Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3 ª SECÇÃO | ||
Relator: | PIRES DA GRAÇA | ||
Descritores: | OMISSÃO DE PRONÚNCIA MEDIDA CONCRETA DA PENA ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS ADMISSIBILIDADE DE RECURSO | ||
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Data do Acordão: | 06/07/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | REJEITADO O RECURSO | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A LIBERDADE E AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL / CRIMES CONTRA A AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL / ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS / AGRAVAÇÃO. DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / DECISÕES QUE NÃO ADMITEM RECURSO. | ||
Doutrina: | -Cristina Líbano Monteiro em anotação ao acórdão do S.T.J de 12.7.2005; -Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 255, p. 197, 290-292 ; A Pena Unitária do Concurso de Crimes, RPCC ano 16º, nº 1, pág. 162 e ss.. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 171.º, N.º 1 E 177.º, N.º 1, ALÍNEAS A) E B). CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 400.º, N.º 1, ALÍNEA F). | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 09-01-2008, PROCESSO N.º 3177/07; - DE 06-02-2008, PROCESSO N.º 4454/07; - DE 16-11-2016, PROCESSO N.º 447/15.8JAPDL. | ||
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Sumário : | I - Inexiste a omissão de pronúncia invocada pelo recorrente, uma vez que o acórdão deu como provado que o arguido agiu de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que que as suas condutas eram socialmente desvaliosas, pelo que, ao contrário do alegado por aquele, o acórdão refere a consciência que o recorrente tinha da ilicitude das suas condutas. II - Quanto à pena de 6 anos de prisão, aplicada pela prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado, p. p. no art. 171.º, n.º 1 e art. 177.º, n.º 1, al. b), do CP, praticado sobre a criança L, não é admissível recurso para o STJ, atento o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, isto é, uma vez que tal pena aplicada pela 1.ª instância foi confirmada pelo tribunal da relação. III - No que diz respeito à pena de 9 anos e 6 meses de prisão, aplicada pela prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado, p. p. no art. 171.º, n.º 1 e art. 177.º, n.º 1, als. a) e b), do CP, praticado sobre a criança R, tendo em conta a altíssima gravidade da ilicitude e das suas consequência, sendo a vítima neto do arguido, e a forte intensidade do dolo, bem como a idade do ofendido (5 anos de idade), considera-se ser de manter tal pena. IV - Valorando em conjunto o ilícito global perpetrado, verifica-se que os factos exprimem tendência do arguido para delinquir na prática de abuso sexual de menores. As exigências de prevenção geral são acutilantes e as exigências de prevenção especial excedem a normalidade necessária à dissuasão da reincidência, pois que o arguido não respeitou reiteradamente o âmbito familiar e a confiança de terceiros em si depositada. Pelo que, tudo ponderado, se considera ser de manter a pena única de 12 anos e 8 meses de prisão aplica pelas instâncias. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
<> No processo comum nº 326/15.9JAPDLda ... secção Cível e Criminal – ... do Tribunal de Instrução Central de ..., foi submetido a julgamento, em Tribunal Colectivo, o arguido AA, nascido a ...1955, [...], na sequência de acusação formulada pelo Ministério Público de fls 402 a 405 dos autos, que lhe imputava como autor material na forma consumada, a pratica, em concurso efectivo de: - três crimes de abuso sexual de criança p.p artº 171º/1 e artº 177º/1/ b) do C.P, sobre a criança BB; e - treze crimes de abuso sexual de criança agravado p.p artº 171º/1 e 2 e artº 177º/1/a) e b) do C.P, sobre a criança CC com fundamento nos factos descritos na acusação
<> DD, id. nos autos, mãe do menor ofendido CC, e, em representação do mesmo, deduziu em 26.4.2016 pedido de indemnização cívil (fls 438 a 443 dos autos) contra o mesmo arguido, dele reclamando o pagamento da quantia de 25.000,00 euros pelos danos não patrimoniais sofridos pela menor em consequência da actuação descrita na acusação,, acrescida de juros à taxa legal desde a notificação do pedido cível até efectivo e integral pagamento.
Também a Associação de Solidariedade Social, ..., deduziu em 28.4.2016 pedido de indemnização cível (fls 449 a 451 dos autos) contra o citado arguido pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe a quantia de 100.000,00 euros pelos danos não patrimoniais sofridos pela menor BB em consequência da actuação descrita na acusação. <> Realizada a audiência de discussão e julgamento – tendo havido alteração da qualificação jurídica dos crimes imputados ao arguido na sessão de 2.8.2016 com respeito pelo preceituado no artº 358º/1/3 do C.P.P conforme resulta da acta de fls 604 e 605 dos autos - foi proferido acórdão, que condenou o arguido AA pela prática de um crime de abuso sexual de criança agravado p.p no artº 171º/1 e artº 177º/1 b) do C.P praticado sobre a criança BB e de um crime de abuso sexual de criança agravado p.p no artº 171º/1 e 2 e artº 177º/1/a) e b) do C.P, praticado sobre a criança CC, nas penas parcelares de 6 anos e de 9 anos e 6 meses de prisão respectivamente e em cúmulo jurídico, na pena única de 12 (doze) anos e 8 (oito) meses de prisão
Quanto ao pedido de indemnização civil, foi condenado: - A pagar ao ofendido CC representado pela sua mãe DD a quantia de 25.000,00 euros a título de indemnização cível pelos danos não patrimoniais por aquele sofridos, quantia esta acrescida dos juros de mora contabilizados desde a prática dos factos em causa e até efectivo pagamento, calculados à taxa legal, na procedência total do pedido por ele formulado; - A pagar à Associação de Solidariedade Social - ..., a quantia de 40.000,00 euros a título de indemnização cível pelos danos não patrimoniais sofridos pela menor BB, quantia esta acrescida dos juros de mora contabilizados desde a prática dos factos em causa e até efectivo pagamento, calculados à taxa legal, na procedência parcial do pedido por aquela Associação formulado.
<> Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido, para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por seu acórdão de 18 de Janeiro de 2017, veio “Negar integral provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, mantendo-se assim inalterado o decidido em 1ª instância. Custas a cargo do arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (quatro) UC´s”
<> De novo inconformado, recorreu o arguido para este Supremo Tribunal, apresentando na motivação de recurso, as seguintes conclusões: “Conclusões 1 – Ao omitir qualquer referência à consciência que o Recorrente tinha da ilicitude das suas condutas – requisito essencial para a geração de responsabilidade penal – o douto Acórdão proferido está ferido de nulidade (n.º 1 e 2 do art. 122.º, n.º 2 do art. 374.º e nº 2 do art. 379.º, todos do C.P.P.), a qual desde já e para os devidos efeitos legais se argui. 2 – O Recorrente negou a prática dos factos de que vinha acusado. 3 – À data da prática dos factos contava com 60 anos de idade, estava inserido familiar e socialmente. Profissionalmente encontrava-se reformado por invalidez, dedicando o seu tempo à agricultura de subsistência. 4 – O Recorrente possui apenas um antecedente criminal, mas de natureza diversa dos crimes em análise no presente processo. 5 – A descrição dos factos constante da acusação, e consequentemente a dada como provada, é tão vaga e indeterminada que viola o mais elementar principio do contraditório, previsto nos n.º 1 e 5 do art. 32.º da C.R.P. 6 – O Recorrente admite que visitava e auxiliava o agregado familiar da ofendida BB, e que inclusive ajudou a dar banho à menor, mas sempre na presença da mãe desta, o que aliás a própria corrobora (Depoimento n.º 7 do CD da prova), mas nega a prática das condutas de que vinha acusado. 7 – A pena de prisão aplicada, considerando a culpa e as condições pessoais e sociais do arguido, excedeu as necessidades de prevenção especiais e gerais, prejudicando qualquer possibilidade de reinserção social do Recorrente. Assim, ao arguido deviam ter sido aplicadas as penas parcelares de quatro anos e seis meses de prisão e de sete anos e seis meses de prisão pelos factos praticados por referencia aos ofendidos BB e CC, respetivamente, e, em cúmulo jurídico, a pena única de nove anos e três meses de prisão (arts. 40.º, 70.º, 71.º e 77.º, todos do C.P.). 8 – Assim não o tendo entendido o Acórdão recorrido violou, entre outros, o disposto nos disposto nos n.º 1 e 5 do art. 32.º da C.R.P., n.º 1 e 2 do art. 122.º, n.º 2 do art. 374.º e n.º 2 do art. 379.º, todos do C.P.P., e 40.º, 70.º, 71.º e 77.º, todos do C.P.
Termos em que deve o Acórdão recorrido ser declarado nulo nos termos do disposto nos arts. 374.º e 379.º, todos do C.P.P. e n.º 1 e 5 do art. 32.º da C.R.P., ou subsidiariamente, substituído por outro que condene o Recorrente na pena única de nove anos e três meses de prisão, por ser de Direito e de JUSTIÇA!” <>
Respondeu o Exmo. Magistrado do Ministério Público à motivação do recurso, apresentando as seguintes conclusões: “a. O acórdão recorrido satisfaz os requisitos de fundamentação a que se referem os artigos 374.º e 375.º do CPP, não ocorrendo qualquer motivo de nulidade nos termos do disposto no artigo 379.º, aplicável ex vi artigo 425.º, n.º 4, do mesmo diploma; b. O acórdão recorrido não se mostra afectado por qualquer dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, nem se verifica qualquer nulidade não sanada, nos termos do disposto no n.º 3, do mesmo preceito; c. Carece de fundamento a alegação, vazia de conteúdo, da violação dos preceitos constitucionais que garantem o direito de defesa (artigo 32.º, n.º 1 e 5, da Constituição); d. Os factos provados integram os tipos de crime por que o arguido vem condenado, mostrando-se preenchidos todos os pressupostos da punição; e. Na determinação das penas parcelares e da pena única foram adequadamente ponderados os factores e critérios indicados nos artigos 71.º e 77.º do Código Penal. Pelo que deverá ser negado provimento ao recurso. V.ªs Ex.ªs, em superior critério de apreciação, decidirão, todavia, fazendo a habitual JUSTIÇA.
Neste Supremo, a Dig.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto Parecer onde assinala: “5 – Dando-se aqui por reproduzida, com a devida vénia, a resposta do MºPº, suscita-se, no entanto, três questões prévias, atinentes à rejeição parcelar do recurso sub judice.
6 – Questões prévias 6.1 – Da nulidade do Acórdão recorrido 6.1.1 - Afirma o recorrente, na conclusão 1ª, que o Acórdão recorrido padece do vício de nulidade por omissão de pronúncia relativamente “à consciência que o recorrente tinha da ilicitude das suas condutas (…)”. Manifestamente inverdadeiro o conteúdo desta conclusão de recurso, como afirma o MºPº na sua resposta. No ponto 3.“Analisando”, A) da invocada nulidade (…), fls. 18 e segs. do Acórdão ora sub judice, pode ler-se, nomeadamente: “(…). «Em todas as situações acima descritas o arguido AA agiu de modo livre, deliberado e consciente, sabendo que as suas condutas eram socialmente desvaliosas(…)”. (…) Em conclusão não padece, pois, a decisão recorrida da apontada nulidade (…)”. 6.1.2 - Nos termos dos arts. 417.º, n.º 6, al. b) e 420.º, n.º 1, al. a), ambos do C.P.P., deve ser rejeitado liminarmente o recurso do arguido no que concerne à matéria levada à conclusão 1ª. 6.2 – Da matéria de facto que o recorrente leva à conclusão 2ª: 6.2.1 - Determina o art. 434.º do CPP que, sem prejuízo do disposto no art. 410.º, nºs. 2 e 3, o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame da matéria de direito. O art. 410.º, n.º 2, admite o conhecimento oficioso pelo S.T.J., dos vícios ali elencados, desde que resultem do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) erro notório na apreciação da prova; Da leitura da decisão recorrida não se surpreende quaisquer dos vícios acabados de identificar, nem se detecta inobservância de requisito cominado com o vício da nulidade que não deva considerar-se sanado. 6.2.2 - Nos termos dos arts. 434.º, 410.º, 417.º, n.º 6, al. b) e 420.º, n.º 1, al. a), todos do CPP deve rejeitar-se liminarmente o recurso no que concerne à matéria contida nas conclusões 2ª, 5ª e 6ª. 6.3 – Da irrecorribilidade da pena parcelar de 6 anos de prisão aplicada. 6.3.1 - O recorrente discute o quantum da pena parcelar de 6 anos de prisão que lhe foi aplicada pela prática de um crime de abuso sexual de criança agravado, p.p. pelos arts. 171.º, nºs. 1 e 2, e 177.º, n.º 1, als. a) e b), ambos do C.P., na pessoa da vítima menor BB. Esta pena parcelar de prisão de 6 anos foi-lhe aplicada na 1ª instância e integralmente confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, pelo Acórdão ora recorrido. Dispõe o art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, que não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos. É o caso dos autos, relativamente à pena de 6 anos de prisão aplicada ao arguido, na chamada “Dupla Conforme”.
6.3.2 - Nos termos dos arts. 417.º, n.º 6, al. b) e 420.º, n.º 1, al. a), 400.º, n.º 1, al. f) e 432.º, n.º 1, al. b), todos do C.P.P., deve ser liminarmente rejeitado o recurso quanto à matéria levada à conclusão 7ª e 8ª, que parcialmente tratam desta questão. 7 – Questões de Fundo: o quantum das penas parcelares de 9 anos e 6 meses de prisão e única de 12 anos e 8 meses aplicadas. 7.1 - Em apoio da sua pretensão de ver diminuídas as penas parcelar de 9 anos e 6 meses de prisão e única de 12 anos e 8 meses aplicadas ao arguido, invoca este circunstâncias atenuativas, mas que não são significativas nem relevantes, face à gravidade dos factos cometidos, ao elevadíssimo grau de culpa e à extrema intensidade da ilicitude dos factos. Alega o recorrente que à data da prática dos factos contava 60 anos de idade, estava inserido familiar e socialmente, reformado por invalidez, dedicava o seu tempo à agricultura de subsistência. 7.1.1 - Pois foi neste ambiente de integração familiar e social que o arguido, avô da vítima CC, quebrou os mais fortes laços de confiança, de amor e de conciliação familiar, abusando do seu próprio neto, sem expressar qualquer arrependimento, vergonha ou comoção, negando os factos. Convocando da matéria de facto provada os pontos 11, 13 a 19, fica-nos um perfil devasso do arguido, avesso às regras da sã convivência moral, familiar e social, alheio ao direito e respectivas normas jurídico-penais, que violou consciente e voluntariamente, bem sabendo da ilicitude dos seus actos e comportamento. Ficou provado que o arguido revela dificuldade em identificar e reconhecer o sentimento das outras pessoas, negando a prática das condutas dadas como provadas, bem como manifesta desinteresse na respectiva reparação (facto 34). Denota ausência de auto-análise e de juízo crítico (facto n.º 32). O menor CC passou a sofrer, em consequência dos actos criminosos que o arguido lhe infligiu, de profundo temor de que tais situações ocorram novamente. A criança sentiu sofrimento, humilhação, medo, inquietação e alterações no sono (facto 39), tornou-se uma criança sofredora, triste, envergonhada, insegura e com tendência para o choro (facto 40). Os factos criminosos cometidos pelo arguido e suas consequências físicas, psíquicas e psicológicas para a vítima, o seu neto CC, são muito graves, revelando-se carecidas de significância para a medida da pena parcelar aplicada as circunstâncias provadas a seu favor. 7.1.2 - Determina o art. 40.º do Código Penal, que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (número 1) e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (número 2). A aplicação da pena é, pois, determinada pela necessidade de garantir a protecção dos bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. Toda a pena visa finalidades exclusivas de prevenção geral e especial.
Por outro lado, estabelece o artigo 71º do Código Penal, que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (número 1), devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem o favor do agente ou contra ele, considerando, entre o mais, o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais da agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando se destine a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada na facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena (número 2). 7.1.3 - Perante o desvalioso condicionalismo que milita contra o arguido, espelhado na factualidade fixada, importa sublinhar o elevado grau de ilicitude de que se reveste a globalidade dos factos, em face da natureza pessoal do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora, o carácter reiterado que marcou a referida conduta do agente que, durante cerca de dois anos, abusou sexualmente do neto, assim o agredindo física e psicologicamente, despudoradamente, sem sombra de temor ou arrependimento, alheio ao sofrimento da vítima, sem qualquer réstia de amor, respeito ou consciência crítica do mal que praticava, sujeitou a criança àquelas práticas sexuais ditadas pelos seus instintos libidinosos mais primários, levando-a a suportar o vexame, a humilhação, a vergonha e a ofensa que representavam os actos sexuais que, repetidamente, com ela praticou. O dolo é intenso, e a ilicitude elevada. São prementes as exigências comunitárias no sentido de se reprimir este tipo de criminalidade, praticada a mais das vezes a coberto de uma relação familiar, na intimidade do agregado familiar, impondo-se pelo ascendente do agente e pelo medo e dependência da vítima. Não merece censura a pena parcelar de 9 anos e 6 meses aplicada, também a medida da pena única, de 12 anos e 8 meses de prisão resulta adequada e proporcional, não expressando qualquer excesso. 7.2 – Igualmente não merece provimento a pretendida diminuição da pena única de 12 anos e 8 meses de prisão que lhe foi aplicada. 7.2.1 - Revisitando a factualidade fixada, atente-se nos pontos 3 a 21, 32 a 36. É grave o conjunto global dos factos criminosos praticados pelo arguido na pessoa do menor CC, seu neto. O abuso sexual de crianças gera no tecido social uma forte repulsa e séria reprovação ética e moral, tanto mais no caso do arguido, que reiterou as suas práticas libidinosas com uma menor cujos pais nele confiavam e acolhiam no seu lar, bem como com o seu próprio neto, a quem devia respeito, cuidado e protecção, actos que praticou para satisfação incontrolada dos seus apetites libidinosos não lhe importando a idade das crianças, os laços afectivos e familiares que o deviam ligar ao menor, seu neto, e à menor BB, sua vizinha.
Retenha-se, ainda, o comportamento reprovável do arguido com a menor EE – facto n.º 9. Reiteradamente, o arguido abusa sexualmente de menores. O arguido é portador de uma personalidade amoral, denotando revelar uma propensão para o abuso de crianças, assim se impondo uma agravação na pena única de prisão a fixar. Citando do Acórdão do STJ, de 16/11/2016, pº 447/15.8JAPDL, “(…) com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente. Como doutamente diz Figueiredo Dias, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado. Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos e da motivação que lhes subjaz, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aqueIe. (…)” * 7.2.2 - A pena única fixada ao arguido obedece a toda esta ponderação e o seu quantum em concreto satisfaz as necessidades de prevenção geral e da prevenção especial, resulta adequada e proporcional, sopesados que se mostram todos os requisitos legais e jurisprudenciais a que obedece a aplicação de uma pena. 8 - Pelo exposto, pelo que consta da resposta do MºPº no tribunal recorrido e na fundamentação desenvolvida no Acórdão ora sub judice, emite-se parecer no sentido de: → rejeição liminar e parcial do recurso do arguido no que concerne à invocada nulidade do Acórdão por omissão de pronúncia, à pretendida discussão da matéria de facto fixada e à matéria atinente à diminuição da pena parcelar de prisão de 6 anos; → improvimento do recurso no que tange às medidas da pena parcelar de 9 anos e 6 meses de prisão e da pena única de 12 anos e 8 meses de prisão; → confirmação da decisão recorrida nos seus precisos termos.”
<> Cumpriu-se o disposto no artº 417º, nº 2, do CPP, <> Não tendo sido requerida audiência, seguiu o processo para conferência, após os visto legais.
<> Consta do acórdão da Relação: “2. A decisão recorrida No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos (transcrição): “Da discussão da causa e com relevância para a presente decisão, resultaram provados os seguintes factos:
1. BB nasceu em .... 2009 e é filha de FF e de GG. 2. Entre datas não concretamente apuradas, mas durante cerca de dois anos, entre 2011 e 2013, a criança BB morou na Rua ..., com a mãe e os seus dois irmãos HH e II, vivendo com muitas dificuldades económicas. 3. Durante esse lapso de tempo, de 2011 a 2013, o arguido AA ajudou o agregado familiar da ofendida, frequentado a casa onde viviam e tomando conta das crianças, inclusive de BB, assistindo a progenitora GG, nomeadamente quando a mesma dava banho aos filhos, ficando a tomar conta das crianças quando a mãe tinha de se ausentar da residência. 4. Em datas não concretamente apuradas mas durante o referido período de tempo, o arguido AA aquando das suas visitas e quando se encontrava a sós com a criança BB, por número de vezes não concretamente apurado, introduziu as suas mãos por baixo das roupas da criança e mexeu na vagina da criança, bem como chegou a dar beijos na zona genital desta. 5. Outras vezes em número não concretamente apurado, o arguido também sentou a criança BB no seu colo e, com o pénis erecto, esfregou o mesmo nas nádegas da criança. 6. Noutras alturas o arguido AA também obrigou a criança ... a dar beijos no seu pénis. 7. AA actuou com o intuito de satisfazer os seus instintos sexuais, propósito que renovou durante o período em que foi concretizando os actos acima referidos, o que quis e conseguiu, aproveitando-se do seu ascendente psicológico sobre a criança como pessoa mais velha. 8. No relatório de perícia psicológica realizado à criança BB, a Ex.ª Senhora Perita concluiu que: a) No entanto, importa sublinhar que a consistência e espontaneidade das suas referências a actos, detalhes e interacções específicas, sobretudo por constituírem elementos atípicos num discurso infantil, nos parecem muito relevantes e credíveis do ponto de vista do seu testemunho quanto à ocorrência de uma experiência que foi vivenciada como profundamente intrusiva e abusiva; b) A avaliação psicológica aponta para um desajustamento psicológico muito significativo, identificando-se alterações comportamentais e emocionais severas, com particular importância para: os níveis de agitação psicomotora e de dificuldades de atenção/concentração; a falta de interesses e comportamentos exploratórios adequados à idade; o prejuízo nas competências de aprendizagem de conteúdos pré-académicos esperados para o seu nível de desenvolvimento; comportamentos de procura indiscriminada de proximidade, contacto físico e afecto. A par da sintomatologia descrita, a menor apresenta também, quer do ponto de vista comportamental, quer do discurso, um conjunto de outras características preocupantes e que a literatura habitualmente associa a processos de sexualização traumática abusiva. Neste sentido, foi possível observar a presença de: marcada desinibição comportamental e pobre noção de limites quanto à privacidade e intimidade; conteúdos abertamente sexualizados, quer em termos de discursos, quer de comportamento; períodos de jogo traumático (espontâneo, descontextualizado, repetitivo e com elementos sexuais claros e desenquadrados do estádio de desenvolvimento da menor). (…) A sexualização traumática pode desencadear dinâmicas de vergonha e de estigmatização, conduzindo a comportamentos de evitamento ou, pelo contrário, a condutas de elevada desinibição e busca de contacto físico, erotizado ou não. Do ponto de vista teórico, estes comportamentos sexualizados têm vindo a ser explicados como tentativas da criança para encontrar sentido e alcançar controlo sobre uma situação que lhe é difícil aceitar e que foi experienciada com intensa impotência. c) Depreende-se, assim, pelo exposto, que a presença de sinais de sexualização traumática constitui habitualmente um indicador muito significativo da ocorrência de experiências precoces de abuso sexual, o que, adicionalmente ao nível de desajustamento psicológico observado na menor, não nos oferece dúvidas quanto à existência de um evento ou vários eventos activadores, de natureza sexualmente abusiva, no decorrer da sua história de vida. 9. Durante a infância de EE quando a mesma tinha idade inferior a 13 anos, o arguido AA manteve com a mesma contactos sexuais, nomeadamente exibindo-lhe o pénis erecto e masturbando-se à frente da criança, acariciando-lhe as coxas, os seios, e a vagina por cima da roupa, não tendo a mesma denunciado tais situações por medo do arguido. 10. AA é casado com JJ e desta união nasceram cinco filhos, de entre os quais DD, nascida a ...1984. 11. O ofendido CC nasceu a ... de 2008, filho de DD e LL, pelo que a referida criança é neto do arguido. 12. Desde data não concretamente apurada do ano de 2011 que DD e CC residiram num anexo à residência do arguido e da esposa, sita na .... 13. Durante a semana e até sair da residência dos avós em Outubro de 2015, depois de sair da escola por volta das 17:15 horas ou 17:30 horas, CC chegava a casa e ficava com os avós até por voltas das 20:00 horas, altura em que a progenitora chegava a casa vinda do trabalho. 14. Nessas alturas o arguido AA saiu por várias vezes com o neto e levou-o para as rochas à beira-mar no fundo do quintal da residência, nomeadamente para pescar. 15. Nessas ocasiões, aproveitando a relação familiar com CC e o ascendente de idade que tem sobre o ofendido, desde o ano de 2013, tinha o ofendido cinco anos de idade, e até ao início do mês de Outubro de 2015, o arguido AA obrigou o ofendido a colocar uma das mãos em redor do seu pénis, ensinando-o a percorrer este órgão com a mão fechada, ritmicamente, meteu o seu pénis na boca do ofendido enquanto o ofendido fazia movimentos com a cabeça para a frente e para trás, tirou as calças e as cuecas ao neto e introduziu o seu pénis erecto no ânus da criança onde esfregou o mesmo até ejacular, situações que ocorreram pelo menos por dez vezes neste local. 16. Durante o referido período de tempo, AA repetiu este tipo de contactos sexuais com o neto no quarto do próprio arguido na residência, numa divisão anexa à habitação onde tem um frigorífico e numa outra divisão onde tem um baloiço, pelo menos uma vez em cada uma das referidas divisões. 17. Em consequência da actuação do arguido, CC urinou-se involuntariamente durante a noite na cama por várias vezes, com maior abundância depois do dia 26 de Setembro de 2015, e, no mesmo período, por uma vez defecou na cama à noite. 18. No dia 3 de Outubro de 2015 CC foi à casa de banho da residência e, ao defecar, apareceu sangue juntamente com as fezes. 19. O arguido actuou com o intuito de satisfazer os seus instintos sexuais, propósito que renovou durante o período em que foi concretizando os actos supra referidos, o que quis e conseguiu, aproveitando-se do seu ascendente psicológico de avô e cuidador da criança. 20. Durante a infância de DD, entre os 6 anos de idade e os 14 anos de idade da filha, o arguido AA manteve com a mesma relações sexuais de cópula completa, a qual não denunciou tais situações por o arguido a ter ameaçado e agredido na sua integridade física. 21. Em todas as situações acima descritas o arguido AA agiu de modo livre, deliberado e consciente, sabendo que as suas condutas eram socialmente desvaliosas. Do perfil do arguido. 22. O arguido provém de família humilde oriunda de ..., freguesia onde o arguido mantém residência habitual. 23. AA reside com a sua mulher, cujo relacionamento é pautado por instabilidade. Apesar de há cerca de 20 anos ter deixado de consumir álcool de forma excessiva, o arguido mantém postura agressiva em relação à Sra. sua mulher. 24. O arguido e a sua mulher têm cinco filhos, totais autónomos financeiramente. 25. O arguido é detentor de baixo nível de escolaridade. 26. Sempre trabalhou na área da pecuária. 27. Em 2001, passou à condição de reformado por invalidez, dispondo de pensão mensal no valor de € 300,00. O arguido foi operado ao pâncreas, pelo facto de padecer de diabetes mantém acompanhamento regular no Hospital ... EPE. 28. À data da detenção, o arguido mantinha residência na casa, que consubstancia o acervo hereditário da sua mulher; na companhia de dois filhos, nora e dois netos, um deles o CC. 29. A mulher do arguido beneficia de apoio por parte da Unidade de Saúde de ..., atendendo aos seus problemas psicológicos. 30. O arguido dedica parte do seu tempo à agricultura de subsistência. 31. No âmbito da abordagem efectuada pela Direcção-geral de Reinserção e Serviços Prisionais, o arguido apresentou uma postura cordata, mas vitimizante. 32. O arguido denota baixo nível de competências pessoais e sociais, bem como ausência de auto-análise e de juízo crítico. 33. O arguido imputa à sua filha DD, mãe do CC, conduta manipuladora e conducente à criação de má imagem a seu respeito quanto aos factos acima vertidos nos pontos 15.º a 21º. 34. O arguido revela dificuldades em identificar e reconhecer o sentimento das outras pessoas, negando a prática das condutas acima descritas, bem como manifesta desinteresse na respectiva reparação. 35. O arguido apresenta instabilidade, insatisfação e alterações de humor, observando-se falta de insight, defensividade e resistência à avaliação psicológica, não se apercebendo devidamente das impressões que as outras pessoas têm sobre ele. 36. Denota ser uma pessoa imatura, tensa, ansiosa, pessimista, desanimada, autocentrada, ressentida, emocionalmente instável e impulsiva. O arguido apresenta risco de violência moderado no caso de ser colocado em contexto comunitário. 37. O arguido dispõe do seguinte antecedente criminal registado: através de sentença transitada em julgado a 26/05/2010, proferida no âmbito do processo n.º 242/08.0PCRGR pelo ....º Juízo do Tribunal Judicial de ... (extinto), o arguido foi condenado pela prática, a 26/04/2008, de um crime de ofensa à integridade física simples na pena de 80 dias de multa à taxa diária de € 7,00. A referida pena foi declarada extinta, pelo cumprimento. Dos pedidos de indemnização civil. 38. As condutas acima expostas tiveram por base o ascendente do arguido em relação a CC. 39. Em consequência de tais condutas, CC passou a sofrer de profundo temor de que tais situações ocorram novamente. A criança sentiu sofrimento, humilhação, medo e inquietação; sofreu alterações no sono. 40. Tornou-se uma criança sofredora, triste, envergonhada, insegura e com tendência para o choro. 41. CC recorreu a ajuda psicológica. 42. Também em consequência da conduta do arguido, BB apresenta desajuste psicológico muito significativo, com níveis de agitação psicomotora e com dificuldades de atenção/concentração; comportamentos de procura indiscriminada de proximidade, contacto físico e afecto. 43. BB revela ser uma criança desinibida ao nível do comportamento, com pobre noção de limites quanto à privacidade e à intimidade; conteúdos abertamente sexualizados. 44. Em consequência das condutas do arguido, BB passou a ser acompanhada ao nível psicológico, pedopsiquiátrico e ainda no âmbito da psicomotricidade. 45. Não se mostra possível prever o momento em que os apoios especializados acima referidos poderão cessar.
Quanto aos factos não provados, ficou consignado no acórdão recorrido:
Sem prejuízo do acima exposto e com relevância para a boa decisão da causa, resultou como não provado o seguinte aspecto: a) Que DD e CC mantenham residência em anexo à casa do arguido e da sua mulher. b) Que, aquando das condutas de MM acima referidas em 9.º dos factos provados, EE tivesse já a idade de 13 anos de idade; que o arguido lhe tenha tocado a vagina por dentro da roupa. c) CC não padece actualmente da situação acima descrita em 39.º e 40.º dos factos provados.
<> Cumpre apreciar e decidir:
O recorrente alega a nulidade do acórdão (n.º 1 e 2 do art. 122.º, n.º 2 do art. 374.º e nº 2 do art. 379.º, todos do C.P.P.) ao omitir qualquer referência à consciência que o Recorrente tinha da ilicitude das suas condutas – requisito essencial para a geração de responsabilidade penal Esta questão já fora suscitada no recurso interposto para o Tribunal da Relação, Como refere o acórdão da Relação: “As questões suscitadas pelo recorrente, segundo as conclusões da sua motivação, são as seguintes: A) Nulidade do Acórdão recorrido nos termos do artº 379º/1/a) do C.P.P e 374º/2 do C.P.P por falta de fundamentação no que respeita à consciência da ilicitude dos dois ilícitos imputados ao arguido B) Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e violação do princípio in dubio pro reo C) A medida da pena (penas parcelares e pena única aplicadas ao arguido”
E debruçando-se sobre a questão o acórdão da Relação fundamentou: “3. ANALISANDO A) Da invocada nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação da decisão no que respeita à consciência da ilicitude por parte do arguido Nas suas conclusões do recurso, alega o recorrente que “Ao omitir qualquer referência à consciência que o Recorrente tinha da ilicitude das suas condutas – requisito essencial para a geração de responsabilidade penal – o douto Acórdão proferido está ferido de nulidade (n.º 1 e 2 do art. 122.º, n.º 2 do art. 374.º e nº 2 do art. 379.º, todos do C.P.P.), a qual desde já e para os devidos efeitos legais se argui” Atenta a motivação do recorrente só poderia estar em causa a nulidade do Acórdão proferido em 1ª instância decorrente da falta de fundamentação do mesmo por alegadamente ser omisso quanto à referência na matéria de facto provada da consciência por parte do arguido da ilicitude das suas condutas que ficaram apuradas, caso em que tal decisão seria nula por violação expressa do artº 374º/2 do C.P.P - artº 379º/1/a) do C.P.P. Não assiste razão ao arguido porque a verdade atenta a matéria de facto provada em 21) que aqui se reproduz para melhor entendimento da questão: “ Em todas as situações acima descritas o arguido AA agiu de modo livre, deliberado e consciente, sabendo que as suas condutas eram socialmente desvaliosas”. Com efeito, tendo presente a especial natureza das condutas ilícitas em causa nestes autos, da prática de abusos sexuais em relação a dois menores BB (que subsistiram entre os 2 e os 5 anos) e CC (que subsistiram entre 5 e os 7 anos), as quais ferem de modo flagrante os valores éticos mais profundos da sociedade em geral e também da comunidade onde se inseria o arguido e o facto de resultar dos autos que o arguido era imputável e tinha perfeito controlo sobre as suas capacidades psíquicas e físicas, tendo agido de modo livre deliberado e consciente, então dúvidas não podem existir de que o arguido ao actuar da forma como actuou tinha perfeita consciência de que tais condutas eram punidas por lei, já que o direito penal tutela exactamente os valores axiológicos mais importantes da vida em sociedade, nos quais se inclui a liberdade de autodeterminação sexual. Daí que as expressões que foram empregues no texto do Acórdão em 21) “em todas as situações acima descritas” o arguido actuou “sabendo que as suas condutas eram socialmente desvaliosas” no contexto em que foram empregues podem e devem ser interpretadas do seguinte modo: - por um lado no sentido de que a 1ª expressão tem subjacente a expressa referência feita pelo Tribunal a quo aos dois ilícitos imputados ao arguido e objecto destes autos; - e por outro lado, a 2ª expressão como sendo equiparável à menção “sabia que as suas condutas eram proibidas por lei”, tal como bem se salientou no parecer da Digna Procuradora Geral Adjunta nesta Relação. Por tudo o acima exposto, entendemos que não se verificou no Acórdão qualquer omissão de especial fundamentação e pela contrário esta preenche os requisitos mínimos exigidos pelo artº 374º/2 do C.P.P não se mostrando presente qualquer outro motivo susceptível de determinar a nulidade da decisão. Isto é, tudo visto, analisado o Acórdão constata-se que nele estão indicados os factos provados e os não provados, as provas em que o Tribunal a quo se baseou para dar como provados os factos, a análise critica dessas mesmas provas e, de seguida, os motivos de direito que fundamentam a condenação. Tudo em conformidade com o disposto nos nºs 2 e 3 al. b) do artº 374º do C. P. Penal. Em conclusão não padece, pois, a decisão recorrida da apontada nulidade. Improcede pois o recurso do arguido nesta parte.:”
Na verdade, as situações praticadas pelo arguido, são tão intensamente censuráveis, segundo o senso comum, pois vão contra direitos constitucionais de primeira grandeza - a natureza da esfera íntima da pessoa, cerne essencial do seu direito fundamental à liberdade e dignidade da sua autodeterminação e aos valores normativos constitutivos da sua integridade físico-psíquica, tanto mais sendo crianças de tenra idade, que, por isso, qualquer acção ofensiva desse teor, é simplesmente repugnante ao lesar bens jurídicos fundamentais da comunidade, que necessária e obviamente legalmente constitui crime, e, como vem provado: “Em todas as situações acima descritas o arguido AA agiu de modo livre, deliberado e consciente, sabendo que as suas condutas eram socialmente desvaliosas.” Inexiste, por conseguinte, qualquer vício de insuficiência para a decisão de matéria de facto provada, nem omissão de pronúncia, não se prefigurando qualquer nulidade. Inexistem outros vícios, ou nulidades de que cumpra conhecer nos termos do artº 410º nºs 2 e 3, do CPP. <> Sobre a questão da medida concreta da pena Em síntese, considera o recorrente que “A pena de prisão aplicada, considerando a culpa e as condições pessoais e sociais do arguido, excedeu as necessidades de prevenção especiais e gerais, prejudicando qualquer possibilidade de reinserção social do Recorrente. Assim, ao arguido deviam ter sido aplicadas as penas parcelares de quatro anos e seis meses de prisão e de sete anos e seis meses de prisão pelos factos praticados por referencia aos ofendidos BB e CC, respetivamente, e, em cúmulo jurídico, a pena única de nove anos e três meses de prisão (arts. 40.º, 70.º, 71.º e 77.º, todos do C.P.).
Desde logo cumpre dizer que quanto à pena de 6 anos de prisão aplicada pela prática de um crime de abuso sexual de criança agravado p.p no artº 171º/1 e artº 177º/1 b) do C.P praticado sobre a criança BB, não é admissível recurso para o Supremo tribunal de Justiça, atento o disposto no artº 400º nº 1 al. f), do CPP, que dispõe: “1 - Não é admissível recurso: […] f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de “1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;” e por sua vez, determina o 432º nº1, do CPP. “1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: […]; b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;”
Sendo admissível o recurso quanto às demais. <> Considerou a decisão recorrida: “O crime de abuso sexual de crianças agravado relativo ao menor CC previsto e punido pelos artigos 171º nº 1 e 2 e artº 177.º, n.º 1, alínea a) e b), do Código Penal (na redacção aplicável aos factos praticados nos autos) é sancionado com uma moldura legal abstracta de pena de prisão de 4 anos a 13 anos e 4 meses..
Assim sendo, a medida concreta das penas parcelares aplicadas ao arguido, a pena de 6 anos de prisão para o crime que vitimou a BB e a pena de 9 anos e 6 meses de prisão para o crime que vitimou o CC, situam-se próximo do ponto médio da respectiva moldura legal e ao contrário do que foi por ele alegado em sede de recurso, foram devidamente ponderados pelo Tribunal a quo na escolha e fixação da medida dessas penas, quer a sua idade e perfil de personalidade, quer os vários factores atinentes, aos seus antecedentes criminais, ao seu percurso de vida e à sua situação familiar e económica e enquadramento social que foram apurados no julgamento e se encontram relatados na matéria de facto provada. Com efeito, o recorrente não apresentou nenhum argumento factual susceptível de demonstrar que a medida das penas concretas de prisão aplicadas excedem a sua culpa e como se sabe, medir e graduar a pena concreta, constitui uma tarefa assaz complexa para o julgador e releva aqui a sua própria intuição assessorada pelas regras da experiência comum, face ao caso concreto em análise e o critério de uniformidade seguido pelo próprio tribunal em situações idênticas, ponderadas as circunstâncias agravantes e atenuantes provadas; todavia, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. Além do mais, os critérios de determinação da medida concreta das penas, são sempre subjectivos e discutíveis, não obstante as regras definidas pelas normas do Cód. Penal pelo que subscrevemos o entendimento daqueles que defendem na Jurisprudência das Relações, que os Tribunais de recurso, não devem simplesmente alterar a medida das penas, só porque os julgadores no Tribunal “ad quem” possam ter um critério diferente do julgador recorrido. Devem modificá-las sim, mas quando existam razões objectivas para tal, maxime, a violação dos princípios orientadores da determinação da medida das penas e no caso presente, como resulta da leitura atenta do texto do Acórdão, foram inteiramente respeitadas as normas aplicáveis nesta matéria. Aliás como se pode ver a partir da leitura da decisão relativa aos critérios que presidiram a essa escolha, consideramos que o Tribunal “a quo”, fundamentou de modo claro e satisfatório a espécie e medida da pena: “Ora, no caso dos autos, considera-se que as razões de prevenção geral são muitíssimo elevadas neste tipo de ilícito, o que reclama um forte sentido colectivo de realização de Justiça. O grau de ilicitude é, outrossim, elevado atenta a concreta natureza dos actos praticados. Por sua vez, o grau de culpa situa-se a um nível elevado, uma vez que o arguido não contou com qualquer tipo de “colaboração” dos visados – que seria sempre reprovável a qualquer título -, tendo sido o mesmo o único e determinante impulsionador da aceitação à prática de tais actos pelos menores em causa. O arguido provém de um meio social humilde, de baixa condição socioeconómica. Apesar do seu relacionamento conjugal ter sido prejudicado devido a consumos excessivos de álcool encetados no passado pelo próprio arguido, a sua mulher demonstra disponibilidade em manter tal comunhão conjugal. Ou seja, o arguido beneficia de apoio por parte da sua mulher. Não obstante o exposto, AA apresenta baixas competências pessoais e sociais, ausência de auto-análise e de juízo crítico. O arguido apresenta risco de violência moderado no caso de ser colocado em contexto comunitário, conforme conclui exame pericial psiquiátrico levado a efeito; sendo que, além do mais, o mesmo adoptou uma postura de peremptória negação quanto à prática de tais factos. Assim, sopesando todas as referidas circunstâncias, afigura-se necessária, adequada e proporcional a aplicação ao arguido das seguintes penas parcelares: - Quanto ao crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.º 1, 177.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, praticado sobre a criança BB, a pena parcelar de seis anos de prisão. - Um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, e 177.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal, praticado sobre a criança CC, a pena parcelar de nove anos e seis meses de prisão.”
Tudo visto, repete-se, a escolha e fixação da medida concreta das penas parcelares supra referidas (pena de 6 anos de prisão para o crime que vitimou a BB e a pena de 9 anos e 6 meses de prisão para o crime que vitimou o CC), não nos merece qualquer censura, afigurando-se ser uma decisão justa e equilibrada, tendo em atenção as respectivas molduras legais abstractas e as fortes necessidades de prevenção geral que o caso suscita, sobretudo na comarca dos ... como bem foi salientado pelo Tribunal a quo, a idade dos menores ofendidos e a personalidade manifestada pelo arguido em julgamento, sem assumir o desvalor da sua conduta nem reconhecer a existência de vítimas. Com efeito, no caso presente, entendemos serem bastante significativas e prementes as necessidades de prevenção especial - embora o arguido não tenha antecedentes criminais por crimes desta natureza, tendo apenas sido condenado uma vez em pena de multa, por crime de ofensas corporais simples a verdade é que os traços da sua personalidade que foram apurados em 9) 20) 22), 23), 25), 31), 32) 33), 34) 35) e 36) criam o risco sério de reiteração deste tipo de condutas. E dúvidas não pode haver de que persistem também elevadas necessidades de prevenção geral, dada a crescente denúncia da gravidade e frequência da ocorrência deste tipo de crimes nos últimos tempos, em particular na comunidade Açoriana onde se integrava o arguido, sendo assim premente através de penas crime aplicadas pelos Tribunais aos agentes prevaricadores, passar uma mensagem de censura que permita uma educação e sensibilização da população em geral. Em face da factualidade provada - nomeadamente quanto ao circunstancialismo em que os abusos sexuais eram praticados aproveitando-se o arguido da proximidade com os menores e da ascendência económica ou familiar que detinha sobre as vítimas nos termos supra mencionados - bem como quanto à situação pessoal do arguido - a sua idade (os abusos comprovados ocorreram entre 2011 e 2015 ou seja quando o arguido tinha entre os 56 e os 60 anos), o facto de não ser delinquente primário (tendo porém apenas sofrido uma condenação em pena de multa por crime de ofensas corporais simples) e o seu percurso de vida e enquadramento familiar e social (matéria que aqui se dá por reproduzida) - e ainda da fundamentação do Acórdão, não se verifica terem sido violados quaisquer dos preceitos legais aplicáveis na matéria quanto à escolha e determinação das penas concretas parcelares.” <> Tendo em conta: A altíssima gravidade da ilicitude e de suas consequências, sendo a vitima CC neto do arguido, e forte intensidade do dolo, a idade do arguido e da referida vítima, e que somente perante a matéria fáctica provada se pode apurar o direito, sendo que como vem provado: . O arguido provém de família humilde oriunda de ..., freguesia onde o arguido mantém residência habitual. AA reside com a sua mulher, cujo relacionamento é pautado por instabilidade. Apesar de há cerca de 20 anos ter deixado de consumir álcool de forma excessiva, o arguido mantém postura agressiva em relação à Sra. sua mulher. O arguido e a sua mulher têm cinco filhos, totais autónomos financeiramente. O arguido é detentor de baixo nível de escolaridade. Sempre trabalhou na área da pecuária. Em 2001, passou à condição de reformado por invalidez, dispondo de pensão mensal no valor de € 300,00. O arguido foi operado ao pâncreas, pelo facto de padecer de diabetes mantém acompanhamento regular no Hospital ... EPE. À data da detenção, o arguido mantinha residência na casa, que consubstancia o acervo hereditário da sua mulher; na companhia de dois filhos, nora e dois netos, um deles o CC. A mulher do arguido beneficia de apoio por parte da Unidade de Saúde de ..., atendendo aos seus problemas psicológicos. O arguido dedica parte do seu tempo à agricultura de subsistência. No âmbito da abordagem efectuada pela Direcção-geral de Reinserção e Serviços Prisionais, o arguido apresentou uma postura cordata, mas vitimizante. O arguido denota baixo nível de competências pessoais e sociais, bem como ausência de auto-análise e de juízo crítico. O arguido imputa à sua filha DD, mãe do CC, conduta manipuladora e conducente à criação de má imagem a seu respeito quanto aos factos acima vertidos nos pontos 15.º a O arguido revela dificuldades em identificar e reconhecer o sentimento das outras pessoas, negando a prática das condutas acima descritas, bem como manifesta desinteresse na respectiva reparação. O arguido apresenta instabilidade, insatisfação e alterações de humor, observando-se falta de insight, defensividade e resistência à avaliação psicológica, não se apercebendo devidamente das impressões que as outras pessoas têm sobre ele. Denota ser uma pessoa imatura, tensa, ansiosa, pessimista, desanimada, autocentrada, ressentida, emocionalmente instável e impulsiva. O arguido apresenta risco de violência moderado no caso de ser colocado em contexto comunitário. O arguido dispõe do seguinte antecedente criminal registado: através de sentença transitada em julgado a 26/05/2010, proferida no âmbito do processo n.º 242/08.0PCRGR pelo ....º Juízo do Tribunal Judicial de ... (extinto), o arguido foi condenado pela prática, a 26/04/2008, de um crime de ofensa à integridade física simples na pena de 80 dias de multa à taxa diária de € 7,00. A referida pena foi declarada extinta, pelo cumprimento. As condutas acima expostas tiveram por base o ascendente do arguido em relação a CC. Em consequência de tais condutas, CC passou a sofrer de profundo temor de que tais situações ocorram novamente. A criança sentiu sofrimento, humilhação, medo e inquietação; sofreu alterações no sono. Tornou-se uma criança sofredora, triste, envergonhada, insegura e com tendência para o choro.
Tendo ainda em conta as fortes exigências de prevenção geral e especial com vista a dissuasão da reincidência e forte intensidade da culpa Como bem, refere a Digma Procuradora-Geral Adjunta em seu douto Parecer: “O dolo é intenso, e a ilicitude elevada. São prementes as exigências comunitárias no sentido de se reprimir este tipo de criminalidade, praticada a mais das vezes a coberto de uma relação familiar, na intimidade do agregado familiar, impondo-se pelo ascendente do agente e pelo medo e dependência da vítima. [..]
Como já referia Figueiredo Dias, em 1993, Direito Penal Português -As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 255, p. 197: “um pouco por toda a parte – e, de modo particular, tanto na jurisprudência alemã, como na doutrina portuguesa - se revela a tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é susceptível de revista. Todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Não falta, todavia, quem sustente que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Esta última posição é mais correcta […], Mas já assim não será, e aquela tradução será controlável mesmo em revista, se, v.g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada..”
Quer se siga uma ou outra corrente, conclui-se face ao exposto, que a factualidade provada, as balizas legais da punição dos ilícitos criminais definidos, e a fundamentação supra exposta, não se revela que tenham sido violadas regras da experiência ou que quantificação se revele de todo desproporcionada., pelo que é de manter a pena parcelar.
<> Relativamente à pena única: Como se sabe, o artigo 77º nº 1 do Código Penal, ao estabelecer as regras da punição do concurso, dispõe: “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.” E, estabelece o nº 2 que: A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa: e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo) nem pelo da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente: como doutamente diz Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 290-292), como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado. Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso.- (Ac. deste Supremo e desta Secção de 06-02-2008, in Proc. n.º 4454/07 Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, )sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluri ocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, não já no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). Importa, contudo, realçar que na determinação da medida das penas parcelar e única não é admissível uma dupla valoração do mesmo factor com o mesmo sentido: assim, se a decisão faz apelo à gravidade objectiva dos crimes está a referir-se a factores de medida da pena que já foram devidamente equacionados na formação das penas parcelares. Por outro lado, afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstracto, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta, quer no que respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à prevenção, quer, ainda, no que concerne à personalidade e factos considerados no seu significado conjunto. Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa, numa perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal, em relação a bens patrimoniais. Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a actividade criminosa expressa pelo número de infracções, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade. Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade, que deve ser ponderado. (v. Ac. deste Supremo e desta 3ª Secção, de 09-01-2008 in Proc. n.º 3177/07). O concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes. Por outro lado, o concurso tanto pode ser constituído pela repetição do mesmo crime, como pelo cometimento de crimes da mais diversa natureza. Por outro lado ainda, o concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes.
Ficou expresso no Acórdão recorrido : “No âmbito do cúmulo jurídico (artigo 77.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal), há que atender à personalidade do arguido, e compaginar a gravidade global dos factos em causa. Com efeito e para além do acima exposto, o arguido é uma pessoa com capacidade cognitiva baixa; revela imaturidade funcional; instabilidade emocional e impulsividade. Por sua vez, as condutas efectivamente perpetradas pelo arguido assumem, em termos globais, uma gravidade muito alta. Balizados todos os factores, entende o Tribunal como Justo aplicar ao arguido AA a pena única de 12 (doze) anos e 8 (oito) meses de prisão.” Na verdade, quando ao cúmulo jurídico, como é sabido e resulta do artº 77º/2 do C.P, moldura abstracta do concurso de crimes tem como limite mínimo a maior das penas parcelares e como limite máximo a soma de todas as penas, sem poder ultrapassar 25 anos de prisão. No caso presente, atentas as penas concretas acima acabadas de referir, resulta que essa moldura legal abstracta terá como limite mínimo a pena de 9 anos e 6 meses de prisão e como limite máximo a pena de 15 anos e 6 meses (correspondente à soma das penas parcelares concretamente aplicadas). Quanto à pena única a aplicar ao arguido em sede de cúmulo jurídico, importa dizer ainda que a medida concreta da pena do concurso de crimes dentro da moldura abstracta aplicável, se constrói a partir das penas aplicadas aos diversos crimes e é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente. À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detectar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente. Do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detectar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da actuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e “ a culpa pelos factos em relação”, a qual se refere Cristina Líbano Monteiro em anotação ao acórdão do S.T.J de 12.7.2005 e Figueiredo Dias in “A Pena Unitária do Concurso de Crimes” in RPCC ano 16º, nº 1, pág. 162 e ss. Ou como diz Figueiredo Dias “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique”. Na avaliação desta personalidade unitária do agente, releva sobretudo “ a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira criminosa”) ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. Por último, segundo este autor, de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). No caso sub Júdice, a análise do circunstancialismo concreto em que foram praticados os ilícitos pelos quais foi condenado o arguido – sobretudo a falta de consciência da censurabilidade e gravidade da sua conduta - permite considerá-lo um delinquente com uma personalidade com tendência para este tipo de crimes e é difícil acreditar que de futuro não mais voltará a reincidir em tais condutas. Assim em conclusão, tendo em conta os vectores supra apontados, os factos e o Direito, face à ilicitude dos factos e às necessidades de prevenção geral, especialmente fortes neste domínio, mas também de prevenção especial (ponderando repete-se, que o arguido nem sequer interiorizou o desvalor da sua conduta) e tendo em atenção os factos e a personalidade do agente, entende-se como justa e adequada a pena única de doze (12) anos e oito (8) meses de prisão (artº 77º/1 e 2º do C.P). Esta pena única fixada na 1ª instância em nosso entender reflecte adequadamente o grau elevado de ilicitude da conduta do arguido, que se reflecte na sua culpa, e as necessidades de acentuadas de prevenção geral e especial que o caso sub judice suscita. Deste modo, não releva a sua discordância feita em termos genéricos quanto à medida excessiva da pena única aplicada, por não estar essa discordância assente em qualquer substrato factual e a sua convicção não se poder substituir à convicção do julgador.”
Na verdade, como bem salienta a Digma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Supremo: “É grave o conjunto global dos factos criminosos praticados pelo arguido na pessoa do menor CC, seu neto. O abuso sexual de crianças gera no tecido social uma forte repulsa e séria reprovação ética e moral, tanto mais no caso do arguido, que reiterou as suas práticas libidinosas com uma menor cujos pais nele confiavam e acolhiam no seu lar, bem como com o seu próprio neto, a quem devia respeito, cuidado e protecção, actos que praticou para satisfação incontrolada dos seus apetites libidinosos não lhe importando a idade das crianças, os laços afectivos e familiares que o deviam ligar ao menor, seu neto, e à menor BB, sua vizinha.
Retenha-se, ainda, o comportamento reprovável do arguido com a menor EE – facto n.º 9. Reiteradamente, o arguido abusa sexualmente de menores. O arguido é portador de uma personalidade amoral, denotando revelar uma propensão para o abuso de crianças, assim se impondo uma agravação na pena única de prisão a fixar. Citando do Acórdão do STJ, de 16/11/2016, pº 447/15.8JAPDL, “(…) com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente. Como doutamente diz Figueiredo Dias, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.”
Valorando em conjunto o ilícito global perpetrado, verifica-se que os factos exprimem tendência do arguido para delinquir na prática de abuso sexual de menores. As exigências de prevenção geral são acutilantes neste tipo de crimes, face à necessidade de protecção da autodeterminação sexual e da defesa e desenvolvimento sadio das vítimas menores. As exigências de prevenção especial excedem a normalidade necessária á dissuasão da reincidência, pois que o arguido não respeitou reiteradamnete o âmbito familiar e a confiança de terceiros em si depositada. Face ao disposto no artigo 40º nºs 1 e 2 do C. Penal, tendo ainda em conta a intensidade da culpa, e o efeito previsível da pena a aplicar no comportamento futuro do arguido, a pena única aplicada não se revela injusta, desproporcional ou desadequada, sendo, por isso, de manter.
<> Termos em que decidindo:
Acordam os deste Supremo – 3ª Secção : - Rejeitam o recurso quanto à pena parcelar de seis anos de prisão, aplicada pelo crime de que foi vítima a menor BB, nos termos conjugados dos artºs 420.º, n.º 1, al. b), 400.º, n.º 1, al. f) e 432.º, n.º 1, al. b), todos do C.P.P - Negam provimento ao recurso, e mantêm a decisão recorrida,
Tributam o recorrente em 6 Uc de taxa de justiça, Condenam-no no pagamento da importância de 4 UCs , nos termos do artº 420º nº 3, do CPP.
Supremo Tribunal de Justiça, 07 de Junho de 2017
Pires da Graça (Relator) Raul Borges |