Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | FERREIRA GIRÃO | ||
Descritores: | INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO DANOS FUTUROS JUROS DE MORA ACTUALIZAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | SJ200610120025812 | ||
Data do Acordão: | 10/12/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
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Sumário : | I - Resultando dos factos provados que a autora tinha 49 anos de idade aquando do acidente, que então auferia 704,00 € por mês como empregada a dias (a ganhar 4,00 € por hora durante 8 horas diárias de 2.ª a 6.ª feira) e que em consequência do sinistro ficou a padecer de uma IPP de 5%, afigura-se justa, porque equitativa, a indemnização de 15.000,00 € destinada a reparar os danos futuros por perda da capacidade de ganho, quantia essa que pode ser determinada mediante a utilização da tradicional regra de três simples, na qual se pondera uma taxa de juro de 2,5% e se toma em consideração que a vida activa dos portugueses ultrapassa, hoje, os 70 anos. II - Para a aplicação da doutrina inserta no AC UNIF JURIPS n.º4/2002, de 09-05-2002, não é necessária a expressividade da actualização, bastando que, do teor da sentença ou do acórdão, se extraia, sem qualquer dúvida, estar-se perante uma decisão actualizadora. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA veio pedir a condenação da ré Companhia de Seguros BB Europeia, SA, a pagar-lhe a indemnização de 42.221euros, com juros vincendos, desde a citação, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em consequência de uma acidente de viação, ocorrido no dia 26/2/2003 entre o automóvel 00-00-00, por si conduzido, e o automóvel 00-00-00, segurado na ré, sendo do respectivo condutor a culpa exclusiva pela eclosão do embate. A ré contestou apenas os danos, aceitando a responsabilidade do condutor do veículo por si segurado. Realizado o julgamento, foi sentenciada a procedência parcial da acção, com a condenação da ré a pagar à autora a indemnização de 7.871,3euros (5.371,3euros de danos patrimoniais+2.500euros de danos não patrimoniais), acrescida de juros, contados, às sucessivas taxas legais, desde a data da citação quanto aos danos patrimoniais e quanto aos não patrimoniais desde a data da sentença. Apelou a autora e a Relação de Guimarães, concedendo parcial provimento ao recurso, subiu para 15.000euros a indemnização arbitrada à autora pelos danos patrimoniais decorrentes da IPP de 5% que lhe foi atribuída. Pedem agora ambas as partes revista do acórdão da Relação. CONCLUSÕES DA AUTORA 1. Não questiona a recorrente a parte do douto acórdão recorrido, em que atribui a culpa na produção do sinistro ao condutor do veiculo automóvel segurado da recorrida; 2. Já que, de acordo com a prova produzida e com os factos provados, essa culpa é exclusivamente imputável ao condutor do veículo automóvel segurado da ré/recorrida; 3. Discorda, porém, a recorrente com o montante indemnizatório que lhe foi atribuído, a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial; 4. O valor de 2.500euros, fixado pela douta sentença recorrida, é insuficiente para ressarcir os danos a este título sofridos pela recorrente, tendo em conta a gravidade das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes; 5. Pelo que adequada se reputa a quantia de 15.000euros e que, como se fez na petição inicial, ora se reclama; 6. O valor global de 15.000euros, fixado a título de indemnização pela Incapacidade Parcial Permanente para o trabalho de 5% é insuficiente, para ressarcir a recorrente dos danos, a este título sofridos; 7. a autora/recorrente contava, à data do sinistro dos presentes autos, 49 anos, auferia um rendimento do seu trabalho (mulher a dias, sem contar o seu trabalho doméstico, na sua própria casa de habitação) de 832euros mensais, ficou a padecer de uma IPP de 5% e a expectativa de vida activa cifra-se nos 73 anos de idade; 8. tal como, de resto, foi considerado – e provado – no douto acórdão recorrido; 9. o montante de 15.000euros, fixado a este título, é, assim, insuficiente; 10. justo e equitativo é o valor reclamado, na petição inicial, de 24.974,70euros; 11. a recorrente, na sua petição inicial, pediu a condenação da ré, além do mais, nos juros moratórios, contados à taxa legal, desde a data da citação até efectivo pagamento; 12. a lei não distingue entre danos de natureza patrimonial e não patrimonial para a incidência de juros moratórios; 13. por imperativo legal, devem ser fixados juros moratórios sobre as quantias relativas às indemnizações fixadas pelos danos de natureza patrimonial e não patrimonial, não a partir da data da prolação da sentença, em 1ª Instância, como o fez o Tribunal da Relação de Guimarães, mas sim a partir da data da citação; 14. o Tribunal da Relação de Guimarães não actualizou os montantes indemnizatórios, fixados a título de indemnização pela IPP de 5% e pelos danos de natureza não patrimonial; 15. já que a autora/recorrente peticionou, a este título, a indemnização de 24.974,70euros e 15.000euros; 16. e o acórdão recorrido apenas fixou, também a este título, as indemnizações de 15.000euros e de 2.500euros, muito inferiores às inicialmente peticionadas; 17. razão pela qual não tem aplicação a doutrina estabelecida no Acórdão de Fixação de Jurisprudência, do Supremo Tribunal de Justiça nº4/2002, de 9 de Maio, publicado no DR, I-A, de 27/6/2002, o qual tem como pressuposto a actualização da indemnização peticionada, para valor superior ao inicial reclamado; 18. decidindo de modo diverso, fez o douto acórdão recorrido má aplicação do direito aos factos provados e violou, além disso, o disposto nos artigos 483, 487, 496, nº1, 562, 564, nºs1 e 2 e 805, nºs1, 2 e 3 do Código Civil. CONCLUSÕES DA RÉ 1. Não ficou provado que da incapacidade parcial permanente de 5% de que a autora é portadora tenha resultado perda ou diminuição da retribuição. 2. No caso dos presentes autos, considerando a situação em que a recorrente ficou, tendo em conta as regras da probabilidade normal de devir das coisas, a conclusão deve ser, como bem apontou a sentença de 1ª Instância, no sentido de que se está apenas perante um dano futuro previsível em razão do maior esforço no desenvolvimento da actividade geral, incluindo a vertente profissional. 3. A douta sentença, tendo em conta o reduzido grau de incapacidade permanente da apelante, a sua esperança provável de vida profissional e o juízo de equidade – artigo 566, nº3 do CC – fixou a indemnização por este dano em 5.000euros, montante que se mostra adequado. 4. Os critérios aritméticos utilizados para cálculo do dano patrimonial futuro em virtude da superveniência de incapacidade, apenas deverão servir de orientação ao julgador. 5. Por reporte à fórmula de cálculo de IPP utilizada em outras situações pelo STJ e com as premissas do caso dos autos temos que: inflação fixável em 4% ao ano; ganhos de produtividade fixáveis em 1%; IPP de 5%; vida útil de mais 24 anos; salário anual de 9.856euros. 6. Atendendo à taxa de juro líquida de aplicações financeiras fixável em 4%, com uma actualização da remuneração/ano na ordem dos 1% e sendo-lhe aplicada a taxa de juro de 0.02970297 chega-se a um montante indemnizatório de cerca de 8.000euros para perda de remuneração anual de 9.856euros para lesado com 50 anos de idade e 24 de vida activa (mesmo que com vida activa até aos 73) e 5% de IPP. 7. Assim, salvo melhor opinião, o douto acórdão deverá ser revogado quanto à fixação do quantum indemnizatório para ressarcimento da IPP de 5%, sofrida pela autora, fixando-se o mesmo em valor não superior a 7.500euros. Contra-alegou apenas a ré, defendendo a improcedência do recurso da autora. Corridos os vistos, cumpre decidir. Relevam para a resposta a ambos os recursos os seguintes factos provados: 1º A autora nasceu em 10/1/1954; 2º Como consequência directa e necessária do embate, resultaram para a autora lesões corporais várias, nomeadamente traumatismo do tórax, traumatismo da perna direita, cervicalgias, toraxicalgias e dorsalgias; 3º A autora foi transportada de ambulância para o Centro Hospitalar do Alto Minho, SA, de Viana do castelo, onde lhe foram prestados os primeiros socorros no respectivo Serviço de Urgência; 4ºNo próprio dia a autora obteve alta e regressou a casa; 5ºAí se manteve combalida e retida no leito pelo período de uma semana; 6ºApós este período a autora passou a ser assistida no Centro Hospitalar do Alto Minho, SA, de Ponte de Lima; 7ºDirigiu-se a tal Centro nos dias 3, 12 e 17 de Março de 2003, data em que obteve alta; 8ºNo momento do embate e nos instantes que o precederam, a autora sofreu um susto; 9ºA autora sofreu dores. 10ºA autora apresenta como sequelas: cervicalgias com irradiação para os membros superiores. Tem dificuldade nas tarefas em que tem de exercer carga como pegar em cestos de lenha, andar com uma enxada no campo e pegar em pesos no chão. Tem parestesias dos membros superiores; 11ºAntes da ocorrência do embate, a autora era uma mulher saudável. 12ºFicou a padecer de uma incapacidade parcial permanente de 5%; 13ºÀ data do embate, a autora, para além de doméstica, exercia as funções de empregada a dias noutras residências; 14ºO agregado familiar da autora é constituído pela própria, pelo seu marido e por duas filhas; 15ºNo exercício da sua actividade de doméstica, a autora confecciona e serve as refeições, lava e arruma a loiça, lava e passa roupa a ferro, dobra-a e arruma-a, limpa e arruma a casa, cria e alimenta galinhas, patos, perus e coelhos; 16ºNo exercício da sua actividade de empregada a dias noutras residências a autora despendia um período de 8 horas diárias de 2ª a 6ª feiras; 17ºAuferindo a quantia de 4euros/ hora. A presente revista tem de dar resposta às seguintes questões: --em ambos os recursos, o montante indemnizatório pela perda de capacidade de ganho da autora com a IPP de 5% que lhe foi atribuída; --só no recurso da autora, o montante indemnizatório pelos danos não patrimoniais sofridos pela autora e ainda o início da contagem dos juros moratórios. INDEMNIZAÇÃO PELOS DANOS FUTUROS POR IPP No que concerne aos danos futuros por perda da capacidade de ganho decorrente dos 5% de IPP (incapacidade parcial permanente que lhe foi fixada), o acórdão sob recurso atribuiu à autora a indemnização de 15.000euros, correspondente a 5% de 295.680euros, capital necessário para produzir, durante a vida activa do recorrente, o rendimento correspondente à sua perda de ganho e que se extinga no fim desse limite temporal. Atenta a idade da autora aquando do acidente (49 anos) e o facto de auferir 704euros/mês como empregada a dias (a ganhar 4euros por hora durante 8 horas diárias de 2ª a 6ª feira), a Relação atingiu esse montante com a utilização da tradicional regra de três simples, em que ponderou uma taxa de juro de 2,5% e tomando ainda em consideração que a vida activa dos portugueses ultrapassa, hoje, os 70 anos. A recorrente autora entende que a indemnização pelo dano em causa deverá situar-se no montante de 24.974, 70euros. Em contrapartida, a recorrente seguradora entende que a indemnização não deve ultrapassar os 7.500euros. Parafraseando, uma vez mais, a argumentação que temos expendido em outras decisões – cfr. as mais recentes proferidas nas revistas 2016 e 2461 desta mesma secção --é sabido que as incapacidades parciais permanentes nem sempre acarretam perda de diminuição nos rendimentos profissionais do lesado, que, não obstante, continuará a ter direito a uma indemnização pelo chamado dano biológico, decorrente da afectação funcional que a incapacidade sempre lhe trará, exigindo-lhe esforços acrescidos no desempenho das suas normais actividades. Por outro lado, mesmo quando acarreta perda da capacidade de ganho profissional, tal não significa que essa perda seja rigorosamente proporcional à percentagem de IPP fixada ao lesado. Como acertadamente se afirma no acórdão deste Tribunal, de 17/11/2005, CJSTJ, Ano 2005, Tomo III, página 129, «não existe uma relação proporcional entre a incapacidade funcional em termos de se poder afirmar que ocorre sempre uma diminuição dos proventos na medida exactamente proporcional à da incapacidade funciona em causa.». Daí que seja entendimento pacífico e prática corrente da nossa jurisprudência que os cálculos, neste âmbito indemnizatório, devem assentar mais em juízos de equidade do que nas tabelas financeiras e nas demais operações aritméticas, que normalmente se utilizam nesta actividade calculadora, mas que nunca deverão ultrapassar o seu cariz meramente adjuvante. É isto, aliás, que determina a lei no nº3 do artigo 566 do Código Civil. Por conseguinte, determina-nos o bom senso e a lei (o referido nº3 do artigo 566 do CC) que procedamos ao cálculo indemnizatório no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, tendo em conta o curso normal das coisas e as particulares circunstâncias do caso, ou seja, com base na equidade. E esses juízos lógicos de probabilidade atestam-nos que o montante fixado pelo acórdão em recurso, com a ajuda da referida operação aritmética sobre dados factuais provados, mostra-se justo porque equitativo. INDEMNIZAÇÃO PELOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS A indemnização por danos não patrimoniais foi fixada à recorrente autora em 2500euros. Defende, no entanto, a mesma recorrente que a indemnização em causa deverá ser-lhe fixada no montante de 15.000euros. Neste desagradável jogo «arrematante» à volta das indemnizações por acidente de viação (evitável com a aplicação de tabelas indemnizatórias, cujos defeitos seriam fartamente compensáveis com a segurança e certeza resultantes da prévia fixação das quantias correspondentes aos vários tipos de sequelas), pouco nos oferece acrescentar em abono do quantitativo em que as instâncias coincidiram, para além dos congéneres exemplos jurisprudenciais, designadamente os recolhidos pelo Gabinete dos Juízes Assessores do STJ, profusamente publicados nos respectivos SUMÁRIOS e tendo em conta a pouca gravidade – felizmente para a autora e numa perspectiva que, obviamente, nunca poderá deixar de ser relativizante – das dores e demais sequelas que sofreu em consequência do acidente. CONTAGEM DOS JUROS MORATÓRIOS Entende a recorrente autora que, ao determinar a contagem dos juros moratórios a partir da sentença da 1ª Instância e não a partir da citação conforme o pedido, o acórdão recorrido violou a doutrina do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 9/5/2002. Tem vindo a ser entendido, nomeadamente no Supremo, que, para a aplicação da doutrina deste acórdão, não é necessária a expressividade da actualização, bastando que, do teor da sentença ou do acórdão, se extraia, sem qualquer dúvida, estar-se perante uma decisão actualizadora. Ora, o acórdão sob análise é expresso quanto a este aspecto da actualização das indemnizações, como se vê dos seguintes trechos: --«…neste conspecto a indemnização atribuída foi actualizada à data da prolação da decisão – afigura-se equitativo fixar a indemnização por estes danos, já devidamente actualizada, em 2.500,00 E, diz a sentença recorrida.»; --«A este propósito lembramos que a indemnização referente à incapacidade de ganho sofrida pela lesada/autora e ora fixada de E15.000,00, foi igualmente actualizada à data da decisão proferida em 1ª instância.». Tendo a sentença da 1ª Instância procedido à actualização das indemnizações em causa, como nos assevera, sem margem para qualquer dúvida, o acórdão recorrido, os respectivos juros de mora têm de ser contados desde a data daquela mesma sentença, conforme vem decidido, em total observância do citado acórdão uniformizador. * Pelo exposto negam-se ambas as revistas, com custas pelos respectivos recorrentes.DECISÃO Lisboa, 12-10-2006 Ferreira Girão (Relator) Bettencourt de Faria Pereira da Silva |