Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | URBANO DIAS | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | ||
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Nº do Documento: | SJ200701230017881 | ||
Data do Acordão: | 01/23/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | ORDENADA A BAIXA DO PROCESSO | ||
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Sumário : | Determinada a reforma de uma sua decisão por via da apreciação de inconstitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional, é tarefa do Supremo Tribunal de Justiça decidir de meritis da questão que fora previamente julgada prejudicial pelas instâncias e decorrente de juízo contrário ao formulado por aquele tribunal. Só assim não será se o STJ não tiver ao seu dispor todos os elementos de facto, ou seja, se houver factos a carecer de instrução. Mas, se isso acontecer, cabe ao STJ ordenar a baixa os autos às instâncias para tal fim, definindo, se possível o direito (art. 729º, nº 3 do CPC). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Na sequência de processo de divórcio, AA intentou contra sua ex-mulher, BB, acção especial para atribuição de casa de morada de família, pedindo que lhe fosse atribuída a casa de morada de família sita na Av. ...., nº 00, 1º Dº, Miraflores, Algés. A acção foi contestada pela requerida e, após a respectiva instrução, o Mº juiz do 4º juízo do Tribunal de Família e Menores de Lisboa julgou a acção procedente e atribuiu a casa de morada de família ao requerente. Para o efeito, considerou apenas que “o regime específico da atribuição de casa pelo Cofre de Providência do Ministério das Finanças impede que em consequência do divórcio se conceda o direito ao arrendamento da casa de morada de família ao cônjuge que não seja, concretamente, o sócio daquele Cofre a quem foi inicialmente atribuída em regime de propriedade resolúvel”. Em face do assim decidido, considerou aquele ilustre julgador prejudicado o conhecimento da segunda questão que lhe foi suscitada, qual seja a de saber se em concreto, a quem devia ser atribuída a casa de morada de família, isto é, atenta a factualidade dada como provada, se a casa devia ser atribuída a um ou a outros dos ex-cônjuges. Esta decisão foi impugnada pela requerida junto do Tribunal da Relação de Lisboa, mas sem qualquer sucesso. Perante a confirmação do julgado da 1ª instância no que tange à interpretação do regime jurídico do Cofre do Ministério das Finanças, decidiu a 2ª instância que “resulta prejudicado o sopesamento das «necessidades» de habitação da parte de um e de outro dos agregados familiares assim em confronto”. A requerida continuou irresignada e pediu revista do acórdão confirmatório da Relação de Lisboa. Mas em vão, na justa medida em que, por acórdão de 29 de Junho de 2005, este STJ, com base apenas na justeza da argumentação acolhida pelas instâncias, confirmou a tese vertida no aresto impugnado. Continuou inconformada a requerida. Foi a vez de recorrer para o Tribunal Constitucional. E este Tribunal deu provimento à pretensão da requerida, pois julgou inconstitucional “por violação do disposto no artigo 13º da Constituição, a norma do art. 50º dos Estatutos do Cofre de Providência do Ministério das Finanças, aprovados pelo Decreto-Lei nº 465/76, de 11 de Junho, com a alteração do Decreto-Lei nº 325/78, de 9 de Novembro, interpretada no sentido de que, no caso de divórcio, não é admissível ponderar a atribuição da casa de morada de família, em regime de arrendamento, nos termos do artigo 1793º do Código Civil, ao ex-cônjuge que não seja sócio do Cofre de Providência do Ministério das Finanças a quem a correspondente habitação foi inicialmente transmitida em regime de propriedade resolúvel por aquele Cofre”, ordenando que a decisão recorrida seja reformada de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade. Afastado, por um juízo de inconstitucionalidade, o argumento das instâncias, salta à tona a necessidade de apreciação em concreto da factualidade atinente à atribuição da casa de morada de família. Ou seja, eliminada a questão do pretenso impedimento legal (art. 50º do Estatutos do Cofre do Ministério das Finanças) resulta que a tal “2ª questão” suscitada deixou de ser prejudicial. Urge, pois, que este STJ proferida decisão de mérito. Afastado o regime que serviu de base às decisões que foram sendo sucessivamente impugnadas pela requerida, há que colocar em cima da mesa as verdadeiras normas jurídicas a fim de as aplicar à factualidade provada. Isto sem perder de vista o que dispões o art. 729º, nº 3 do CPC. Com efeito, o art. 729º, nº 3 do CPC prescreve que “o processo só volta ao tribunal recorrido quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir uma base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito”. Nesta ordem de ideias – que se nos afigura como a única correcta – importa dizer a que parte deve ser atribuído o direito de permanecer na casa que era “morada de família” antes do divórcio. Uma coisa é, desde já, certa: a casa em causa é propriedade do requerente – está a respectiva aquisição registada em seu nome, após a compra ao Cofre do Ministério das Finanças (cfr. art. 7º do CRP) e esse ponto nem sequer foi objecto de controvérsia. Como assim, importa convocar para a solutio da questão a que nos é proposta o preceituado no art. 1793º do Código Civil. Antes, porém, há que fazer a análise da factualidade relevante para a decisão do incidente. As instâncias fixaram a seguinte factualidade: 1. A. e R. celebraram entre si casamento civil, sem convenção antenupcial, em 27/12/1975. 2. Por sentença de 25/10/2002, a fls. 567 a 575 do apenso de divórcio, que transitou em julgado, foi decretado o divórcio entre o A. e a R., tendo aquele sido considerado principal culpado. 3. A. e R. estão separados de facto desde 18/05/1992, tendo o A. saído da casa de morada de família e tendo a R. e a filha do casal ficado a viver na referida casa. 4. Por sentença de 10/07/2000, a fls. 245 a 252 do apenso de divórcio, transitada, foi, provisoriamente, para vigorar durante a pendência da acção de divórcio, atribuído à R. o direito de utilização da casa de morada de família. 5. Tal casa situa-se na Av. ...., n.º 00, 1º Dt., em Miraflores, Algés, é composta por duas fracções e encontra-se descrita sob os n.ºs 1233/851030-A e 1233/851030-Y da Freguesia de Carnaxide, Concelho de Oeiras. 6. Tais fracções foram adquiridas, em 25/06/1980, por escritura pública, pelo Cofre de Previdência do Ministério das Finanças. 7. Que, por sua vez, na mesma data e pelo mesmo instrumento, transmitiu a propriedade resolúvel das mesmas ao A., sócio daquele Cofre desde Abril de 1969, nos termos da escritura de fls. 20 a 27, e nos dos DL 465/76 e DL 325/78. 8. O A. registou esta aquisição em 07/07/1980. 9. Pelo menos uma parte do preço da casa, no montante de cerca de 500.000$00 (quinhentos mil escudos), foi paga com a indemnização que A. e R. receberam por deixarem o arrendado onde viviam antes de irem para a casa aqui em causa. 10. Esse arrendado havia-o sido pela R., pouco antes do casamento e com a intenção de para ali ir viver o casal. 11. Após o casamento A. e R. não estipularam com rigor a comparticipação nas despesas familiares, sendo que ambos contribuíam, em montantes que não foi possível apurar. 12. As prestações relativas à casa aqui em causa, foram sempre pagas pelo A. ao Cofre de Previdência do Ministério das Finanças. 13. A R. tem inscrita a seu favor a propriedade da fracção autónoma designada pela letra ”P”, descrita na 5ª Cons. Reg. Pred. de Lisboa, sob o n.º 13.579, a que corresponde um apartamento, sito na Estrada da Luz, n.º 77, 7º andar Dt.. 14. Quanto a essa fracção a R. subscreveu a declaração cuja cópia se encontra a fls. 421, na qual declara que a mesma é propriedade sua e de suas duas irmãs, em partes iguais, estabelecendo, ainda, formas de vir a compensar as suas irmãs ou, em alternativa, a licitação entre estas. 15. A situação jurídica desta fracção ainda não foi alterada e nela habitam, sem pagar qualquer renda, um sobrinho da R. e sua actual companheira. 16. Esta casa, bem como a localização da mesma, não correspondem ao que, do seu ponto de vista, a R. necessita, para si e para a filha do casal. 17. O A. é comproprietário, na proporção de 1/8 (um oitavo), de um prédio urbano, composto de dos pavimentos e quintal, sito no Bairro do ..... 18. Nesse prédio vive a sua mãe e, no primeiro andar, a testemunha .... tem instalado o seu escritório. 19. O A. reside actualmente num apartamento arrendado, num prédio de habitação social, sito na Av. ..., Bloco 00, Corpo 0, Lote 0, 0º andar, E, em ..., ...., em prédio e zona que se encontram fotografado a fls. 110 a 112, pagando a renda de € 342,00 (trezentos e quarenta e dois euros). 20. O A. vive com a sua actual companheira, não correspondendo o referido apartamento, nem a sua localização, ao que, do seu ponto de vista, necessita. 21. O A. como assessor principal do quadro do Ministério da Cultura, funções que continua a desempenhar, auferiu, nos anos de 1995 a 1999, respectivamente, os rendimentos anuais líquidos de 3.442.013$00, 3.700.622$00, 3.821.287$00, 4.079.411$00 e 4.425.404$00, não se tendo apurado com exactidão qual o seu actual salário. 22. Além disso, o A. exerce a advocacia, como profissional liberal, não tendo sido possível apurar os rendimentos que aufere dessa actividade. 23. O A. entrega mensalmente à R. quantia correspondente a 41.000$00 (quarenta e um mil escudos) relativa aos alimentos da filha do casal, acrescida de cerca de 10.000$00 (dez mil escudos), correspondentes a 50% das despesas em livros, vestuário, calçado e de saúde. 24. O A. paga a amortização do capital, juros e demais despesas do empréstimo feito para a compra da casa de morada de família, no montante da quantia correspondente a cerca de 140.000$00 (cento e quarenta mil escudos) anuais. 25. Paga, ainda, o condomínio do prédio onde se situa a casa aqui em causa, no montante correspondente a cerca de 150.000$00 (cento e cinquenta mil escudos) anuais, bem como a respectiva contribuição autárquica, no montante correspondente a cerca de 15.000$00 (quinze mil escudos) anuais, a taxa de esgotos, no montante correspondente a cerca de 4.000$00 (quatro mil escudos) anuais. 26. A R., em Janeiro de 2003, como funcionária pública, auferia o salário mensal ilíquido de € 1.148,22 (mil, cento e quarenta e oito euros e vinte e dois cêntimos), não se tendo apurado com exactidão qual o seu actual salário. 27. A R. trabalha em Alfragide, em local próximo da casa aqui em causa; 28. À filha do A. e da R. foi diagnosticado, em 2002, um quadro depressivo em paralelo com um perturbação “borderline” da personalidade, tendo sido encaminhada para acompanhamento psiquiátrico. 29. Esta menor sempre viveu na casa de morada de família e tem manifestado, a familiares e amigos, que não quer deixar de ali viver. Voltemos, agora, a nossa atenção para a análise do preceito legal supra citado como sendo o que é aplicável ao caso sub iudice. O art. 1793º do CC prescreve que: “1. Pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada de família, quer seja comum quer seja própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal. 2. O arrendamento previsto no número anterior fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, mas o tribunal pode definir as condições do contrato, ouvidos os cônjuges, e fazer cessar o arrendamento, a requerimento do senhorio, quando as circunstâncias supervenientes o justifiquem”. Importa, como operação prévia, determinar, à luz dos factos supra enumerados, se a “casa de morada de família” deve ser atribuída ao requerente ou à requerida e, no segundo caso, estabelecer as condições do contrato de arrendamento. Sem fazer uma enumeração exaustiva e muito menos taxativa das condições a atender para a decisão desta questão, o certo é que o legislador sublinhou, ou seja, chamou a atenção para se tomar como critério as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal. Atentemos, pois, com principal preocupação nas necessidades de cada uma das partes à luz dos elementos recolhidos pelas instâncias. Resulta da matéria de facto que a requerida é, juntamente com outras duas suas irmãs, dona de uma fracção autónoma sita na Estrada ...., mas que a mesma está ocupada por um seu sobrinho e pela sua companheira (pontos 13, 14 e 15). Provado está também que o requerente é também comproprietário de uma outra casa na qual vive a sua mãe e onde uma outra pessoa, a testemunha ..., tem instalado o seu escritório (pontos 17 e 18). O requerente vive num apartamento arrendado com a sua companheira, pagando a renda de 342,00 € (pontos 19 e 20). A requerente vive com a filha do casal na casa aqui em causa desde 1992, data em que o requerente saiu da mesma (ponto 3). Presentemente, a solução de habitação de cada uma das partes passa pelo seguinte: ao passo que o requerente vive com a sua companheira numa casa arrendada, a requerida vive com a filha na casa que foi morada de família. E qual é a concreta situação económica de cada uma das partes? Em 1999, o requerente auferia cerca de 4.000 contos/ano como funcionário do Ministério da Cultura (ponto 21). Ademais, exerce a profissão de advogado, mui embora não se tenha apurado os réditos de tal actividade (ponto 22). Em relação à requerida só foi possível apurar que, em 2003, a mesma auferia, como funcionária pública, 1.148,22 € ilíquidos (ponto26). E que dizer quanto a despesas? Apurou-se que o requerente entrega mensalmente à requerida, a título de alimentos, 41.000$00 e mais 10.000$00, correspondente a 50% das despesas em livros, vestuário, calçado e saúde, e que paga cerca de 140 anuais com a amortização do empréstimo da casa em causa, para além de 150 anuais com despesas de condomínio onde a mesma se insere e, ainda, 15 contos de contribuições e 4 contos relativos à taxa de esgotos (pontos 23, 24 e 25). Sobre este ponto das despesas, é, na verdade, muito pobre, o quadro fáctico apurado: o que se pode dizer a este respeito é apenas que ela contribuiu para os alimentos da filha a 50%, como resulta do ponto 23 acabado de referir. Nada mais se apurou. O que é realmente pouco, para não dizer que não é nada! Com relevância para a decisão, temos de considerar que a filha do casal vive na casa em causa com sua mãe, como já ficou assinalado, e que foi lá que ela sempre viveu e que tem manifestado, a familiares e amigos, que não quer deixar de ali viver (ponto 29). Sublinha-se, a propósito, que a filha do casal tem um quadro depressivo em paralelo com uma perturbação “bordeline” da personalidade, tendo sido encaminhada para acompanhamento psiquiátrico (ponto 28). Igualmente com influência para a decisão é a requerida trabalhar próximo da dita casa (ponto 27) e, ainda, o requerente ter sido declarado principal culpado na acção de divórcio (ponto 2). Tudo isto ponderado, leva-nos a atribuir à requerida a casa de morada de família, tal como o nº 1 do art. 1793º do Código Civil o permite. Aqui chegados, deparamos com uma dificuldade de grande monta, qual seja a de determinar o quadro da relação contratual que se terá de estabelecer entre o requerente, como senhorio, e a requerida, como inquilina, à luz dos comandos do nº 2 do artigo citado. Dificuldade essa que é, aqui e agora, inultrapassável, à falta completa de factos que nos permitam emitir, com o mínimo de segurança, juízo sobre as condições do contrato de arrendamento que passará a regular a estadia da requerida na casa que é do requerente. Ou seja, acabamos por cair da hipótese excepcional do nº 3 do art. 729º do CPC: torna-se necessário alargar o quadro factual com vista à decisão de mérito no que tange à regulamentação do contrato de arrendamento a que passará a ficar sujeita a dita casa. Desde já fica definido o direito aplicável ao caso – à luz do art. 1793º e considerando os factos já provados, a casa de morada de família é atribuída à requerida. Falta, por conseguinte, apurar a renda e as demais condições deste contrato de arrendamento forçado. Tal tarefa cabe, exclusivamente, às instâncias. Em conformidade com o exposto e sem necessidade de qualquer outra consideração, decide-se, de acordo com o preceituado nos arts. 729º, nº 3 e 730º, ambos do CPC, ordenar a baixa dos autos à Relação de Lisboa em ordem ao apuramento da matéria de facto que permita determinar as condições do contrato de arrendamento referido, pelos mesmos Senhores Juízes Desembargadores, se possível. Custas pela parte vencida a final. Lisboa, aos 23 de Janeiro de 2007 Urbano Dias (Relator ) Paulo Sá Borges Soeiro |