Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | VÍTOR MESQUITA | ||
Descritores: | MATÉRIA DE FACTO PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO TRABALHO SUPLEMENTAR RETRIBUIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | SJ200303120022384 | ||
Data do Acordão: | 03/12/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
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Sumário : | I – Os poderes conferidos pelo art.º 722, n.º 2 do CPC, permitem ao STJ corrigir as ofensas que ocorram - no acórdão da Relação, na sentença ou nas respostas aos quesitos – a disposições expressas da lei que exijam certa espécie de prova para determinados factos ou que fixem a força de determinados meios de prova. II – Os poderes a que alude o art.º 729, n.º 3 do CPC, permitem corrigir as omissões de julgamento e as obscuridades resultantes de contradições insanáveis na matéria de facto, impeditivas da aplicação do regime jurídico adequado. III – Ao Tribunal da Relação é lícito extrair ilações da matéria de facto fixada, intuindo a existência de outros factos através de um raciocínio lógico, constituindo estas ilações matéria de facto insindicável pelo STJ. IV – O que caracteriza a isenção de horário de trabalho é a ausência de horas predeterminadas para a tomada do trabalho, para os intervalos de descanso e para a saída, respeitando a não sujeição aos limites máximos dos períodos normais apenas aos períodos normais de trabalho diário e não ao semanal, sob pena de, a entender-se aquela não sujeição em termos totais e absolutos, ter que conceber-se a possibilidade de exigir ao trabalhador isento a obrigação de trabalhar ininterruptamente ao longo dos dias úteis da semana. V – As horas de trabalho prestadas pelo trabalhador isento de horário para além do período semanal de 40 horas e que excedam o limite anual das 200 horas de trabalho suplementar – art.º 3, n.º 1, al. a) do DL n.º 421/83 de 2.12 – devem ser remuneradas como trabalho suplementar, não obstante a isenção de horário de trabalho. VI – O reconhecimento do direito à retribuição por trabalho suplementar pressupõe a prova de dois factos constitutivos do direito: a prestação efectiva de trabalho suplementar e a determinação prévia e expressa de tal trabalho pela entidade patronal ou, pelo menos, a efectivação desse trabalho com o conhecimento (implícito ou tácito) e sem a oposição da entidade patronal. VII – É legítimo concluir que a entidade patronal tinha conhecimento (ainda que implícito) de que a autora prestou trabalho suplementar e a ele se não opôs, se pagava à autora um subsídio pelo trabalho prestado em domingos e feriados, se esta gozava dias de descanso nos dias subsequentes aqueles em que esteve de permanência e se a autora desempenhava funções de chefia de um sector. VIII – Deve ser incluída no cômputo da remuneração para efeitos de cálculo do pagamento do trabalho suplementar a importância paga ao trabalhador a título de isenção de horário de trabalho, se esta foi prevista e desejada pelas partes, assumindo carácter de regularidade. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório "A" (casada, residente na Rua da ....., Mirandela), intentou, no Tribunal do Trabalho de Bragança, acção declarativa condenatória, emergente de contrato individual de trabalho, com processo ordinário, contra B (com sede na Rua ..., 1200 Lisboa ), pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 3.853.710$00 a título de trabalho suplementar, ou, caso assim se não considere, a pagar-lhe a quantia de 1.926.855$00 a título de prestação de trabalho normal ou singelo e sempre e de qualquer modo, a pagar-lhe a quantia de 803.080$00 a título de trabalho nocturno, a quantia de 1.028.160$00 de trabalho prestado em domingos e dias feriados, a quantia de 1.874.880$00 de folgas não gozadas, a quantia de 1.268.500$00 de subsídio de isenção de horário de trabalho, bem como juros vencidos e vincendos até integral pagamento. Alegou, para o efeito, e em síntese, que foi contratada a termo certo pela ré em 05-12-94, por um período de 8 meses, com a categoria profissional de Chefe de Sector Estagiário, tendo rescindido unilateralmente o contrato de trabalho com efeitos a 17-04-97. Apesar de lhe ter sido concedida a isenção de horário de trabalho, para a qual não reunia os requisitos legais, a ré impunha-lhe um horário de trabalho, sendo que nunca lhe pagou a retribuição especial devida por isenção de horário de trabalho. O montante de retribuição acordado com a ré na celebração do contrato de trabalho, 160.000$00 mensais, deve ser considerado como remuneração mensal de base e nula a cláusula do contrato de renúncia à retribuição por isenção de horário de trabalho. Porém, ainda que se entendesse que tal renúncia tinha cabimento para aquela retribuição especial, nunca seria válida para a retribuição normal, pelo que a ré sempre teria que lhe pagar, em singelo, as horas de trabalho que prestou para além do seu horário semanal. Mais acrescenta que prestou 680 horas de trabalho nocturno e trabalhou em dias de descanso semanal (domingos e feriados), num total de 544 horas, tendo trabalhado, também, nas folgas semanais, num total de 992 horas. Contestou a ré, sustentando que a autora tinha isenção de horário de trabalho e, por isso, não tinha direito a quaisquer horas de trabalho suplementar em dias que não fossem feriado ou de descanso semanal, que o valor de retribuição mensal acordado, 160.000$00, corresponde 128.000$00 à retribuição de base e 32.000$00 àquele subsídio. Além disso, a autora apenas prestou mais 9 horas de trabalho diário nos dias de permanência à loja, nos dias de inventário geral ou intercalar, nos dias de preparação de campanhas de aquecimento e de electrodomésticos e nos dias que precederam e se seguiram à abertura da loja da ré em Mirandela, dias em que igualmente prestou trabalho entre as 20.00 horas de um dia e as 07.00 horas do dia seguinte, tendo nos dias de permanência à loja recebido um acréscimo de 2.000$00 e ainda 700$00 para custear o jantar e a partir de Janeiro de 1997 sempre lhe foram pagos o subsídio pelo trabalho prestado ao domingo e feriados, tendo recebido, respectivamente, 74.064$00 e 35.672$00. Conclui, por isso, na parte não confessada, pela improcedência da acção, tanto mais que nunca ordenou prévia e expressamente à autora a realização de trabalho para além das 8 horas diárias e da excepção supra referida. Respondeu a autora, mantendo, basicamente, o alegado na petição inicial. Procedeu-se à realização da audiência preliminar, na qual se proferiu despacho saneador e se seleccionou a matéria de facto. Posteriormente, realizou-se uma tentativa de conciliação, na qual não foi possível conciliar as partes. Os autos prosseguiram os seus termos, com realização da audiência de discussão e julgamento e em 14-07-00 foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora a quantia de 1.589.985$00, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento. Inconformadas, autora e ré recorreram para o Tribunal da Relação do Porto, que por acórdão de 03-12-01, nos termos do n.º 5 do art.º 713, do CPC, negou provimento a ambos os recursos, confirmando a decisão recorrida, pelos fundamentos dela constantes. Novamente inconformadas, autora e ré vieram recorrer de revista. Para o efeito, a autora formulou nas suas alegações as seguintes conclusões: A) O tribunal recorrido ao distinguir e dar como provado, que a retribuição base da recorrente é de 128.000$00, e a retribuição especial por isenção de horário de trabalho é de 32.000$00, labora em erro de interpretação dos factos e prova produzida; B) Pois a fórmula matemática interpretativa não pode conduzir ao resultado apontado, pois fazendo variar as parcelas apontadas, também se chegará sempre ao mesmo resultado final; C) Ou seja, não é possível discriminar as parcelas em questão, a não ser por tentativas ou somas parcelares aleatórias para chegar à soma global, o que em rigor nada se adianta; D) E sendo assim era à entidade patronal, que incumbia discriminar contratualmente, as parcelas da retribuição da A.; E) Na verdade, em todos os documentos dos autos, seja nomeadamente nos recibos juntos com a petição inicial como docs 5 e 6, se conclui que nem a própria entidade patronal ora recorrida conseguia discriminar tais parcelas; F) E a verdadeira razão era o desconhecimento de tais parcelas, sendo a desculpa do programa informático através do qual foram processados os recibos de que não previa qualquer rubrica autónoma relativa à retribuição especial, é mera desculpa para evitar os pagamentos reclamados - cfr. Ponto 17, da douta sentença; G) Não sendo pois possível como é o caso, de se saber as parcelas pagas à A., a retribuição a considerar para todos os efeitos legais será a de 160.000$00, com as legais consequências; H) Ora as consequências legais, não podem ser outras senão a fixação como retribuição base da recorrente os alegados 160.000$00 e deste modo considera-se como não pago o subsídio de isenção de horário de trabalho; I) Tal subsídio deve ser calculado sobre os referidos 160.000$00, ou seja de 40.000$00/mês; J) A mesma retribuição base deve ser aplicada, para determinar o pagamento do trabalho suplementar, mesmo antes do período da isenção concedido e determinado na douta sentença; L) De qualquer modo, acresce ainda que, apesar da isenção de horário concedida, deve ser paga à A. a sua retribuição normal; M) Na verdade, o recebimento da alegada compensação, não pode significar a dispensa de pagamento do trabalho normal; N) A isenção de horário de trabalho, dispensa o pagamento do acréscimo suplementar, isto é o pagamento da remuneração devida além do cálculo da hora simples, e não mais; O) Ou seja, a isenção de horários de trabalho, não pode confundir-se com uma autorização de trabalho gratuito; P) Significa apenas, que a quantidade de trabalho realizado a mais, não tem o tratamento de trabalho suplementar; Q) Tais considerações de Monteiro Fernandes, em Direito do Trabalho, 9ª Edição, Pág. 327/328, são por nós sufragadas, concluindo pois como aquele ilustre autor de que o tempo de trabalho excedente em relação ao período normal semanal, deve ser pago, mas pelo valor do salário hora normal, isto é a singelo; R) Portanto, neste caso, deve ser paga a retribuição horária da recorrente em singelo, durante pelo menos os períodos referidos em 9 da Sentença (I da Esp.), ponto 23, alín. d) e) e f), da sentença e todos aqueles períodos e dias que não foram incluídos na cálculo em II) a fls. 279 da douta sentença; S) Deve pois também nesta parte decidir-se de modo diverso do tribunal recorrido; T) O douto acórdão em recurso violou, além do mais, por erro de interpretação e aplicação, assim como determinação da norma aplicável, o art. 7.º, n° 4 do D.L. 421/83 na redacção do D.L. 398/91, art. 15 e 14, n.º 2 da LDT, o art. 29 do D.L 874/76 de 28/12 e ainda o CCT, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 12, de 29/03/94, devendo por isso ser alterado no sentido proposto. Por sua vez, a ré formulou nas suas alegações as seguintes conclusões: 1. Era à A. que competia provar o conhecimento da prestação do trabalho suplementar sem oposição por parte da Ré ou se o mesmo foi executado por ordem expressa desta. 2. Contudo, nenhuma prova foi feita daquele conhecimento ou ordens da Ré, nem nenhum dos factos provados na sentença recorrida aponta nesse sentido. 3. Das funções exercidas pela Autora, do tipo de estabelecimento comercial explorado pela Ré ou do horário de funcionamento deste, não se poderia nunca inferir que a Ré tivesse tido conhecimento do trabalho suplementar prestado pela A. fora das situações de inventários gerais e intercalares, campanhas de promoção de produtos, dias de permanência à loja, bem como da situação que precedeu e se seguiu à abertura da loja de Mirandela, em 05.04.95 ou do trabalho suplementar prestado pela A., na última semana de estágio, em Braga. 4. Pelo que não deveria a Ré ter sido condenada a pagar à Autora as remunerações por trabalho suplementar decididas nas alíneas 6), 9) (a partir de 20.04.95) e correspondente descanso compensatório da alínea 10) de I e dos itens 1.3, 1.4, 1.5, 2.2, 2.3, 2.4, 3.2 e 3.3 de II, todos de fls.288 v.278 e 280 da sentença da 1.ª Instância. 5. A remuneração pela isenção de horário de trabalho não constitui elemento integrante da retribuição devida pelo trabalho. 6. Pelo que, na sentença da 1.ª Instância, dever-se-ia ter calculado todo o trabalho suplementar, não pela remuneração da isenção de horário de trabalho, mas apenas pela remuneração de base auferida pela A. . 7. O que teria feito com que os valores hora com base nos quais deveriam ser calculadas a remuneração do trabalho suplementar e nocturno prestado pela Autora fossem de Esc. 738$53 até 31.07.96, Esc.761$53 até 28.02.97 e Esc.793$84, a partir 1.03.97 e não os decididos na sentença da 1.ª Instância. 8. A Mtma. Juiz da 1.ª Instância interpretou a norma do artigo 82° n.º 2 do Dec.Lei 49.408 no sentido de a retribuição incluir a remuneração ou subsídio especial devido pela isenção do horário de trabalho, quando a deveria ter interpretado no sentido de a excluir , por ser incompatível com uma prestação regular e habitual que a retribuição supõe. 9. Na referida decisão, foram violadas as normas dos artigos 6° n.º1 do Dec.Lei 421/83 de Dezembro e 82° n.° 2 do Dec.Lei 49.408 de 24.11.69. A ré apresentou ainda contra-alegações nas quais pugnou que seja negado provimento ao recurso da parte contrária. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto "parecer", no qual conclui que não deve ser concedida revista ao recurso da ré, sendo-o parcialmente quanto ao recurso da autora. II. Enquadramento fáctico As instâncias deram como provada a seguinte factualidade: 1. A ré tem um estabelecimento retalhista, denominado hipermercado, em Mirandela, com uma superfície de venda superior a 2.500 m2 (al. A esp.). 2. A autora. foi contratada a termo certo pela ré em 5/12/94, por um período de oito meses, constando da cláusula primeira do contrato de trabalho a categoria profissional de chefe de sector estagiário (al. B esp.). 3. O IDICT concedeu à ré isenção de horário de trabalho para a autora, conforme despacho de 27/7/95 (al. C esp.). 4. A autora rescindiu o seu contrato de trabalho com efeitos a 17/4/97 (al. D esp.). 5. A ré pagou à autora as importâncias constantes dos recibos de fIs. 22 e 23 (al. E esp.). 6. Na cláusula segunda do contrato de trabalho junto a fIs. 17 consta que "Pelo trabalho prestado à primeira outorgante (ré) o segundo outorgante (autora) receberá desta a retribuição mensal ilíquida esc.: 160.000$00 (cento e sessenta mil escudos) a qual já inclui a retribuição especial prevista na lei devida pela isenção de horário de trabalho pelo que, o segundo outorgante, desde já e doravante a ela renuncia" (al. F esp. e resp. quesitos 1°, 2° e 4°). 7. A ré encontra-se filiada na ANS - Associação Nacional de Supermercados (al.G esp.). 8. A autora começou a trabalhar em Mirandela a partir de 19/3/95, praticando entre esta data e dois dias antes da abertura do hipermercado da ré em 6/4/95 e na semana posterior a esta data, pelo menos, em média 13 horas por dia, 18 horas em cada um dos dias 4 e 5 de Abril e 11 horas na semana compreendida entre 13 e 20 de Abril de 1995 (al. H esp.). 9. Após 20/4/95, a autora passou a trabalhar em média, pelo menos 9 horas diárias (al. I esp.). 10. Nos dias de permanência à loja, que foram, pelo menos os constantes dos mapas de fls. 92 a 116, a autora era obrigada a permanecer pelo menos das 08.00 horas às 22.30 horas, com intervalo de uma hora para almoço e uma hora para jantar (al. J esp.). 11. No dia 8/10/95, em que colaborou no inventário geral, trabalhou, pelo menos até às 06.00 do dia seguinte, prestando cerca de 20 horas (al. L esp.). 12. Nos dias em que interveio em inventários intercalares, prestou serviço, pelo menos 5 horas seguidas a partir das 21.00 horas (al. M esp.). 13. Nos dias em que interveio na preparação de campanhas de aquecimento - pelo menos um dia em Outubro ou Novembro de 1995 - e de electrodomésticos - pelo menos um dia em Julho ou princípios de Agosto - trabalhou pelo menos 11 horas (al. N esp.). 14. Nos dias de permanência à loja, a autora sempre recebeu um acréscimo no montante de 2.000$00 e ainda 700$00 para custear o jantar ( al. O esp.). 15. A partir de Janeiro de 1997, a autora recebeu da ré um subsídio pelo trabalho prestado aos Domingos e feriados, recebendo até ao termo do seu contrato esc. 74.046$00 pelo primeiro e 35.672$00 pelo trabalho prestado em dias feriados, conforme recibos de fls. 118 a 121 (al. P esp.). 16. A renúncia prevista na cláusula segunda do contrato de trabalho transcrita em F) da especificação exprimiu o reconhecimento expresso pela autora que a retribuição da isenção de horário de trabalho se integrava no valor de esc.: 160.000$00 prevista naquela cláusula, e, que não lhe era devido qualquer outro acréscimo (resposta ao quesito 3°). 17. O programa informático através do qual foram processados os recibos de vencimento da autora não previa qualquer rubrica autónoma relativa à retribuição especial pela isenção de horário de trabalho (resposta ao quesito 5°). 18. Atentas as horas prestadas pela autora na sua intervenção em inventários intercalares de produtos, a direcção do hipermercado entendeu excepcionalmente dever compensá-la com uma gratificação especial nos meses correspondentes (resposta ao quesito 6°). 19. Que nos mesmos recibos, juntos a fls. 22 e 23, foi referida como horas extras, por o programa informático não comportar qualquer designação apropriada para aquela gratificação excepcional (resposta ao quesito 7°). 20. A autora efectuou um estágio na organização da ré, em Braga, desde 5/12/94 até 19/3/95 (resposta ao quesito 8°). 21. A autora dirigia o sector de bazar pesado, que incluía a linha branca (electrodomésticos), a linha castanha (TV., vídeo, Hi Fi) e a fotocine (C.D.'s, cassetes áudio e vídeo, fotografia, etc.), gerindo os stocks de mercadoria, orientando, coordenando e controlando o pessoal do sector, designadamente os operadores de loja e os repositores internos e externos, negociando com os fornecedores a aquisição de mercadorias até determinado montante, fazendo o marketing do sector, colaborando em inventários e campanhas e fazendo permanências à direcção (resposta ao quesito 9°). 22. A ré requereu a isenção de horário da autora em 6/4/95 (resposta ao quesito 10°). 23.a) No período de estágio em Braga a autora entrava ao serviço entre as 9.00 h e as 10.00 h e saía entre as 18.00 e as 19.00 h, com intervalo para almoço de uma hora e meia a duas horas e, na última semana de estágio, voltava à loja após o jantar, terminando o trabalho entre as 00.00 h e a 01.00 h do dia seguinte; b) Na loja de Mirandela a autora iniciava normalmente o seu dia de trabalho entre as 8.00 h e as 9.00 h e gastava uma a duas horas para o almoço; c) Todo o trabalho prestado pela autora em inventários gerais e intercalares, em campanha e em dias de permanência, bem como o prestado nos dias que precederam e se seguiram à abertura da loja, referido na al. H da especificação foi prévia e expressamente determinado pela R; d) Além do referido na al. L da especificação, a autora participou nos inventários gerais realizados em 2/1/96 e 20/1 0/96, praticando o horário que consta da dita alínea; e) A autora interveio nos inventários intercalares realizados em Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho e Julho de 1996 e Fevereiro e Março de 1997; f) Para além das referidas na al. N da especificação, o sector da autora efectuou uma campanha de electro, vídeo e Hi Fi de 23/5 a 10/6/96, em cuja preparação a autora interveio; g) Para além das permanências efectuadas pela autora que coincidiram com sábados, domingos e feriados, a autora trabalhou nos seguintes dias: - sábados: 20/7/96, 3/8/96, 24/8/96, 28/9/96, 12/10/96, 26/10/96, 23/11/96 14/12/96, 21/12/96, 28/12/96, 4/1/97, 25/1/97, 1/2/97, 1/3/97 e 5/4/97; - domingos: 8/10/95, 15/12/96, 5/1/97, 16/2/97 e 16/3/97; - feriados: 10/6/96 e 8/12/96; h) A autora gozou em média dois dias de descanso semanal enquanto permaneceu em Braga, um dos quais ao domingo, e a partir de Novembro de 1996; i) Entre 20 de Março de 1995 e Novembro de 1996 a autora gozou, em média, um dia de descanso semanal, a que acrescia meio dia de descanso, normalmente de manhã, nos dias subsequentes àqueles em que esteve de permanência; j) A partir de Abril de 1996 o horário de funcionamento do Hipermercado B em Mirandela aos domingos e feriados era das 9.00 h às 13.00 h, tendo passado a abrir às 9.00 h e a encerrar às 23.00 h às sextas-feiras e aos sábados que não coincidissem com feriados (resposta ao quesito 13°). 24. A autora gozou férias pelo menos no período de 10 a 16/7 e de 4 a 13 de 1995 e de 17 a 30/6, 9 a 20/9, 30 e 31/10 de 1996, inclusive (resposta ao quesito 14°). III. Enquadramento jurídico Sendo o âmbito do(s) recurso(s) delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s) - como resulta do disposto nos art.ºs 684, n.º 3 e 690, n.º 1, do CPC -, são as seguintes as questões, suscitadas pela autora e ré - as duas primeiras por aquela e as restantes por esta -, sobre que importa apreciar e decidir: 1. Se na remuneração mensal acordada entre autora e ré se encontra incluída a devida a título de isenção de horário de trabalho; 2. Se ainda que tenha sido paga à autora a importância devida a título de isenção de horário de trabalho, é-lhe ainda devido o pagamento do trabalho normal prestado. 3. Saber se o trabalho suplementar prestado pela autora foi ordenado pela ré ou se foi prestado sem oposição da mesma; 4. Se para o cálculo do trabalho suplementar prestado se deverá atender não só à remuneração de base, mas também ao valor auferido por isenção de horário de trabalho - como consideraram as instâncias -, ou apenas à remuneração de base. Analisemos, de per si, cada uma das questões. 1. Em sede de matéria de facto, a lei atribui ao Supremo Tribunal de Justiça poderes específicos e limitados ao quadro previsto pelos art.ºs 722, n.º 2 e 729, n.º 3, do CPC. Os poderes conferidos pelo art.º 722, n.º 2, do CPC, permitem ao Supremo corrigir as ofensas a disposições expressas da lei que exijam certa espécie de prova para a existência de determinados factos ou que fixem a força de determinados meios de prova, ou seja, erros sobre regras de direito probatório material que ocorram no acórdão da Relação, na sentença, ou até nas respostas ao questionário (actualmente base instrutória). E o poder de ampliar a matéria de facto, a que alude o art.º 729, n.º 3, do CPC, permite corrigir as omissões de julgamento e as obscuridades resultantes de contradições insanáveis na matéria de facto, impeditivas da aplicação do regime jurídico adequado. No caso "sub judice", as instâncias deram como provado que a renúncia prevista na cláusula segunda do contrato de trabalho exprimiu o reconhecimento expresso pela autora que a retribuição da isenção de horário de trabalho se integrava no valor de 160.000$00 prevista naquela cláusula e que não lhe era devido qualquer outro acréscimo ( n.º 16 dos factos provados). Mais se provou que o programa informático através do qual foram processados os recibos de vencimento da autora, não previa qualquer rubrica autónoma relativa à retribuição especial pela isenção de horário de trabalho (n.º 17). E, nessa sequência, através de operação aritmética, concluem as instâncias que da importância de 160.000$00 mensais auferida pela autora, 128.000$00 correspondem a retribuição de base e 32.000$00 a isenção de horário de trabalho. Ao Tribunal de Relação é lícito extrair ilações da matéria de facto, ou seja, intuir a existência de outros factos enquanto decorrentes, em termos de normalidade, e com o apoio nas regras da experiência. Porém, tal poder encontra-se limitado ao factualismo fixado, pelo que as ilações a retirar devem integrar um raciocínio lógico e, nesse sentido, as mesmas reconduzem-se a matéria de facto insindicável pelo STJ (1) . Assim, tendo presente a matéria de facto, e considerando que conforme a cláusula 14.ª do CCT entre a ANS - Associação Nacional de Supermercados e a FEPCES - Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritório e Serviço e Outros, publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 12, de 29.03.94 e Portaria de Extensão, publicada no BTE, 1.ª Série, n.º 31, de 22.08 (não vem questionada pelas partes a aplicação do referido CCT), a isenção de horário de trabalho, que será sempre da iniciativa da entidade patronal, dá ao trabalhador direito a uma retribuição especial correspondente a mais 25% da sua retribuição base mensal, a ilação retirada pelas instâncias - através de realização de operação aritmética - no sentido de que da importância de 160.000$00 mensais auferida pela autora, 32.000$00 se reportam a isenção de horário de trabalho, insere-se no raciocínio lógico sequencial àquela. Daí que, como se deixou supra referido, atendendo a que o STJ só pode alterar a matéria de facto nas situações previstas nos art.ºs 729, n.º 2 e 722, n.º 2, do CPC (2), não se descortine fundamento legal para alteração da matéria de facto apurada. 2. Quanto ao peticionado pagamento à autora do trabalho normal prestado, ainda que tenha sido paga a isenção de horário de trabalho. Sustenta aquela que "A isenção de horário de trabalho, dispensa o pagamento do acréscimo suplementar, isto é o pagamento da remuneração devida além do cálculo da hora simples, e não mais", pelo que teria que lhe ser paga "retribuição normal". Ou seja, a autora pretende que em relação ao trabalho prestado para além do período normal de trabalho (aquele que se obrigou a prestar - art.º 45, n.º 1, da LCT), lhe seja paga a isenção por horário de trabalho e ainda que esse mesmo trabalho lhe seja pago em singelo. A lei prevê que trabalhadores que exerçam cargos de direcção, de confiança ou de fiscalização, possam ser isentos de horário de trabalho (art.º 13, n.º 1, do DL n.º 409/71, de 27.09 e cláusula 14.ª, n.º 1, do CCT citado). A autorização é requerida ao IDICT, e a sua concessão pressupõe, entre o mais, a prévia concordância do trabalhador (n.º 2, do mesmo artigo). Os trabalhadores isentos de horário de trabalho não estão sujeitos aos limites máximos dos períodos normais de trabalho, mas a isenção não prejudica o direito aos dias de descanso semanal, aos feriados obrigatórios e aos dias e meios dias de descanso complementar, pelo que se o trabalhador for chamado a prestar trabalho nesses dias, deverá auferir as compensações correspondentes ( art.º 15, do DL n.º 409/71, de 27.09 e art.º 9, do DL n.º 421/83, de 02.12). Os trabalhadores isentos de horário de trabalho têm direito, em regra, a retribuição especial (art.º 50, n.º 1, da LCT, 14, n.º 2, do DL n.º 409/71, de 27.09 e cláusula 14.ª, n.º 2, do CCT). Assim, o trabalhador isento de horário de trabalho tem direito, em regra, a retribuição especial por essa isenção - que nunca será inferior à remuneração correspondente a uma hora de trabalho extraordinário por dia. (art.º 14, n.º 2, do DL citado) -, para além da retribuição de base mensal. Isto porque, sublinha-se, em tais situações não existe um limite máximo do período normal de trabalho. Todavia, como assinala Menezes Cordeiro (3), "O que caracteriza a isenção de horário não é a não sujeição aos limites máximos normais - que, de resto, não poderá ser total e absoluta. Antes será a ausência de horas predeterminadas para a tomada do trabalho, para os intervalos de descanso e para a saída". E, mais adiante (4): "A não sujeição aos limites máximos dos períodos normais não implica, como é evidente, que os trabalhadores isentos devam trabalhar indefinidamente. Ser-lhe-ão aplicados os limites convencionados ou, não havendo nenhum, os limites legais sobre o trabalho suplementar, com as excepções previstas no caso de ocorrências extraordinárias. A lei apenas afasta os limites dos períodos normais". Também Monteiro Fernandes escreve a este propósito (5) "Resulta claramente do regime legal da isenção que esta se traduz na possibilidade (para o empregador) de utilização dos serviços do trabalhador, não só à margem de um definido esquema cronológico de prestação (horário), mas também independentemente dos «limites máximos dos períodos normais de trabalho» (...) A nosso ver, a dispensa da observância dos limites máximos a que se refere o art. 15.º respeita apenas aos períodos normais de trabalho diário, não ao semanal, por muito que, em sentido contrário, sugira o teor do preceito. De outro modo, teria que conceber-se a aberrante possibilidade de se exigir ao trabalhador isento a prestação de trabalho ininterrupto ao longo dos dias úteis da semana. A contemplação específica que a lei faz do descanso semanal - perante o qual a isenção se queda, por assim dizer, neutralizada - situa-se na linha básica do entendimento proposto". Perfilhamos o entendimento que na isenção de horário a não sujeição aos limites máximos normais de trabalho não poderá ser entendida em termos totais e absolutos, sob pena dos trabalhadores isentos deverem trabalhar indefinidamente: tenha-se presente que o que justifica a isenção de horário é, essencialmente, a flexibilidade laboral, de modo a que o trabalhador não tenha um horário pré-definido para iniciar a actividade, para o intervalo de descanso ou para o término do trabalho. No contrato de trabalho celebrado entre as partes não foi convencionado qualquer limite de horas de trabalho. Por sua vez, no CCT estabeleceu-se a duração do período normal de trabalho semanal em quarenta horas (cláusula 9.ª). O art.º 5, n.º 1, a), do DL n.º 421/83, de 02.12, determina que o trabalho suplementar fica sujeito, por trabalhador, ao limite de 200 horas de trabalho por ano. Assim, as horas de trabalho prestadas pela autora para além do período semanal de 40 horas de trabalho e que excedam o limite das 200 horas anuais, não obstante a isenção de horário de trabalho, devem ser remuneradas nos termos previstos na cláusula 12.ª, n.º 3, do CCT, ou seja, com um acréscimo de 100% sobre a remuneração horária normal (isto, uma vez que aquela cláusula estipula um regime mais favorável para a remuneração do trabalho suplementar do que o estabelecido na lei geral que regula a duração de trabalho - DL n.º 409/71, de 27.09 - e o trabalho suplementar - DL n.º 421/83, de 02.12 -, nos termos do art.º 13, da LCT, aquele regime convencional prevalece sobre o regime geral). Considerando que no ano de 1995, a autora apenas teve isenção de horário de trabalho a partir de 27.07.95 (6), poderia a mesma, prestar sem direito a acréscimo de remuneração, desde tal período até final do ano, e para além do período semanal de trabalho, 86 horas de trabalho (200X158:365). No ano de 1996, a autora poderia prestar, para além do período semanal de trabalho, 200 horas anuais. Finalmente no ano de 1997, considerando que a autora rescindiu o contrato com efeitos a 17.04.97, poderia prestar 58 horas de trabalho (200X106:365). Face à matéria fáctica apurada, máxime ao constante dos n.º 9 e 10, não é possível apurar, com certeza, qual o número de horas de trabalho que a autora prestou nos anos referidos, para além do período semanal de trabalho de 40 horas, pelo que terá que se relegar para execução de sentença a quantificação das mesmas (art.º 661, n.º 2, do CPC ). Procedem, assim, nesta parte as conclusões das alegações da autora. 3. Sustenta a ré que a autora não provou o conhecimento da prestação do trabalho suplementar sem oposição por parte daquela, ou se o mesmo foi executado por ordem expressa da ré. De acordo com o art. 2º do DL n.º 421/83, de 2 de Dezembro, "Considera-se trabalho suplementar todo aquele que é prestado fora do horário de trabalho". Como faz notar Monteiro Fernandes (7), "O conceito de trabalho suplementar que o DL 421/83 introduziu é mais amplo que o de trabalho extraordinário; nele cabem todas as situações de desvio ao programa normal de actividade do trabalhador: trabalho fora do horário em dia útil, trabalho em dias de descanso semanal e feriados". Assim, contrariamente à lei anterior, em que no art. 46º, nº1, da LCT, se considerava que havia trabalho suplementar o prestado "para além do período normal" de trabalho, no DL 421/83 considera-se trabalho suplementar o que é prestado fora do horário de trabalho. Hoje relaciona-se o trabalho suplementar com o horário de trabalho e não com o período normal de trabalho, pelo que "(...) estar-se-à perante trabalho suplementar se a actividade for realizada em dia de trabalho fora do horário, mesmo que compreendido no período normal, ou se for prestada em dia de descanso" (8). O pagamento de trabalho suplementar pressupõe a prova de dois factos, constitutivos do direito, competindo, por isso, a prova ao autor: a prestação efectiva do trabalho suplementar e a determinação prévia e expressa da execução de tal trabalho pela entidade patronal. Com efeito, determina o art.º 7, n.º 4, do DL n.º 421/83 que "Não é exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação não tenha sido prévia e expressamente determinada pela entidade empregadora". Anteriormente à publicação do DL n.º 421/83, de 2 de Dezembro, na falta de disposição expressa que regulasse o direito à retribuição, uma corrente jurisprudencial pronunciava-se no sentido de que, embora não solicitado nem conhecido pela entidade patronal, o trabalho efectivamente prestado fora do período normal de trabalho, desde que necessário à empresa, ou implicando vantagem económica para a mesma, deveria considerar-se coberto pelo regime do trabalho extraordinário (9). Porém, a regra do art.º 6, n.º 1, do DL n.º 421/83, posteriormente transferida para o art.º 7, n.º 4, na redacção dada pelo DL n.º 398/91, de 16 de Outubro, condicionava o direito à retribuição de trabalho suplementar a prévia e expressa determinação da entidade patronal quanto à sua prestação. Procurou-se, por esta forma, não só desincentivar o recurso ao trabalho suplementar, como também evitar que a entidade patronal fosse obrigada a remunerar trabalho suplementar em relação ao qual é alheia, sendo certo não competir ao trabalhador prolongar unilateralmente o período de trabalho, ainda que daí resulte benefício para o empregador. Contudo, relativamente a tal exigência, considerou-se que a mesma interpretada e aplicada em termos estritos, poderia conduzir a situações injustas e, por isso, procuraram-se fazer interpretações "correctivas". Assim, para Monteiro Fernandes (10) "Esta regra não pode, porém, deixar de acomodar-se a situações anómalas, em que o trabalhador - nomeadamente por virtude do dever de lealdade - há-de ter-se por vinculado a desenvolver a actividade mesmo para além do horário e independentemente de ordem expressa e antecipada do empregador: são em especial os casos de força maior e os de necessidade imperiosa de prevenir prejuízos graves para a empresa, a que se refere o art. 4.º/2". Mota Veiga (11) sustenta também que a norma do art.º 7, n.º 4, na redacção do DL 398/91, de 16 de Outubro, "deve ser entendida em termos hábeis", sendo de manter a anterior orientação jurisprudencial que reconhecia direito a retribuição no caso "do trabalho suplementar efectuado por iniciativa do trabalhador para ocorrer a circunstâncias de força maior, ou prevenir prejuízos ou riscos iminentes de carácter grave, de que a entidade patronal não teve conhecimento a tempo de mandar realizar o trabalho suplementar necessário para lhes fazer face". Considera o mesmo autor, que é justo e equitativo que o trabalho fora do horário seja remunerado como tal, desde que se deva considerar que a entidade patronal o teria ordenado se tivesse tido conhecimento oportuno dos factos que objectivamente o determinaram. Para Francisco Liberal Fernandes (12) "A norma do n.º 4 do artigo 7.º não pode ser interpretada em termos estritamente literais, muito embora isso não signifique pôr em dúvida a regra de que a entidade patronal não pode ser constrangida a remunerar trabalho suplementar relativamente ao qual é alheia e, reciprocamente, o princípio de que o trabalhador não goza da faculdade de prolongar unilateralmente a jornada de trabalho, ainda que daí resulte benefício para o trabalhador. Contudo, podem verificar-se determinadas situações, desconhecidas da entidade patronal, em que, por força dos seus deveres de diligência ou de custódia, seja exigível ao trabalhador prolongar a respectiva actividade para além do período normal. É o caso das situações previstas no art.º 4, n.º 2, da Lei do trabalho suplementar, designadamente por motivo de força maior ou quando a paralisação do trabalhador no término do período normal seja susceptível de acarretar prejuízos ou riscos graves para o empregador". Pedro Romano Martinez (13) ensina que embora o pagamento do trabalho suplementar só seja devido tendo havido ordem expressa e prévia do empregador quanto à sua realização e que faltando tal ordem, o trabalhador não tem direito ao pagamento das horas suplementares, "(...) poderá haver justificação para tal pagamento caso se recorra ao instituto do enriquecimento sem causa, atendendo à mútua colaboração e ao dever de o trabalhador promover a melhoria da produtividade da empresa; esta situação deverá ser excepcional, designadamente em situações anómalas, em que a urgência não se compadece com a ordem prévia". Na jurisprudência, já se decidiu que o pagamento do trabalho suplementar é exigível caso tal trabalho seja efectuado com a vontade do empregador, com a sua autorização ou concordância, só o não sendo quando o trabalho suplementar for prestado contra as ordens do empregador, ou sem o consentimento deste (14) . Outra corrente jurisprudencial entende que o pagamento do trabalho suplementar só é exigível, quando a sua prestação proceder de ordem expressa e antecipada do empregador - sendo certo que é ao trabalhador que incumbe o ónus da prova dessa ordem -, não bastando que a execução do trabalho suplementar seja consentida por ele (15) . Todavia, o acórdão do Tribunal Constitucional de 23 de Novembro de 1999 (16), veio a julgar inconstitucional a norma do art.º 6, n.º 1, do DL 421/83, de 02.12 (na redacção originária do diploma, correspondendo ao art.º 7, n.º 4, na actual redacção, dada pelo DL n.º 398/91, de 16.10), quando interpretada no sentido de considerar não exigível o pagamento de trabalho suplementar prestado com conhecimento do empregador (implícito ou tácito) e sem a sua oposição, por violação dos art.ºs 59, n.º 1, al. a) e d), 2.º e 18.º, n.º 2, da CRP. E, na sequência desse acórdão, o STJ decidiu que para que o trabalhador tenha direito à retribuição por trabalho suplementar é necessário que demonstre que esse trabalho existiu e que foi efectuado com o conhecimento e sem oposição da entidade patronal (17) . Em relação ao pressuposto de determinação prévia e expressa da execução do trabalho suplementar para que ele seja pago, escreveu-se no acórdão do STJ de 02-10-02 (18) "(...) poderá ser interpretado em termos restritivos, com respeito ao teor literal da norma, ou mais amplo, impondo-se contudo que, no mínimo, o trabalho suplementar seja prestado com o conhecimento do empregador, e sem a sua oposição(...) sem prejuízo dos casos de força maior ou os da necessidade imperiosa de prevenir prejuízos graves para a empresa, em que haverá a obrigação de remunerar o trabalho prestado, independentemente da ordem expressa do empregador". E no acórdão deste Supremo, de 08 de Maio de 2002 (19), decidiu-se que "Para que o trabalhador tenha direito à retribuição por trabalho suplementar é necessário que demonstre que esse trabalho existiu e que foi efectuado, pelo menos, com conhecimento e sem oposição da entidade patronal". Perfilhando esta orientação jurisprudencial, consideramos, pois, que o trabalhador tem direito ao pagamento do trabalho suplementar, se este foi prestado com o conhecimento e sem a oposição da entidade patronal. Feita esta breve análise doutrinária e jurisprudencial sobre o trabalho suplementar, é agora chegado o momento de apurar se a autora tem direito ao pagamento do trabalho suplementar, como decidiram as instâncias. Mostra-se provado que todo o trabalho prestado pela autora em inventários gerais e intercalares, em campanha e em dias de permanência, bem como o prestado nos dias que precederam e se seguiram à abertura da loja, referido na al. H da especificação foi prévia e expressamente determinado pela ré (cfr. II. 23. c). Porém, já em relação ao trabalho prestado nos seguintes dias: - sábados: 20/7/96, 3/8/96, 24/8/96, 28/9/96, 12/10/96, 26/10/96, 23/11/96 14/12/96, 21/12/96, 28/12/96, 4/1/97, 25/1/97, 1/2/97, 1/3/97 e 5/4/97 - domingos: 8/10/95, 15/12/96, 5/1/97, 16/2/97 e 16/3/97 - feriados: 10/6/96 e 8/12/96, nada se disse, expressamente, como tendo ao menos sido prestado com o conhecimento e sem a oposição da entidade patronal. Com efeito, no quesito 13.º, da Base Instrutória perguntava-se: "Qual o horário de trabalho efectivamente praticado pela autora e quais dessas horas foram expressa e previamente impostas pela ré?" (fls. 133). Como se viu, a este quesito foi dada uma resposta algo complexa e extensa, integrada por várias alíneas (a) a j)), constando da alínea g) os sábados, domingos e feriados supra mencionados em que a autora trabalhou (cfr. fls. 260). Contudo, não obstante o que se deixa referido, importa apurar se existem quaisquer outros factos que permitam concluir que a ré teve conhecimento implícito ou tácito daquele trabalho suplementar prestado pela autora. E, a este respeito, não se pode olvidar que a ré requereu isenção de horário de trabalho da autora, que esta dirigia o sector de bazar pesado, e que gozava, em média, um dia de descanso semanal, a que acrescia meio dia de descanso, normalmente de manhã, nos dias subsequentes àqueles em que esteve de permanência, sendo que gozou em média dois dias de descanso semanal enquanto permaneceu em Braga, um dos quais ao domingo, e a partir de Novembro de 1996 (cfr. II. 21., 22., 23. h) e i). Além disso, a partir de Janeiro de 1997, a autora recebeu da ré um subsídio pelo trabalho prestado aos domingos e feriados (cfr. II.15). Ora, se a ré pagava tal "subsídio" à autora no ano de 1997, é legitimo concluir que tinha conhecimento, ainda que implícito, que a autora estava a trabalhar domingos e feriados. Além disso, se a autora gozava dois dias de descanso, ou dia de descanso, a que acrescia meio dia de descanso, nos dias subsequentes àqueles em que esteve de permanência, é também legitimo concluir que a ré tinha conhecimento que a autora prestava trabalho suplementar. E, dificilmente se concebe que a autora nos dias referidos pudesse orientar, coordenar e controlar o pessoal do sector, designadamente os operadores de loja e os repositores internos e externos, negociando com os fornecedores a aquisição de mercadorias até determinado montante, sem que a ré disso tivesse conhecimento: tenha-se presente que a autora não era uma trabalhadora qualquer, antes desempenhava funções de chefia de um sector, e que na organização e funcionamento do estabelecimento onde laborava funcionaria como chefia intermédia. Concluímos, por isso, da factualidade assente, que a ré tinha conhecimento tácito do trabalho suplementar prestado pela autora e que a ele não se opôs, pelo que deve o mesmo ser remunerado como tal. 4. Finalmente, sustenta a ré que o cálculo do trabalho suplementar deveria ter sido efectuado apenas pela remuneração de base auferida pela autora e não também tomando em conta a remuneração por isenção de horário de trabalho. A lei - art.º 82, n.º1, da LCT - considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho. O n.º 2, do mesmo preceito legal estatui que "A retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie". Por sua vez, o n.º 3 do mesmo preceito legal determina que até prova em contrário, se presume constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador. Como sublinha Pedro Romano Martinez (20) "Os elementos constitutivos da definição legal de retribuição são três: em primeiro lugar, a retribuição corresponde à contrapartida da actividade do trabalhador (n.º 1, parte final); segundo, a retribuição pressupõe o pagamento de prestações de forma regular e periódica (n.º 2); por último, o terceiro elemento identificador respeita ao facto de a prestação ter de ser feita em dinheiro ou em espécie (n.º 2, parte final), ou seja tem de ser uma prestação com valor patrimonial". O art.º 86, da LCT, dispõe que "Não se considera retribuição a remuneração por trabalho extraordinário, salvo quando se deva entender que integra a retribuição do trabalhador". Para Monteiro Fernandes (21) "(...)no tocante ao trabalho suplementar, a remuneração acrescida pode ser ou não computada no salário global conforme se verifique ou não a regularidade do recurso a horas suplementares de serviço. Tal é a única interpretação plausível da fórmula um tanto perturbadora do ar. 86.º da LCT". Como faz notar o mesmo autor (22), na versão anterior da LCT (a do DL n.º 47 032, de 27 de Maio de 1976) era mais esclarecedora, uma vez que estatuía "... salvo se ele for prestado com carácter habitual". Referindo-se, entre outros, ao subsídio de isenção de horário, Menezes Cordeiro considera que (23) "(...)deve ser feita a distinção entre o maior trabalho efectivo, isto é, aquele que surge de modo inabitual ou não foi procurado pelas partes quando celebraram o contrato ou que não é permanente, e que obriga de facto a entidade empregadora a um pagamento também suplementar, e o trabalho regular. Neste último caso, a retribuição surge como um complemento à retribuição-base e não como uma verdadeira retribuição por maior trabalho". Importa, pois, apurar se o subsídio de isenção de horário de trabalho tem carácter de regularidade - no sentido de permanência e normalidade temporal - para concluir se o mesmo integra o conceito de retribuição para efeitos de cálculo do trabalho suplementar prestado. No contrato celebrado entre autora e ré ficou acordado que aquela gozaria de isenção de horário de trabalho, auferindo, por isso, a correspondente retribuição (cláusula 2.ª). Por despacho do IDICT de 27.07.95 foi concedido à autora isenção de horário de trabalho, vindo a mesma a gozar de tal isenção até à rescisão do contrato de trabalho com efeitos a 17.04.97, isto é, a autora gozou de isenção de horário de trabalho durante cerca de 20 meses, auferindo a contrapartida respectiva por tal isenção. Perante tal factualidade, temos como certo que importância paga à autora a título de isenção de horário de trabalho foi prevista e desejada pelas partes, assumindo carácter de regularidade, pelo que com base nos preceitos legais supra citados deveria ser incluída, como foi, no cômputo da remuneração para efeitos de cálculo do pagamento do trabalho suplementar (24) . Improcedem, consequentemente, as conclusões das alegações da ré. Termos em que se decide negar provimento ao recurso da ré e conceder parcial provimento ao recurso da autora, condenando a ré a pagar-lhe as horas de trabalho que prestou para além das 40 horas semanais e que excedam 86 horas no período de 27/07/95 a 31/12/95, 200 horas no ano de 1996 e 58 horas no período de 01/01/97 a 17/04/97, devendo essas horas serem pagas com um acréscimo de 100% e tendo em conta a remuneração base mensal e subsídio de isenção de horário de trabalho auferidos pela autora, a liquidar em execução de sentença (art.º 661, n.º 2, do CPC). Custas pela ré no tocante ao recurso por si interposto, e em partes iguais, provisoriamente, por ré e autora quanto ao recurso desta. Lisboa, 12 de Março de 2003 Vítor Mesquita Ferreira Neto Manuel Pereira --------------------------- (1) Neste sentido, vejam-se, por todos, Acórdão do STJ de 03-05-01 (Incidente n.º 2858/00), de 28-11-01 (Revista n.º 699/01), de 09-01-02 (Revista n.º 1970/01), de 22-05-02 (Revista n.º 4205/01), de 25-06-02 (Revista n.º 102/02) e de 15-01-03 (Revista n.º 698/02), todos da 4.ª Secção. (2) Neste sentido, a jurisprudência é unânime, conforme podem ver-se, entre outros, os Acórdãos do STJ de 08-03-01 (Revista n.º 3607/00), de 21-03-01 (Revista n.º 3509/00), de 21-03-01 (Revista n.º 3316/00), de 18-04-01 (Revista n.º 59/00), de 05-07-01 (Revista n.º 1436/01) e de 13-11-02 ( Revista n.º 4418/01), todos da 4.ª Secção. (3) Isenção de Horário, Subsídios para a dogmática actual do Direito da duração de trabalho, Almedina, pág. 89. (4) Pág. 90. (5) Direito do Trabalho, Almedina, 11.ª Edição, pág. 356-357. (6) Não abordamos, aqui e agora, a questão de apurar da validade da "isenção de facto" do horário de trabalho no período anterior a 27.07.95, por a mesma não ser objecto de recurso. (7) Obra citada, pág. 352. (8) Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, Almedina, pág. 496. (9) Neste sentido Ac. do STA de 10 de Janeiro de 1956 e de 17 de Abril de 1956 (Colecção de Acórdãos, Vol. XVIII, pág. 8 e 306, respectivamente). (10) Obra citada, pág. 353. (11) Lições de Direito Trabalho, 7.ª Edição, 1997, pág. 442 e 443). (12) Comentário às Leis da Duração do Trabalho e do Trabalho Suplementar, Coimbra, 1995, pág. 151 e 152. (13) Obra citada, pág. 497. (14) Cfr. Ac. do STJ de 27 de Maio de 1992, BMJ 417-554. (15) Neste sentido, por todos, Ac. do STJ de 12 de Janeiro de 1994 (AD 389-613), de 23 de Fevereiro de 1994 (AD 391-889), de 23 de Novembro de 1994 (BMJ 441-133), de 14 de Dezembro de 1994 (BMJ 442-105), e de 11 de Novembro de 1997 (CJ, S, ano V, tomo III, pág. 277). (16) Diário da República, II Série, n.º 68, de 21 de Março de 2000, pág. 5349). (17) Cfr., por todos, Ac. do STJ de 08 de Março de 2000 e de 16 de Maio de 2000 (CJ, S, ano VIII, tomo I, pág. 277 e ano VIII, tomo II, pág. 264, respectivamente). (18) Revista n.º 4101/01 - 4.ª Secção. (19 Revista n.º 1969/01 - 4.ª Secção. (20) Obra citada, pág. 533. (21) Obra citada, pág. 453. (22) Obra e pág. Citada. (23) Manual de Direito do Trabalho, Almedina, pág. 727 e 728. (24) O que não obsta, como se tem entendido uniformemente, que o suplemento por isenção de horário de trabalho cessa logo que termine a situação de isenção a qual é, por natureza, uma situação reversível: e a supressão da isenção, por corresponder ao desaparecimento do fundamento que lhe deu azo, não configura baixa de retribuição. |