das retribuições "deixadas de auferir" entre 04.04.2007 e 03.10.2008;
(U) Isto porque entre a data da cessação do contrato de trabalho do Recorrido (31.08.2008 – factos provados n.ºs 23 e 24) e a data em que a presente acção deu entrada no Tribunal do Trabalho de Setúbal (27.07.2007, conforme fls. dos autos) o Recorrente atingiu 70 anos de idade, em 04.04.2007 (pois nasceu em 04.04.1937 - facto provado n.° 16);
(V) Destarte, a caducidade do contrato do Recorrido seria inquestionável à data em que a presente acção deu entrada no Tribunal do Trabalho de Setúbal, ao abrigo do n.° 3 do artigo 392.° do Código do Trabalho (vigente à data dos factos), pois não se pode negar a verificação da caducidade (pelo menos!) na data em que o Recorrido atingiu os 70 anos (04.04.2007): a Recorrente havia já manifestado a sua vontade de denunciar o contrato (vide facto provado n.° 23), pelo que essa vontade dever-se-ia considerar (pelo menos!) operante então;
(W) Estando a essa data (04.04.2007) o contrato de trabalho caducado, não se venceram quaisquer salários desde então, sendo certo que, por outro lado, não são devidas as retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do putativo despedimento (31.08.2006) até 30 dias antes da data da propositura da acção (28.06.2007) - cfr. n.° 4 do artigo 437.° do Código do Trabalho;
(X) E mesmo que se entendesse que o contrato não caducou imediatamente quando o Recorrido perfez 70 anos de idade, tendo-se antes convertido em contrato a termo resolutivo pelo prazo renovável de seis meses, não faz qualquer sentido ficcionar que este se foi renovando sucessivamente durante a pendência da causa, e apenas caducou após o Recorrido ter optado pela indemnização de antiguidade em 17.06.2008, e no final da renovação em curso (!), como entendeu o Tribunal da Relação de Évora;
(Y) Salvo o devido respeito, essa posição não faz sentido: por um lado, diz-se que o contrato se converteu em contrato a termo resolutivo pelo prazo renovável de seis meses, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 392.° do Código do Trabalho, mas por outro fecha-se a porta a esse regime, dizendo que ele se ia renovando sucessivamente até o Recorrido (e só ele!) lhe decidir pôr termo, ao optar em Tribunal pela indemnização de antiguidade a que, note-se, nunca teria direito ao abrigo dos referidos preceitos legais;
(Z) Seguindo a linha de argumentação do douto Tribunal da Relação de Évora, o Recorrido ficaria inclusivamente mais protegido do que com o contrato em vigor, pois desde que não exercesse o direito à indemnização de antiguidade (repete-se, a que não teria direito!), poderia manter o contrato indefinidamente pelo tempo que entendesse durante a pendência da causa, quando é certo que a Recorrente havia já manifestado a sua vontade de denunciar o contrato nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 392.° do Código do Trabalho - vide facto provado n.° 23;
(AA) Parece-nos manifesto que, no limite, a caducidade teria pelo menos que operar no final da primeira renovação em curso, em 03.10.2007, não fazendo qualquer sentido ficcionar que se foi renovando após esse momento;
(BB) Por outro lado, também não se percebe com que fundamento é que o douto Tribunal da Relação de Évora não considerou a aplicação do n.° 4 do artigo 437.° do Código do Trabalho (vigente à data dos factos), descontando na putativa condenação em salários intercalares o montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do alegado despedimento até 30 dias antes da data da propositura da acção;
(CC) Com efeito, este teria alegadamente ocorrido em 31.08.2006 (factos provados n.os 23 e 24), e a acção só foi proposta em 27.07.2007 (fls. dos autos), pelo que no limite apenas poderiam ser considerados os salários devidos entre 28.06.2007 (trigésimo dia anterior à propositura da acção) e o "termo da primeira renovação" (03.10.2007);
(DD) Já no que concerne à condenação da Recorrente no pagamento de diferenças salariais (decidida em primeira instância, e mantida pelo Tribunal da Relação de Évora), ficou provado (n.° 5) que "na mesma data [11.05.1994], a gerência da Ré remeteu ao A. a carta de fls. 18e19, definindo (...) a actualização das verbas retributivas em percentagem igual à dos restantes trabalhadores administrativos da empresa (...)";
(EE) Assim, é facto assente que a carta em questão foi assinada pela gerência da Recorrente e remetida ao Recorrido, não tendo este tido qualquer intervenção na definição do seu conteúdo, pelo que a actualização das verbas retributivas consubstancia a promessa unilateral de uma prestação que, nos termos do artigo 457.° do CC, "apenas obriga nos casos previstos na lei".
(FF) Ora, a verdade é que este não é um dos casos previstos na lei que o preceito legal refere, pelo que tal negócio unilateral não é susceptível de criar obrigações jurídicas na esfera da Recorrente, não tendo esta assim ficado juridicamente vinculada a proceder à actualização anual do salário do Recorrido, e não lhe sendo consequentemente devidas quaisquer diferenças salariais - vide Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume 1,4a Edição, pag. 438);
(GG) No que concerne ao valor devido pela privação do uso de viatura automóvel, reconhece-se no douto acórdão ora posto em crise (fls. 18) que "a matéria de facto provada não fornece qualquer elemento a que possa entender-se para fixar o valor pecuniário correspondente ao referido complemento salarial;
(HH) Ora, não tendo tal ficado demonstrado, não se percebe como se pode ter recorrido a "critérios de equidade" para determinar qual o valor que a Recorrente deveria suportar a esse título, pois não se verifica nenhuma das circunstâncias em que o artigo 4.° do Código Civil permite decidir com base em critérios de equidade;
(II) Ademais, os resultados práticos do recurso à equidade não poderiam ter sido mais desajustados da realidade, tendo sido atingidos resultados clamorosamente excessivos;
(JJ) Outrossim, através do recurso a critérios de equidade, foi o Recorrido eximido do ónus da prova que sobre ele impendia, pois o Tribunal do Trabalho de Setúbal e o Tribunal da Relação de Évora não só eximiram o Recorrido de provar o valor pecuniário correspondente à utilização do automóvel, como nem tampouco fizeram qualquer distinção no valor arbitrado entre o benefício económico por via do uso pessoal e o uso profissional ao serviço da Recorrente, o qual representa um benefício exclusivo desta;
(KK) E isto quando é entendimento pacífico da jurisprudência que "o valor da retribuição em espécie, consubstanciada na utilização de veículo automóvel, proporcionada pela entidade empregadora, é o correspondente ao benefício económico obtido pelo trabalhador, por via do uso pessoal, ou particular da viatura, nele se não incluindo o uso profissional, ou ao serviço da entidade empregadora." aresto deste Supremo Tribunal de Justiça de 22.03.2006, in "Acórdãos Doutrinários do Supremo Tribunal Administrativo", 536-537,1453;
(LL) Acresce que, como doutamente entendeu este Supremo Tribunal de Justiça no douto acórdão supra citado, "o ónus de alegar e provar aquele valor impende sobre o trabalhador, nos termos do artigo 342° n° 1, do Código Civil, posto que a presunção consignada no n° 3, do artigo 82° da L.C.T. não contempla aquele facto constitutivo, de índole quantitativa, do direito alegado e da correspondente pretensão."
(MM) Assim, não estava o Tribunal a quo simplesmente autorizado a eximir o Recorrido do ónus de prova, e condenar a Recorrente num valor arbitrário e excessivo, através do recurso a putativos "critérios de equidade": deveria quando muito ter sido proferida condenação ilíquida, e relegar o apuramento do quantum indemnizatório para posterior liquidação de sentença, nos termos dos artigos 378.° e ss. do Código de Processo Civil.
(NN) Por último, pensamos que o douto Tribunal da Relação de Évora não foi tão longe quanto se impõe ao reduzir o crédito de horas por falta de formação profissional peticionado ao valor de € 1.021,75;
(00) Na verdade, o Tribunal está vinculado à causa de pedir invocada pelas partes, pelo que tendo o ora Recorrido alegado e calculado um determinado valor de retribuição horária para fundamentar o seu pedido (€ 12,93 em 2004, € 13,50 em 2005 e € 14,09 em 2006, conforme artigo 91.° da petição inicial), o Tribunal dever-se-á cingir a esse valor na análise que vier a fazer, como resulta do artigo 264.° do Código de Processo Civil;
(PP) Donde, o Tribunal dever-se-á cingir-se à causa de pedir invocada pelo Recorrido, calculando o crédito de horas que se apurou ser devido (11 horas em 2004 e 2005,18 horas em 2006) com base no valor de retribuição horária que o então Autor invocou na sua petição inicial, tendo sempre por base o valor que foi invocado para o ano de 2004, pois como já demonstrámos, a Recorrente não estava obrigada a proceder a quaisquer actualizações salariais;
(QQ) Por outro lado, não se procure ver fundamento para a consideração pelo Tribunal de um valor de retribuição horária de valor superior ao invocado pelo ora Recorrido no disposto no artigo 74.° do Código de Processo do Trabalho, o qual permite a condenação "extra vel ultra petitum", pois o crédito aqui em causa não constitui um direito indisponível, apenas nascendo com a cessação do contrato, numa altura em que o trabalhador tem toda a liberdade para dele dispor;
(RR) Assim, o crédito de horas por falta de formação profissional deverá ser reduzido para € 517,20 (11h X € 12,93 + 11h X € 12,93 + 18h X € 12,93), ou caso se conclua serem devidas actualizações salariais (o que naturalmente não se concede, e se equaciona por mera cautela de patrocínio), para €544,35 (11hX€ 12,93 + 11 X€ 13,50 +18 X€ 14,09).

1.4. O A. contra-alegou, pugnando pela confirmação do julgado.

1.5. A Exma. Procuradora Geral-Adjunta – a cujo douto parecer a R. reagiu negativamente na parte que a desfavorece – sustenta também a confirmação do julgado, excepto no tocante às consequências que o acórdão extraiu da confirmada ilicitude do despedimento, em cujo segmento entende não serem devidas ao A. as retribuições intercalares desde a data daquela sanção até 30 dias antes da propositura da demanda.

1.6. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2 - FACTOS
As instâncias fixaram, pacificamente, a seguinte factualidade:
1. Em Junho de 1988, o A. foi admitido ao serviço da NAVIPOR – Operadora Portuária Geral, Lda., cujo objecto social era o exercício de operações portuárias, para lhe prestar a sua actividade profissional como chefe de serviços, tendo como função essencial a coordenação superior de todos os trabalhos de operação portuária – conferência, carga, descarga, estiva e desestiva;
2. Alguns meses depois, a referida NAVIPOR promoveu o A. a seu director operacional;
3. A Ré foi constituída por escritura de 27 de Abril de 1994, como empresa de trabalho portuário, detida em 80% do seu capital social pela NAVIPOR, 10% pela SAPEC e os restantes 10% pela família Gomes;
4. Pelo escrito de fs. 14, datado de 11.05.1994 e que aqui se considera integralmente reproduzido, a Ré admitiu o A. para desempenhar as funções de director técnico, a partir de 01.06.1994 e até 31.12.1997, mediante a remuneração mensal ilíquida de 110.000$00 e, complementarmente, o uso e fruição de uma viatura, a escolher consensualmente entre as partes;
5. Na mesma data, a gerência da Ré remeteu ao A. a carta de fs. 18 e 19, que igualmente aqui se dá por integralmente reproduzida, definindo o tempo total de trabalho semanal de 18 horas, o cálculo das horas extraordinárias, o pagamento de despesas de representação até ao valor mensal líquido de 145.000$00, a actualização das verbas retributivas em percentagem igual à dos restantes trabalhadores administrativos da empresa, a continuação do usufruto da viatura então ao dispor do A. (que transitaria para a sua propriedade, sem quaisquer encargos, na data em que cessasse o vínculo contratual), e ainda o pagamento de subsídio diário de refeição;
6. Nessa carta, o A. escreveu: “Tomei conhecimento e concordo”, e colocou a sua assinatura;
7. Por carta de 16.05.1994, a fs. 24 do apenso de procedimento cautelar e que aqui se dá por integralmente reproduzida, o A. solicitou à NAVIPOR a rescisão do contrato de trabalho que o ligava a essa empresa, com efeitos a partir de 31.05.1994;
8. Respondeu a NAVIPOR através da carta de fs. 25 do mesmo apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida, aceitando o referido pedido;
9. A transferência do A. da NAVIPOR para a Ré resultou dum processo amigável, sendo estas empresas geridas então pelas mesmas pessoas físicas – DD e EE, que assinam quer o contrato de trabalho de 11.05.1994, quer o escrito de esclarecimento ao dito contrato de fs. 18 e 19, quer a carta de aceitação da rescisão de fs. 25 do apenso;
10. Por carta de 09.12.1997, a fs. 32 do apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida, a Ré comunicou ao A. a caducidade do contrato de trabalho supra identificado, no respectivo termo de 31.12.1997;
11. Pelo escrito de fs. 15, datado de 15.12.1997 e que aqui se considera integralmente reproduzido, a Ré voltou a admitir o A. para desempenhar as mesmas funções de director técnico, a termo incerto e mediante a remuneração mensal ilíquida de 200.154$00, acrescendo o subsídio de isenção de horário de trabalho de 60.046$00;
12. Na mesma data, a gerência da Ré remeteu ao A. a carta de fs. 28 e 31 do apenso de procedimento cautelar, que aqui se dá por integralmente reproduzida, definindo o tempo total de trabalho semanal de 18 horas, o pagamento de despesas de representação e de deslocação até montante mensal líquido de 60.000$00, a continuação do usufruto da viatura então ao dispor do A., e ainda o pagamento de subsídio diário de refeição;
13. O referido contrato de 15.12.1997 e a carta da mesma data mostram-se assinadas, em representação da Ré, pelos supra identificados DD e EE;
14. Até 1988, o A. havia desempenhado as funções de oficial da marinha mercante, tendo obtido a passagem à situação de pensionista de invalidez a partir de 27.12.1988;
15. Este facto era do conhecimento da NAVIPOR, que em 31.07.1989 emitiu a declaração de fs. 16 e que aqui se dá por integralmente reproduzida, para efeitos de acumulação da pensão com rendimentos do trabalho;
16. Subsequentemente, o A. requereu a passagem à situação de pensionista de velhice, o que lhe foi concedido na data em que completou os 55 anos de idade – ou seja, em 4 de Abril de 1992, pois nasceu a 04.04.1937;
17. O A. foi contratado pela NAVIPOR por se prever que o mesmo iria retirar-se da actividade de oficial da marinha mercante;
18. O A. era o único ex-oficial da marinha mercante ao serviço da Ré, sabendo os respectivos gerentes que o mesmo havia abandonado a vida do mar para ir trabalhar na NAVIPOR;
19. A NAVIPOR e a Ré funcionam em estreita ligação diária, partilhando inclusive instalações na Av. ......... n.º ..., em Setúbal;
20. A Ré fornece mão-de-obra à NAVIPOR;
21. Desde a contratação do A., em 11.05.1994 e com efeitos a partir de 1 de Junho seguinte, a Ré conhecia a sua situação de reformado por velhice;
22. Em acção que o A. moveu à Ré, a qual tomou o n.º 178/2002 neste Tribunal, foi proferido o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 18 de Novembro de 2003, a fs. 102 a 112 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
23. Com data de 22 de Junho de 2006, a Ré enviou ao A. a carta de fs. 17 dos autos, afirmando o seguinte:
«Por força da vossa passagem à situação de reforma, da qual tomamos conhecimento em 1 de Março de 1998, o contrato de trabalho que o vinculava à Navipor e agora vincula à Operestiva converteu-se automaticamente, nos termos do artigo 5.° do entretanto revogado Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, em contrato a termo de seis meses, renovável por períodos iguais e sucessivos.
Consequentemente, e até à presente data, o Senhor Comandante tem vindo a trabalhar para a Operestiva ao abrigo de sucessivos contratos a termo de seis meses.
Assim, não sendo intenção da Operestiva continuar com o vínculo, vimos pela presente comunicar a nossa intenção em não renovar o contrato de trabalho por novo período de seis meses, pelo que o mesmo caducará, nos termos dos artigos 387.º e 392.º do Código do Trabalho, no próximo dia 31 de Agosto de 2006.
Até essa data, fica o Senhor Comandante dispensado de comparecer ao serviço»;
24. Em 31 de Agosto de 2006, o A. cessou o exercício das suas funções na Ré, por tal não lhe ser mais permitido por esta;
25. Ultimamente, o A. auferia a remuneração mensal de € 1.689,14, acrescendo a remuneração mensal complementar de € 271,62, catorze meses por ano, utilizando ainda automóvel da empresa, para fins profissionais e pessoais;
26. Tal remuneração é a mesma que era paga no ano de 2004, sendo que até então a mesma era actualizada pela Ré, anualmente, em percentagem igual à dos restantes trabalhadores administrativos da empresa;
27. Em 1 de Janeiro 2005, o outro trabalhador administrativo da Ré, CC, viu o seu vencimento base aumentado de € 1.127,50 para € 1.178,30, e as diuturnidades de € 21,17 para € 21,70;
28. Em 1 de Janeiro de 2006, o mesmo trabalhador viu o seu vencimento base aumentado para € 1.207,80, e as diuturnidades para € 44,40;
29. A viatura automóvel que a Ré havia atribuído ao A. ficou inoperante em Julho de 2006, tendo aquela recusado a sua reparação;
30. Em consequência da cessação do seu contrato de trabalho, o A. sentiu-se angustiado e vexado;
31. Em Fevereiro de 2006, a Ré determinou que o A. passasse a trabalhar no Porto de Setúbal, no contentor retratado nas fotografias de fs. 26 e 27 dos autos;
32. Nesse contentor, o A. dispunha de um gabinete de reduzida dimensão, ocupado por uma secretária que enchia grande parte do espaço e estando um dos lados ocupados com um armário da BB onde se guardavam utensílios de estiva;
33. Esse espaço não dispunha de condições para receber alguém;
34. Não dispunha igualmente de condições de salubridade – frio no Inverno, quente no Verão – nem de privacidade ou desafogo indispensáveis para o correcto exercício das suas funções de director técnico da empresa;
35. Este facto vexou o A.;
36. Desde 01.01.2004, a Ré não proporcionou formação profissional ao A..

3 - DIREITO
3.1. Conforme decorre da exposição constante da rubrica “Relatório”, a divergência nuclear entre as partes – que condicionou as suas teses relativamente ao eventual ressarcimento do A. pela cessação do vínculo – reconduz-se à natureza intemporal ou precária do contrato, pacificamente reconhecido como laboral, firmado entre as partes.
Na verdade:
- Sustenta o A. que esse convénio foi celebrado por tempo indeterminado, motivo por que a declaração da sua caducidade, operada pela R., configura um despedimento ilícito, a consequenciar a sua reintegração (ou exigibilidade da indemnização optativa) e o pagamento das retribuições vencidas entre o falado despedimento e a data da decisão;
- Em contrapartida, entende a R. que se trata de um contrato a termo certo – por virtude da situação de reforma, por ela ignorada ao tempo, em que o A. já se encontrava à data da sua celebração – devendo ser reconhecida, pois, a sua válida cessação por caducidade, em decorrência da declaração que oportunamente emitiu nesse sentido.
No que concerne a esta caracterização do vínculo, as instâncias acolheram a tese do A.
Porém, já vieram a divergir – parcialmente – no tocante às consequências a extrair da afirmada ilicitude do despedimento.
A 1ª instância recusou liminarmente qualquer direito do A., tanto na vertente indemnizatória por cessação ilícita do contrato, como na vertente retributiva intercalar, sob a motivação de que o mesmo perfizera 70 anos de idade entre a declaração de caducidade operada pela R. e a instauração da acção, circunstância que determinaria, sem mais, a imediata caducidade do contrato.
A Relação por seu turno, sufragou o entendimento da sentença quanto às retribuições intercalares, embora o haja feito com distinta fundamentação, mas entendeu que sempre seria devida ao A. uma indemnização pela cessação do contrato.
Em síntese, ponderou que:
- Embora o vínculo (por tempo indeterminado) haja sido reposto, o certo é que o mesmo se converteu imperativamente em contrato a termo certo de 6 meses a partir do momento em que o A., após o despedimento mas antes de ajuizar a acção, perfez 70 anos de idade;
- Como essa idade foi atingida em 04-04-2007 e a acção só veio a ser intentada em 27-07-2007, não há lugar ao pagamento das retribuições vencidas entre o despedimento e a propositura da acção, face ao comando do art. 437.º, n.º 4 do CT/2003;
- É-lhe devida, contudo, uma compensação traduzida nas retribuições que se venceram entre 04-04-2007 – data em que atingiu os 70 anos – e 03-10-2008, data em que produziu efeitos, como caducidade, a declaração que o A. produzira na audiência de julgamento, quando optou pela indemnização de antiguidade em lugar da reintegração.
Esta questão, tida por essencial em função do posicionamento adjectivo assumido pelas partes, continua em aberto, visto que a R. – e desta feita apenas ela – a coloca expressamente na presente revista.
A par dela, continua a questionar outros segmentos decisórios do acórdão que, todavia, já são alheios à temática enunciada.
Mais em concreto e de acordo com o núcleo conclusivo recursório o objecto da revista pressupõe a análise das seguintes questões:
A) Da nulidade do acórdão, por excesso de pronúncia e condenação em objecto diverso do pedido;
B) Da (in)existência de um despedimento ilícito;
C) Da (in)existência do dever de pagar diferenças salariais;
D) Do valor devido pela privação do uso do veículo automóvel;
E) Do crédito devido por falta de formação profissional.

3.2. Da nulidade do acórdão por excesso de pronúncia e condenação em objecto diverso do pedido:
Defende a R. que o acórdão, ao decidir condená-la no pagamento das retribuições que o A. deixou de auferir desde 04.04.2007 até 03.10.2008, é nulo por excesso de pronúncia e condenação em objecto diverso do pedido, porquanto não se contém na causa de pedir invocada pelo A. e conheceu de questão não suscitada pelo mesmo nas conclusões das suas alegações de recurso, tendo, assim, violado o disposto nos arts. 660.º, 661.º, n.º 1, 684.º, 690.º, 668.º, nº 1, al. d) e e) e 716.º, n.º 1 todos do CPC.
Como é consabido, o tribunal não se encontra sujeito à alegação das partes no referente à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, podendo, e devendo, apreciar as questões por elas suscitadas, procedendo ao enquadramento jurídico que se apresente como o pertinente ao caso – art. 664.º CPC.
Como se sabe, o excesso de pronúncia ocorre quando o tribunal conhece de questões que, não tendo sido colocadas pelas partes, também não são de conhecimento oficioso, sendo que as questões não se confundem com os argumentos, as razões e motivações produzidas pelas beligerantes para fazer valer as suas pretensões: “questões”, para efeitos do nº 2 do art. 660.º do CPC, são apenas aquelas que integram matéria decisória, isto é, os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções deduzidas.
Ora, no caso dos autos, para o que aqui agora releva, o A. alegou que, desde 1994, mantinha com a R. um contrato de trabalho por tempo indeterminado, que a R. fez cessar mediante comunicação de caducidade com efeitos reportados a 31 de Agosto de 2006, o que consubstanciou um despedimento ilícito. Por isso, pediu a condenação da R. na reintegração ao seu serviço ou na correspondente indemnização, nos termos do art. 439.º CT, bem como nas retribuições vencidas e vincendas desde a data do despedimento.
A 1ª instância sufragou a tese do A. e concluiu pela ilicitude do seu despedimento mas, atento o facto de o mesmo ter, entretanto, perfeito 70 anos de idade, em data anterior à da propositura da acção, entendeu não lhe ser devida, a este título, qualquer indemnização.
Nas conclusões da sua apelação, o A. defendeu que não tinha aplicação ao caso o disposto no art.º 392.º do CT, tal como afirmado na sentença e, tendo sido considerado ilícito o seu despedimento, haveria que se lhe reconhecer o direito às retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, como resulta do nº 1 do art. 437º.
Neste âmbito, o acórdão da Relação, sufragou a decisão da 1ª instância quanto à natureza do vínculo estabelecido entre A. e R. e, concluindo que se verificou o despedimento ilícito do A., ponderou que a declaração dessa ilicitude “reporia” o contrato de trabalho por tempo indeterminado; porém, como o A. após esse despedimento perfez 70 anos, verificou-se a oposição de um termo certo nesse contrato, verificando-se a sua caducidade mediante comunicação prévia de qualquer uma das partes, entendendo-se, para tal efeito, a declaração do A., no âmbito do julgamento, de que optava pela indemnização. Neste pressuposto, concluiu que o contrato cessou para o termo do prazo de renovação em curso nessa data.
Vigorando, ao tempo, um contrato de trabalho a termo, por aplicação do disposto no art. 440.º do CT, decidiu a Relação que o A. tinha direito a receber uma compensação correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a altura em que o contrato se convolou a termo até à data do termo do contrato.
É certo que o A. fundamentou essa sua pretensão no disposto no art. 437.º do CT, por, no seu entender, se tratar de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, enquanto o acórdão fundamentou a condenação operada no regime imperativo para os contratos de trabalho a termo, estabelecido no art. 440.º do CT.
Todavia, essa assinalada divergência apenas ocorreu porque o acórdão em crise integrou e fundamentou os factos apurados na concreta verificação, a partir da data em que o A. perfez 70 anos de idade, de um contrato de trabalho a termo, cujas consequências legais estão previstas, em regime próprio, naquele dispositivo legal.
Aliás, a própria R. defendeu a existência de um contrato de trabalho a termo, cuja cessação, fora do âmbito previsto no art. 392.º do CT, determinaria sempre a compensação estabelecida no art. 440.º desse diploma legal.
Deste modo, verifica-se que o acórdão recorrido, na parte referente às consequências da ilicitude do despedimento do A., procedeu a uma qualificação jurídica dos factos apurados nos autos distinta da realizada na 1ª instância e pelo A., mas não exorbitou nem o âmbito da causa de pedir, nem o pedido por este formulado, o qual, recorde-se, se traduzia no pagamento das retribuições vencidas e vincendas desde a data do despedimento.
A causa de pedir do A. traduz-se na factualidade inerente à alegação do despedimento ilícito de que foi alvo e nas consequências jurídicas daí decorrentes e foi nesse âmbito que o acórdão recorrido se pronunciou. Isto é, o tribunal da Relação indagou, interpretou e aplicou as regras de direito à factualidade determinada na 1ª instância.
Como resulta dos autos, na questão de saber que natureza assumia o vínculo estabelecido entre A. e R. – se a termo ou por tempo indeterminado – as partes assumiram, desde o início da instância, posição diferenciada, o que, naturalmente, determinava consequências jurídicas diversas, pelo que mal se compreende a alegação, por parte da R., no âmbito da revista, de que o correspondente segmento do acórdão constitui uma decisão surpresa, quando mais não faz do que sufragar uma dessas posições e determinar as consequências jurídicas da mesma, face à particularidade dos factos determinados nos autos.
Entendemos assim que a questão apreciada pelo Tribunal da Relação é a mesma que foi trazida aos autos e insere-se na causa de pedir do A., apenas foi apreciada, no puro âmbito do direito, de forma distinta daquela que foi realizada pelas partes, contendo-se a condenação no âmbito do que foi pedido pelo A. (neste sentido, vejam-se, entre outros, Ac. deste STJ datados de 16.01.2008, revista n.º 535/07; 04.06.2008, revista n.º 2894/07; 19.11.2008, revista 721/08 e 29.04.2009, revista n.º 2057/08).
Pelo exposto, improcedem as conclusões C) e D) relativas à invocada nulidade do acórdão recorrido.

3.3. Da (in)existência de um despedimento ilícito:
3.3.1. Defende a R. que o decidido pelo tribunal da Relação sobre o enquadramento do vínculo estabelecido com o A. e forma de cessação do mesmo não se compadece com o disposto na lei e na Constituição. E fá-lo por entender que tendo o A. sido contratado já na situação de reformado por velhice, aplica-se o regime estabelecido, à data, no art. 5.º da LCCT e, na data da cessação, no art. 392.º do CT/2003, querendo, com isso, significar que o contrato de trabalho esteve sempre sujeito a termo.
Neste particular, as instâncias decidiram de forma coincidente, no sentido de que o regime estabelecido nos n.º 1 e 2 do referido art. 392.º do CT não tem aplicação ao caso dos autos uma vez que o A. já se encontrava reformado por velhice na data em que foi contratado pela R. e tal regime apenas tem aplicação para as situações em que o trabalhador se mantém vinculado à entidade patronal quando atinge a idade da reforma por velhice.
Sobre esta questão já se pronunciou, expressamente, este Supremo Tribunal, em aresto subscrito pelos ora relator e 1º Adjunto (Revista n.º 3320/06 de 07.02.2007, citado, aliás, pelas instâncias), não havendo fundamento para divergir do aí consignado. Nele se afirma que o disposto no art. 5.º, n.º 1 da LCCT (correspondente ao nº 1 do art. 392.º do CT/2003) apenas se aplica aos trabalhadores que permaneçam ao serviço da mesma empresa, o que decorre da sua própria redacção e do regime específico ali contemplado.
Quanto à natureza do vínculo estabelecido com trabalhadores já reformados à data da contratação, mais se decidiu que sendo as pensões de velhice acumuláveis com rendimentos de trabalho, nada impede a eventual contratação, por terceiros, desses trabalhadores, ficando o respectivo vínculo sujeito, sem ressalvas ou restrições, aos princípios gerais da contratação, designadamente à contratação sem termo. Contudo, logo que o trabalhador atinja os 70 anos de idade sem que o contrato caduque, o mesmo converte-se em contrato de trabalho a termo de seis meses.
Defendeu a R. que esta interpretação ofenderia os princípios legais e o art. 13.º e al. b) do n.º 1 do art. 70.º da Constituição mas também aqui falece a sua argumentação.
O Tribunal Constitucional já teve ensejo de se pronunciar sobre esta questão, concluindo pela adequação constitucional do art. 5º da LCCT (correspondente ao art. 392.º CT/2003), no âmbito dos Processos n.s 581/95, de 31.10.95, e 747/95, de 19.12.95.
E, por se acolher inteiramente a fundamentação neles aduzida, respiga-se a sua síntese basilar, tal como se acha enunciada no primeiro daqueles arestos: “ A reforma por velhice – como as demais vertentes da Segurança Social – funda-se nos princípios da dignidade humana e da solidariedade (…).
É assim que a Constituição, no artigo 63º, garante a todos o direito à Segurança Social (n.º 1) e a criação de um sistema de protecção dos cidadãos na doença, velhice, invalidez (…) (n.º 4). E a lei, no que à reforma por velhice respeita, determina que “integra a eventualidade velhice a situação em que o beneficiário tenha atingido a idade mínima, legalmente presumida como adequada, para a cessação do exercício da actividade profissional idade que é, em regra, de 65 anos (…).
(…) Se ao trabalhador foi criada uma alternativa digna ao contrato de trabalho, não seria razoável que, a partir da criação do pressuposto de facto que justifica aquela alternativa – a idade da reforma – a entidade empregadora fosse obrigada a manter ao seu serviço, por tempo indeterminado, trabalhadores com mais de 65 anos.
Por mais que o contrato de trabalho se constitua em terreno adequado de “formas de paternalismo legítimo (C.S.Nizo), existe aqui uma lógica de proporcionalidade, que aponta para a relevância, em certos termos, dos valores da “equivalência” de prestação do contrato.
(…) Haverá de concluir-se que a “estabilidade condicionada de emprego”, para que apontou a Lei n.º 108/88 – e que o Decreto-Lei 64-A/89 concretizou - tem aquela justificação necessária para que se limite a pretensão de optimização que, como em todas as garantias fundamentais, vai envolvida na norma constitucional do artigo 53º. O trabalho como meio de realização, a retribuição como condição de dignidade, e a equivalência das prestações do contrato estão numa relação de equilíbrio, aqui onde o trabalhador atinge a idade de reforma, pode obtê-la e se abre um espaço de “renegociação do trabalho”.
(…) Assim, as normas em apreço ordenam-se também às directivas metódicas do artigo 18º da Constituição e, porque justificadas, não aprontam o princípio da igualdade”.
Perante uma relação laboral pré-existente com a reforma do trabalhador, verifica-se a caducidade do vínculo, o qual traduz uma forma de cessação do contrato fundamentada na circunstância de o trabalhador ter direito ao descanso e poder já não estar apto para continuar a desenvolver a sua actividade, não se impondo à empregadora uma prestação que pode já não lhe interessar.
Situação bem diferente é aquela em que o trabalhador é já contratado na situação de reformado, em que a empregadora, sabendo-o, pondera a capacidade de trabalho do mesmo e opta por o admitir ao seu serviço, não se impondo qualquer razão para que este vínculo não fique sujeito às regras gerais da contratação laboral, independentemente da idade concreta do trabalhador.
Nos presentes autos, o A. foi contratado pela R. quando já se encontrava na situação de reformado por velhice, facto que era do conhecimento da R. Foi assim estabelecido entre as partes um vínculo “ex novo”, pelo que não tem aplicação o disposto, à data, no art.º 5.º, n.º 1 da LCCT, norma especial que apenas abrange as situações em que o trabalhador, mantendo um vínculo laboral com determinada empregadora, atinja, na mesma (aí permaneça, nos termos da lei) a idade para a reforma por velhice.
Fora dessas situações, o vínculo laboral estabelecido segue o regime da lei geral, sendo que, no caso em apreço, o A. foi admitido ao serviço da R. em 01.06.1994, mediante contrato de trabalho com termo em 31.12.1997 e, em 15.12.1997, a R. voltou a admitir o A. para o exercício nas mesmas funções que vinha desenvolvendo, a termo incerto (factos provados sob os nºs 4 e 12), mantendo-se, assim, o A. a trabalhar para a R. até Junho de 2006.
Mediante carta datada de 22.06.2006, a R. comunicou ao A. que devido à situação de reforma, cujo conhecimento diz ter-lhe chegado em 1 de Março de 1998, o contrato que o vinculava converteu-se automaticamente em contrato a termo de seis meses, pelo que não sendo sua intenção continuar com o vínculo, transmitia a intenção de não renovar o contrato de trabalho por novo período de seis meses, caducando o mesmo no dia 31 de Agosto de 2006 (facto provado sob o n.º 23).
Tendo o A. sido admitido já na situação de reformado e permanecendo a trabalhar para a R. durante mais de 12 anos, o seu contrato de trabalho, nos termos gerais, tem de ser considerado por tempo indeterminado, pelo que, tal como concluíram as instâncias, a sua cessação por parte da R. para o termo de um suposto prazo de seis meses consubstancia um despedimento ilícito.
Salienta-se que está provado (n.º 21) que a R., quando admitiu o A. ao seu serviço já sabia que o A. estava reformado e, seguramente, não entendeu que o A. estaria a ser admitido no âmbito de um vínculo a termo por 6 meses, sucessivamente renovável. E isto porque, inicialmente, firmou com ele um contrato a termo por 3 anos e, de seguida, um outro a termo incerto, pelo que a posição que assume nos autos, e que retratou na comunicação enviada ao A. para a denúncia do contrato, não é, sequer, consentânea com a que manifestou aquando da contratação do A., pois se assim o fosse teria firmado com ele um contrato de trabalho, já consignando a circunstância de estar reformado por velhice e o termo por seis meses, sucessivamente renovável.
Desta forma, improcedem as conclusões E) a S) da revista.

3.3.2. Em sede subsidiária, mesmo admitindo que se afirme a existência de um despedimento ilícito do A., a R. defende que não poderia ser condenada no pagamento das retribuições deixadas de auferir por aquele entre 04.04.2007 (data em que o contrato se convolou a termo) e 03.10.2008 (data do termo da renovação do contrato).
E isto porque desde a data da cessação do contrato (31.08.2006) e a data em que a acção deu entrada em tribunal (27.07.2007), o A. perfez 70 anos de idade (em 04.04.2007), tendo-se verificado, nesta data, a caducidade do contrato, nos termos no n.º 3 do art. 392.º CT, uma vez que a R. já tinha manifestado a vontade de denunciar o contrato, devendo tal vontade considerar-se, aí, operante. Ou, mesmo que não se entendesse ocorrida a caducidade do contrato quando o A. perfez os 70 anos, deveria a mesma entender-se como ocorrida ao fim de 6 meses após essa data, não fazendo sentido ficcionar-se uma renovação sucessiva, que apenas terminou com a declaração do A.
No acórdão recorrido considerou-se que: “O que resulta do art. 392.º, n.º 3 do CT é que o facto de o trabalhador atingir os 70 anos de idade sem que tenha ocorrido caducidade do vínculo por reforma, tal acarreta que seja aposto ao contrato um termo resolutivo segundo o regime que resulta do nº 2 do mesmo preceito. Ou seja, o contrato subsiste após o trabalhador atingir os 70 anos de idade, embora transformado automaticamente em contrato a termo de seis meses, indefinidamente renovável, podendo as partes fazer operar a respectiva caducidade mediante aviso prévio (60 dias para a entidade empregadora e 15 dias para o trabalhador). No caso, a cessação do contrato ocorreu em 31/08/2006, por iniciativa da Ré, invocando a pretensa caducidade do mesmo. Já vimos, porém, que essa cessação corresponde a um ilícito despedimento. O reconhecimento dessa ilicitude acarreta que se considere que o contrato é reposto em vigor como se o despedimento não tivesse sido decretado e a cessação só ocorre se o trabalhador em vez da reintegração optar pela indemnização em substituição da reintegração, como aconteceu no caso dos autos já que o Autor por requerimento ditado para a acta da audiência de julgamento (vede fls. 1206 dos autos) optou por tal indemnização. (…)
Ora, se é certo que a declaração de ilicitude do despedimento de que o Autor foi alvo repõe em vigor o contrato de trabalho como se despedimento não tivesse existido, não é menos certo que esse contrato reposto em vigor passou a valer como contrato a termo certo de seis meses a partir do momento em que o Autor perfez os 70 anos de idade, situação esta que passou a verificar-se a partir de 4/04/2007. Isto significa que à data da propositura da acção – 27/07/2007 – os direitos que o Autor podia fazer valer eram os inerentes ao de um contrato a termo certo de seis meses, que era o que então vigorava, direitos esses que são os consignados no art. 440.º do CT, ou seja, assiste ao Autor o direito a uma indemnização pelos prejuízos causados, não devendo o trabalhador receber uma compensação inferior à importância correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo do contrato ou até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal se aquele termo ocorrer posteriormente e à reintegração caso o termo ocorra depois do trânsito em julgado da decisão do tribunal.
Parece, no entanto, que o direito à referida compensação só pode contabilizar-se a partir de 4/04/2007, pois que foi nessa data que ocorreu a conversão em contrato a termo do vínculo do Autor, sendo que todo o tempo decorrido posteriormente ao despedimento e até àquela data (4/04/2007), porque ainda vigorava um contrato sem termo, só poderia ser indemnizado ao abrigo do regime definido no art. 437.º do CT; porém, porque a acção só foi proposta em 27/07/2007 não há lugar a tal indemnização por imperativo do disposto no art. 437.º, nº 4 do CT, pois que não há período de tempo aproveitável ao abrigo de tal disposição. (…)”.
Tendo o contrato do Autor sido convertido automaticamente em contrato a termo de seis meses em 4/04/2007, temos que o mesmo tem de ter-se renovado por igual período em 4/10/2007 e 4/04/2008 e renovar-se-ia novamente pelo mesmo período em 4/10/2008; porém, ao fazer a opção pela indemnização em 17/06/2008 e com tal declaração ter implicitamente emitido uma declaração no sentido da cessação do contrato, cuja relevância tem de considerar-se operante para efeitos da caducidade do contrato a termo que entre as partes vigorava, o Autor fez no mínimo operar a referida caducidade para o termo da renovação em curso. Assim, o contrato tem de considerar-se cessado por caducidade em 3/10/2008, assistindo ao Autor, em consequência do despedimento de que foi alvo, o direito a uma compensação equivalente às retribuições que deveria ter normalmente auferido desde 4/04/2007 e até 3/10/2008, respectivamente a data em que perfez os 70 anos de idade e a data em que terminava a renovação em curso do prazo do contrato a termo de seis meses que entre as partes vigorava quando o Autor fez operar a respectiva caducidade.”

Concordamos, no essencial, com a fundamentação do acórdão recorrido.
Efectivamente, declarada a ilicitude do despedimento, tudo se passa como se o vínculo existente entre A. e R. se mantivesse, sendo que o mesmo, como supra referido, era de considerar por tempo indeterminado.
Assim, quando o A. perfez 70 anos de idade, tal contrato, face ao disposto no art. 392.º, nº 3 do CT, não caducou automaticamente, mas convolou-se em contrato a termo por seis meses, renovável por iguais períodos, sem sujeição a limites máximos.
Para se verificar a sua caducidade, A. ou R. teriam de a comunicar, mediante aviso prévio à contraparte, respectivamente, com a antecedência de 15 ou 60 dias.
É certo que a R. pretendia, efectivamente, denunciar o contrato, desde logo porque o fez ainda antes de o A. ter atingido os 70 anos de idade, mas também não é menos certo que quando a R. comunicou a sua intenção de não renovar o contrato, tal comunicação, como já se explicitou, não era válida, pois, nessa altura, o vínculo existente entre as partes não estava sujeita a qualquer termo. A declaração da R., no momento em que foi produzida, foi intempestiva.
Pretende agora a R. que tal declaração seja “repristinada” e se considere operante para a data em que o A. perfez os 70 anos, ou, na pior hipótese, para o termo do primeiro período de seis meses, após essa data.
Entendemos, no entanto, que tal “aproveitamento” não é juridicamente possível. E isto porque a declaração realizada pela R. teve em vista a extinção do contrato num momento em que o mesmo não poderia, em termos legais, cessar dessa forma. Tendo essa declaração um contexto próprio, não pode a mesma ser aproveitada para qualquer outro momento em que pudesse vir a ser legalmente admissível, tanto mais que o A. recepcionou-a nessa data e, por com ela não concordar, accionou os meios legais para fazer valer os seus direitos. Isto é, essa declaração surtiu todos os efeitos cuja virtualidade continha, no momento em que foi emitida pela R. e recepcionada pelo A.
O certo é que a R., quando o contrato se converteu a termo, não emitiu qualquer declaração para o fazer cessar. Poder-se-ia dizer que, no momento próprio, a R. não emitiu qualquer outra declaração porque entendia que o vínculo com o A. já tinha cessado. Contudo, tem que se ponderar que esse foi um risco que ela correu com o seu comportamento e que as consequências dessa sua omissão só podem ser imputadas à própria R., sob pena de não se assegurarem os direitos do A. e, inclusivamente, premiar o comportamento da R. ao fazer cessar, de forma ilícita, o contrato de trabalho.
Assim, por se sufragar o entendimento expresso a este propósito no acórdão recorrido, subsiste, necessariamente, como atendível, e porque não questionada pelo A., a data fixada no mesmo aresto para a cessação do vínculo, feita coincidir com a declaração para denúncia do convénio emitida pelo A. em sede de audiência de julgamento, ao optar pela indemnização.
Também quanto ao valor da compensação a atribuir ao A., é de manter a decisão do tribunal da Relação, uma vez que, tratando-se de um contrato a termo, a compensação prevista é a estabelecida no art. 440.º do CT e não do art. 437.º do mesmo diploma.
De facto, a indemnização prevista no art.º 437.º só é de aplicar para a cessação ilícita de contratos de trabalho por tempo indeterminado pois para os contratos a termo existe a disposição especial do art. 440.º, que estabelece os termos da compensação, conforme determinados no acórdão recorrido.
E, não são, igualmente, de contabilizar, como também faz o acórdão, as retribuições que seriam devidas desde a data do despedimento até à data em que o A. perfez 70 anos de idade (coincidente com a oposição de termo ao contrato), por o A. não ter intentado a acção nos 30 dias posteriores aquela data (437.º, n.º 4).
Assim, improcedem as conclusões T) a CC) da revista.

3.4. Da (in)existência do dever de pagar diferenças salariais:
Neste âmbito, defende a R. que a carta enviada ao A., na mesma data em que firmou o contrato de trabalho com ele, mais não é do que uma promessa unilateral, que não a vincula uma vez que não estamos perante qualquer uma das situações previstas no art. 457.º do CC.
O acórdão recorrido considerou que a R. estava vinculada à actualização da retribuição do A., nos termos consignados na referida carta, pois o envio da mesma, simultaneamente com a celebração do contrato de trabalho, mais não é do que o cumprimento dos deveres especiais de informação, que legalmente impendem sobre a R. E tanto assim é que tal carta foi enviada ao A. “para total esclarecimento do contrato de trabalho”.
Também aqui acolhemos o entendimento manifestado pelo tribunal da Relação.
E isto porque está provado que a R. comunicou ao A., concomitantemente com a negociação do contrato de trabalho, que a retribuição acordada entre eles seria actualizada nos termos que fossem praticados para os trabalhadores administrativos da R., sendo que este é um aspecto essencial do objecto do contrato de trabalho, o qual, se inclui no mesmo, nos termos do disposto no art. 222.º, nº 1 do CC.
Assim, é evidente que a R. se vinculou perante o A. a proceder aos aumentos da sua retribuição, nos mesmos termos que o fizesse para os empregados administrativos, o que, aliás, como resulta dos factos provados, praticou desde 1995 a 2004 (facto n.º 26) e, desde essa data, praticou para outro trabalhador administrativo (factos nº 27 e 28) mas já não para o A.
Desta forma, improcedem as conclusões DD) a FF).

3.5. Valor devido pela privação de uso do veículo automóvel:
Relativamente ao valor fixado pela 1ª instância, e confirmado pela Relação, como compensação do A. pela privação de uso de veículo automóvel, a R. insurge-se por se ter recorrido a critérios de equidade para determinar o valor pecuniário a pagar uma vez que não se verifica nenhuma das circunstâncias em que o art. 4.º do CC permite decidir com base na equidade, tendo, ainda, o A. ficado eximido do ónus da prova do valor pecuniário correspondente à utilização do automóvel. Defende, assim, a condenação em valor a liquidar posteriormente.
Não questiona a R, como o não fez na apelação, que a atribuição de veículo automóvel equivale a retribuição e que a privação do mesmo equivale à privação dessa componente remuneratória. Contudo, entende que, não estando provado o valor dessa componente retributiva, competia ao A. ter demonstrado o seu montante, e, não o tendo feito, estava vedado ao tribunal socorrer-se de juízos de equidade para o fixar.
Neste particular, entendemos que assiste razão à R.
Está só em causa o critério usado pelas instâncias para a determinação do valor pecuniário correspondente ao gozo e fruição que o A. tinha do veículo e que deixou de ter desde Julho de 2006, por facto imputável à R.
Atentos os autos constata-se que o A. pediu que fosse fixado o montante da compensação pela privação do uso do veículo, na quantia de € 1.000,00 mensais.
Na sentença foi esse valor fixado em € 750,00, por se entender que, não estando determinados factos concretos nesse âmbito, em termos de equidade, ponderando o tipo de veículo que o A. teria e o aluguer do mesmo, seria esse o valor equilibrado.
No acórdão recorrido, para manter a decisão da 1ª instância, consignou-se que “ A matéria de facto provada não fornece qualquer elemento a que possa atender-se para fixar o valor pecuniário correspondente ao referido complemento retributivo (….) Admitimos ser discutível o critério; porém, cremos que o mesmo se fundamentou em bases objectivas a que adicionou a prudência que deriva da equidade, a que o julgador não estava impedido de recorrer pois que a lei lhe impunha, em nosso ver, decisão sobre a matéria.”
Atenta a factualidade apurada, verifica-se que, efectivamente, apenas se determinou que a viatura automóvel que a R. havia atribuído ao A. ficou inoperante em Julho de 2006, tendo aquela recusado a sua reparação (facto n.º 29), sendo que esse veículo lhe estava atribuído para uso no exercício das suas funções e fora delas, pelo que está, somente, demonstrada a privação do A. do uso do referido veículo.
Essa privação de uso corresponde a um valor quantificável em termos pecuniários, tendo vindo a ser entendido por este Supremo Tribunal que o valor dessa retribuição em espécie é o correspondente ao beneficio económico obtido pelo trabalhador, por via do uso pessoal da viatura, competindo ao trabalhador o ónus de alegar e provar aquele valor, nos termos do disposto no artº 342º, nº 1 CC.
Quando não são apurados factos suficientes que permitam apurar o valor exacto desse benefício económico, deve o tribunal proferir condenação ilíquida, com a consequente remissão do seu apuramento para a execução de sentença, mesmo quando o A. tenha formulado pedido líquido (vide Ac. desta Secção, datado de 22.03.2006, na revista n.º 3729/05; de 10.05.2006, revista n.º 3490/05 e de 08.11.2006, revista n.º 1820/06).
Assim, entendemos que não há lugar à fixação por equidade, tendo antes de ser relegado para liquidação em execução de sentença o valor correspondente ao benefício económico que representava para o A. o uso do veículo automóvel nos dois meses por este peticionados (Julho e Agosto de 2006).
Procedem, assim as conclusões GG) a MM) da revista.

3.6 - Crédito devido por falta de formação profissional:
Por último, não se contenta a R. com a redução, a que procedeu o acórdão revidendo, do valor referente ao créditos de horas por falta de formação profissional do A.
Recordemos que a Relação operou a sobredita redução – fazendo coincidir o seu montante com o valor do pedido expresso pelo A. a esse propósito – com a justificação de que, assumindo aquele crédito a natureza de disponível, a condenação nunca poderia exceder aquele valor.
Naturalmente, a R. não questiona esse entendimento, que lhe é favorável: a sua censura consiste, antes e apenas, em que, segundo ela, o princípio da limitação do pedido, convocado no acórdão, também deveria abranger o valor concreto que o A. atribuiu a cada uma das horas.
Está bem de ver que o reparo carece de fundamento: desde que não exorbitasse o valor do pedido, o tribunal mover-se-ia sem constrangimentos no cálculo do valor correspondente a cada hora.
E, como a tal se circunscreve a censura da R. – que não questiona a bondade dos cálculos efectuados pelas instâncias para aquela determinação devemos concluir, sem mais, que nenhum reparo nos merece o correspondente segmento decisório.

4 – Decisão
Em face do exposto concede-se, parcialmente, a revista da R. nos seguintes termos:
1 – Altera-se o segmento decisório do acórdão da Relação que, confirmando a sentença da 1ª instância, condenou a R. a pagar ao A. a quantia de € 1.500,00 pela privação do uso da viatura, ficando a R. condenada a pagar, a esse título, o montante que se vier a apurar em oportuna liquidação;
2 – Confirma-se, no mais, o mencionado acórdão.

Custas, nas instâncias e no Supremo, pelo A. e pela R., no proporção do seu decaimento.

Lisboa, 27 de Abril de 2010

Sousa Grandão (Relator)
Pinto Hespanhol
Vasques Dinis