Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B4497
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ABÍLIO VASCONCELOS
Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES
CADUCIDADE
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: SJ200502240044972
Data do Acordão: 02/24/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 3003/04
Data: 07/08/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - Para a procedência do pedido de indemnização com fundamento na caducidade da providência, para além dessa caducidade ser imputável a facto do requerente, necessária é a verificação cumulativa da existência de danos e de culpa do requerente, consistente na falta de uma normal prudência.
II - Incide sobre o peticionante da indemnização o ónus da prova daquela falta de prudência.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"A" e mulher B, intentaram a presente acção, com processo ordinário, contra C, alegando, em síntese, que a ré obstaculizou a completa fruição e utilização de dois prédios rústicos, sua propriedade, designadamente mediante de uma providência cautelar de embargo de obra nova que acabou por caducar por a ré, imprudentemente, não ter instaurado a competente acção no prazo legal.

Em consequência daquele embargo, comentado no local da situação dos prédios, os A. A. viram fugir várias propostas para a sua aquisição, sofrendo, por isso, avultados prejuízos.

Terminam, pedindo a condenação da ré a pagarem-lhes a quantia de 48.000.000$00 acrescida de juros legais desde a citação.
A Ré, citada, contestou dizendo, fundamentalmente, que requereu a providência cautelar de embargo de obra nova em defesa do seu direito de propriedade sobre os terrenos que os A. A. dizem ser seus, e que o embargo caducou por lapso na contagem do prazo de propositura da acção.

E, para além de impugnar os factos em que os A. A. fundamentam o seu pedido, alegam ainda, não existir nexo de causalidade entre a sua actuação e os danos invocados.

Por sentença proferida na 1ª instância foi a acção julgada improcedente, e tendo a mesma sido confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de fls. 388 a 394, irresignados, voltaram os A. A. a recorrer formulando, em súmula, nas suas alegações, as seguintes conclusões:

1 - Estão preenchidos todos os requisitos para que a recorrida esteja constituída no dever de ressarcir os recorrentes dos prejuízos sofridos com a actuação ilícita da recorrida, ou seja, facto (a caducidade do embargo por inacção da recorrida), ilicitude (a actuação da recorrida ao reclamar direitos sobre prédio alheio - dos recorrentes), dolo ou mera culpa (a actuação atrás referida e a inacção processual da recorrida que levou à caducidade do embargo), nexo de causalidade (entre os provados prejuízos e a actuação da recorrida), prejuízos (da ordem dos 48.000.000$00).

2 - Sendo a recorrida uma sociedade de locação financeira com serviços de carácter profissional especializado e técnico, a mera circunstância de ter deixado caducar um embargo de obra nova por não respeitar o prazo de 30 dias de que dispunha para intentar a acção principal e ter avançado com sucessivas acções judiciais, desde Dezembro de 1996, sobre um prédio alheio, pertença dos recorrentes, não pode deixar de consubstanciar a ausência da prudência que normalmente seria exigível a uma sociedade como a recorrida.

3 - A recorrida não agiu com a prudência normal ao ter actuado judicialmente e reclamado direitos sobre o prédio dos recorrentes cuja titularidade era conhecida e reconhecida por todos desde 1950.

4 - A previsão legal basta-se com a mera culpa e a não observância de um prazo legal (e a consequente caducidade do embargo de obra nova) não pode deixar de configurar uma actuação culposa da recorrida (mesmo que se considere apenas a título de negligência.

5 - A perfilhar o entendimento contido no acórdão recorrido, nunca haveria responsabilização a título de negligência numa situação em que o requerente de um embargo de obra nova o deixasse caducar pelo decurso do prazo.

6 - O acórdão recorrido é nulo por se pronunciar sobre questões cuja apreciação não lhe foi submetida, como foi o caso da existência de prejuízos, que está definitivamente considerada provada e que nenhum litigante, nomeadamente a recorrida, colocou em causa, quer em sede de recurso subordinado, quer em sede de ampliação do objecto do recurso principal.

Terminam pedindo a revogação do acórdão e a sua substituição por outro que condene a recorrida no pedido.

Respondeu a recorrida pugnando pela improcedência do recurso.

Corridos os vistos legais, cabe decidir.

A Relação considerou provados os seguintes factos:

1 - No lugar de Agra de Barreiros, freguesia de Bairro, Vila Nova de Famalicão, situam-se os seguintes prédios:
- Bouça da Agra de Barreiros, descrita na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão no nº12.316 e inscrito na matriz predial rústica sob o art. 682º;
- Bouça ou leira da Agra de Barreiros, descrita na referida Conservatória do Registo Predial no nº 42.879 e inscrita na matriz predial rústica sob o art. 683º.
2 - No mesmo lugar de Agra de Barreiros ou Agra do Barreiro, freguesia de Bairro, concelho de Vila Nova de Famalicão, situa-se um prédio misto descrito na C.R.P. sob o nº 15.814 a fls. 125 do livro B-48, a que corresponde a ficha nº 135 da freguesia de Bairro.
3 - O prédio referido em 2) encontra-se registado a favor da ré pela inscrição G-2.
4 - Por sentença transitada em julgado proferida na acção nº 337/91 da 2ª Secção do Tribunal de Círculo de Santo Tirso intentada contra D, foi reconhecida a propriedade dos A.A. sobre os prédios referidos em 1).
5 - A partir de Dezembro de 1996, a R. requereu, no Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, embargo de obra nova que correu termos no 1º Juízo Cível sob o nº 595/96.
6 - Depois, a R. deduziu embargos de terceiro à execução de sentença proferida no processo nº337/91 da 2ª s. do Tribunal de Círculo de Santo Tirso.
7 - E, finalmente a R. apresentou a acção principal à qual os autos de providência referidos foram apensados e que corre termos na 1ª s, daquele Tribunal de Círculo sob o nº 30/97.
8 - A Ré apresentou a acção nº 30/97, referida em 7), após o prazo de 30 dias, donde resultou a caducidade do embargo de obra nova anteriormente ratificado.
9 - Pelo menos desde 1950 que os A.A., por si e antepossuidores, cuidam dos prédios referidos em 1), limpando-os, roçando o mato e cortando a vegetação, pagando as correspondentes contribuições e impostos.
10 - De modo a ser conhecido por todos, ininterruptamente, sem oposição de ninguém e na convicção de que estão a exercer um direito próprio.
11 - A R. é uma sociedade de locação financeira com serviços de carácter profissional especializado e técnico.
12 - O embargo foi muito comentado na zona em que os prédios se encontram inseridos e com ele os A.A. viram fugir propostas de aquisição dos mesmos.
13 - Propostas que se teriam traduzido numa valorização do investimento que os A.A. fizeram ao adquiri-los e no aumentar o seu valor pelas obras que neles foram incorporadas.
14 - Os A.A. tinham várias propostas em carteira que ou foram reduzidas para valores mais baixos ou foram declaradas suspensas até a situação criada pela ré ser esclarecida.
15 - Os A.A. sofreram prejuízos da ordem dos 48.000.000$00, resultado da diferença entre a proposta mais alta que possuíam antes do embargo, 128.000.000$00, e a proposta reformulada após o conhecimento, pelo proponente do embargo requerido pela ré, 80.000.000$00.

Considerou a Relação, também provado o seguinte:
- A.A. e R. arrogam-se simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre as mesmas parcelas de terreno e o embargo, cuja ratificação judicial foi requerida, incidiu sobre a construção de um muro exigido pelos autores nessas parcelas, fundando-o a ré na invocação de um seu direito de propriedade.
- A.A. e ré estão envolvidos em mais litígios processuais que têm por fundamento o mesmo controvertido direito de propriedade.

É incontornável que o procedimento cautelar - ratificação de embargo de obra nova - em causa caducou por a ré não ter proposto a acção da qual aquela providência dependia, no prazo de 30 dias estabelecido no art. 389º nº 1 al. a) do C.P.Civil.

Dispõe o art. 390º nº 1 daquele diploma que "se a providência ... vier a caducar por facto imputável ao requerente, responde este pelos danos culposamente causados, ao requerido, quando não tenha agido com a prudência normal".

Portanto, para a procedência do pedido de indemnização com fundamento na caducidade da providência, para além dessa caducidade ser imputável o facto do requerente, necessária é a verificação cumulativa da existência de danos e de culpa do requerente, consistente na falta de uma normal prudência.

É certo que a caducidade ocorreu por a ré não ter proposto a competente acção no referenciado prazo de 30 dias.

Mas, de tal omissão não resulta, inelutavelmente, um dever de indemnizar.

Daí não decorre a presunção de que o requerente não tenha agido com a prudência normal.

Necessária é, para além da prova dos danos, como se disse, a prova de que o requerente não usou da prudência normal, de que teve pelo menos, uma actuação culposa, ainda que meramente culposa.

Logo, invocando os recorrentes um direito à indemnização, incumbia-lhes a prova daquela falta de prudência - art. 342º nº 1 do Cod. Civil.

Ora, do elenco dos factos provados nada consta sobre essa falta de prudência.

Tanto basta para que a acção não possa proceder.
Alegaram os recorrentes que "a recorrida não agiu com a prudência normal ao ter actuado judicialmente e reclamado direitos sobre o prédio dos recorrentes cuja titularidade era reconhecida e conhecida por todos desde 1950".

Todavia, esta materialidade não foi inserida na petição, pelo que a invocação que agora dela se faz é inoportuna e inconsequente.

Por último, insurgem-se os recorrentes contra a decisão da Relação em não dar como provada a existência de prejuízos, não obstante o que consta do ítem 15) do elenco factual.

Diga-se, desde já, que esta questão é irrelevante dada a motivação acima exposta para a improcedência da acção e, consequentemente, do recurso.

De qualquer modo, sempre se dirá que a apreciação feita, na Relação, da existência dos prejuízos, não constitua caso de anulação da decisão, nos termos da al. d) do nº1 do art. 668º do C.P.Civil.

A Relação limitou-se, no âmbito da sua competência sobre a matéria de facto, a interpretar a menção dos "48.000.000$00 como prejuízos", como se reportando, apenas, à diferença entre a proposta mais alta oferecida antes do embargo e a proposta oferecida, pela mesma pessoa, após o decretamento desse mesmo embargo, e não como afirmação de um prejuízo real e efectivo.

Trata-se, como se disse, de apreciação de matéria de facto, sobre a qual este Supremo não pode exercer sindicância - nº 2 do art. 722º do C.P.Civil.

Portanto, também essa questão improcede.
Termos em que se julga o recurso improcedente e se confirma o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 24 de Fevereiro de 2005
Abílio Vasconcelos,
Duarte soares,
Ferreira Girão.