Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
Relator: | FERNANDO BENTO | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CONTRATUAL CONTRATO DE MANDATO MANDATO FORENSE REMUNERAÇÃO PAGAMENTO ACÇÃO DE HONORÁRIOS INVENTÁRIO PARTILHA DA HERANÇA RECURSO AO MANDATO PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL TEORIA DE IMPRESSÃO DO DESTINATÁRIO BOA FÉ | ||
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Data do Acordão: | 06/05/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES - RESPONSABILIDADE CIVIL - CONTRATOS - DIREITO DAS SUCESSÕES - ENCARGOS DA HERANÇA | ||
Doutrina: | - Adelaide Menezes Leitão, “A Revogação Unilateral do Mandato, Pós-eficácia e Responsabilidade pela Confiança”, nos Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Galvão Telles, vol. I., pp. 327 e 328. - Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed., p. 443. - M. Januário da Costa Gomes, Em tema de revogação do mandato civil, Coimbra, 1989, pp. 267-268. - Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 2ª ed., p. 100. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, 237.º, 762.º, N.º2, 1170.º, N.º1, 2069.º, ALS. B) E D). ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS (EOA): - ARTIGO 28.º, N.º1. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 31-03-2004; -DE 06-12-2011. | ||
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Sumário : | I - O acordo pelo qual o mandatário forense (advogado) e a cliente acordam que, porque esta, na altura, não dispõe de rendimentos que lhe permitam suportar os custos da prestação dos serviços jurídicos daquele, as importâncias de honorários só serão recebidas após a ré ter recebido quaisquer quantias no âmbito das heranças, tem como pressupostos, não só o contrato – oneroso – de mandato, mas também a sua subsistência até ao recebimento de quaisquer importâncias na partilha. II - Nas quantias referidas em I devem considerar-se não só as verbas em dinheiro mas também as provenientes de bens da herança (rendimentos) e, ainda, o preço dos bens adjudicados à ré na partilha, e que esta depois alienou. III - A indagação da vontades das partes constitui matéria de facto da competência das instâncias, apenas competindo ao STJ apreciar se em tal actividade interpretativa foram observados os critérios interpretativos dos arts. 236.º e 237.º do CC. IV - A interpretação de que o acordo referido em I visava apenas o deferimento da exigibilidade de provisão e de honorários concedido à cliente – até ao recebimento de quaisquer quantias na herança – é compatível com a impressão que teria um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, à luz dos princípios da boa fé. V - No contrato de mandato a boa fé é recíproca e mantém-se para além da sua extinção, pelo que, ocorrendo esta – in casu, por renúncia do mandatário antes de completada a partilha – subsiste a obrigação de pagar a respectiva contrapartida (retribuição). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: RELATÓRIO Entre AA & ASSOCIADOS, SOCIEDADE DE ADVOGADOS e BB foi celebrado um contrato de mandato com vista à realização de partilhas extrajudiciais cumuladas nas quais esta última era interessada. Efectuadas várias diligências e prestados alguns dos serviços jurídicos sem que tivesse sido exigido qualquer adiantamento a título de provisão – por as partes haverem acordado que os honorários só seriam pagos após o recebimento de quaisquer quantias no âmbito da herança – o DR. CC renunciou ao mandato, invocando quebra de confiança da sua cliente. E com vista à condenação no pagamento dos honorários devidos por estes, intentou a referida sociedade acção de honorários contra a sua cliente, BB, peticionando a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 13.000,00 acrescida de juros de mora, calculados até efectivo e integral pagamento, bem como no IVA correspondente à taxa legal de 21%. A Ré defendeu-se por impugnação e por reconvenção para obter a condenação da Autora no pagamento de indemnização de € 8.735,93 valor do alegado prejuízo decorrente da impossibilidade de efectuar o pagamento de um empréstimo que contraiu no valor de € 50.000,00 por no processo de partilhas não ter ficado com nenhum bem que pudesse vender de imediato. A Autora replicou, contestando a reconvenção e a Ré treplicou. Saneado o processo e discriminados os factos assentes dos ainda controvertidos, prosseguiu a tramitação do processo, vindo a realizar-se audiência de julgamento com decisão da matéria de facto controvertida e subsequente prolação de sentença que julgou a acção e a reconvenção improcedentes, absolvendo a Ré e a Autora dos respectivos pedidos. A Autora apelou para o Tribunal da Relação e, por sua vez, a Ré recorreu subordinadamente. O recurso principal obteve êxito, porquanto a sentença proferida foi revogada e a Ré condenada a pagar à Autora a quantia peticionada de € 13.000,00, acrescida dos juros de mora vencidos no valor de € 751,18 e nos que se venceram, à taxa legal, até integral pagamento e bem assim do respectivo IVA, que se cifra em € 2.730,00. O recurso subordinado foi julgado improcedente. Novo recurso, agora de revista, interposto pela Ré para este STJ, pugnando pela revogação de tal acórdão condenatório e pela sua absolvição do ‘pedido. Remetido o processo a este STJ, após a distribuição e o despacho liminar, foram corridos os vistos. Nada continua a obstar ao conhecimento do recurso. FUNDAMENTOS DE FACTO Na 1ª instância ficaram provados os seguintes factos:1 – A A. é uma sociedade de advogados, com escritório em Évora, na Rua de ..., nº … – …º andar, constituída por três sócios e outros associados, que fazem da advocacia profissão habitual e lucrativa. (al. A) dos f.a.) 2 – Em Setembro de 2002, a Ré recorreu aos serviços da A. conferindo mandato ao advogado CC para que este interviesse num processo de partilhas, procedendo ás diligências necessárias à negociação e concretização das mesmas. (al. B) dos f.a.) 3 – Existiam duas herdeiras, sendo uma delas a Ré, e os bens a partilhar constituíam 12 verbas, património, este, que foi avaliado (por acordo das partes) no montante global de, pelo menos, € 1.092.367,30. (al. C) dos f.a.) 4 – A Ré e a outra herdeira (DD) outorgaram o documento cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 68 a 77 (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) intitulado “Contrato Promessa de Partilha” das heranças abertas por óbito de EE, FF, GG, HH e II (avós, pais e tio da Ré). (al. D) dos f.a.) 5 – Foi elaborado um aditamento ao contrato-promessa de partilhas. (al. E) dos f.a.) 6 – Foi instruída e concretizada a escritura pública de partilhas de alguns imóveis. (al. F) dos f.a.) 7 – Não foi recebida qualquer provisão a título de despesas e honorários. (al. G) dos f.a.) 8 – A A. renunciou ao mandato. (al. H) dos f.a.) 9 – A A. decidindo renunciar ao mandato, em Abril de 2005, elaborou o relatório de actividades com indicação de despesas e honorários que enviou a Ré, em Maio de 2005 e que esta recepcionou. (al. I) dos f.a.) 10 – A Ré até hoje nada pagou à A.. (al. J) dos f.a.) 11 – Ao acervo hereditário de GG, HH e II, composto pelo mesmo núcleo de bens que compunham o acervo hereditário de FF e EE, acrescia ainda um prédio sito na Rua …, freguesia de …, concelho de Évora, inscrito na matriz sob o artº 148º. (al. K) dos f.a.) 12 – Neste prédio estava instalada uma fábrica de cortiça, estabelecimento industrial criado por FF, o qual nunca foi partilhado pelos herdeiros deste. (al. L) dos f.a.) 13 – Passando após a morte de FF, a ser explorado sob a firma “FF, Herdeiros”. (al. M) dos f.a.) 14 – O referido prédio urbano não fazia parte da herança de FF e EE por ter sido adquirido em comum por GG e pelo seu cunhado II. (al. N) dos f.a.) 15 – Era do interesse da Ré manter o prédio urbano sito na Rua …, em Azaruja, que se encontrava totalmente livre de ónus e encargos, afastado de eventuais responsabilidades decorrentes da exploração do estabelecimento industrial instalado no prédio e que respeitavam às heranças dos avós da Ré. (al. O) dos f.a.) 16 – A A. não deu à Ré cópia do documento já assinado na reunião do dia 16 de Junho de 2003. (al. P) dos f.a.) 17 – Estiveram presentes nesta reunião, que teve lugar no escritório do advogado da A., Dr. CC, a Ré, acompanhada dos seus filhos, a outra herdeira, uma sobrinha desta e o respectivo advogado, Dr. JJ. (al. Q) dos f.a.) 18 – No seguimento desta reunião foi elaborado o contrato promessa de partilha, datado de 26 de Junho de 2003, o qual, em consonância com o documento de fls. 62 a 67, teve por objecto o conjunto das cinco heranças e a totalidade do respectivo acervo hereditário. (al. R) dos f.a.) 19 – Cerca das 15 horas do dia 11 de Maio de 2004, o Dr. CC telefonou à Ré, comunicando-lhe que estava com o colega Dr. JJ no escritório daquele e que haviam marcado a escritura de partilhas para o dia 16 de Junho de 2004, sujeita a confirmação até ao dia 9 desse mês. (al. S) dos f.a.) 20 – Na reunião do dia 16 de Junho de 2003 foi adjudicado à Ré o prédio rústico denominado “L...” na freguesia de S…, inscrito na respectiva matriz sob o artº … da secção C. (al. T) dos f.a.) 21 – E à outra herdeira, o prédio rústico igualmente denominado “L...”, sito na freguesia de S. ..., inscrito na matriz respectiva sob o artº 70 da secção C. (al. U) dos f.a.) 22 – Os referidos prédios são contíguos e têm área inferior à unidade de cultura. (al. V) dos f.a.) 23 – O prédio urbano sito na Praça … nº …, Azaruja, casa de família, onde sempre residiram seus avós, pais e a própria Ré, que ali nasceu e viveu até casar e onde voltou a residir desde 1996 é um bem com enorme valor afectivo para a Ré de que esta só aceitaria desfazer-se numa situação de grave necessidade. (al. W) dos f.a.) 24 – O prédio urbano sito no Largo Dr. …, também na Azaruja, que é uma Praça de Touros muito antiga tem igualmente grande valor afectivo para a Ré. (al. X) dos f.a.) 25 – A Ré, por diversas vezes deu conta ao Dr. CC do seu descontentamento quanto ao rumo do processo de partilhas. (al. Y) dos f.a.) 26 – Instalou-se um clima de desconfiança da Ré em relação à A., muito antes da realização das diligências referidas na PI. (al. Z) dos f.a.) 27 – Foram realizadas várias reuniões entre as partes para que se conseguisse chegar a acordo quanto ao modelo de partilhas, aos critérios de avaliação dos bens a partilhar, preferências, pressupostos de licitação, entre outros. (artº 1º da B.I.) 28 – Conseguiu-se chegar a acordo quanto à realização de partilhas extra-judiciais. (artº 2º da B.I.) 29 – Foi ainda recuperado um crédito cuja prescrição seria, no mínimo insanável, no montante de € 29.927,97, em benefício da Ré. (artº 3º da B.I.) 30 – E foi concretizado um contrato de comodato. (artº 4º da B.I.) 31 – Foram levadas a cabo negociações no sentido de viabilizar uma auditoria às contas da exploração de um determinado bem da herança. (artº 5º da B.I.) 32 – Todo o processo implicou incontáveis conferências pessoais e telefónicas, negociações constantes e uma adaptação permanente às vontades da Ré no que concerne aos bens a adjudicar, e as opiniões pessoais que ia tendo acerca do assunto em causa. (artº 6º da B.I.) 33 – Todas as diligências realizadas visavam evitar um processo judicial moroso. (artº 7º da B.I.) 34 – Aquando da renúncia, faltavam apenas concluir alguns pontos do processo, nomeadamente: a – a venda do património que ficou adjudicado a ambas as herdeiras. b – extinguir e apurar eventuais saldos da exploração de um determinado bem. c – e concretizar o exercício de preferência na aquisição de um determinado prédio. (artº 8º da B.I.) 35 – A A. prestou todos os serviços enumerados no relatório de fls. 20 a 25. (artº 9º da B.I.) 36 – E teve as despesas administrativas aí enumeradas. (artº 10º da B.I.) 37 – A verba referente a honorários foi calculada atendendo ao tempo dispendido com a resolução das complexas e várias questões suscitadas, tempo esse computado em apenas 126 horas de trabalho. (artº 12º da B.I.) 38 – Por não dispor, na altura, de rendimentos que lhe permitissem suportar os custos da prestação de serviços jurídicos neste assunto, a A., através do Dr. CC, acordou com a Ré que importâncias de honorários só seriam devidas após a Ré ter recebido quaisquer quantias no âmbito das heranças. (artº 13º da B.I.) 39 – A Ré, pelos motivos adiante detalhados e a que é alheia, não recebeu até à presente data qualquer quantia proveniente das heranças, designadamente da venda de qualquer bem delas. (artº 14º da B.I.) 40 – A Ré desde o início, disse ao Dr. CC que pretendia que a partilha das heranças de seus avós fosse separada das de seus pais e tio. (artº 15º da B.I.) 41 – Sendo por isso de toda a conveniência acertar e resolver as contas da exploração da fábrica no quadro das ditas heranças dos avós e só depois avançar para as partilhas das heranças dos pais e tio da Ré, das quais o prédio fazia parte. (artº 16º da B.I.) 42 – O Dr. CC assegurou-lhe que assim iria proceder. (artº 17º da B.I.) 43 – Neste pressuposto, a Ré foi convocada pelo Dr. CC para uma reunião no seu escritório no dia 16 de Junho de 2003, sendo informada que iriam estar presentes a outra herdeira, uma sobrinha desta e o respectivo advogado, Dr. JJ, na qual iria desenrolar-se o processo de escolha e divisão dos bens das heranças de seus avós. (artº 18º da B.I.) 44 – O referido processo desenrolar-se-ia, segundo o Dr. CC, nos termos de um documento que regularia a forma como iria processar-se a divisão dos bens entre as herdeiras. (artº 19º da B.I.) 45 – Tal documento só foi dado a conhecer à Ré momentos antes da reunião ter lugar. (artº 20º da B.I.) 46 – A Ré ficou espantada com o facto de o documento, logo no título “Pressupostos da transacção sobre as partilhas dos bens indivisos que resultam dos óbitos de: EE; FF; HH; GG e II”, tratar em conjunto as heranças dos seus avós, pais e tio. (artº 21º da B.I.) 47 – E de o documento regular o destino da totalidade dos acervos patrimoniais, figurando na respectiva relação de bens, como verba nº 4, o prédio urbano supra mencionado. (artº 22º da B.I.) 48 – As contas da exploração do estabelecimento comercial e a liquidação da exploração do estabelecimento comercial fica sujeito ao acordo resultante dos parágrafos 4 do documento de fls. 252, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (artº 23º da B.I.) 49 – A Ré solicitou por diversas vezes ao Dr. CC cópia do documento referido em P). (artº 24º da B.I.) 50 – O referido em 23º apenas foi comunicado à Ré momentos antes da reunião ter lugar. (artº 25º da B.I.) 51 – A A. insistiu para que o documento fosse assinado e a dita reunião tivesse lugar. (artº 28º da B.I.) 52 – O Dr. CC apresentou à Ré para assinar o aditamento referido em E). (artº 29º da B.I.) 53 – O que esta fez sem que lhe tivesse sido fornecida cópia do mesmo. (artº 30º da B.I.) 54 – Apesar de, por diversas vezes, a ter pedido ao Sr. Dr. CC. (artº 31º da B.I.) 55 – No dia 11/05/2004 pelas 11 horas, o DR. CC telefonou à Ré, para o telemóvel desta, pedindo-lhe desculpa por o não ter feito antes, informando-a que iria ter nesse mesmo dia, pelas 14h30m, uma reunião com o colega da parte contrária, com vista à marcação da escritura de partilhas. (artº 33º da B.I.) 56 – A Ré foi informada que as adjudicações dos prédios efectuadas na escritura de partilhas (Courelas do L...) ficaram sujeitas ao ónus de anulabilidade por três anos a contar da data da escritura, pelo DR. CC, algum tempo antes da celebração da escritura de partilhas, mas muito depois da reunião de 16/06/2003 e da celebração do contrato-promessa de partilhas, em resultado dos quais lhe havia sido adjudicada a referida Courela da L.... (artº 37º da B.I.) 57 – O ónus de anulabilidade impediu, na prática, a Ré de vender a terceiros o prédio “L...”, até, pelo menos, 24 de Junho de 2007. (artº 39º da B.I.) 58 – O prédio referido em X) é de reduzido interesse imobiliário face às limitações urbanísticas decorrentes da sua natureza. (artº 40º da B.I.) 59 – Em Dezembro de 2003, a Ré/reconvinte contraiu um empréstimo de € 50.000,00 para fazer face a compromissos pessoais e comerciais anteriores e inadiáveis. (artº 44º da B.I.) 60 – A Ré/reconvinte contava poder pagar o empréstimo com o produto da venda da Courela do L..., à qual havia sido atribuído o valor de € 54.867,77. (artº 45º da B.I.) 61 – Se tal ónus não existisse, a Ré/reconvinte poderia vender o prédio a partir de, pelo menos, Julho/Agosto de 2004, considerando 15 dias para a efectivação do registo e regularização nas finanças da situação decorrente da partilha. (artº 48º da B.I.) 62 – Venda que seria fácil e rapidamente realizável pelo valor acima referido, ou mesmo por um valor um pouco superior. (artº 49º da B.I.) 63 – O que lhe teria permitido pagar integralmente o empréstimo. (artº 50º da B.I) 64 – Não o tendo podido fazer, a Ré/reconvinte, tem vindo a suportar entre Agosto de 2004 e a presente data os encargos financeiros – juros e outros encargos – que não suportaria não fora a existência do referido ónus. (artº 51º da B.I) 65 – Encargos e despesa que suportará pelo menos até Junho de 2007. (artº 52º da B.I.) 66 – A Ré/reconvinte suportou nos meses de Agosto de 2004 a Abril de 2007 a título de juros sobre o empréstimo referido a importância de € 6.423,84. (artº 53º da B.I.) 67 – Até Junho de 2007 pagará ainda a este título a importância de € 703,81. (artº 54º da B.I.) 68 – Com o seguro de vida obrigatório a Ré pagou entre Agosto e Dezembro de 2004 e nos anos de 2005 e de 2006 a importância de € 1.288,03. (artº 55º da B.I) 69 – Com o seguro do imóvel dado de hipoteca para garantia do empréstimo, pagou no mesmo período a importância de € 320,25. (artº 56º da B.I.) 70 – A versão final do documento nº 40 (de fls. 251/253 e não de fls. 40 como por lapso vem referido) corresponde às condições que foram sendo progressiva e laboriosamente estabelecidas entre as partes. (artº 57º da B.I.) FUNDAMENTOS DE DIREITO Importa, antes de mais, delimitar o objecto do recurso que, como se sabe, é definido pelas conclusões propostas pelo recorrente e nas quais sintetiza as razões da sua discordância.No final da respectiva alegação, a recorrente resume essa discordância nas seguintes conclusões: 1- O acórdão recorrido fundamenta a sua censura à sentença recorrida na interpretação restritiva que esta teria feito da cláusula do acordo de honorários constante do ponto 38 de factos provados, interpretação que teria consistido no entendimento de que a Ré só estaria obrigada a pagar à Autora, após a venda de um bem das heranças, venda que estaria dependente da vontade da Ré e não quando recebesse quaisquer quantias no âmbito das mesmas. 2- Sucede que, a sentença recorrida, em nenhum passo do seu texto, fez, sobre a cláusula em apreço, a interpretação restritiva que o acórdão recorrido lhe atribui. Não só jamais empregou, ou aludiu, ao termo "vender" ou "venda" para caracterizar a cláusula do acordo de honorários plasmada no nº 38 de factos provados como também se não pronunciou sobre estar tal hipotética venda na dependência da vontade da Ré. 3- A conclusão do acórdão recorrido quanto à pretensa interpretação restritiva da cláusula, por parte da sentença recorrida, é abusiva, por ser contrária à letra da sentença e ao seu sentido e infundamentada porquanto o acórdão não indica em que segmento da mesma se baseou para extrair tal conclusão. 4- A motivação do tribunal de Iª instância no sentido de que o efectivamente acordado fora que o pagamento seria exigível após a Ré ter recebido quaisquer quantias no âmbito das heranças e não apenas após a venda de bens das mesmas está expressa na resposta à matéria de facto, em cujo despacho se exarou que "A resposta aos quesitos 13 e 14 resultam da unanimidade da prova a essa matéria indicada, sendo que nenhum elemento colocou em causa a sua credibilidade" . 5- Pelo que, pelos motivos expostos, nunca a sentença recorrida poderia, sem grave contradição nos seus termos, alterar por interpretação o sentido da cláusula, substituindo a expressão "recebimento de quaisquer quantias" por "venda de bens", como pretende o acórdão recorrido. 6- Acresce que, estava previsto no contrato-promessa de 26/06/03 o recebimento pela Ré de outras quantias no âmbito das heranças, designadamente tomas e também estava consignada a obrigação de ambas as herdeiras procederem à venda de dois imóveis comuns logo após assinatura do dito contrato-promessa. 7- Atenta também esta factualidade, a interpretação do acordo de honorários efectivamente feita pela sentença recorrida - além de consonante com a letra expressa do n" 38 de factos provados - não poderia nunca levar à conclusão que o acórdão recorrido retira de que, tal "redundaria em ficar o recebimento dos honorários da A. na total disponibilidade e vontade da Ré na venda de um bem da herança. " (cfr. ac. reco pág 21, 4°§). Doutro passo, 8- Nada nos autos autoriza, também, a conclusão do acórdão recorrido de que o que justificaria o não pagamento dos honorários à A. teria sido o desinteresse da Ré em efectuar tal pagamento a coberto de não conseguir vender bens da herança. 9- O facto assente constante do nº 39 de factos provados demonstra de forma insofismável que a Ré, não por capricho da sua vontade, mas por motivos a que é alheia, não recebeu nenhuma quantia proveniente das heranças. 10- Tendo sido devido à comprovada evidência da conduta diligente da Ré que o tribunal deu como não provado o quesito 65°, no qual se perguntava se a Ré, desde pelo menos Dezembro de 2005, se mostrava indisponível para vender as courelas que permaneciam por partilhar. 11- O acórdão recorrido ignorou em absoluto o que se provou sobre esta matéria, designadamente o constante do nº 39 de factos provados, apodando a Recorrente de desinteressada no pagamento dos honorários contra toda a factualidade provada e sem qualquer base de sustentação. 12- Entende ainda o acórdão recorrido que tendo a Ré recebido dinheiro do empréstimo bancário que contraiu em Dezembro de 2003, teria de se considerar que ocorreu uma alteração do pressuposto base do acordo celebrado que era o de que a Ré não dispunha de qualquer rendimento para fazer face à prestação dos serviços jurídicos em causa. 13- Está assente no nº 59 de factos provados que a Ré contraiu o empréstimo dos autos para fazer face a dificuldades da sua vida pessoal, designadamente compromissos anteriormente assumidos. 14- O empréstimo bancário tem como elemento essencial a obrigação de restituição de outro tanto do mesmo género e qualidade, (Cfr. art.1142° do Código Civil) o que, por definição, está excluído da noção de rendimento. 15- Pretender, como faz o acórdão recorrido, que o empréstimo bancário contraído pela Autora em 2003 para fazer face a dificuldades da sua vida pessoal e que esta ficou obrigada a restituir integralmente no termo do prazo, acrescido do pagamento periódico de juros, pode ser caracterizado como um rendimento próprio, configurando assim uma alteração do pressuposto base do acordo de honorários de não tem, pois, o menor firndamento. 16- O entendimento do acórdão recorrido de que pelo facto de se ter provado no ponto 60 de factos provados que a Ré contava poder pagar o empréstimo com o produto da venda da courela da L..., à qual havia sido atribuído o valor de € 54.867,77, seria forçoso concluir que afinal, a venda do seu bem da herança não serviria para fazer face ao pagamento de uma provisão de honorários ou destes, mas antes ao pagamento do referido empréstimo bancário (cfr. 1°§ de fls23) não tem também o menor fundamento. 17 - Nos nºs 61, 62 e 63 de factos provados, deu-se por assente que a Recorrente, se não existisse o ónus de anulabilidade ali referido, poderia vender a courela da L... a partir de Julho/Agosto de 2004, (cfr. nº l ) venda que seria fácil e rapidamente realizável pelo valor acima referido, ou mesmo por um valor um pouco superior (cfr.rr'ôz), o que lhe teria permitido pagar integralmente o empréstimo. (cfr.n''ôâ) 18 - O empréstimo foi contraído em Dezembro de 2003 e a Ré pretendia tê-lo pago com a venda da dita courela a partir de Julho/Agosto de 2004, isto é, muito antes de ocorrer a renúncia ao mandato por parte da A. e da apresentação de qualquer provisão ou nota de honorários (Maio de 2005). 19- A pretensão da Recorrente, manifestada muito antes da A. renunciar ao mandato e da apresentação da conta de honorários, não pode ser usada para lhe atribuir uma intenção de se furtar ao cumprimento de uma obrigação que nessa data ainda não tinha, sequer, existência jurídica. 20- A interpretação do acordo plasmado no nº 38 de factos provados feita pelo acórdão recorrido que considera ser facto determinante da exigibilidade do pagamento de honorários que a Ré dispusesse de liquidez por qualquer outro meio (e não se provou que dispusesse) que não o recebimento de quantias no âmbito das heranças, viola claramente o disposto no art.236° do Código Civil. 21- A interpretação feita pelo acórdão recorrido começa por ignorar deliberadamente a letra da declaração negocial quanto à expressão "no âmbito das heranças", para a partir dessa supressão concluir qual seria o sentido depreendido por um declaratário normal colocado na posição do real declaratário. 22- Não sendo lícito ao intérprete suprimir uma parte do texto da declaração, dúvidas não há que um declaratário normal, colocado perante o texto que expressamente contém a expressão, "quaisquer quantias no âmbito das heranças" não pode depreender que o sentido da mesma seria o de que o pagamento "seria efectuado logo que a Ré dispusesse de liquidez para o efeito, se não antes, designadamente após a Ré ter recebido quaisquer quantias no âmbito das heranças, contrariamente ao que defende o acórdão recorrido. (cfr. último período da sua pág. 20) 23- Não é, nem podia ser esse o sentido normal da declaração. 24- E como o sentido normal da declaração resulta claramente perceptível da aplicação das regras interpretativas consignadas naquele preceito legal, não há que deitar mão do art.237° do mesmo diploma, como faz o acórdão recorrido, (cfr. ac.rec. pág. 21 3° §) por se tratar de uma disposição aplicável apenas nos casos em que a dúvida sobre o sentido da declaração subsista. 25- A sentença recorrida de 1ª instância, ao contrário do decidido no acórdão recorrido fêz uma adequada interpretação dos factos provados e uma correcta aplicação do direito não merecendo, por isso qualquer censura. 26- Decidindo como decidiu o acórdão recorrido violou, entre outros, os arts.236° e 237° do Código Civil e o art.659° n''s 2 e 3 do Código de Processo Civil aplicável ex vi do disposto no art. 713° n02 do mesmo diploma. Conclui, pedindo a revogação do acórdão recorrido. Apreciação: A 1ª instância, depois de qualificar a relação jurídica entre as partes como contrato de mandato e de interpretar a cláusula referente ao pagamento de honorários – cujo montante teve por adequado e justo - como condição suspensiva, entendeu que a renúncia ao mandato não punha em causa a mesma e que “…se a Re não obteve meios financeiros da herança recebida foi por factos alheios à sua vontade” e não, como defende a Autora, por haver inviabilizado a venda de diverso património. Consequentemente, não se tendo verificado a condição, a acção improcedeu. Ao invés, a Relação, depois de concordar com a qualificação jurídica do contrato como mandato, valorou a referida cláusula como termo suspensivo, interpretando-a no sentido de que a Ré pagaria à Autora, “logo que pudesse, protestando encontrar meios para tanto, construindo a oportunidade para o efeito. Ou seja, sendo o pressuposto da cláusula a indisponibilidade na altura de rendimentos que lhe permitissem suportar os custos da prestação de serviços, o pagamento seria efectuado logo que a Ré dispusesse de liquidez para o efeito, se não antes, designadamente, após a Ré ter recebido quaisquer quantias no âmbito das heranças. A boa fé assim o impõe pois ela obriga o declaratário a procurar entender a declaração (ainda que não totalmente consonante com o sentido objectivo da declaração) como o faria um declaratário normal colocado na sua situação concreta, tendo em atenção além das circunstâncias por ele conhecidas as que poderia e deveria ter conhecido de harmonia com aquele princípio. Com efeito, não é crível que Ré, nas circunstâncias do acordo celebrado, pudesse entender que o pagamento dos honorários ao seu advogado ficasse dependente apenas da venda de bens da herança, quando tal lhe aprouvesse. Não seria normal e mesmo que dúvidas houvesse, sempre haveria que interpretar tal cláusula no sentido que conduzisse ao maior equilíbrio das prestações (art. 237° do CC)”. Por outras palavras: enquanto a 1ª instância interpretou literalmente a expressão recebimento de quantias no âmbito da herança fazendo depender o pagamento dos honorários deste facto, a Relação interpretou tal expressão no sentido de as quantias poderem ser, elas próprias, um bem da herança ou provenientes (da alienação) de bens da herança. A cláusula controvertida consta do facto nº 38: “Por não dispor, na altura, de rendimentos que lhe permitissem suportar os custos da prestação de serviços jurídicos neste assunto, a A., através do Dr. CC, acordou com a Ré que importâncias de honorários só seriam devidas após a Ré ter recebido quaisquer quantias no âmbito das heranças. (artº 13º da B.I.). Os pressupostos de tal acordo são, por um lado, para além do contrato de mandato oneroso para a partilha de heranças cumuladas com a inerente obrigação de pagamento da contrapartida (provisões e honorários), a expectativa de vir a receber, nas partilhas, verbas em dinheiro e por outro a indisponibilidade, na altura de rendimentos que permitissem à Ré suportar o custo dos serviços jurídicos, seja por via de adiantamentos (provisão) da Ré, seja por via de honorários. Sabido que o advogado pode solicitar ao respectivo cliente adiantamentos para pagamento de despesas (provisões) por conta dos honorários (art. 28º nº1 do EOA), a Relação interpretou a cláusula em questão, como se de dispensa de provisão se tratasse e como diferimento do pagamento de honorários até ao momento em que recebesse quaisquer quantias no âmbito da herança (por a Ré não dispor, na altura, de rendimentos que lhe permitissem suportar os custos da prestação de serviços jurídicos…). Quantias estas que podem ser constituídas, não só por verbas em dinheiro, mas também pelo preço dos bens alienados e pelos rendimentos de bens da herança percebidos até à partilha, pois que todos estes integram a herança (art, 2069º-b) e d) CC). E, muito embora num sentido não técnico-jurídico, não deixa de se considerar no âmbito da herança, o preço dos bens da herança adjudicados em partilha à Ré e em cuja titularidade esta sucedeu e depois alienou, como sua proprietária exclusiva, pois que, também neste caso, se trata de bens da herança que ela adquiriu por sucessão. Um outro pressuposto ou circunstância decisiva é a subsistência do contrato de mandato; com efeito, o diferimento da exigibilidade do pagamento dos honorários até ao momento do recebimento de quaisquer importâncias na partilha só se compreende no contexto da subsistência do mandato nesse momento conforme à intenção comum das partes – da Ré porque queria receber bens e valores da herança e da Autora porque pretendia acompanhar o andamento das partilhas, designadamente para poder controlar a obtenção pela Ré de meios da herança com que pudesse solver as contrapartidas do mandato (honorários); ora, a renúncia ao mandato (revogação unilateral – art. 1170º nº1 CC) veio inviabilizar e afastar este pressuposto. Assim, não dispondo a Ré de disponibilidades pecuniárias que lhe permitissem adiantar provisões por conta dos honorários que seriam devidos à Autora, as partes acordaram que estes só fossem exigidos (devidos) quando a Ré recebesse quaisquer quantias, seja relacionadas na herança, seja provenientes de bens da herança (rendimentos), seja representativas da contrapartida (preço) da alienação de bens da herança. Pelo menos enquanto persistisse a indisponibilidade financeira da Ré e vigorasse o contrato de mandato celebrado com a Autora, era intenção das partes que os honorários desta fossem pagos através de bens da herança (ou, melhor dito, das heranças), não estando a Ré obrigada a recorrer a outros meios de financiamento (v.g., alienação de bens próprios ou mesmo recurso a mútuos para tal). Ora, a indisponibilidade financeira da recorrente, se bem que existente no início da vigência do contrato de mandato, passou a ser questionável a partir do momento em que, mercê da actividade da Autora, “foi, (…), recuperado um crédito cuja prescrição seria, no mínimo insanável, no montante de € 29.927,97, em benefício da Ré” (cfr. nº 29 da matéria de facto). A recuperação pressupõe a satisfação e, por isso, forçoso é reconhecer que a Ré recorrente ficou em condições de solver a sua dívida para com a Autora. Ou seja, não tinha, na altura do ajuste do mandato, mas passou a ter mais tarde…,; logo, verificou-se o termo suspensivo incerto de que dependia o pagamento de honorários. Deixando de se verificar qualquer dos mencionados pressupostos (continuação da indisponibilidade financeira da Ré e subsistência do contrato de mandato), o problema da exigibilidade da provisão e dos honorários colocar-se-ia em termos diversos, pois que, em qualquer desses casos não se descortina justificação plausível para o diferimento do vencimento nem para a restrição convencionada da proveniência das disponibilidades monetárias aos bens da herança. Eis porque, no essencial, aderimos à interpretação que a Relação fez da vontade real das partes manifestada na cláusula em apreço, conforme, aliás, com a impressão que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário faria do comportamento do declarante, de harmonia com o art. 236º nº1 do CC. Segundo esta, “a declaração deve valer com o sentido que um destinatário razoável colocado na posição concreta do real declaratário, lhe atribuiria; considera-se o real declaratário nas condições concretas em que se encontra e tornam-se em conta os elementos que ele conheceu efectivamente, mais os que uma pessoa razoável, quer dizer, normalmente esclarecida, zelosa e sagaz, teria conhecido, e figura-se que ele raciocinou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável” (cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed., p. 443). Todavia, a indagação da vontade das partes constitui matéria de facto da exclusiva competência das instâncias que o STJ, como tribunal de revista, tem de acolher, restando-lhe apenas controlar se o resultado dessa indagação respeita os critérios interpretativos definidos pelos art.s 236 e 237º do CC. Entendeu-se neste STJ em acórdão de 06-12-2011 que “Em sede de interpretação dos negócios jurídicos constitui matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias, o apuramento da vontade psicologicamente determinável das partes, sendo matéria de direito a fixação do sentido juridicamente relevante da vontade negocial, isto é, a determinação do sentido a atribuir à declaração negocial em sede normativa, com recurso aos critérios fixados nos arts 236.º, nº 1 e 238.º, nº 1 do CC, competindo ao Supremo apreciar se a Relação, na actividade interpretativa observou esses critérios, se se conteve ou não entre os limites dos mesmos”. Logo, ao Supremo “…como tribunal de revista, só cabe exercer censura sobre o resultado interpretativo sempre que, tratando-se da situação prevista no art. 236 do C.C., tal resultado não coincida com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, pudesse deduzir do comportamento do declarante ou, tratando-se de situação contemplada no art. 238, nº1, do mesmo diploma, não tenha um mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso” (cfr. Ac STJ de 31-03-2004). E, como flui do supra exposto, a interpretação que a Relação fez da cláusula a que se refere o facto provado sob o nº 38, é totalmente compatível com a impressão que um declaratário normal colocado na posição do declaratário real – a Ré - teria do comportamento do declarante, à luz dos princípios da boa-fé e das circunstâncias do caso concreto. O benefício do diferimento da exigibilidade de provisão e de honorários concedido pela Autora à Ré até ao recebimento de quaisquer quantias no âmbito da herança – entenda-se pensado para regular o pagamento da retribuição devida no contrato de mandato – pressupõe, à luz dos princípios da boa-fé e das circunstâncias do caso concreto, a vigência de tal contrato até à conclusão das partilhas. Porem, para além da cessação da indisponibilidade financeira, tal contrato cessou, por renúncia do mandatário antes da conclusão da partilha. E a questão que se coloca é saber se, não obstante essa cessação, subsistem algumas das cláusulas do contrato extinto, maxime, para o que ora nos interessa, as referentes ao diferimento da exigibilidade da prestação. “Não se podem olvidar as situações jurídicas que se constituem em resultado da extinção de um negócio jurídico ou que permanecem para além do negócio jurídico extintivo enquanto eficácia pós-obrigacional. Estas situações podem ser reconduzidas ao negócio jurídico precedente ou ao próprio negócio jurídico extintivo. Se forem resultado do negócio jurídico de 1º grau, traduzem situações jurídicas de pós-eficácia obrigacional estrita, se se reconduzirem ao negócio jurídico de 2º grau, são posições jurídicas resultantes da eficácia actual do negócio revogatório, não havendo, em bom rigor, verdadeira pós-eficácia obrigaciona1” (cfr. Menezes Leitão, Adelaide, A”Revogação Unilateral do Mandato, Pós-eficácia e Responsabilidade pela Confiança, n Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Galvão Telles, vol. I., 327). Extinto o mandato, a questão de direito que se coloca consiste em saber se, na fase do respectivo acerto de contas entre mandante e mandatário, subsiste a eficácia, quer da obrigação de pagamento da retribuição devida pelos serviços jurídicos prestados, quer da clausula de diferimento da exigibilidade desta obrigação acordada entre as partes. A este propósito, escreveu M. Januário da Costa Gomes: “Extinto o mandato, subsistem, contudo, as obrigações próprias (em nota: embora não necessariamente típicas) duna fase de liquidação da relação contratual, nomeadamente as estabelecidas nas alíneas d) e e) do art. 1161º e ainda, se for caso disso, as previstas nas alíneas b), c) e d) do art. 1167º” (cfr. Em tema de revogação do mandato civil, Coimbra, 1989, p. 267-268). Ou seja, e para o que ora nos interessa, findo o mandato, o mandatário continua obrigado a prestar contas ao mandante e este, por sua vez, continua vinculado a pagar-lhe a retribuição que ao caso competir, a reembolsá-lo das despesas feitas e que tenham sido fundadamente consideradas indispensáveis com juros legais desde que foram efectuadas e a indemnizá-lo do prejuízo por ele sofrido. Independentemente destas considerações, sempre se dirá, à luz de elementares princípios de boa-fé, que, não obstante a extinção do contrato de mandato ao abrigo do qual foram prestados alguns serviços jurídicos, subsiste a obrigação de pagar a respectiva contrapartida A pós-eficácia das obrigações pressupõe a manutenção de determinados deveres para além da extinção do contrato; ou seja, uma ultractividade do contrato extinto, fundada na boa-fé (art- 762º nº2 CC). Boa-fé que, no mandato, é recíproca e é tanto contratual como pós-contratual. “Por força da celebração do contrato de mandato estabelecer-se-ia entre mandante e mandatário uma especial relação de confiança, derivada da boa fé, que constituiria as partes em deveres mútuos, nomeadamente tendentes a não permitir defraudar a crença pacífica do parceiro contratual num decurso, sem incidentes, da relação negocial. Extinto o contrato por revogação, a relação poderia subsistir arrastando a manutenção de determinados deveres” (cfr. Menezes Leitão, Adelaide, ob cit, p. 328). E foi a quebra dessa relação de confiança – alegada pela Autora e não impugnada pela Ré - que determinou a cessação do contrato. Ora, se o diferimento da exigibilidade da retribuição devida pelo mandato se fundava nessa relação de confiança, quebrada esta, desaparece a justificação para aquele diferimento. Depois de referir que “a cessação do contrato determina a extinção das correspondentes prestações, excepto das obrigações relativas à própria cessação do vínculo”, escreve o Prof. Romano Martinez: “Para aferir da eficácia de cláusulas que não são afectadas pela extinção do vínculo em que foram inseridas é necessário interpretar o negócio jurídico; só se pode concluir no sentido da subsistência de certas cláusulas após a dissolução do contrato se essa intenção das partes se depreende do contexto” (cfr. Da Cessação do Contrato, 2ª ed., p. 100). E do contexto do negócio depreende-se, como se disse, que um dos pressupostos do diferimento da exigibilidade dos honorários era a subsistência do contrato no momento convencionado para tal. Se o contrato cessou em momento anterior por quebra de confiança, desaparece esse pressuposto e, por isso, a justificação para a Autora aguardar o recebimento pela Ré de quantias no âmbito da herança, através de qualquer das supra-apontadas formas: se a Ré deixou de confiar na Autora a ponto de esta renunciar ao mandato não se justifica que a Autora continue a confiar na Ré e lhe conceda um benefício cujo fundamento é a confiança… Eis porque, em nosso entender, a revista improcede. ACÓRDÃO Pelo exposto, acorda-se no STJ em negar a revista, confirmando o douto acórdão recorrido. Custas pela recorrente. Lisboa e STJ, 5 de Junho de 2012 Os Conselheiros Fernando Bento (Relator) João Trindade Tavares de Paiva |