Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
047188
Nº Convencional: JSTJ00025076
Relator: VAZ DOS SANTOS
Descritores: ROUBO
HOMICÍDIO VOLUNTÁRIO
CONCURSO DE INFRACÇÕES
Nº do Documento: SJ199502220471883
Data do Acordão: 02/22/1995
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N444 ANO1995 PAG217
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: REJEITADO O RECURSO.
Área Temática: DIR CRIM - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CP82 ARTIGO 30 N1 N2 ARTIGO 131 ARTIGO 297 N2 C ARTIGO 306 N1 N5.
CPP87 ARTIGO 126 ARTIGO 355 N2 ARTIGO 357 N1 A ARTIGO 410 N2 N3 ARTIGO 420 N1 ARTIGO 433.
CP886 ARTIGO 433.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1993/06/07 IN CJSTJ ANOI T3 PAG191.
ACÓRDÃO STJ DE 1994/03/16 IN CJSTJ ANOII T1 PAG247.
Sumário : O Código Penal vigente considera que a conduta que se traduz num roubo acompanhado de um homicídio voluntário em que os bens jurídicos tutelados são distintos, configura dois crimes autónomos, a punir em concurso real, no homicídio a vida, no roubo, embora integrando um elemento pessoal, a propriedade.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Pelo Tribunal Colectivo da comarca de Olhão, em processo comum, o arguido A, com os demais sinais dos autos foi condenado como autor de um crime de homicídio do artigo 137 e de um crime de roubo do artigo 306 ns. 1 e 5, referido no artigo 297 n. 2, alínea c), todos do Código Penal (CP), respectivamente nas penas de 11 anos e de 5 anos de prisão, a que se fez corresponder, em cúmulo, a pena única de 13 anos e 4 meses de prisão.
O arguido interpôs recurso dessa decisão, em cuja motivação formulou as seguintes conclusões:
1. O arguido foi condenado por um crime de homicídio previsto e punido pelo artigo 139 do Código Penal na pena de quinze (?) anos e num crime de roubo previsto e punido pelo artigo 306 ns. 1 e 5.
2. A confissão feita pelo arguido no primeiro interrogatório é nula porque feita sob coacção moral e por perturbação da sua capacidade de memória e avaliação.
3. Foram levantadas sérias dúvidas quanto à autoria do crime.
4. Atento o princípio in dubio pro reo o arguido deveria ter sido absolvido.
5. Ainda que assim não seja entendido, o arguido deverá ser condenado por um crime atento o disposto no artigo 30 n. 2 do Código Penal.
6. Não obstante o crime de roubo ser contra a propriedade o bem violado é o mesmo.
7. O que tem relevância é o elemento pessoal porque com a sua prática está posta em causa a liberdade, a integridade física e até a própria vida da pessoa roubada.
8. O Meritíssimo Juiz "a quo" fez errada aplicação dos artigos 126 e 355 do Código de Processo Civil, 30 n. 2 e 306 ns. 1 e 5 do Código Penal.
Na sua resposta, o Ministério Público pugna pela rejeição da primeira parte do recurso por não se referir a matéria de direito nem a qualquer dos vícios previstos no n. 2 do artigo 410 do Código de Processo
Penal, e, quanto ao resto, entende dever ser mantida a condenação por existir concurso real entre os crimes de homicídio e de roubo.
Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público teve vista do processo, pronunciando-se pela rejeição do recurso por manifesta improcedência.
O arguido respondeu à requerida rejeição.
Colhidos os vistos, trouxeram-se os autos à conferência para apreciar a questão preliminar suscitada.
Cumpre decidir:
2. De acordo com as conclusões da motivação, cujo âmbito delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões levantadas pelo recorrente: a) uma, relativa a uma pretensa insuficiência de prova resultante da nulidade da confissão feita pelo arguido no primeiro interrogatório, o que deixaria sérias dúvidas quanto à autoria do crime. b) outra, dizendo respeito à qualificação jurídico-criminal dos factos: os 2 crimes (homicídio e roubo) não concorreram em acumulação real, já que no crime de roubo o que tem relevância é o elemento pessoal, não obstante ser contra a propriedade, pelo que a condenação deveria ter sido por um só crime atento o artigo 30 n. 2 do Código Penal.
3. Em via de recurso, os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça estão definidos no artigo 433 do Código de Processo Penal (CCP): Compete-lhe proceder ao reexame da matéria de direito embora possa intrometer-se na apreciação de aspectos fácticos quando ocorra um dos vícios enumerados nas várias alíneas do n. 2 do artigo 410 daquele diploma legal, que resultem do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova; o recurso pode ainda ter como fundamento a inobservância do requisito cominado sob pena de nulidade que não deve considerar-se sanada (n. 3 do artigo 410).
Diferente da questão da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, mas por vezes confundida com ela, é a questão da insuficiência da prova; por outro lado, também muitas vezes se invoca erro notório na apreciação da prova quando o que se pretende é opor à livre convicção do Colectivo, expressa nos factos que considerou provados, a apreciação discordante do recorrente que, fazendo uma análise à sua maneira da prova produzida, chega a conclusões diversas do tribunal.
No caso sub júdice, é evidente não ocorrer qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nem se antoja qualquer erro, muito menos notório, na apreciação da prova, estando vedado a este Supremo criticar o processo lógico que levou o Colectivo a formar a sua convicção.
O recorrente alega que a sua confissão feita no primeiro interrogatório é nula porque feita sob coacção moral e por perturbação da sua capacidade de memória e avaliação. Trata-se de uma afirmação gratuita, por falta do respectivo suporte factual, não se mostrando portanto infringido o normativo do artigo 126 do Código de Processo Penal.
Na fundamentação, o acórdão recorrido alude ao "conjunto das declarações do arguido aquando do primeiro interrogatório judicial, nos quais confessou a prática dos factos; das declarações do arguido em julgamento (embora negando a prática dos factos não logrou convencer o tribunal da validade dos motivos que o levaram a mudar radicalmente de posição); das diversas contradições entre as declarações do arguido aquando do primeiro interrogatório judicial, do interrogatório em instrução e do interrogatório em julgamento".
O conjunto dessas declarações podia ser utilizado como meio de prova em julgamento por todas terem sido feitas perante o juiz (cf. artigos 355 n. 2, 357, n. 1, alínea c) do Código de Processo Penal), pelo que se tem por isenta de crítica tal fundamentação.
4. Quanto à segunda questão suscitada, não há dúvida que os factos provados integram os crimes dos artigos 131, 306 ns. 1 e 5 referido ao 299, n. 2 alínea c), todos do Código Penal, como aliás nem o recorrente discorda.
Pretende, isso sim, invocando a norma do n. 2 do artigo 30 do Código Penal ser condenado por um só crime, porque o de roubo, embora seja contra a propriedade, contem como relevante o elemento pessoal, sendo por isso o mesmo o bem jurídico violado em ambos os crimes.
É manifesta a improcedência dessa alegação.
No Código Penal de 1886, concorrendo os crimes de homicídio e de roubo, o agente era punido apenas por um crime, que traduzia uma figura criminal complexa - o do artigo 433.
O Código Penal vigente não contém disposição semelhante. Agora, a conduta que se traduz num roubo acompanhado de um homicídio voluntário, em que os bens jurídicos tutelados são distintos, configura dois crimes autónomos, a punir em concurso real (artigo 30 n. 1 do Código Penal): no homicídio, a vida; no roubo, embora integrando um elemento pessoal, a propriedade, como facilmente se infere do artigo 306, (cf. acórdãos deste Supremo, de 7 de Junho de 1993, e de 16 de Março de 1994, Col. Jur. / Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, Tomo 3, Página 191, Ano II, Tomo 1, Página 247, respectivamente).
5. De harmonia com o exposto, tendo presente o disposto no n. 1 do artigo 420 do Código de Processo Penal, acordam em rejeitar o recurso por manifesta improcedência.
6. O recorrente pagará a importância de 4 UCs.
Lisboa, 22 de Fevereiro de 1995.
Vaz dos Santos.
Pedro Marçal.
Silva Reis.
Decisão impugnada:
Acórdão de 13 de Abril de 1994 da 6. Vara Criminal de Lisboa.