Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
01P4259
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: LOURENÇO MARTINS
Nº do Documento: SJ200204170042593
Data do Acordão: 04/17/2002
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:
I
1. A, arguido no P.º n.º 108/95-A, da 1.ª Secção do Tribunal Judicial da comarca de Sátão, aí condenado, por acórdão de 24.03.00, veio interpor recurso extraordinário de revisão de tal decisão, sem representação forense, nos termos da alínea c) do artigo 450º do Código de Processo Penal.
Ao abrigo das alíneas a) c) e d) do artigo 449º, do mesmo CPPenal, solicitou a extracção de certidão dos processos seguintes:
- n.º. 12/96 da 3.ª Secção do Tribunal de Circulo de Lamego (Julgamento efectuado em Castro Daire );
- n.º. 22/99 da 1.ª Vara Mista do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia;
- inquérito n.º. 71/99, dos Serviços do Ministério Público no Tribunal Judicial da Comarca de Sátão.
"Ao solicitar estas consultas - diz - tem o requerente o objectivo de demonstrar claramente ter pago integralmente os cheques a que se reportam os processos a consultar, tratar-se de cheques pós-datados que titulavam negócios efectuados da mesma forma aos referidos nos autos para que se pede revisão, não fazendo portanto sentido ter o requerente pago cheques relativos a negócios posteriores aos mencionados nos autos em epígrafe, não o fazendo com estes!
"Pretende ainda o requerente-contestatário, solicitar a especial atenção de V. Ex. às declarações prestadas por B nos autos de inquérito n.º. 71/99 dos S.M.P. afectos a esse Tribunal, o qual, referindo-se ao processo em epígrafe, admite ter recebido do ora requerente a quantia de 800000 escudos (oitocentos mil escudos) em abatimento à dívida entre eles existente a qual era de 1200000 escudos (um milhão e duzentos mil escudos) na sua totalidade, dívida esta titulada por cheque pós-datado.
Afirma ainda ter-se apropriado sem autorização de ninguém, servindo-se de meios de reboque, fabricando ou mandando fabricar chaves falsas e obtendo por meios fraudulentos o averbamento a seu favor de 3 (três) veículos automóveis propriedade do requerente (MERCEDES BENZ 240-D 3.0, VOLV0 264, serie limitada e CITROEN) e normalmente estacionados na via pública, com o valor conjunto de 2300000 escudos (dois milhões e trezentos mil escudos) acção em que foi aparentemente coadjuvado por funcionários (?) desse Tribunal, pelo menos no tocante ao averbamento das viaturas, uma vez que é o próprio B a afirmar (facto ocorrido também, no decurso da audiência para julgamento dos autos em epígrafe) ter sido esse Tribunal a oficiar à Conservatória de Registo Automóvel competente, a ordem de averbamento a seu favor, passando aqueles a fazer parte do seu património.
Esta forma de "apropriação" tipifica o previsto e punível pelo n.º. 1 do artigo 208º do Código Penal, não havendo em relação a esta matéria qualquer outro entendimento!
Dessa apropriação resulta a comissão de vários crimes por parte do B eventualmente com a colaboração de outrem, em detrimento da proposta que o requerente lhe fez em Dezembro de 1990 que consistia em entregar-lhe a viatura MERCEDES BENZ 240-D 3.0, com a matrícula HH-08-39 cujo valor era à data de cerca de 600000 escudos (seiscentos mil escudos) contra a entrega do cheque em questão, sendo que, o diferencial de 200000 escudos (duzentos mil escudos) se destinavam a solver alguma pequena reparação de que o veículo necessitasse, e como compensação (vulgo juros de mora).
O visado optou pela forma de apropriação mais "rendível" e já descrita, alargada a mais duas viaturas, tentando ainda, servindo-se desse Tribunal, o recebimento quase quadruplicado. Ou seja, BURLAR o requerente apoiado na justiça, a que, de indiscutível má-fé recusou a proposta que lhe foi feita, não restituindo o cheque em questão e apresentando indevidamente queixa-crime, permitindo-se "o luxo" de brincar com o serviço judicial público. (O VISADO PRESUME DE O FAZER IMPUNEMENTE!)
Da mesma forma, C, interveniente nos autos em epígrafe na "qualidade de ofendido" procedeu como o anterior - ou seja - em sentido de oportunidade, uma vez que o ora contestatário teve forçosa e obviamente de ausentar-se por razões promovidas e do inteiro agrado de meia dúzia de "pessoas ditas BEM" (leia-se ABUTRES) residentes (e influentes) nessa comarca, voltou à posse de:
i) 1 televisor a cores da marca PHILLIPS.
2) 1 calculadora electrónica de marca TRIUMPHADLER.
3) 1 máquina eléctrica. de dactilografia da marca TRIUMPHADLER.
4) 1 móvel secretária e respectiva cadeira.
0 equipamento supra, foi pelo requerente adquirido ao citado C (proprietário entre outras, da firma Electro-Jomel, sediada nessa comarca) e o seu valor pecuniário titulado por cheque pós-datado.
0 cheque em referencia, é o mesmo que está apenso aos autos em epígrafe.
Também este (C) se serviu da justiça para tentar receber aquilo a que não tinha direito. (...)
Ainda o mesmo C, subtraiu sob ameaça e quase violentamente a uma filha do requerente, D, um veículo automóvel de marca Toyota modelo Carina II com a matrícula TN-78-05, viatura essa que mantém em seu poder indevidamente, alegando ter-lhe a mesma sido emprestada pelo requerente.
-Pergunta-se: - Como é que o requerente lhe emprestou o veículo para (segundo ele C) se deslocar enquanto não lhe entregava um "suposto" veículo novo, e não lhe entregou os documentos de circulação que detém conforme cópia anexa ?
Porque razão o mesmo C manteve o veículo referido, oculto em local desconhecido, durante vários anos ? - QUEM NÃO DEVE, NÃO TEME!
Por último, a referência a E, indevidamente incluído nos autos em epígrafe (indevidamente porque o cheque em referência lhe foi entregue na comarca de Castro Daire onde estava sediada a sua empresa de compra e venda de automóveis) o qual, na intervenção que fez durante a audiência para julgamento dos autos em epígrafe, declarou ter já efectuado um acordo com o ora contestatário, recebido já na época (1990) uma moto semi-nova da marca JAWA como parte do pagamento relativo ao débito titulado por cheque pós-datado referido nos autos em questão, bem como não desejar a sequência do procedimento criminal contra o ora requerente e realçando a sua convicção de estar o requerente a ser vítima de conluio e de má-fé por parte de B, C, F, G, H e outros, considerando o conhecimento e acompanhamento da situação à época vivida.
Face ao exposto, solicita-se:
Sejam requeridas ao proc. n.º 15/99 do Tribunal Judicial da Comarca de Vieira do Minho, os documentos de circulação (livrete e título de registo de propriedade) bem como modelo n.º 2 devidamente assinado e reconhecido notarialmente (declaração de venda) relativos ao veículo MERCEDES BENZ 240-D 3.0 com a matrícula HH-O8-39".
Solicita ainda a apreensão de viaturas e a audição de uma testemunha.

2. Convidado (1) pelo M.mo Juiz a indicar factos concretos que fundamentem a revisão do acórdão, bem como os factos a que a testemunha deve ser inquirida, o requerente juntou certidão de alguns processos e prestou esclarecimentos, tendo sido ordenada a audição de uma testemunha.
Em 4.12.01, a M.ma Juiz da comarca de Sátão prestou informação nos termos do artigo 451º do Código de Processo Penal, da qual se extraem as partes ora relevantes:
"Vem A requerer a revisão do acórdão proferido nos autos alegando, em síntese, que pagou integralmente os cheques a que se reportam os processos n.º 12/96 da 3a secção do Tribunal do Círculo de Lamego e n.º 22/99 da 1 a Vara mista do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia e dos autos que correram inquérito nesta comarca sob o n.º 71/99, tratando-se de cheques pós-datados que titulavam negócios efectuados da mesma forma aos referidos nestes autos e que, portanto, não faria sentido ter o arguido pago cheques relativamente a negócios posteriores aos mencionados nos autos em epígrafe.
Mais acrescenta que nas declarações prestadas por B no processo de inquérito n.º 71/99 este admite ter recebido dele arguido a quantia de esc. 800000 escudos para abatimento da dívida existente entre eles e ainda que o primeiro se apropriou de três veículos seus em pagamento da dívida.
O arguido diz ainda que C ofendido nos autos se aproveitou da justiça para receber aquilo a que não tinha direito.
Por último afirma que E fez com ele arguido um acordo no sentido de pagamento do cheque e que referiu no julgamento ser sua convicção que o arguido tinha sido vítima de um conluio de B, C e outros.
O arguido requereu fossem solicitados ao processo n.º 15/99 do tribunal de Vieira do Minho os documentos de circulação relativos ao veículo de matrícula HH-08--39, e a apreensão dos veículos HH-08-39, Volvo 264 e Citroen, bem como do veículo TN-78-05.
Requereu, ainda a audição de E. (...)
Foram juntas aos autos certidões do inquérito n.º 71/99, do processo n.º 12/96 do Tribunal de Círculo de Lamego e do processo n.º 22/99 da 1.ª Vara mista do tribunal de Vila Nova de Gaia.
(...) Por despacho de fls. 55 foi indeferido o pedido de apreensão dos veículos mencionados com os fundamentos aí expostos e foi designado dia para inquirição de E, a qual se procedeu a fls...."

Pronunciando-se sobre o mérito do pedido:
"No caso dos autos o arguido foi condenado por acórdão proferido em 24.03.00 por um crime de burla agravada, p.p. nos artigos 313° e 314°, alínea c) do Código Penal, na pena de três anos de prisão porquanto terá, de acordo com a factualidade dada como provada, conseguido obter um bilhete de identidade de um I e na posse dele aberto várias contas bancárias no nome deste último e na posse de cheques relativos às mesmas terá adquirido diverso material, nomeadamente, móveis e veículos automóveis, sacando cheques das referidas contas, as quais não tinham provisão, o que fez com que todos os cheques fossem devolvidos.

Os cheques passados pelo arguido totalizavam o montante de 2713000 escudos, o que fez com que se considerasse que a burla era agravada atendendo ao montante em questão que, no momento da prática dos factos, se considerou elevado.
O arguido levanta a questão de ter pago cheques a que se reportavam vários processos que discrimina e que, portanto, não faria sentido que tivesse pago cheques relativos a negócios posteriores aos mencionados nos autos em epígrafe.
Refere ainda uma série de conluios de que terá sido vítima e por último que relativamente ao E teria celebrado com ele um acordo para pagamento do cheque que lhe terá passado.
Efectivamente, o arguido não apresenta quaisquer factos que possam legitimar uma revisão do douto acórdão proferido nestes autos, divagando sobre uma série de processos e conluios, quando na verdade, não se encontra condenado nestes autos por ter cometido crimes de emissão de cheques sem provisão mas sim por ter conseguido através de um esquema ardiloso obter um bilhete de identidade de outra pessoa e na sequência disso aberto uma série de contas bancárias que lhe possibilitaram a obtenção de cheques que utilizou como forma de enganar terceiros que lhe iam fornecendo diversos bens.
Provou-se, ainda, que os prejuízos havidos o foram no montante de 2713000 escudos, montante que se provou não estar liquidado à data do julgamento.
Por outro lado, os processos a que se refere reportam-se a cheques passados a outras pessoas que não os ofendidos nestes autos.
Por último a testemunha inquirida nestes autos de revisão apenas diz que foi em parte ressarcido do prejuízo havido, mas não sabendo em que data e reafirma a sua convicção de existir um conluio contra o arguido.
Constata-se que, no douto acórdão proferido nestes autos se deu como provado que o arguido pretendeu com o esquema que montou causar prejuízo aos tomadores dos cheques que, até ao momento, isto é, até 24.03.00, não recuperaram os valores dos mesmos.
Em face de tudo o exposto, somos de parecer que deve ser negada a revisão do acórdão proferido nos autos e que o pedido de revisão é manifestamente infundado".
3. Já neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, em sentido diferente, dizendo nomeadamente:
"A decisão impugnada considerou provado que o arguido, tendo obtido por meio fraudulento um bilhete de identidade em nome de I, um português residente em França, abriu depois diversas contas bancárias com aquele nome, requisitando cheques dessas contas. Munido dos cheques, adquiriu ao ofendido C mercadorias que pagou com um cheque de 330000 escudos; comprou aos ofendidos E e B diversos veículos, entregando ao primeiro um cheque de 680000 escudos e ao segundo dois cheques, um no valor de 500000 escudos e outro de 1200000 escudos. Todos estes cheques foram devolvidos por falta de provisão, pois o arguido não tinha saldo suficiente nessas contas, como ele bem sabia. O que ele pretendia, e conseguiu, foi apropriar-se das mercadorias e veículos, causando prejuízo aos tomadores dos cheques que não recuperaram os respectivos valores.
Foram estes os factos considerados provados e constitutivos de um crime de burla agravada.
Contudo, nestes autos de revisão foram recolhidos elementos que apontam em sentido diferente, e mesmo contraditório com a matéria de facto do acórdão.
Assim, as declarações do ofendido B certificadas a fls. 17, extraídas de um inquérito aberto com base em participação do ora recorrente, revelam que esse ofendido, confirmando embora ter vendido quatro veículos ao recorrente, esclarece que, após a devolução do cheque sem provisão, o recorrente lhe entregou cerca de 800 contos como «amortização» da dívida. E mais: esclareceu ainda que, dos quatro veículos vendidos, o recorrente apenas levou um, ficando os restantes na posse dele, B.
Por sua vez, resulta do despacho do MP certificado a fls. 41 e ss., nomeadamente de fls. 43, que o ofendido C também apresentou, quando ouvido no referido inquérito, uma versão dos factos contraditória com a matéria de facto do acórdão, pois afirmou ter vendido três veículos ao recorrente, recebendo um cheque de 500000 escudos, e a promessa de uma carrinha, mas que não cobrou o cheque nem recebeu a carrinha; contudo, acrescentou que o recorrente lhe «emprestou» um outro veículo enquanto não viesse a dita carrinha, veículo que o ofendido tinha ainda em seu poder .
"Por último, o ofendido E, ouvido nestes autos a fls. 61, confirmou o negócio com o recorrente e a não cobrança do cheque, mas acrescentou que acordaram na entrega de um veículo para ele ser ressarcido do prejuízo, mas que isso não foi possível devido à oposição de um terceiro, mas que ainda assim o recorrente lhe entregou uma moto no valor de 150000 escudos / 200000 escudos, para reparação do prejuízo.
"Estas declarações, vindas dos próprios ofendidos, não podem deixar de abalar a matéria de facto fixada no acórdão. Com efeito, tudo indica que entre o recorrente e os «ofendidos» ocorreram vários e sucessivos negócios, não sendo seguro que deles tivesse resultado prejuízo para estes, ou pelo menos um prejuízo correspondente ao valor dos cheques. A preocupação do recorrente com a «amortização» das dívidas ou a reparação dos prejuízos é também incompatível com a intenção de enriquecimento ilegítimo que caracteriza a burla.
Resta o «artifício fraudulento» do uso de identidade falsa. Mas tal elemento não bastará para consumar o crime de burla. Por outro lado, sobre esse facto os ofendidos não foram directamente interrogados.
Nestes termos, entendo que foram recolhidos elementos suficientes para pôr em dúvida a justiça da condenação do recorrente pelo crime de burla, pelo que me pronuncio pela autorização da revisão, ao abrigo da al. d) do n° 1 do art. 449° do CPP".
4. Notificado, por despacho do Relator, para constituir advogado, porque obrigatória a sua assistência - artigo 64º, n.º 1, alínea d), do CPPenal -, assim o fez, e dada oportunidade ao Ex.mo Advogado para se pronunciar nada disse.
O processo não enferma de nulidades ou outros vícios que obstem ao conhecimento do mérito.
Observado o restante formalismo legal, nomeadamente foram colhidos os vistos a que se refere o n.º 2 do artigo 455º do CPP.
Não se mostra necessária a realização de outras diligências.

Cumpre ponderar e decidir.
II
Apreciando.
1. Dispõe-se no artigo 449º do CPPenal:
"1. A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;
b).......;
c) Os factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

(...)"
Como tem sido entendido pacificamente os factos ou meios de prova devem ser novos no sentido de não terem sido apresentados no processo que conduziu à acusação se bem que não fossem ignorados pelo arguido.
2. Os factos dados como provados e não provados na decisão em causa foram os seguintes:

1. Em 18.05.90, o arguido dirigiu-se á Conservatória do Registo Civil de Viseu, ali solicitando a emissão de um bilhete de identidade, fornecendo para tanto todos os elementos de identificação de I, através da apresentação de uma certidão de nascimento deste, entregando fotografias pessoais e pondo a sua impressão digital nos respectivos impressos, os quais assinou com uma rubrica por si efectuada a partir do nome do mencionado I.
2. Na posse do bilhete de identidade conseguido nos termos referidos em 1., o qual foi atribuído o N° 989071, com data de emissão de 17.09.1990, emitido pelo arquivo de identificação de Lisboa, o arguido formulou o propósito de através de tal bilhete de identidade conseguir abrir diversas contas bancárias em nome daquele I e, assim, conseguir requisitar cheques das respectivas contas e utilizar os mesmos no âmbito da sua actividade comercial ligada, além do mais, à compra e venda de carros, e usar os mesmos no giro de tal actividade comercial.
3. Na concretização de tal propósito logrou o arguido abrir contas bancárias nas agências da C.G.D., Banco Fonsecas & Bumay e Montepio Geral, em nome do mencionado I e requisitou cheques relativos às mesmas como sendo aquele, cheques esses nos quais figurava o mencionado I como titular das mesmas.
4. Na posse de tais cheques o arguido adquiriu a C móveis e electrodomésticos, no valor de 333000 escudos, entregando aquele, depois e o emitir, para pagamento de tais mercadorias um cheque dos referidos com tal valor de 333000 escudos nele exarado, datado de 27.02.91 e sacado sobre a C.G.D.
5. Adquiriu a E veículos automóveis, parte do preço dos quais lhe pagou em dinheiro e o restante através da emissão de um dos referidos cheques, sacado sobre o Banco Fonsecas & Burnay, no valor de 680000 escudos, datado de 05.02.1991, que entregou aquele E.
6. Adquiriu a B também veículos automóveis, para pagamento dos quais o arguido emitiu um dos referidos cheques, sacado sobre o Montepio Geral, datado de 15.01.1991, no valor de 500000 escudos que entregou aquele E.
7. Ao mesmo B o arguido também adquiriu veículos automóveis, para pagamento dos quais o arguido emitiu dois dos referidos cheques, um deles sacado sobre o Montepio Geral, datado de 15.01.1991, no valor de 500000 escudos e outro sacado sobre a C.G.D., datado de 16.01.1991, no valor de esc. 1200000 escudos, cheques esses que entregou aquele B.
8. O arguido era conhecido por todos os mencionados C, E e B como I, nome pelo qual se apresentava aos mesmos e pelo qual era conhecido por aqueles e ainda por todos aqueles com quem lidava.
9. Ao proceder á entrega dos aludidos cheques nos quais figurava como titular dos mesmos o aludido I, o arguido sabia que os mesmos não iriam obter cobrança por falta de provisão, na medida em que sabia não ter depositado nas respectivas contas sacadas fundos monetários suficientes para pagamento de tais cheques, pretendendo, assim, conseguir, como conseguiu, obter as mercadorias e os veículos automóveis referidos, pretendendo assim obter um ganho patrimonial a que sabia não ter direito e causando dessa forma prejuízo aos tomadores de tais cheques que até ao momento não recuperaram os valores dos mesmos.
10. O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente.
11. Sabendo que a sua conduta era proibida por lei.
12. Em virtude da conduta do arguido atrás descrita correm neste Tribunal contra o mencionado I os processos N°s 80/91, 147/91, 79/91 e 63/91 pela prática do crime de emissão de cheque sem provisão, com referência aos cheques aludidos em 4. a 7.
13. O arguido confessou parcialmente os factos, na parte da obtenção do bilhete de identidade, da abertura das contas bancárias e utilização dos cheques a estas respeitantes.
14. Sofreu as condenações que constam do C.R.C. junto aos autos por crimes de emissão de cheque sem provisão e burla e por factos anteriores aos que respeitam os presentes autos, constando, ainda, em tal C.R.C. vários processos pendentes.
15. O arguido encontra-se actualmente detido, tendo estado detido preventivamente á ordem destes autos até 10.03.2000 e, após tal data, e por despacho proferido na data referida, em cumprimento de pena á ordem do Proc. 79/99 do Tribunal Judicial de Ponte da Barca.
16. Tem a seu cargo dois filhos estudantes de 18 e 24 anos de idade.
17. A sua esposa encontra-se desempregada.
18. Tem como habilitações literárias o 5° ano antigo e frequentou, em Espanha, o curso de arquitectura até ao 4° ano.
*
Estes os factos provados. Mais nenhum outro se provou, designadamente, que o arguido causou, sobretudo, prejuízo ao mencionado I e que o arguido se vem dedicando, desde meados de 1990, á prática de actos semelhantes aos descritos, servindo-se do citado bilhete de identidade e utilizando os cheques requisitados nas várias contas abertas em diversas instituições bancárias, sempre em nome de I.
*
CONVICÇÃO
Factos provados:
A convicção do Tribunal relativamente aos factos provados alicerçou-se no conjunto da prova produzida na audiência de julgamento e, designadamente, nas declarações do arguido, estas quanto á forma como foi obtido o bilhete de identidade referido e à emissão dos cheques aludidos, bem como à situação familiar e habilitações literárias do arguido, nos depoimentos das testemunhas C, J, L, F, E, B, os quais demonstraram estar a par dos negócios do arguido á data dos factos bem como que o mesmo era conhecido, por assim se intitular, por I, sendo as mencionadas três testemunhas os tomadores dos cheques em causa nos autos e cujos depoimentos esclareceram o tribunal quanto ao destino de tais cheques, bem como o seu não pagamento pelo arguido até á data, e no C.R.C. do arguido junto aos autos a fls. 179-209.
Factos não Provados
A convicção do Tribunal relativamente aos factos não provados alicerçou-se na pouca consistência da prova sobre os mesmos produzida, resultante designadamente do facto de não ter sido inquirida a testemunha I, e por essa razão não ser possível apurar se a conduta do arguido causou a este prejuízos, e de se não puder extrair, apenas, do C.R.C. do arguido junto aos autos que o arguido se vem dedicando, desde meados de 1990, à prática de actos semelhantes aos descritos, servindo-se do citado bilhete de identidade e utilizando os cheques requisitados nas várias contas abertas em diversas instituições bancárias, sempre em nome de I".
3. Passando em revista os elementos carreados para os autos - que incluem fotocópias juntas pelo requerente e não certificadas (2) - não lhes vemos relevo bastante para integrarem os pressupostos a que se referem as alíneas a), c) e d), do citado artigo 449º.
Com efeito, pretende o requerente demonstrar, por comparação com outros processos em que esteve envolvido e onde usou o mesmo método - a falsa identificação na obtenção de bilhete de identidade, a abertura de contas em nome suposto e a passagem de cheques sem provisão para obtenção de mercadorias -, e nos quais os cheques emitidos "titulavam negócios efectuados da mesma forma aos referidos nos autos para que se pede revisão", que não faria "sentido ter o requerente pago cheques relativos a negócios posteriores aos mencionados nos autos em epígrafe, não o fazendo com estes" .
Parte assim o requerente de um juízo de suposição: se pagou aqui também pagou além. Como se os tribunais pudessem basear-se sobre "juízos" desta índole.
Mas ao apreciar tais elementos o que, a nosso ver, se constata é, de um lado, o acórdão revidendo, com datas e montantes precisos, com uma audiência de julgamento em que estiveram presentes os três ofendidos os quais demonstraram estar a par dos negócios do arguido à data dos factos bem como que o mesmo era conhecido, por assim se intitular, por I, sendo as mencionadas três testemunhas os tomadores dos cheques em causa nos autos e cujos depoimentos esclareceram o tribunal quanto ao destino de tais cheques, bem como o seu não pagamento pelo arguido até á data; do outro, as suposições e juízos especulativos do requerente.
O que se passa após a audiência de julgamento, se revela da parte do ora requerente a intenção de ressarcir os ofendidos ou, da parte deles, o uso de métodos pouco correctos para se tentarem ressarcir, são factos exteriores ao douto acórdão proferido.
Aliás, o ora requerente participou contra dois dos então ofendidos, por factos que se relacionam com o seu petitório inicial, processo que terminou recentemente por arquivamento - despacho de 21.03.01, em que se recorda que ao queixoso sobram ainda os meios cíveis se não consegue clarear completamente os negócios com os mesmos.
Como bem se sublinha na informação do M.ma Juiz na comarca de Sátão, para além de os processos referidos pelo requerente se reportarem a cheques passados a outras pessoas que não os ofendidos nestes autos, a testemunha inquirida (diga-se, um dos ofendidos) nestes autos de revisão apenas afirma ter sido em parte ressarcida do prejuízo havido, mas não sabendo em que data.
Quanto às suspeitas de conluio de outros contra o requerente diz esta testemunha (única):" na altura ficou com a sensação de que o Sr. C e o Sr. B queriam prejudicar o Sr. A, não sabendo, contudo, das razões desta sua convicção". O que, em termos de prova... não abona da capacidade de persuasão de tal testemunho.
Nem os elementos recolhidos de outros processos, nomeadamente das decisões proferidas, aportam quaisquer falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão ou põem em causa, de forma minimamente credível, factos que serviram de fundamento à condenação ou se descobriram quaisquer novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
Na verdade, dos elementos trazidos e ora apreciados, não se levantam quaisquer dúvidas graves sobre a justiça do acórdão revidendo.
IV
Pelo exposto, acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso de revisão do acórdão condenatório do recorrente.
Fixa-se a taxa de justiça em 6 UCs, com um terço de procuradoria.
Processado em computador pelo relator, que rubrica as restantes folhas.

Lisboa, 17 de Abril de 2002
Lourenço Martins,
Leal Henriques,
Pires Salpico,
Borges de Pinho. (Dispensei o visto).

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(1) - Foi ordenada a extracção de certidão para procedimento criminal sobre pretensos factos criminosos que o requerente indica.
(2) - Anotadas com realces e aditamentos marginais, que não suscitam apesar de tudo dúvidas essenciais.