Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
97S031
Nº Convencional: JSTJ00036094
Relator: SOUSA LAMAS
Descritores: COMPLEMENTO DE PENSÃO
CONSTITUIÇÃO
CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO
TRABALHADOR
Nº do Documento: SJ200002090000314
Data do Acordão: 02/09/2000
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N494 ANO2000 PAG187
Tribunal Recurso: T REL ÉVORA
Processo no Tribunal Recurso: 69/95
Data: 01/30/1996
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
Legislação Nacional: DL 519-C1/79 DE 1979/12/29 ARTIGO 4 ARTIGO 6 ARTIGO 7 ARTIGO 27 ARTIGO 29.
CCIV66 ARTIGO 236 N1 ARTIGO 238.
ACT IN BTE N5 DE 1987/12/08 CLAUS16 CLAUS89 CLAUS114.
Sumário : I - O direito ao complemento de reforma não se constitui em dado momento, pois ele vai-se formando ao longo do todo o período da prestação de trabalho com a qual se relaciona directamente.
II - Para que os trabalhadores das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo tenham direito ao complemento de reforma é necessário que tenham prestado, pelo menos durante 10 anos, serviço, a uma Caixa da classe A.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça - Secção Social

A, na acção que instaurou contra a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de B pediu a condenação desta Ré no pagamento de 1581265 escudos de diferenças salariais respeitantes ao período de 1 de Agosto de 1985 a 30 de Setembro de 1992, de 1082026 escudos de complementos de reforma e respectivos juros de mora e de 98366 escudos de complemento de reforma mensal, desde Setembro de 1993 e enquanto tiver direito à reforma, com as rectificações anuais de acordo com as alterações salariais.
Alegou, essencialmente, que foi admitido ao serviço da Ré em 13 de Fevereiro de 1969, com a categoria profissional de contínuo, tendo trabalhado, sob as suas ordens, até 30 de Setembro de 1992, sendo associado do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas e sendo a Ré associada da Fenacam - Federação Nacional das Caixas de Crédito Agrícola que assinaram diversos Acordos Colectivos de Trabalho, que sempre lhe foram pagos salários inferiores aos estipulados nesses Acordos para a categoria de contínuo e que a Ré nada lhe pagou a título de complemento de reforma apesar de a ter interpelado diversas vezes para lhe pagar os montantes que pede.
A Ré contestou, excepcionando a prescrição do direito às diferenças salariais e subsídios e impugnou por não ter o Autor direito à categoria de contínuo como impugnou o direito do Autor a qualquer complemento de reforma cujo cálculo só poderia ter em consideração o tempo de serviço prestado durante o tempo em que trabalhou na Caixa.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou procedente a excepção de prescrição e absolveu a Ré do pedido de diferenças salariais e condenou a Ré a pagar ao Autor o que se liquidar em execução de sentença, relativamente ao período de 20 de Abril de 1992 a 30 de Setembro de 1994 da diferença entre 3009856 escudos e o que o Autor recebeu de pensão nesse período, com juros de mora, como a condenar a pagar-lhe, desde 1 de Outubro de 1994 a pensão de 93280 escudos, deduzida do que o Autor recebeu da C.N.P., pensão actualizável em conformidade com as alterações salariais e absolver a Ré do restante pedido de complemento de reforma e juros.

A Ré apelou dessa decisão, na parte em que lhe foi desfavorável e o Autor interpôs recurso subordinado.

O Tribunal da Relação concedeu provimento ao recurso da Ré, absolvendo-a do pedido e negou provimento ao recurso do Autor.

Não se conformando com o acórdão da Relação, o Autor pediu a sua revista para que seja mantida a sentença quanto ao complemento de reforma e condenada a Ré a pagar-lhe as diferenças salariais pedidas e os juros.
Nas alegações do recurso, concluiu:
1. - O acórdão violou o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador consagrado no artigo 13, n. 1 do Decreto-Lei n. 49408 de 24 de Novembro de 1969 ao considerar que, em sede de contratação colectiva não pode haver negociações de complementos de reforma;
2. - Não teve em consideração a alteração legislativa produzida pelo Decreto-Lei 209/92, de 2 de Outubro, ao artigo 6 do n. 1, alínea d) do Decreto-Lei n. 519-C1/79 de 29 de Dezembro e onde se permite, por intermédio da fonte de negociação colectiva, complementos de reforma;
3. - A não se considerar assim, a norma do artigo 6, n. 1, alínea e) do Decreto-Lei n. 519-C1/79 deve ser considerada nula quando, através da sua aplicação se mostre que o trabalhador sofre desvantagens na medida em que colide com o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador;
4. - A realidade actual e a prática entretanto adquirida continua a aceitar os complementos de reforma, encontrando-se neste momento milhares de trabalhadores a beneficiarem por se tratar na generalidade de tratamentos mais favoráveis.
5. - Assim sendo, verifica-se que o douto Acórdão violou a lei substantiva, traduzindo-se essa violação tanto num erro de interpretação, como no erro de determinação da norma aplicável e acessoriamente o artigo 668, n. 1 alíneas b) e d) .
6. - A relação laboral entre Autor e Ré cessou em 30 de Setembro de 1992 pelo facto de o trabalhador ter recebido o seu salário até esse dia e procedido aos correspondentes descontos também considerando esse dia.
7. Mesmo que assim se não considere, seria instrumentalmente impossível citar a Ré antes de 20 de Setembro de 1993, porque dia 18 foi feriado, digo, foi Sábado e 19 Domingo, logo o prazo transferiu-se para o primeiro dia útil ou seja 20 de Setembro, dia em que a Ré foi citada, tendo a acção entrado em juízo no dia 15 de Setembro, entrou tempestivamente, interrompendo-se a prescrição - artigo 323, n. 1 do Código Civil.
8. Dando-se provimento ao presente recurso, revogando-se o douto Acórdão do venerando Tribunal da Relação de Évora e, consequentemente, manter-se a sentença proferida quanto ao complemento de reforma e considerar que a acção é tempestiva em matéria de diferenças salariais e, em consequência, condenar a Ré a pagar ao Autor a título de diferenças salariais o montante de 1581265 escudos acrescido de juros legais a contar da citação, estarão Vossas Excelências Excelentíssimos Juizes Conselheiros a fazer boa justiça.
A recorrida contra-alegou, alegando que o A.C.T., publicado no B.T.E. n. 45 de 8 de Dezembro de 1987, em que se insere a cláusula 114 ao abrigo da qual o recorrente reclama o pagamento de uma pensão complementar de reforma só se aplica por força da P.E. publicada no B.T.E. n. 11, de 22 de Março de 1988 porque o Autor não estava sindicalizado à data em que cessou funções e desde 1981 e então já a lei considerava nulas as cláusulas daquele teor, não merecendo reparos o acórdão da Relação quanto à pensão completar de reforma.
O recorrente reformou-se em 20 de Abril de 1992 e o contrato cessou em 18 de Setembro de 1992, tendo a acção sido proposta em 15 de Setembro de 1993 e a Ré sido citada em 20 de Setembro de 1993, verificou-se a prescrição.
Por outro lado, alegou a Ré que, além de não ser devido, o complemento de reforma por ser ilegal, o seu montante só poderia referir-se ao salário mínimo porque o recorrido não era contínuo mas mero auxiliar não categorizável e não tinha o tempo completo, só podendo atender-se a 62% do salário.

No acórdão proferido por este Supremo Tribunal foi negada a revista por se considerar verificada a prescrição do eventual direito do Autor às diferenças salariais e por serem nulas as cláusulas 113 e 114 do A.C.T. que estabelecem os benefícios de complemento de reforma, publicado no B.T.E. n. 45 de 8 de Dezembro de 1987, aplicável nos termos da P.E. publicada no B.T.E. n. 11 de 22 de Março de 1988 dado que contrariam o artigo 6, n. 1, alínea e) do Decreto-Lei n. 519-C1/79, norma de natureza imperativa.

Tendo o Autor recorrido para o Tribunal Constitucional, foi por este Tribunal proferida a seguinte decisão:
"O Tribunal Constitucional decide:
a) Julgar organicamente inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 167, alínea c) , 58, n. 3 e 17 da Constituição, a norma contida no artigo 6, n. 1, alínea e) do Decreto-Lei n. 519-C1/79 de 29 de Dezembro;
b) Conceder provimento ao recurso, revogando, consequentemente, a decisão recorrida, de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade".

Em face da declaração de inconstitucionalidade da alínea e) do n. 1 do artigo 6 do Decreto-Lei n. 519-C1/79, de cuja aplicação resultou a decisão deste Supremo Tribunal de Justiça quanto à questão do complemento de reforma, impõe-se reformular esta decisão, desaplicando aquela norma julgada inconstitucional e tendo em consideração que foi julgada provada a seguinte matéria de facto:
- A Ré é uma instituição bancária que exerce a sua actividade fundamentalmente nos concelhos de B e C;
- Sendo associada da Fenacam - Federação Nacional das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo,
- A Ré admitiu o Autor ao seu serviço em 13 de Fevereiro de 1969;
- A reforma por velhice teve início em 20 de Abril de 1992;
- Desde 1 de Janeiro de 1985 até cessar o seu contrato de trabalho com a Ré, o Autor recebeu os vencimentos constantes dos mapas de folhas 48 a 55 que aqui se dão por reproduzidos.
- O Autor, desde que foi admitido ao serviço da Ré, teve exclusivamente como funções levantar e entregar correspondência nos C.T.T., entregar em mão convocatórias e outra correspondência da Ré dirigidas a associações residentes em B, estampilhar cartas para serem enviadas pelos C.T.T., entregar a correspondência e documentos a directores da Ré para estes tomarem conhecimento e/ou assinarem, ir à Caixa Geral de Depósitos tratar de assuntos de mero expediente e carimbar documentos da Ré;
- Durante o exercício das suas funções, a Ré sempre qualificou o Autor como contínuo, fazendo constar de toda a documentação relativa ao Autor tal categoria profissional.
- O Autor não sabia ordenar e arquivar documentos o que, de facto, não fazia;
- Enquanto trabalhou para a Ré, o Autor exerceu também as funções de sacristão;
- O Autor, entre 9 e 17 de Setembro de 1992, recebeu da Caixa Nacional de Pensões, o documento de folha 8 de que deu conhecimento à Ré no dia 18 de Setembro de 1992;
- Nesse dia 18, findo o horário de trabalho, foi informado pelo gerente da Ré que, uma vez que estava reformado, deixava de trabalhar para a Ré a partir dessa data. A Ré, no entanto, pagou ao Autor o vencimento completo do mês de Setembro;
- O Autor foi sócio do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas entre 23 de Fevereiro de 1970 e 6 de Julho de 1981, data em que foi eliminado de sócio por falta de pagamento de quotas, tendo sido readmitido como sócio, a seu pedido, em 9 de Julho de 1993;
- A Ré, ao abrigo da cláusula 4. do A.C.T. das Instituições de Crédito Mútuo, teve a seguinte classificação:
1986 - Classe C, 1987 - Classe C, 1988 - Classe C, 1989 e 1990 - Classe B, 1991 - Classe A1, 1992 - Classe A1, a partir desta data, a classificação manteve-se irreversível.

Está apenas em causa o direito do Autor ao complemento de reforma conferido pela cláusula 114 do A.C.T. para os trabalhadores ao serviço de instituições de crédito agrícola mútuo, publicado no Bol. Trab. Emp. n. 45 de 8 de Dezembro de 1987 pois é esta a única convenção colectiva de trabalho do sector em relação à qual foi publicada, no Bol. Trab. Emp., n. 11 de 22 de Março de 1988, Portaria de Extensão, sendo, por conseguinte, a única que, nos termos dos artigos 7, 27 e 29 do Decreto-Lei n. 519-C1/79 de 29 de Dezembro, é aplicável à relação de trabalho estabelecida entre o Autor e a Ré uma vez que o Autor só foi sócio de um dos Sindicatos signatários das convenções colectivas de trabalho celebradas pela Ré desde 23 de Fevereiro de 1970 até 6 de Julho de 1981 e, posteriormente, apenas desde 9 de Julho de 1993, portanto já depois da cessação daquela relação de trabalho.
Aquela cláusula 114, que é, assim, o único fundamento do direito invocado pelo Autor dispõe:
"1- No caso de doença ou invalidez, ou quando tenham atingido 65 anos de idade e desde que hajam completado 10 anos ao serviço das caixas de crédito agrícola mútuo da classe A, de uniões regionais da Federação Nacional e da Caixa Central, os trabalhadores em tempo completo têm direito:
a) Às mensalidades que lhes competirem de harmonia com a aplicação das percentagens do anexo VI às retribuições fixadas no anexo II, líquidas do valor da contribuição para o imposto profissional e da taxa social única correspondente a treze vezes o montante de cada uma dessas retribuições, com o mínimo de 100% da retribuição do nível de admissão da respectiva classe;
b) A um subsídio de Natal correspondente às mensalidades a que tiverem direito.
2 - Da aplicação do anexo VI não poderá resultar diminuição das anteriores mensalidades cujo pagamento se tenha iniciado.
3 - Todos os trabalhadores abrangidos por esta cláusula têm direito à actualização das mensalidades recebidas sempre que seja actualizado o anexo II."

O Autor foi admitido ao serviço da Ré em 13 de Fevereiro de 1969, reformou-se em 20 de Abril de 1992 e deixou de trabalhar para a Ré em 18 de Setembro de 1992.
A Ré esteve classificada na Classe C em 1986, 1987 e 1988, na Classe B em 1989 e 1990, na classe A1 em 1991 e, a partir de 1992, na Classe A.
Considerando que o Autor tinha mais de 10 anos ao serviço da Ré quando se reformou e que a Ré estava então classificada na Classe A, a sentença proferida julgou verificada a condição pressuposta na cláusula 114 referida para o direito ao complemento de reforma que atribui ao Autor, independentemente de não ter completado 10 anos ao serviço das caixas de crédito agrícola mútuo da Classe A".
No recurso de apelação que interpôs dessa decisão, insurgiu-se a Ré contra a atribuição daquele complemento ao Autor, invocando a nulidade da cláusula 114, por violar a proibição da alínea e) do n. 1 do artigo 6 do Decreto-Lei n. 519-C1/79 de 29 de Dezembro e defendendo que os 10 anos de serviço nela exigidos têm de decorrer depois da promoção da Caixa à classe A, não bastando que se completem com os anos de serviço prestados a caixas de classe inferior. E impugnou também o montante do complemento atribuído que, em seu entender, foi mal calculado porque se baseou na retribuição prevista para os contínuos e o Autor não era contínuo e porque não tomou em conta que o Autor não tinha o tempo completo de serviço.

O Tribunal da Relação não se pronunciou sobre o sentido a atribuir àquele requisito do direito ao complemento de reforma por ter declarado nula a questionada cláusula 114 e, assim, ter considerado sem fundamento tal direito, por contrariar o disposto na alínea e) do n. 1 do artigo 6 do Decreto-Lei n. 519-C1/79.
Tendo esta norma sido declarada inconstitucional, a declaração de nulidade da referida cláusula ficou prejudicada.
Assim, nada obstando ao conhecimento do questionado direito do Autor ao complemento de reforma previsto nesse clausulado, nos termos dos artigos 715, n. 2 e 726 do Código de Processo Civil, impõe-se a este Supremo Tribunal conhecer dessa questão.
A resolução de tal questão reconduz-se ao resultado da interpretação da referida cláusula 114 e mais precisamente à determinação do sentido que deva atribuir-se à expressão nela utilizada ".. . desde que hajam completado 10 anos ao serviço das caixas de crédito agrícola mútuo da classe A. ...".
Na verdade, o direito do Autor ao complemento de reforma que pede só existirá se se entender que os 10 anos ao serviço se referem ao tempo mínimo de serviço prestado a quaisquer caixas de crédito agrícola mútuo, abrangidas pelo A.C.T., independentemente do seu resultado índice e da sua classificação na classe A, A1, B ou C.
Foi esse o entendimento seguido na sentença e que a apelante impugnou, socorrendo-se de uma interpretação mais condizente com o teor objectivo daquela expressão e, por isso mesmo, em princípio, mais aceitável.
Nos termos do artigo 236, n. 1 do Código Civil, que estabelece um princípio geral quanto ao sentido normal da declaração negocial, o sentido com que deve valer uma cláusula contratual é aquele que um declaratário normal, colocado na posição de real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante.
Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser, razoavelmente, imputado ao declarante aquele sentido (n. 1 do artigo 36) ou de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (n. 2 do mesmo artigo).
Consagra-se, assim, uma doutrina objectivista da interpretação, justificada pela necessidade de proteger legítimas expectativas do declaratário e a acautelar a certeza e segurança do tráfico jurídico, mitigada apenas pelas referidas restrições de índole subjectiva. E, nos termos do artigo 238 do mesmo Código não pode a declaração valer com um sentido que não tenha o mínimo de correspondência no texto do respectivo documento ainda que imperfeitamente expresso.
Qualquer resultado interpretativo que não tenha um mínimo de correspondência no texto das cláusulas contratuais não pode, assim, ser considerado.
Antes do mais, impõe-se, portanto, determinar o sentido objectivo da controvertida expressão da cláusula 114 que exige que o trabalhador, no momento da sua reforma, "haja completado 10 anos ao serviço das caixas de crédito agrícola mútuo da classe A".
Dado o carácter constitutivo do documento em que se insere aquela cláusula - um instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, necessariamente reduzido a escrito, consoante prescreve o n. 1 do artigo 4 do Decreto-Lei n. 519-C1/79 de 29 de Dezembro - a afirmação de que são precisos 10 anos ao serviço das caixas de crédito agrícola mútuo da classe A adequa-se objectivamente ao texto do clausulado e não colide com a diversidade de posições assumidas, pelas partes outorgantes, revelador de um consenso entre elas no sentido proposto que só poderia ser afastado, nos termos do n. 2 do artigo 238 do Código Civil no caso de se demonstrar que outra foi a vontade real das partes.
O direito ao complemento de reforma peticionado não se constitui num dado momento, vai-se formando continuadamente ao longo de todo o período da prestação do trabalho com o qual se relaciona directamente.
O facto de só as caixas da classe A - com um resultado índice igual ou superior a 400 - serem obrigadas a conceder aos seus trabalhadores o benefício previsto na cláusula 114, tem, naturalmente, a ver com as maiores possibilidades económicas dessas instituições mas isso não pode, sem mais, apoiar a conclusão de que o trabalhador tem direito ao complemento de reforma só pelo simples facto de se encontrar ao serviço de uma caixa de classe A no momento da reforma, embora tenha completado 10 anos de serviço em outras caixas.
Na falta de elementos interpretativos que apontem claramente noutro sentido, tem de se entender com base no texto que exprime o consenso das partes que outorgaram o A.C.T. que estas quiseram, efectivamente, condicionar o direito ao complemento de reforma à prestação de serviço, durante, pelo menos 10 anos, às caixas de crédito agrícola mútuo da classe A, as únicas que se obrigaram ao pagamento desse complemento.
O sentido literal, bem expressivo, da cláusula 114, de atribuir o direito a complemento de reforma apenas aos trabalhadores que "hajam completado 10 anos ao serviço das caixas de crédito agrícola mútuo da classe A". não é, assim, minimamente contrariado por elementos racionais e é mesmo reforçado por elementos sistemáticos e históricos.
Nos termos da cláusula 16 do referido A.C.T., a antiguidade do trabalhador é determinada pela contagem do tempo de serviço prestado nas caixas de crédito agrícola mútuo abrangidas por essa convenção colectiva, seja qual for a classe em que estejam classificadas.
E, nos termos da cláusula 89, para efeitos da contagem do tempo para aplicação do regime de diuturnidades, há que recorrer aos critérios definidos na cláusula 16. e, por conseguinte, contar os anos de serviço efectivo desde a data da admissão nas instituições abrangidas pelo A.C.T., sem ter em conta a classe dessas instituições.
Tempo de serviço prestado nas caixas de crédito agrícola mútuo da classe A e tempo de serviço prestado nas demais instituições abrangidas pelo A.C.T. são, assim, realidades perfeitamente estremadas e irredutíveis o que afasta qualquer possibilidade de se considerar que os "anos ao serviço das caixas de crédito agrícola mútuo da classe A", exigidos pela cláusula 114, são os anos de antiguidade do trabalhador ou sejam de serviço prestado a todas essas caixas, independentemente da sua classificação na classe A.
Se fosse intenção dos outorgantes do A.C.T. fazer depender o direito ao complemento de reforma de 10 anos ao serviço das caixas de qualquer classe, certamente que não se teriam referido, como referiram, somente as caixas da classe A e, naturalmente, se teriam limitado a exigir 10 anos ao serviço das caixas de crédito agrícola mútuo sem fazer qualquer distinção, como de modo bem explícito, fizeram, quanto à classe dessas instituições.
Resultando das cláusulas 113 e 114 do A.C.T. que só as caixas de crédito agrícola mútuo da classe A poderão ser obrigadas a garantir aos seus trabalhadores os complementos de reforma, seria logicamente insustentável fazer depender o direito a esses complementos de tempo de prestação de serviço a outras caixas, de classe inferior, não obrigadas a esse pagamento.
Pelo exposto e, considerando, em resumo e em conclusão, que o Autor não tem direito ao complemento de reforma peticionado por não ter completado 10 anos ao serviço das caixas de crédito agrícola mútuo da classe A, acorda-se em manter, embora por razões diferentes, a decisão deste Supremo Tribunal de Justiça que negou ao Autor o direito aos complementos de reforma que pediu, absolvendo a Ré desses pedidos.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 9 de Fevereiro de 2000.

Sousa Lamas,
Diniz Nunes ,
Manuel Pereira.