Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | MOREIRA ALVES | ||
Descritores: | CONTRATO DE EMPREITADA EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO CASO JULGADO PENAL | ||
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Nº do Documento: | SJ200304080040611 | ||
Data do Acordão: | 04/08/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL COIMBRA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 3012/01 | ||
Data: | 04/30/2002 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
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Sumário : | I- A "decisão penal ... que haja absolvido o arguido ..." referida no artº. 674º-B, nº. 1 do C.P.C., reporta-se à sentença absolutória e só a ela, não abrangendo a decisão instrutória de não pronúncia proferida após a instrução do processo crime, que assenta na simples apreciação de indícios. II- A excepção prevista no artº. 428º do C.C. pode ser oposta pelo contraente cuja prestação deve ser efectuada depois de do outro, se este não cumprir. III- No contrato da empreitada, tendo sido acordado o pagamento do preço em diversas fases, se o dono da obra não pagar uma das prestações no prazo convencionado, o empreiteiro pode suspender a obra enquanto a prestação não lhe for paga ou oferecida. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: No Tribunal Judicial de Alcobaça, "A - Comércio de Equipamentos Eléctricos, Lda.", intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário, posteriormente convertido em ordinário (cfr. fls. 75), contra B e esposa C, pedindo a condenação dos RR. a pagarem-lhe a quantia global de 1.251.121$50 (+ juros de mora desde a citação) correspondente às despesas que teve de suportar com material colocado num terreno dos RR., bem como com o material que adquiriu para esse fim, tudo no âmbito de um contrato de empreitada que celebrou com os RR. e que teve de suspender por falta de pagamento de parte do preço convencionado. Acresce a essas despesas uma indemnização de 150.000$00 também peticionada. Contestaram os RR. como consta de fls. 19 e seg. formulando ainda pedido reconvencional consistente na condenação da A. a pagar-lhes a importância que vier a liquidar-se em execução de sentença a título de perdas e danos pelo incumprimento do contrato, além de 1.500.000$00 a título de litigante de má-fé. Proferido despacho saneador foi organizada a especificação e o questionário, que se fixaram sem reclamações. Realizado o julgamento, foi lida a decisão sobre a matéria de facto, que não sofreu reclamações. Foi então proferida decisão final que julgou a acção improcedente, bem como o pedido reconvencional, absolvendo os RR. e a A. dos respectivos pedidos. Inconformada, apelou a A. para a Relação de Coimbra, a qual, apreciando, decidiu anular o julgamento para ampliação da matéria de facto. Formulados os novos quesitos e repetido o julgamento, veio a ser lavrada decisão final de idêntico teor da anterior, terminando, pois, pela improcedência total de ambos os pedidos (o principal e o reconvencional). Novamente inconformada volta a recorrer a A. para a Relação de Coimbra, a qual, apreciando a apelação lhe deu parcial procedência, revogando a decisão recorrida e condenando os RR. a pagarem à A. a indemnização global de 1.058.561$00, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento. É deste douto acórdão que recorrem os RR, agora de revista. Conclusões: Apresentadas tempestivas alegações, formularam os recorrentes as seguintes conclusões: 1- O douto acórdão recorrido violou caso julgado e o disposto no artº. 674-B do C.P.C., por não respeitar a decisão identificada no artigo 20º da contestação, cuja cópia se encontra anexa. 2- Não podia a A. desistir da obra atenta a devolução do cheque de 500.000$00. Com efeito, 3- A A. deveria ter fixado um prazo para pagamento do cheque. 4- Se tal pagamento não ocorresse dentro dum prazo razoável, era-lhe então devido demandar os RR, nos termos dos artºs. 808º, nº. 1, e 801º, nº. 1 do C.C.. 5- Doutro passo, o acórdão recorrido aplaudiu a dita suspensão da obra, atento o facto dos RR. não terem pago o cheque de 500 contos, nos termos do artº. 428º do C.C.. 6- Salvo o devido respeito, o douto acórdão recorrido fez uma errada interpretação da sobredita disposição legal porquanto não haviam sido fixados prazos idênticos para ambas as prestações. 7- Por outro lado, mesmo que entendesse que os RR, desistiram da obra nos termos do artº. 1229º, nunca os RR. poderiam ser condenados a pagar a indemnização indicada no douto acórdão recorrido. 8- Com efeito, os RR. não entregaram à A., apenas 500 contos. 9- Na verdade, no ponto 10 dos factos dados como assentes pelo douto acórdão recorrido, o R. entregou à A., não apenas 500.000$00 mas ainda 3 cheques: um de 500.000$00 e dois de 1.000.000$00 cada, com datas, respectivamente de 20/10/91, 9/1/92 e 17/1/92. Ora, 10- Só um cheque de 500 contos é que foi devolvido. 11- Assim sendo, haveria que abater ao resultado das somas indicadas no douto acórdão (581.171$50, 424.320$00 e 553.070$00) não só a importância de 500.000$00 mas ainda 2.000.000$00 titulados por 2 cheques de 1.000.000$00 (cfr. ponto 10 dos factos assentes). 12- O douto acórdão recorrido deve ser substituído por outro que julgue a acção improcedente. 13- Quando assim se não entender ... a quantia indemnizatória nunca poderia ser a nele indicada atenta a conclusão 11ª. Os Factos: Foi a seguinte a matéria de facto tida por provada pelas instâncias: 1- A A. exerce em Alcobaça o comércio de equipamento e materiais eléctricos, executando as instalações dos mesmos. 2- No exercício da sua actividade, a A., em Maio de 1991, foi contactada pelo R. marido em vista à execução de uma obra de electricidade na sua propriedade rústica sita em Chães, Prazeres, Aljubarrota. 3- Para tanto, a 8/5/1991, a A. elaborou um orçamento global de 3.253.530$00, acrescido de IVA à taxa de 17%. 4- Esse orçamento foi aceite pelo R. 5- Em 14/9/1991, a A., porque não possuía em stock parte do material necessário à mesma, adquiriu à empresa "D, S.A." materiais no valor de 581.171$00. 6- Em Outubro de 1991, a A. mandou proceder à obra, iniciando de imediato os trabalhos da mesma. 7- Logo que a A. deu início aos trabalhos, o R. solicitou-lhe que emitisse de imediato a factura da totalidade da obra, bem como o respectivo recibo, invocando que a apresentação daqueles constituía condição indispensável à obtenção de um financiamento a que se tinha candidatado. 8- Na aludida obra, a A. instalou 12 postes de cimento/latão tipo 8-200, no valor de 292.920$00 e 4 postes de cimento / latão tipo 8-400, no valor de 131.400$00. 9- O sócio gerente da A. fez saber ao R. que necessitava de ter em seu poder os meios de pagamento, pois só pela emissão da factura, a A. iria desde logo liquidar o IVA no montante de 553.070$00. 10- O R. entregou então à A., por conta do pagamento da obra, 500.000$00 e 3 cheques: um de 500.000$00 e dois de 1.000.000$00 cada, com datas respectivamente de 20/10/91, 9/1/92 e 17/1/92. 11- Ficando os restantes 806.420$00 para liquidar após a conclusão da obra. 12- A A. mandou emitir e entregar ao R. a factura e recibo pela totalidade da obra. 13- O cheque de 500.000$00 foi devolvido por falta de provisão, razão porque a A. suspendeu a obra. 14- A A. contactou o R. e solicitou-lhe, várias vezes, que procedesse ao pagamento do cheque de 500000 escudos, datado de 20/10/91. 15- O que este, embora sempre prometesse, nunca cumpriu. 16- O R. não veio a liquidar aquela quantia, titulada no cheque. 17- O R. entregou a conclusão da obra a outra empresa. 18- O A. liquidou o IVA no valor de 553.070$00. Fundamentação: Como se vê das conclusões que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso, são quatro as questões suscitadas: - A primeira tem a ver com a alegada violação de caso julgado, visto que não se atendeu à decisão proferida em processo crime, documentada fls. 30 e 31 dos autos. - A segunda prende-se com a alegada concordância do acórdão recorrido com a suspensão da obra ao abrigo do artº. 428º do C.C., posição que, segundo os recorrentes, seria juridicamente errada. - A terceira refere-se à desistência da obra por parte da A., que, na tese dos recorrentes, seria o que resulta da factualidade provada. - A quarta e última, tem a ver com o cálculo da indemnização fixada pelo acórdão, que, a ser devida, nunca podia ser a de 1.058.561$00, visto que haveria que deduzir não apenas os 500 contos entregues pelos RR., mas ainda os 2.000.000$00 titulados pelos cheques também entregues à A., visto que apenas se provou a falta de provisão em relação ao cheque de 500 contos. Analisemos cada uma das questões. 1ª. Questão - Como é por demais óbvio, não se verifica qualquer violação de caso julgado.Caso julgado O artº. 674-B do C.P.C. - eficácia da decisão penal absolutória - dispõe o seguinte: Nº. 1 "A decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui em quaisquer acções de natureza civil simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário". Nº. 2 "A presunção referida no número anterior prevalece sobre quaisquer presunções de culpa estabelecidas na lei civil". Tal preceito corresponde na sua doutrina ao que já se dispunha no artº. 154º do C.P. Penal de 1929, e como é evidente (e resulta até desse último preceito) a "decisão penal ... que haja absolvido o arguido ..." reporta-se à sentença absolutória e só a ela. Ora, no caso dos autos, a decisão junta ao processo a fls. 30 e 31 e referida na contestação não é uma sentença absolutória. Não passa da decisão instrutória de não pronúncia proferida após a instrução em conformidade com o disposto no artº. 307º do C.P.P. e que assenta na simples apreciação de indícios. Por conseguinte, é claro que a tal decisão não se aplica o disposto no artº. 674º-B do C.P.C., não só porque não há qualquer analogia entre as duas situações como, ainda que a houvesse, sendo a norma criadora de uma presunção legal de natureza excepcional, nunca poderia aplicar-se analogicamente (artº. 11 do C.C.). E depois, ainda que por absurdo assim não fosse, as discordâncias entre os factos indiciários colhidos no processo crime e os agora provados nesta acção (essencialmente as datas dos cheques e o prejuízo da A.), resolver-se-ia a favor dos factos provados nesta acção. É que a eventual presunção decorrente da decisão penal teria sido, então, ilidida por prova em contrário. Improcede, assim, a primeira conclusão. 2ª. Questão - Alega-se que o douto acórdão sob censura se terá pronunciado sobre este assunto concordando com a legalidade da suspensão. Não parece que o referido acórdão tenha tomado posição sobre o problema. Todavia, tratando-se de uma questão de direito com manifesto interesse para a compreensão e qualificação jurídica dos factos provados, vamos aqui apreciar, ainda que sumariamente, a questão.Suspensão das obras ao abrigo do artº. 428º do C.C. Como se vê da factualidade tida por provada, estamos inequivocamente perante um contrato de empreitada, tal como vem deferido no artº. 1207º do C.C.. Não o reduziram as partes a escrito, o que não tem a menor implicação na sua validade visto o princípio da liberdade de forma aqui plenamente operante. Tão pouco resulta da prova que, inicialmente tenham fixado qualquer prazo para o pagamento do preço ou para a realização da obra. Porém, pelo menos quanto ao pagamento do preço, resulta claro das respostas aos quesitos 6º, 7º, 8º, 9º e 10º, que, após o início das obras e na sequência da pretensão do R. marido em conseguir do A. factura e recibo da totalidade dos trabalhos, acordaram as partes num regime de pagamento faseado do preço global orçamentado e aceite (3.253.530$00 + IVA de 17%). E assim, acordaram que o R. entregaria ao A. como entregou efectivamente, por conta do pagamento do preço, a quantia de 500.000$00 e 3 cheques, 1 no valor de 500.000$00 e 2 no valor de 1.000.0000$00, datados respectivamente de 20/10/91, 9/1/92 e 17/1/92, ficando os restantes 806.420$00 para liquidar após a conclusão da obra. Trata-se de cláusula ou estipulação verbal posterior ao acordo inicial (também verbal), mas que passou a fazer parte integrante dele, por consenso das partes o que é permitido por lei (artº. 406º, nº. 1 do C.C.). Acontece que também se provou que o 1º. cheque datado de 20/10/91 (500.000$00), apresentado a pagamento, foi devolvido por falta de provisão e, não obstante ter o A. solicitado ao R. marido o respectivo pagamento e este o prometer, nunca o pagou. Foi na sequência desta falta de pagamento parcial que a A. suspendeu a obra que já iniciara (cfr. respostas aos quesitos 14º, 15º, 16º, 1-A e 2-A). Surge então a questão suscitada. Poderia, no circunstancionalismo descrito, a A. recusar a sua prestação em virtude da falta de pagamento parcial do preço convencionado nos termos do artº. 428º do C.C.? Entendeu que não podia a sentença de 1ª. instância por não existirem prazos idênticos para ambas as prestações, posição esta igualmente defendida pelos recorrentes. Quanto ao douto acórdão recorrido, não ficou esclarecida a posição assumida sobre este assunto. Quanto a nós, cremos, salvo o devido respeito, por completa aplicação ao caso concreto a "exceptio" do artº. 428º do C.C.. Dispõe o nº. 1 do citado preceito que "se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo. Ora, não há qualquer dúvida que o contrato de empreitada é um contrato bilateral ou sinalagmático, visto que dele emergem obrigações para ambas as partes, as quais se encontra, ligadas por um vínculo de reciprocidade. Esta relação de reciprocidade própria da sinalágmia significa que, nas origens do contrato a obrigação assumida por um dos contraentes é a razão de ser da obrigação contraída pelo outro e é este nexo psicológico-jurídico que explica o regime do artº. 428º do C.C.. Por outro lado, este vínculo sinalagmático não é destruído pelo afastamento convencional da simultaneidade das prestações, de modo que, como observa o Prof. Vaz Serra (cfr. RLJ 105/283), o que a excepção supõe é que um dos contraentes não esteja obrigado pelo lei ou pelo contrato, a cumprir a sua obrigação antes do outro. Se não estiver, sendo-lhe exigida a prestação, pode recusá-la, enquanto não for efectuada a contraprestação ou não lhe for oferecido o cumprimento simultâneo desta. Por conseguinte, a excepção pode ser oposta ainda que haja vencimentos diferentes, dado que pode sê-lo pelo contraente cuja prestação deve ser feita depois da do outro contraente, apenas não podendo ser oposta pelo contraente que devia cumprir primeiro. E é, também, doutrina pacificamente aceite que, quer o cumprimento defeituoso, quer o simples não cumprimento parcial, suportam o funcionamento da excepção, que então se denomina "exceptio non adimpleti contratus", desde que tal não viola os princípios da boa fé (artº. 227º e 762º, nº. 2 do C.C.). No caso concreto, tendo-se convencionado o pagamento faseado (ainda que não ligado a quaisquer fases especiais da obra), a falta de pagamento no prazo acordado de uma das parcelas do preço (o cheque de 500.000$00 com data de 20/10/91), coloca o contraente faltoso na posição daquele que tem de cumprir primeiro. Por conseguinte o empreiteiro, aqui A., que só tem de cumprir depois, pode usar contra o dono da obra a "exceptio", recusando-se a continuar a obra enquanto o R. não lhe pagar a prestação em falta. E foi o que a A. fez, conforme alegou e ficou provado (cfr. pontos 13, 14, 15 e 16 da matéria de facto). Por conseguinte, não entrou em mora, simplesmente suspendeu os trabalhos como modo de pressionar os RR. ao pagamento. E, tal suspensão, atento os valores envolvidos (o da prestação em falta e o do investimento envolvido) não pode ter-se por violador dos princípios da boa-fé contratual, pelo que foi legítima. No sentido defendido conf. - Vaz Serra - B.M.J. nº. 67 - 17/81 - Pedro Romano Martinez - D. das Obrig. (parte esp.) - 344 - José João Abrantes - A Excepção de não cumprimento do contrato - 1986 - C.C. anotado. P. Lima e A. Varela - Vol. II - 1ª. ed. pág. 555 (nota 6ª) - Ac. R.P. de 1/6/89 - Col. J. 1989 - 3º - 210. - Ac. S.T.J. de 9/2/99 - JSTJ00035807. - Ac. S.T.J. de 18/2/99 - JSTJ00036098 - Ac. S.T.J. de 15/6/99 - JSTJ00037358 - Ac. S.T.J. de 24/6/99 - JSTJ00037943. 3ª. Questão - Defendem os RR. que, quando incumbiram terceiros de concluir a obra, já a A. tinha dela desistido, pois, não podia suspendê-la, como alegou, dado não ser aplicável ao caso o artº. 428º do C.C.. Vimos já que, contrariamente ao alegado tem perfeita aplicação ao caso dos autos o referido preceito legal e que o A., de facto, utilizou a "exceptio" ao suspender a obra, pelo que não entrou em mora.Desistência da obra por parte da A. Quem entrou em mora foram os RR. ao não pagarem o cheque de 500.000$00, cujo posterior comportamento revela desistência da empreitada, por sua parte, como se decidiu no acórdão recorrido. De facto, não tendo os RR. pago uma das prestações convencionadas titulada pelo cheque de 500 contos datado de 20/10/91, apesar da insistência nesse sentido do A.. Tal situação não os fez incorrer imediatamente em incumprimento, colocando-os apenas em mora. Acontece que posteriormente, como se provou, os RR., sem pagarem o mencionado cheque, entregaram a terceiro a conclusão da obra, o que, impossibilitando definitivamente a prestação do A., que apenas estava suspensa, fez terminar o negócio. Esta conduta dos RR. não pode ter outro significado que não seja a vontade de desistir da empreitada contratada com a A., vontade essa que não é menos relevante por ser manifestada tacitamente. De facto, nos termos do artº. 1229º do C.C. o dono da obra pode desistir da empreitada a todo o tempo, ainda que tenha sido iniciada a sua execução, contanto que indemnize o empreiteiro dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra. Trata-se de um desvio à regra geral do artº. 406º, nº. 1 do C.C., ditado pelas especiais características do contrato de empreitada e não restam dúvidas que tal desistência pode deduzir-se de factos que, com toda a probabilidade a revelam, como decorre do artº. 217º do C.C.. E, na verdade, a entrega da obra a terceiros, impossibilitando o A. de a continuar, significa que os RR. pretenderam desistir da empreitada a cargo da A., pois é um comportamento concludente nesse sentido. Por conseguinte não estamos perante a desistência da empreitada por parte da A.. O que está provado é que foram os RR. que desistiram da dita empreitada, sujeitando-se, pois, às legais consequências, ou seja, constituindo-se na obrigação de indemnizar a A.. 4ª. Questão - Cálculo de indemnização A indemnização a que se refere o artº. 1229º do C.C. abrange todas as verbas consideradas, no douto acórdão recorrido, o que, aliás, não vem impugnado. Pretendem, no entanto os RR. que a essas verbas se desconte não apenas os 500 contos que o R. marido entregou à A., mas também os 2.000.000$00 titulados pelos dois cheques de 1.000.000$00 cada um, datados de 9/1/92 e 17/1/92, que se provou terem sido entregues à A., já que apenas em relação ao cheque de 500 contos é que se provou que foi devolvido. Como se vê dos articulados a questão dos 2 cheques de 1.000.000$00 nunca esteve aqui em causa, quer na acção, quer na reconvenção, quer na apelação. Por isso, trata-se de uma questão nova, só colocada nas alegações e que, por essa razão não tem de ser agora conhecida. Os recursos não se destinam a decidir questões novas, não levantadas e apreciadas pelas anteriores instâncias. De resto, como é evidente, a emissão e entrega de um cheque não equivale a pagamento, se o título for devolvido por falta de provisão. Ora, foram os próprios RR. que documentaram junto destes autos, decisão judicial da qual se vê que os referidos cheques foram também devolvidos por falta de provisão (cfr. certidão de fls. 119 a 125). Por conseguinte, não tem nenhum sentido o que se diz nas conclusões 7ª a 11ª e 13ª, que improcedem manifestamente. Embora o que se alegou nas conclusões 7ª a 10ª e 13ª se nos afigura, pelo menos temerário, não nos parece poder afirmar-se ter existido, por parte dos RR., dolo ou negligência grave, razão porque nos abstemos de os condenar como litigantes de má-fé como vinha requerido pela A. Pelas razões expostas, nega-se revista. Custas pelos recorrentes. Lisboa, 8 de Abril de 2003 Moreira Alves, Lopes Pinto, Alves Velho. |