Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
081839
Nº Convencional: JSTJ00015082
Relator: FERNANDO FABIÃO
Descritores: ÂMBITO DO RECURSO
CONDOMÍNIO
PROPRIEDADE HORIZONTAL
SANÇÃO
OBRAS
ALTERAÇÃO
PRÉDIO URBANO
CASO JULGADO
OBJECTO
RECURSO
Nº do Documento: SJ199205260818391
Data do Acordão: 05/26/1992
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N417 ANO1992 PAG734
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR PROC CIV.
DIR CIR - DIR REAIS.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 334 ARTIGO 566 N1 ARTIGO 829 N2 ARTIGO 1421 N1 B ARTIGO 1422 N2 A C
ARTIGO 1425 N1.
CPC67 ARTIGO 634 N1 N3 N4 ARTIGO 722 N2 ARTIGO 729 N1 N2.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1982/07/20 IN BMJ N319 PAG301.
ACÓRDÃO STJ DE 1981/03/19 IN BMJ N305 PAG303.
ACÓRDÃO STJ DE 1982/03/23 IN BMJ N315 PAG270.
ACÓRDÃO STJ DE 1986/05/06 IN BMJ N357 PAG428.
ACÓRDÃO STJ DE 1988/01/06 IN BMJ N373 PAG462.
ACÓRDÃO STJ DE 1974/03/12 IN BMJ N235 PAG266.
Sumário : I - Não tendo os recorrentes aludido a determinadas questões, nem no contexto das alegações, nem nas conclusões, deve entender-se que restringiram o objecto do recurso, ao abrigo do disposto no n. 3 do artigo 684 do Código de Processo Civil, tendo-se sobre essas questões, formado caso julgado.
II - Tendo-se provado que determinadas obras, efectuadas na área do telhado de um prédio alteraram a sua linha arquitectónica, que foi retirada grande parte do telhado, e construido um sótão, tais obras ofenderam o preceituado na alínea a) do n. 2 do artigo 1422 do Código Civil.
III - A sanção correspondente à realização de tais obras é a destruição delas, isto é, a reconstituição natural, não podendo tal sanção ser substituida por indemnização em dinheiro, ao abrigo do princípio da equidade, uma vez que este princípio só vale para o não cumprimento das obrigações em geral e não para a violação do estatuto do condomínio.
IV - É jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça que aos tribunais de recurso apenas cabe apreciar as questões já decididas pelos tribunais hierárquicamente inferiores.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Na comarca de Cascais,
A e marido B, propuseram contra:
C e mulher D a presente acção com processo ordinário, na qual pediram se condenassem os réus,
- a eliminar as paredes que mandaram construir para ampliação do sótão, por demolição,
- e a reconstruir toda a parte do telhado de forma a que o prédio readquira a linha arquitectónica anterior
às obras de alteração do sótão, tendo para tanto alegado que autores e réus são condominos, cada qual com a sua fracção autónoma, de um prédio, onde os réus, sem autorização e contra a vontade dos autores, fizeram obras de transformação e alteração não permitidas por lei.
Na contestação-reconvenção, os réus, além de alegarem contradição entre o pedido e a causa de pedir, impugnaram os factos articulados pelos autores ou deram-lhe outro alcance, do ponto de vista legal, e acrescentaram que os autores procederam a obras de inovação, clandestinas, sem aprovação dos réus, e terminaram pedindo a sua absolvição da instância ou, se assim se não entender, a sua absolvição do pedido, e, por outro lado, a condenação dos réus a proceder a todas as demolições e reconstruções necessárias à reposição do edifício em conformidade com o projecto camarário do edifício.
Responderam os autores a defender a inadmissibilidade da reconvenção e a impugnar os factos atinentes à causa de pedir do pedido reconvencional e acabaram por pedir se julgue este pedido reconvencional nulo e de nenhum efeito ou, não se entendendo assim, improcedente, mas procedente a acção.
No saneador, decidiu-se não haver contradição entre o pedido e a causa de pedir e ser admissivel a reconvenção após o que se procedeu à organização da especificação e do questionário.
Seguiu o processo a tramitação legal até ao julgamento, após o qual foi proferida sentença que julgou a acção e a reconvenção improcedentes.
Desta sentença interpuseram os autores recurso principal e os réus recurso subordinado e o Tribunal da Relação julgou improcedente a reconvenção, e, quanto à acção, condenou os réus a demolir a obra feita, reconstruindo toda a parte do telhado de forma a que o prédio readquira a linha arquitectónica anterior às obras de alteração do sótão.
Deste acórdão interpuseram os réus recurso de revista e nas suas alegações, concluiram assim:
I- os autores não alegaram qualquer prejuízo da linha arquitectónica do edificio, mas uma mera alteração, situação que o artigo 1422 n. 2 alinea a) do Código Civil não prevê, pelo que a Relação ao conhecer da matéria, fez errada aplicação do preceito;
II- não ficou provado que os réus tivessem usado o sótão como habitação mas apenas se provou que o tornaram em espaço habitável, pelo que não pode considerar-se ter sido dado uso diverso do fruir a que o titulo de constituição da propriedade horizontal o destinou, certo sendo que os autores prescindiram de tal fundamento no recurso, vedando assim o conhecimento de tal matéria pela Relação;
III- os autores não alegaram qualquer facto susceptivel de conduzir à conclusão de que o resultado das obras realizadas pelos réus seria uma inovação no edificio, além de que tais obras foram realizadas não em parte comum mas no sótão, sua propriedade exclusiva, certo sendo que as obras realizadas pelos réus não afectaram o destino do telhado nem diminuiram o direito dos condominos ao seu uso;
IV- mesmo que os autores tivessem logrado provar a violação de qualquer das limitações constantes dos artigos 1422 n. 2 ou 1425, ainda havera que considerar ser o custo de demolição das obras a suportar pelos réus muito superior ao prejuízo sofrido pelos autores, cuja existência nem sequer alegaram - artigos 829 e 566 do Código Civil;
V- os autores pleitearam desde o inicio com abuso do direito, uma vez que os réus não os lesaram nem ao prédio, antes pelo contrário, repararam e melhoraram à sua custa uma parte comum do edificio - o telhado - beneficio de que os autores usufruem sem para tanto terem contribuido como era seu dever;
VI- o acórdão recorrido fez errada aplicação e/ou interpretação dos artigos 334, 566, 829, 1421, n. 1, alineas b) e e), 1422 n. 2 alineas a) e c) e 1425, todos do Código Civil, e violou o artigo 193, 474, 663,
664, 668 n. 1 alinea d), 684 n. 1 alinea d) e 712, todos do Código de Processo Civil (do Código Civil, foi lapso manifesto);
VII- as obras realizadas pelos autores são inovações efectuadas em partes comuns do prédio (pátio e estrutura do edificio) que não foram autorizadas pelos recorrentes, as quais prejudicam ostensivamente a linha arquitectónica e o arranjo estético do prédio, pelo que o acórdão recorrido fez ainda errada interpretação dos artigos 1421 n. 1 alinea a), 1422 n. 2 alinea a) e 1425, todos do Código Civil;
VIII- deve revogar-se a decisão recorrida por forma a declarar improcedente o pedido dos autores e procedente o pedido reconvencional.
Nas suas contra-alegações, os recorridos concluiram:
1- os autores não alegaram uma mera alteração mas sim uma alteração da linha arquitectónica do edificio que desvaloriza o conjunto arquitectónico inicial e por isso prejudica a mesma linha arquitectónica, porque lhe provocaram modificações na substância e na forma da coisa que é objecto de direitos limitados;
2- provou-se que os réus transformaram o sótão destinado a hab, digo, a arrumações em espaço habitacional e para se determinar se existe ou não uso diverso do fruir a que esse sótão se destinava não é preciso que se verifique em todo o momento o uso efectivo do local mas basta que ele seja destinado e possa servir para seu uso;
3- os autores alegaram (artigo 8 da petição) que as obras constituiam inovações e, mesmo que o não tivessem feito, pela análise das obras se concluiria se eram ou não inovações;
4- as obras feitas pelos réus afectaram o destino do telhado, parte comum, porque passou a haver dois telhados, um ao nivel da construção antiga e outro a cobrir a inovação de forma quadrangular, tornando por isso o acesso e a utilização deste muito dificil e perigosa;
5- as obras realizadas pelos autores não são inovações porque não foram realizadas em parte comum e portanto não tinham de ser autorizadas pelos réus e não prejudicam de forma alguma a linha arquitectónica e o arranjo estético do edifício;
6- o acórdão recorrido julgou de acordo com a lei e a prova, pelo que deve negar-se provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Vem provados os factos seguintes: a) os autores são proprietários, por terem comprado em
10 de Setembro de 1984, da fracção autónoma designada pela letra A, correspondente ao rés do chão, pequena arrecadação na cave, abrigo para carros e logradouro, do prédio sito na Rua ...., o qual
é constituido por duas fracções autónomas designadas pela dita letra A e pela letra B, esta correspondente ao 1 andar, sótão para arrecadações, abrigo para carros e um logradouro e da qual são donos os réus, certo sendo que, segundo a escritura de propriedade horizontal, o 1 andar destina-se a habitação e o sótão a arrecadações; b) não houve aprovação dos condominos para efectivação de obras em tal prédio; c) os réus, sem autorização e contra a vontade dos autores, à sua custa pois que os autores nunca nelas participaram, fizeram as obras seguintes:
- tiraram uma grande parte do telhado e nela fizeram 4 paredes a partir da cobertura do 2 piso (do 1 andar) com a finalidade de tornar o espaço entre esta cobertura, o telhado a construir sobre ela e as ditas 4 paredes habitavel;
- as obras em curso alteram a linha arquitectónica do prédio;
- os réus verificaram que o madeiramento do telhado do prédio estava em processo de apodrecimento, e que os levou a proceder à sua reparação;
- os réus não mandaram subir qualquer parede exterior do prédio;
- toda a obra foi realizada na área do telhado, concretamente a partir do pavimento da cobertura do 1 piso, tendo-o levantado o referido telhado no seu ponto mais alto cerca de 0,6 metros, tudo com o fim de tornar o espaço, acima do pavimento habitável;
- os réus transformaram o sótão, inicialmente sem aberturas para o exterior, em espaço habitável com cerca de 50 metros quadrados de área;
- tais obras foram devidamente licenciada pela Câmara Municipal de Cascais; d) no abrigo para automóvel formado por duas paredes e um pilar para sustentação do respectivo telhado os autores acrescentaram uma parede em tijolo e cimento;
- e fecharam a marquise contígua à cozinha com um pequeno murete e uma estrutura de aluminio e vidros e colocaram uma porta, também de vidro, à entrada daquela, certo sendo que a anterior porta era de madeira;
- e substituiram o pavimento de madeira sob a sua sala e sobre a cave (o mesmo) por um constituido por barras de cimento e ferro (pre-esforçado) e tijoleira, certo sendo que o pavimento substituido era de madeira suportado por barrotes também de madeira, encontrando-se isto tudo em processo de apodrecimento;
- estas obras não foram aprovados pelos réus nem obtiveram licenciamento camarário.
Os recorrentes têm razão quando afirmam que os autores, no recurso para a Relação, não incluiram nele a questão relativa à ofensa da alinea c) do n. 2 do artigo 1422 do Código Civil - dar ao sótão o destino de habitação quando apenas se destinava a arrecadações - pelo que a
Relação, ao conhecer desta matéria, ofendeu o disposto no n. 4 do artigo 684 do Código de Processo Civil.
Na verdade, nem no contexto nem nas conclusões, aludiram os autores a tal questão, pelo que se deve entender que eles restringiram o objecto do recurso, ao abrigo do disposto no n. 3 do citado artigo 684, tendo-se formado caso julgado sobre o facto em causa, nos termos do n. 4 deste artigo.
É certo que, nas alegações de recursos para este
Supremo, já os autores se referem à falada matéria, porém a destempo, dado o acima exposto.
Aliás, admitindo que a questão ainda podia ser apreciada agora, a solução seria desfavorável aos autores.
É que apenas se provou que os réus fizeram obras que tornaram habitável o espaço a partir da cobertura do 1 piso, isto é, o sótão, mas não se provou que os réus passassem a habitar ou dessem a habitar este sótão e a citada alinea c) do n. 2 do artigo 1422 só proibe o actual e efectivo uso para fim diverso e não a sua eventualidade.
Parece-nos irrecusável que os réus, com as obras feitas na área do telhado, ofenderam o preceituado na alinea a) do n. 2 do artigo 1422, pois que, além de expressa e directamente se ter provado que "as obras em curso alteram a linha arquitectónica do prédio", provou-se ainda que eles tiraram uma grande parte do telhado e numa parte fizeram 4 paredes a partir da cobertura do 1 andar, tendo levantado o telhado no seu ponto mais alto cerca de 0,6 metros, assim tendo transformado o espaço entre a dita cobertura, o telhado a construir sobre ela e as ditas 4 paredes, ou seja, o sótão, inicialmente sem aberturas para o exterior, em espaço habitável com cerca de 50 metros quadrados de área.
Opõem, contudo, os réus que os autores não alegaram qualquer prejuizo mas uma mera alteração da linha arquitectónica do prédio como também não alegaram factos que permitam concluir que as obras que fizeram sejam inovações do edificio, além de que tais obras não foram realizadas em parte comum mas sim no sótão, que é sua propriedade exclusiva.
Mas não têm razão.
Em primeiro lugar, se é verdade que as obras foram feitas no sótão, propriedade exclusiva dos réus, também
é verdade que o foram ainda no telhado e este é uma parte comum do edificio (artigo 1421 n. 1 alinea b) do
Código Civil); depois, não é exacto que os autores tivessem deixado de alegar os factos apontados pelos réus, pois que não só os alegaram como até lograram prová-los, como resulta da matéria de facto acima considerada como provada.
Segundo o preceituado no artigo 1422 n. 2 alinea a) do
Código Civil, é especialmente vedado aos condominos prejudicar, com obras novas, a linha arquitectónica do edificio.
Por sua vez, o artigo 1425 n. 1 do mesmo Código dispõe que as obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condominos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio.
Não sofre dúvida que foi ofendido este último texto.
Como é sabido, refere-se ele às inovações nas partes comuns e são consideradas inovações quer as alterações introduzidas na substância ou na forma da coisa quer as feitas na sua afectação ou destino (Pires de Lima e
Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume III 371).
São, pois, inovações as ditas obras ao nivel do telhado e estas não tiveram a aprovação exigida pelo referido artigo 1425 n. 1.
Mas também foi desrespeitado o dito artigo 1422 n. 2 alinea a).
É certo que os réus, esgrimindo com o significado dos termos "prejudicar" e "alterar", esforçam-se por demonstrar que não houve prejuizo da linha arquitectónica do prédio mas apenas uma mera alteração, o que não chegaria, para efeito do texto em apreço.
Porém, para tal texto, do ponto de vista do respeito pela linha arquitectónica do edificio, alterar é equivalente a prejudicar, porquanto prejudicar significa, aqui, tornar diferente, modificar, alterar em suma, quer para melhor quer para pior, a linha arquitectónica do prédio, a qual, no dizer de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (B.M.J. 319,
301) significa o conjunto dos elementos estruturais de construção que, integrados em unidade sistemática, lhe conferem a sua individualidade própria e especifica.
Prejudicar a linha arquitectonica é o mesmo que alterar o estilo próprio do edificio, na parte onde as obras são feitas destoando da traça geral dele, poderá dizer-se. E isto fizeram-no os réus.
De resto, não pode esquecer-se que o prejuizo da linha arquitectónica, para além de se ter provado que "as obras em causa alteram a linha arquitectónica do prédio" está exuberantemente demonstrado pela natureza e grandeza das obras feitas e acima dadas como provadas (o retirar da parede parte do telhado, o fazer de "paredes em cima de cobertura do 1 andar, o elevar o telhado cerca de 0,6 metros no seu ponto mais alto, etc; obras estas que se podem apreciar nas fotografias juntas a folhas 17 e 18 do processo apenso).
E a sanção correspondente à realização de tais obras ofensivas do disposto nos citados artigos 1425 n. 1 e
1422 n. 2 alinea a) é a destruição delas, isto é, a reconstituição natural, que aqui não pode ser substituida por indemnização em dinheiro, ao abrigo do principio da equidade estabelecido nos artigos 566 n.
1, in fine, e 829 n. 2, do Código Civil, porque este principio só vale para o não cumprimento das obrigações em geral e não para a violação do estatuto real do condominio em que estão em jogo "regras de interesse e ordem pública atinentes à organização da propriedade, que bolem com os interesses de todos os condominos do prédio". (Antunes Varela, R.L.J. 108, 59 e 69, Pires de
Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume
III, 366; Acórdãos do S.T.J. no B.M.J. 305, 303, 315,
270 e 357, 428).
Aliás, este Supremo Tribunal não pode, em boa verdade, apreciar esta questão, porquanto os réus só a levantaram nas suas alegações de recurso para este Tribunal, e, como se sabe e é jurisprudência pacifica, aos tribunais de recursos apenas cabe apreciar as questões já decididas pelos tribunais hierarquicamente inferiores (v., por todos, acórdão do S.T.J. de 6 de
Janeiro de 1988, B.M.J. 373, 462).
Importa ainda lembrar que o facto de as obras em causa terem sido licenciadas pela Câmara Municipal não obsta ao exercicio dos direitos de terceiros, no caso os autores, cuja propriedade foi atingida por suas obras, como é obvio (acórdãos do S.T.J. no B.M.J. 235, 266 e
315, 274).
Resta abordar a última esperança a que os réus se agarraram: o abuso de direito por banda dos autores, dado não terem sido prejudicados e antes beneficiados com as ditas obras.
Segundo o artigo 334 do Código Civil, é ilegitimo o exercicio de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Esta complexa figura de abuso do direito é uma válvula de segurança, uma janela por onde podem circular lufadas de ar fresco, uma das várias cláusulas gerais com que o julgador pode obtemperar à injustiça gravemente chocante e reprovável para o sentimento juridico prevalente na comunidade social, à injustiça de proporções intoleráveis para o sentimento jurídico imperante, em que, por circunstâncias especiais do caso concreto, redundaria o exercicio de um direito conferido por lei (Manuel Andrade, Teoria Geral das Obrigações, 1958, 63 e seguintes; Almeida Costa,
Direitos das Obrigações, 5 edição, 60 e seguintes;
Antunes Varela, Comunicação à A.N. em 26 de Novembro de
1966; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil
Anotado, 4 edição, Notas ao artigo 334).
Antunes Varela esclarece ainda que o abuso do direito pressupõe a existência e a titularidade do poder formal que constitui a verdadeira substância do direito subjectivo e que se designa por abuso de direito o exercicio desse poder formal realmente conferido pela ordem jurídica a certa pessoa, mas em aberta contradição, seja com o fim (económico ou social) a que esse poder se encontra adstrito, seja com o condicionalismo ético-juridico (boa fé e bons costumes) que, em cada época histórica, envolva o seu reconhecimento (R.L.J. 114, 75).
Habilitados com estes ensinamentos, facil se nos torna concluir que, no, caso presente, não há a menor hipótese de toparmos com o abuso do direito por parte dos autores.
Com efeito, ao contrário do que os réus alegam, os autores foram prejudicados e não beneficiados, na medida em que as obras dos réus afectaram a linha arquitectónica do prédio de que são condominos e, ao pretenderem que as coisas tornassem à situação anterior, limitaram-se a exercer o seu direito sem manifesto excesso dos limites aludidos no mencionado artigo 334.
Quanto ao pedido reconvencional, cabe dizer, desde logo, que o artigo 1425 n. 1 é inaplicável às obras feitas pelos autores, já que estas foram feitas na fracção autónoma deles e não em parte comum e o dito texto não se aplica às inovações introduzidas nas fracções autónomas (Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, 371, H. Mesquita, RDES, XX III, 139).
Os réus contestam que o abrigo para automóvel e o pavimento de madeira sobre a sua sala e sobre a cave, que foi substituido, façam parte da fracção autónoma dos autores, mas não têm razão, dado o que consta da certidão junta a folhas 6 do processo apenso (titulo constitutivo da propriedade horizontal) e o preceituado no artigo 1421 do Código Civil.
Resta, pois, saber se haverá lugar à aplicação da alinea a) do n. 2 do artigo 1422 referido às obras efectuadas pelos autores, por prejudicarem a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edificio.
É de pôr de parte, desde logo, a hipótese de as obras prejudicarem a segurança do edificio, pois que este facto se não provou directamente nem resulta de quaisquer outros.
Relativamente ao prejuizo da linha arquitectónica ou do arranjo estético do edificio, também é certo que estes factos não vêm directamente provados. Houve uma resposta ao correspondente quesito, a qual, em vez de responder positiva ou negativamente, se limitou a remeter para as respostas aos quesitos sobre matéria atinente à espécie de obras feitas. Assim sendo, uma tal resposta é inocua, não diz que sim nem diz que não, equivale, pois, à resposta de "não provado", porém sem prejuizo da possibilidade de extrair qualquer conclusão de carácter positivo da matéria de facto para que tal resposta remeteu.
Evidentemente que as obras feitas no abrigo para automóvel e no pavimento de madeira sob a sala e sobre a cave em nada prejudicam a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edificio.
Mas já o mesmo se não pode dizer quanto às obras que os autores fizeram na marquise. A este respeito, provou-se: os autores fecharam a marquise contígua à cozinha com um pequeno murete e uma estrutura de aluminio e vidros e colocaram uma porta, também de vidro, à entrada daquela, certo sendo que a anterior porta era de madeira.
Ora, independentemente destes factos (as obras da marquise) se poder ou não extrair a ilação de que foi prejudicada a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edificio, certo é que o acórdão recorrido não fez tal e antes, apreciando a questão, concluiu que não tinha sido prejudicada a estética do edificio.
Ante esta conclusão, nada pode fazer este Supremo Tribunal, uma vez que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo o caso excepcional do n. 2 do artigo 722 do Código de Processo Civil
(artigos 722 n. 2 e 729 ns. 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Nesta conformidade, o pedido reconvencional improcede.
Pelo exposto se decide negar provimento ao recurso e manter o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 26 de Maio de 1992.
Fernando Fabião,
César Marques,
Ramiro Vidigal.
Decisões impugnadas:
I- Sentença de 88.11.16 do 4 Juízo 1 Secção, da comarca de Cascais;
II - Acórdão de 91.06.27 da Relação de Lisboa.