Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
24/10.0PAMTJ.L1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: SANTOS CABRAL
Descritores: CULPA
PREVENÇÃO ESPECIAL
PREVENÇÃO GERAL
ILICITUDE
PENA
HOMICÍDIO
DOLO DIRECTO
Data do Acordão: 05/18/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE O RECURSO
Sumário :

I - A culpa e a prevenção reside em planos distintos. A culpa responde à pergunta de saber se, e em que medida, o facto deve ser reprovado pessoalmente ao agente, assim como qual é a pena que merece. Só então se coloca a questão, totalmente distinta, da prevenção.

II - A culpa á a razão de ser da pena e, também, o fundamento para estabelecer a sua dimensão. A prevenção é unicamente a finalidade da mesma.

III - A culpa jurídico-penal afere-se em função da ilicitude; na sua globalidade aquela encontra-se substancialmente determinada pelo conteúdo da ilicitude do crime a que se refere a culpa.

IV - A ilicitude e a culpa são assim conceitos graduáveis entendidos como elementos materiais do delito. Isto significa, entre outras coisas, que a intensidade do dano, a forma de executar o facto, a perturbação da paz jurídica contribuem para dar forma ao grau de ilicitude enquanto que a desconsideração; a situação de necessidade; a tentação, as paixões que diminuem as faculdade de compreensão e controle; a juventude; os transtornos psíquicos ou erro devem ser tomados em conta para graduar a culpa.

V - A dimensão da lesão jurídica mede-se desde logo pela magnitude e qualidade do dano causado, devendo atender-se, em sentido atenuativo ou agravativo, tanto as consequências materiais do crime como as psíquicas. Importa, ainda, considerar o grau de colocação em perigo do bem jurídico protegido quer na tentativa quer nos crimes de perigo.

VI - A medida da violação jurídica depende, também, da forma de execução do crime. A vontade, ou o empenho empregues na prática do crime são, também, um aspecto subjectivo de execução do facto que contribui para a individualização. A tenacidade e a debilidade da vontade constituem valores angulares do significado ambivalente da vontade que pode ser completamente oposto para o conteúdo da ilicitude e para a prevenção especial.

VII - O conteúdo da culpa ocupa o lugar preferencial entre os elementos fácticos de individualização da pena que o CP coloca como directriz da actuação do juiz. Os motivos e objectivos do agente, a atitude interna que se reflecte no facto e a medida da infracção do dever são todos eles circunstâncias que fazem aparecer a formação da vontade do agente a uma luz mais ou menos favorável e, como tal, minoram ou aumentam o grau de reprobabilidade do crime.

VIII - Dentro dos motivos do facto criminoso distingue-se entre estímulos externos (v.g., a penúria económica, a instigação política e a coacção) e os motivos internos (v.g, o ódio, o ânimo de lucro, a codicia, a compaixão ou a justa cólera). Em qualquer dos grupos interessa para a individualização da pena constatar o grau de força do motivo e indagar o seu valor ético. Também os objectivos perseguidos pelo agente devem ser examinadas no que respeita à sua qualidade ética.

IX - Não deve equiparar-se a atitude interna do agente com o seu carácter, mas deve entender-se como um posicionamento actual referido ao delito concreto o que corresponde à formação da vontade na execução daquele. Também a atitude interna do arguido deve ser valorada conforme as normas da ética social (v.g., posição de indiferença face ao bem jurídico protegido, escassa reprobabilidade do facto por circunstâncias externas, predisposição neurótica, erro de proibição, situação passional inevitável ou transtorno mental agudo).

X - Para a individualização da pena, tanto na perspectiva da culpa como da prevenção é essencial a personalidade do agente que, não obstante, só pode ter-se em conta para a referida individualização quando mantenha relação com o facto. Aqui deve considerar-se em primeiro lugar as condições pessoais e económicas do agente, circunstâncias que devem ser objecto de um tratamento cuidadoso, porque em nenhum outro sector se manifesta como aqui a individualização da pena.

XI - Mostra-se adequada a aplicação de uma pena de 13 anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio, p. e p. pelo art. 131.º do CP, ao arguido que, após estrangular a vítima, afastou-se do local onde a deixara caída e inanimada, foi à cozinha buscar uma faca com que lhe desferiu os golpes mortais, revelando os segundos de tempo que intermediaram com a sua deslocação à cozinha um propósito de reflexão e da escolha do meio mais adequado para tirar a vida, o que reflecte uma culpa intensa através do dolo directo.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

O Ministério Publico veio interpor recurso da decisão que, como autor material de um crime de homicídio, previsto e punível pelo artigo 131.º, do Código Penal, condenou o arguido AA na pena de 11 (onze) anos de prisão.
As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que:
1-Nao merece censura a qualificação jurídico-penal da conduta do arguido tal como surge plasmada no douto acórdão recorrido.
2Discordamos contudo, salvo o devido respeito, da parte decis6ria, no que concerne a medida da pena de prisão aplicada.
3Com efeito, considerando a factualidade apurada e os critérios de orientação para a individualização da pena, postulados no nº 2 do artigo 71 ° do Código Penal, o quadro atenuativo, de escassa relevância, tudo o mais depondo contra o arguido, numa moldura penal que oscila entre os oito e os dezasseis anos de prisão, parece-nos razoável que a pena de prisão a aplicar ao arguido não deva ser inferior a catorze anos de prisão.
4 Só assim se nos afiguram respeitados os critérios constantes do artigo 71°, nº 1 e n° 2, do C6digo Penal, norma que se mostra violada no douto ac6rdao proferido.
Conclui formulando o pedido de que o presente recurso seja considerado procedente e, em consequência, revogado o acórdão recorrido, no segmento decisório atinente a dosimetria penal, o qual devera ser substituído por outro que condene o arguido nos termos mencionados.
Não foi produzida resposta ao recurso.
Neste Supremo Tribunal de Justiça o Exº Mº Sr. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer pronunciando-se pela parcial procedência do recurso interposto advogando uma pena de treze anos de prisão
Os autos tiveram os vistos legais
*
Em sede de decisão recorrida encontra-se provada a seguinte factualidade:
1.Em 06 de Janeiro de 2010, o arguido mantinha uma relação de namoro com BB, iniciada há pouco menos de um ano.
2. No dia 06 de Janeiro de 2010, pouco antes das 19.00 horas, BB, procurou o arguido na casa da mãe deste, onde o mesmo então residia, sita na Rua ..., Montijo, muito agitada, e exigindo falar com ele.
3. A mãe do arguido procurou acalmá-la, dizendo-lhe que o filho estava a descansar, o que pareceu sortir efeito sobre BB
4. Pouco depois, já calma CC dirigiu-se ao quarto do arguido, onde ambos ficaram a conversar, enquanto a mãe do arguido e outros familiares que então também ali se encontravam – irmão, irmã e sobrinho – saíram para os seus afazeres.
5. Em determinado momento, cuja hora concreta não foi apurada, mas antes das 20,30 horas, no interior do quarto do arguido, este e BB envolveram-se em discussão, altura em que aquele lhe colocou a mão na boca, para que a mesma não gritasse, vindo ambos a envolverem-se em luta corpo a corpo, em cima da cama.
6. No desenrolar desse confronto físico, BB caiu no chão, entre a cama e a cómoda, em frente da porta de entrada do quarto, colocando-se o arguido, de joelhos, em cima daquela, ao mesmo tempo que posicionou as suas mãos com força em volta do pescoço da mesma, exercendo pressão de forma crescente até que aquela ficou, por momentos, inanimada.
7. Em seguida, o arguido, na posse de uma faca de cozinha, com lâmina de 7,5cm de comprimento e 1,7cm de largura, que fora buscar à cozinha, colocou-se de novo, de joelhos, sobre BB que continuava estendida no chão, sem se mexer, e desferiu-lhe cinco golpes com a faca no peito, na região mamária esquerda.
8. Logo de seguida, o arguido mantendo-se na mesma posição, desferiu-lhe mais quatro golpes com a faca, agora no pescoço de BB, deixando a faca espetada no pescoço desta após o último golpe.
9. Em consequência directa e necessária da actuação do arguido, BB sofreu as seguintes lesões:
A) no hábito externo:
1. equimoses,
1.1 de cor vermelha,
1.1.1 na pálpebra superior do olho direito,
1.1.2 na região submandibular direita, numa área de cerca de 4x3crn,
1.1.3 na região submandibular esquerda, numa área de cerca de 2cm de
diâmetro,
1.1.4 sobre a região tiroideia, mediana, numa área de cerca de 3x1,5cm,
1.1.5 na região clavicular direita, numa área de cerca de 4x3cm,
1.1.6 três, na face dorsal do punho e mão direita, de forma grosseiramente
oval, que medem cerca de 2x1 cm cada,
1.2 de cor castanha, na face anterior do joelho direito, que mede cerca de 2cm de diâmetro,
2. escoriações,
2.1 na região anterior e superior do pescoço, ligeiramente á direita da linha média,
numa área de cerca de 1,5x0,8cm,
2.2 na região anterior e superior do pescoço, linha média, numa área de 2x0,5cm,
2.3 na região anterior e superior do pescoço, ligeiramente à esquerda da linha
média, numa área de cerca de 2x05cm,
2.4 punctiforme, no quadrante supero-externo da mama esquerda,
2.5 duas punctiformes, na face dorsal da 2.ª falange do 3.° dedo da mão esquerda,
3. feridas corto-perfurantes,
3.1 na região cervical anterior,
3.1.1 á direita da linha média, acima da cartilagem tiroideia, ligeiramente oblíqua para baixo e para a direita, que mede cerca de 2,2x0,7cm,
3.1.2 a cerca de 0,5cm baixo da anteriormente descrita, de eixo maior vertical, que mede cerca de 1 ,5xlcm,
3.1.3 à esquerda da linha média, abaixo da cartilagem tiroideia, ligeiramente oblíqua para baixo e para a esquerda, que mede cerca de 1 ,3x0,7cm,
3.1.4 a cerca de 4cm para a esquerda da linha média, próximo da base do pescoço, linear, oblíqua para baixo e para dentro, que mede cerca de 1,2cm de comprimento,
3.2 na região mamária esquerda,
3.2.1 na auréola, acima do mamilo, ligeiramente oblíqua para baixo e para a esquerda, que mede cerca de 1 ,5x0,4cm,
3.2.2 ao nível do mamilo esquerdo, do qual dista cerca de 5cm para dentro, ligeiramente oblíqua para baixo e para a esquerda, que mede cerca de 1,4x0,7cm,
3.2.3 sobre o limite inferior e interno da auréola, ligeiramente oblíqua para baixo e para a esquerda, que mede cerca de 1,2x0,7cm,
3.2.4 no quadrante infero-externo, a cerca de 2cm para baixo e ligeiramente para fora do rebordo aureolar, ligeiramente oblíqua para baixo e para a direita, que mede cerca de 1,1x07cm,
3.2.5 na linha mamilar, a cerca de 5cm abaixo do mamilo, de forma grosseiramente triangular de bordos regulares, que mede 1,1x0,7cm.
B) no hábito interno:
i. feridas corto-perfurantes em relação com as feridas descritas supra em 3.1.2, 3.1.4 e 3.2.5, com secção do tecido celular subcutâneo e músculos da região cervical e mamária esquerda,
ii. ferida corto-perfurante em relação com a ferida descrita em 3.1.1, com secção:
- do tecido celular subcutâneo subjacente à referida ferida,
- dos músculos e vasos de pequeno calibre da região lateral direita do pescoço,
com um trajecto orientado horizontalmente, de diante para trás e ligeiramente da esquerda para a direita, em cerca de 3 cm de extensão,
iii. ferida corto. perfurante em relação com a ferida descrita em 3.1.3, com secção:
- do tecido subcutâneo subjacente à referida ferida, dos músculos e vasos de pequeno calibre da região lateral esquerda do pescoço,
- do disco inter-verterbal entre C5 e C6,
- de metade direita de espinal medula a esse nível,
- dos músculos da região posterior esquerda do pescoço a esse nível, com trajecto orientado horizontalmente, de diante para trás e ligeiramente de direita para a esquerda, em cerca de 10 cm de extensão,
iv. lâmina de instrumento corto-perfurante localizada na profundidade da ferida, cravada na coluna vertebral, sendo procidente cerca de 1 cm de lâmina , com dimensão de 7,5x1,7 cm,
v. quatro feridas corto-perfurantes em relação com as feridas descritas em 3.2.1, 3.2.2, 3.2.3 e 3.2.4 com secção:
- do tecido celular subcutâneo subjacente às referidas feridas,
- do tecido mamário esquerdo,
- dos músculos intercostais do 2.º espaço junto ao bordo esquerdo do esterno (quatro),
- do lobo superior do pulmão esquerdo(quatro),
- do mediastino junto ao hilo do pulmão esquerdo,
vi. infiltração hemorragia do couro cabeludo e eponevrose epicraniana fronto-temporal esquerda,
vii. infiltração hemorragia extensa da adventícia do órgãos e vasos do pescoço,
viii. infiltração hemorragia do mediastino médio,
ix. hemotórax à esquerda de 200 c.c.,
x. hemorragias petequiais subpeurais,
xi. hemorragias subdural a nível da coluna cervical,
xii. inundação sanguínea ventricular,
xiii. escassa infiltração hemorragia do bordo direito da língua.
10. As lesões traumáticas corto-perfurantes raquimedulares cervicais e torácicas descritas foram causa directa e necessária da morte de BB.
11. Ao actuar do modo supra descrito, o arguido previu poder tirar a vida a BB, o que quis, pese embora a relação de namoro que com a mesma mantinha.
12. O arguido agiu ciente das características corto-perfurantes da faca que utilizou ao desferir os golpes no peito e no pescoço da BB e, atentas as áreas atingidas e a força e profundidade com que desferiu os golpes, sabia que tais golpes eram suficientes para lhe provocar lesões traumáticas adequadas a causar-lhe a morte, como veio a suceder
13. O arguido agiu de forma livre e voluntária sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se provou:
14. Após a ocorrência dos factos, o arguido exibia alguns arranhões no pescoço.
15. O relacionamento de namoro existente entre o arguido a vítima, BB, era pautado por uma atitude possessiva e ciumenta desta última, face à qual o arguido matinha uma atitude passiva.
16. BB em determinadas ocasiões, em público, não se coibiu de fazer escândalos, quando o arguido não atendia os seus pedidos, ameaçando que caso o arguido acabasse o namoro o perseguiria no emprego e à porta de casa.
17. Chegou a demonstrar ciúmes do sobrinho do arguido, pelo tempo que este dedicava à criança.
18. No seu contacto e relacionamento com o arguido CC passava, repentinamente, de atitudes de afecto e carinho para cenas de ciúmes, por vezes com agressões verbais e físicas.
19. O arguido não tem antecedentes criminais.
20. No Estabelecimento Prisional nada lhe é apontado, respeitando as regras institucionais, não exercendo qualquer actividade e sendo acompanhado em consulta de apoio psicológico.
21. Recebe visitas dos familiares directos.
22. Tem o 9.º ano de escolaridade.
23. O arguido é estimado pelos amigos e colegas de trabalho, que lhe reconhecem uma passividade excessiva.
24. No campo laboral, os seus superiores hierárquicos têm o arguido como um bom trabalhador, responsável, sempre pronto a fazer tudo o que lhe pedem.
25. No seu círculo familiar é tido como uma pessoa amiga de ajudar, um bom filho e um bom irmão.
26. O arguido apresenta uma personalidade algo frágil e imatura, com um rendimento intelectual dentro da média.
27. Mostra tendência para a auto-desculpabilização e baixo limiar de tolerância a situações frustrantes, instabilidade emocional e distanciamento afectivo e egocentrismo.
28. BB tinha apenas 23 anos de idade aquando da ocorrência dos factos.
29. Era uma jovem saudável, muito alegre, com uma boa disposição contagiante.
30. Os seus pais tiveram e têm um grande sofrimento com a perda da filha, agravado pelas circunstâncias em que essa perda ocorreu.
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Factos não provados
Não se provou que:
Nos momentos antecedentes aos factos e após o arguido e vítima entrarem em discussão, BB se tenha dirigido para a cozinha, ameaçando ir matar-se;
O arguido, que se encontrava deitado, se tenha levantado e a tenha seguido, chegando à cozinha um pouco depois;
BB empunhasse uma faca, fazendo movimentos de auto-agressão;
De seguida BB tenha dirigido a faca em direcção ao arguido, manifestando a intenção de pôr fim a ambos, tendo este conseguido apoderar-se da faca;
BB, tenha, então, saído da cozinha, mas não sem antes, ao passar pela mesa ali existente, ter agarrado uma segunda faca;
BB tenha começado a dizer que se ia matar com comprimidos, dirigindo-se para o quarto do arguido por saber onde os encontrar;
O arguido a tenha seguido e ao entrar no quarto tenha depositado a faca que tinha na mão (por a ter retirado a BB) em cima da cómoda;
Após lutarem corpo a corpo, em cima da cama, BB tenha conseguido apoderar-se, de novo, da faca, seguindo-se nova luta pela posse da mesma, originando a queda de ambos no chão;
A faca tenha, então, sido manuseada conjuntamente por ambos, enquanto trocavam joelhadas, pontapés, num bracejar que terminou repentinamente, com a constatação por parte do arguido da faca espetada no pescoço daquela;
No interrogatório a que o arguido foi sujeito pelos órgãos de polícia criminal lhe tenham sido feitas sugestões e insinuações de que o seu irmão também seria acusado da prática do crime.
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Para uma correcta compreensão da matéria de recurso transcreve-se o segmento da decisão recorrida que incide sobre a medida da pena:
O grau de ilicitude mostra-se bastante elevada, expresso no modo de execução – a utilização de uma faca, que o arguido fez entrar no corpo da vítima por 9 vezes, a última das quais de modo fatal e com uma intensidade que originou que toda a lâmina, com 7,5cm de comprimento e 1,7cm de largura ficasse enterrada no pescoço da vítima, altura em que o arguido parou de a atacar. Por outro lado, há a referir que tudo se passou dentro do quarto do arguido, sem que estivesse mais alguém em casa, o que, naturalmente, diminuiu as hipóteses de defesa da vítima, impossibilitada de se fazer ouvir e pedir socorro.
O dolo é directo e intenso, reflectido na vontade do arguido, naquele preciso momento, ter querido acabar com a vida da namorada, BB, vontade que não conseguiu dominar pese embora de acordo com as sua próprias palavras, várias vezes repetidas “ a amasse muito”.
As razões de prevenção geral, são também elas muito elevadas, atenta a necessidade de, por um lado, se dissuadir comportamentos homicidas e, por outro, obter-se estabilidade e segurança na comunidade pelo respeito pela norma violada, não para satisfação de sentimentos mórbidos de vingança, mas sim para que a sociedade perceba e sinta que o ordenamento jurídico é capaz de responder firmemente a actuações que, como a do arguido atingem o bem jurídico mais fundamental e constitucionalmente protegido – o direito à vida.
A nível da prevenção especial há que fazer compreender ao arguido de forma veemente que condutas como a que teve são intoleráveis, de modo a que o arguido de uma vez por todas seja levado a interiorizar o incomensurável desvalor da sua acção, abandonando a atitude desculpabilizadora que vem assumindo.
No que concerne à conduta anterior e posterior ao facto, a favor do arguido pode referir-se que é primário, está inserido social, profissional e familiarmente, sendo estimado pelos amigos e colegas e reconhecido, a nível do trabalho, pelos seus superiores, como um bom trabalhador, responsável, sempre pronto a fazer tudo o que lhe pedem, tal como no seu círculo familiar é visto como um bom filho e um bom irmão, amigo de ajudar.
Em seu desfavor não podemos deixar de mencionar a atitude auto-desculpabilizadora que assumiu durante todo o julgamento, optando por se defender de uma forma que tivemos por fantasiosa, em tudo contrária à que assumira em 1.º interrogatório, nunca tendo demonstrado verdadeiro arrependimento, escudando-se atrás de frases como “não sei o que aconteceu”, “desgracei a minha vida” , não se lhe vislumbrando sentido de perda pela morte da namorada, que repetidamente disse que “amava tanto”.
Ponderando todos os elementos referenciados, temos por justo, adequado e proporcional condenar o arguido na pena de 11 anos de prisão.
*
Importa, assim, verificar se, na esteira do afirmado pelo recorrente, existe uma incorrecta valoração na medida da pena aplicada ao arguido a qual pressupõe uma indagação prévia sobre a finalidade que se propõe a mesma pena Na verdade se é certo que a fixação da pena dento dos limites do marco punitivo é uma acto de discricionariedade judicial igualmente é exacto que tal discricionariedade não é livre, mas sim vinculada aos princípios individualizadores que, em parte, não estão escritos, mas que radicam na própria finalidade da pena.
Como refere Jeschek o ponto de partida da individualização penal é a determinação dos fins das penas pois que só arrancando de fins claramente definidos é possível determinar os factos que relevam na respectiva ponderação. Aqui, é preciso, em primeiro lugar, readquirir a noção da importância fundamental que assume a justa retribuição do ilícito, e da culpa, compreendendo o princípio da culpa quer uma função fundamentadora, quer uma função limitadora da mesma pena. Ao mesmo nível que a retribuição justa situa-se o fim da prevenção especial.
Por consequência a pena deve ponderar, também, a forma de contribuir para a reinserção social do arguido e de não prejudicar a sua posição social para além do estritamente inevitável. Esta exigência está plasmada na fórmula de Kohlrausch sobre a prevenção especial “Na individualização da pena o tribunal deve considerar os meios necessários para reconduzir o arguido a uma vida ordenada e ajustada á lei”.
Salienta Jeschek que, na prevenção especial, se contem a protecção da comunidade face ao delinquente perigoso o que é, frequentemente, esquecido.
Por fim a prevenção geral é um fim indispensável da pena pois que esta deve ser ponderada por forma a neutralizar os efeitos do delito como exemplo negativo para a comunidade e deve contribuir, simultaneamente, para fortalecer a sua consciência jurídica assim como a satisfazer o pedido de justiça por parte do circulo de pessoas afectadas pelo delito e pelas suas consequências (confirmação da ordem jurídica).
Estamos em crer que é nunca é demais acentuar o papel da culpa como critério fundamentador da medida da pena, ao invés da preponderância que alguns, entre os quais Jakobs, outorgam á prevenção geral, colocando-a acima da retribuição da culpa pelo delito quando é esta, na realidade, que justifica a intervenção penal. Na verdade, as normas deveriam “ser reafirmadas na sua própria existência como um fim em si mesmas” enquanto o agente, pelo contrário, tem direito a esperar, e espera, sobretudo uma resposta ao facto injusto e culposo que cometeu. Realçando-se a prevenção como critério fundamental desvanece-se, com prejuízo da justiça individual, a orientação que o Direito penal faz da responsabilidade do agente pela sua acção.

Sem embargo, a culpa e a prevenção residem em planos distintos. A culpa responde á pergunta de saber de se, e em que medida, o facto deve ser reprovado pessoalmente ao agente, assim como qual é a pena que merece. Só então se coloca a questão, totalmente distinta da prevenção. Aqui há que decidir qual a sanção que parece apropriada para introduzir de novo o agente na comunidade e para influir nesta num sentido social-pedagógico.
A culpa é a razão de ser da pena e, também, o fundamento para estabelecer a sua dimensão. A prevenção é unicamente a finalidade da mesma. Não se ignora, realça Jeschek, a relevância na Alemanha uma interpretação que pretende conceder ao principio da culpa exclusivamente a função de limite superior da pena, enquanto que para precisar a mesma pena concreta só os aspectos preventivos devam ser decisivos Assim se indicava no § 59, 1° do Projecto alternativo de 1966 que “ a culpa pelo facto determina o limite superior da pena”, enquanto que a sua dimensão no caso particular se rege unicamente por objectivos de prevenção.
Como justificação, os autores do Projecto argumentaram, de forma negativa, que “queriam prevenir a ideia de retribuição. O Código Penal alemão, sem embargo, não seguiu este Projecto, mas, pelo contrário, converte a culpa no § 46, 1°, 1°no “fundamento para a fixação da pena” e, com isso, não só em fronteira superior da medida da pena, mas também em principio decisivo para a fixação da pena concreta. A razão de ser desta decisão do legislador reside no facto de a pena não dever estar só ao serviço das finalidades preventivas mas, em primeiro lugar, ao serviço da retribuição da culpa, ou seja, a sanção está marcada pelo pensamento de que através dela “o agente experimenta a merecida resposta de desaprovação da comunidade jurídica ao facto ilícito e culposo por ele cometido”.

A restrição do princípio da culpa á função de “meio para a limitação da pena” é o ponto central na interpretação deste conceito transmitida por Claus Roxin. Por tal forma pretende o mesmo autor fazer a teoria jurídico-penal da culpa “independente do livre arbítrio” . Por seu turno, tal conceito de culpa, restringido ao papel de margem superior da pena, é o fundamento da nova categoria sistemática de “responsabilidade”, na qual se fundiu a culpa do autor com a necessidade preventiva da pena.
A isto pode-se objectar, reafirmando o ensinamento de Jeschek, que a culpa, se é o limite superior da pena, também deve ser co-decisivo para toda a determinação da mesma que se encontre abaixo daquela fronteira. Aliás, e fundamentalmente, ao limitar-se a fixação concreta da pena a fins preventivos, a decisão do juiz perde o ponto de conexão com a qualificação ética do facto que é julgado, e a pena, por esse facto perde também todo a possibilidade de influir a favor daqueles objectivos de prevenção.
Só apelando á profundidade moral da pessoa se pode esperar tanto a ressocialização do condenado como também uma eficácia socio-pedagógica da pena sobre a população em geral. A renúncia ao critério da culpa para a pena concreta é um preço demasiado alto por evitar o problema da liberdade na teoria da culpa Hans Heinrich Jescheck, "Evolución del concepto jurídico penal de culpabilidad en Alemania y Austria Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminologia Núm. 05 (2003) -

Aprofundando ainda o exposto, mas agora em sede de violação do princípio da proporcionalidade, torna-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade da culpa expressa no facto e a gravidade da pena. Ao cometer um crime, o agente incorre na sanção do Estado, no exercício do seu direito de punir e esta sanção poderá importar uma limitação de sua liberdade.
Uma das principais ideias presente no princípio da proporcionalidade é justamente, invadir o menos possível a esfera de liberdade do indivíduo, isto é, invadir na medida do estritamente necessário á finalidade da pena que se aplica porquanto se trata de um direito fundamental que será atingido.
É certo que a determinação da concreta medida definitiva da pena tem sempre presente pon­tos de vista preventivos. Dado que o parâmetro da culpa representa um estádio na determinação da medida definitiva da pena a sua dimensão final fixa-se, também, de acordo com critérios preventivos dentro dos limites impostos pela culpa.
Também neste contexto a proibição de excesso tem uma importância determinante. Segundo o mesmo importa eleger a forma de intervenção menos gravosa que ofereça perspectivas de êxito e, assim, é possível que a dimensão concreta da pena varie dentro dos limites da culpa segundo a forma como se apresenta a concreta imagem de prevenção do autor. É justa aquela medida que se limita estritamente á obtenção da finalidade imprescindível. Como refere Liszt: "A pena necessária, neste sentido, é também a pena justa" .
Como refere Anabela Rodrigues a finalidade de prevenção geral que aqui está em causa é limitada pela referência ao bem jurídico e sua importância. Com o que o conteúdo da prevenção geral que aqui está em causa começa a ganhar contornos: a gravidade do facto cometido deve integrar esse conteúdo, servindo, além do mais, de limite à prevenção A determinação da medida da pena privativa de liberdade pag 371.
Adianta a mesma Autora que O que se diz, pois, é que, exactamente do ponto de vista de um controlo racional preventivo da criminalidade que se justifique a partir da necessidade social da intervenção penal jurídico-constitu­cionalmente consagrada (artigo 18.°-2), é possível assinalar à preven­ção geral um conteúdo que a impeça de excessos. Via a exigir que o efeito preventivo, a obter-se (apenas) mediante a confirmação da validade da norma jurídica violada, se realize em consonância com a função de protecção de bens jurídicos que cabe ao direito penal assegurar. Só assim, e ainda na medida em que esta função ape­nas se legitima se e enquanto não há outros meios para possibilitar a convivência pacifica dos homens em sociedade, a realização daquela finalidade de prevenção postulará a sua limitação pelo princípio da proporcionalidade. Princípio que não é mais do que um limite à intervenção penal derivado do fundamento da prevenção geral na necessidade social e que implica, no âmbito da medida da pena, que a sua gravidade seja adequada à gravidade da lesão do bem jurídico ocorrida. O que significa que, com isto, o efeito de preven­ção geral que se quer obter - protecção de bens jurídicos -, radicado na necessidade, mediante o limite que constitui a própria referência ao bem jurídico, postula um limite à sua própria realização - a proporcionalidade -, com que nunca correrá o risco de se transformar numa prevenção geral de intimidação.
Na verdade, e atribuindo consistência prática ao exposto, as penas têm de ser proporcionadas á transcendência social- mais que ao dano social - que assume a violação do bem jurídico cuja tutela interessa prever. O critério principal para valorar a proporção da intervenção penal é o da importância do bem jurídico protegido porquanto a sua garantia é o principal fundamento da referida intervenção. Norbert Barranco “El principio de proprcionalidad” pag 211
A necessidade de proporcionalidade constitui também uma exigência do Estado democrático: um direito penal democrático deve ajustar a gravidade das penas á transcendência que para a sociedade têm os factos a que se ligam. Exigir uma proporção entre delitos e penas no é, com efeito, mais que pedir que a dureza da pena não exceda a gravidade que pa­ra a sociedade possui o facto punido.
Em termos redutores dir-se-á que a proporcionalidade entre a medida da pena e o crime que implica uma retribuição pelo mal praticado pelo arguido é uma exigência da comunidade que só assim pode, e deve, aceitar a justiça encontrada no caso concreto

II
-Em termos dogmáticos é fundamento da individualização da pena a importância do crime para a ordem jurídica violada (conteúdo da ilicitude) e a gravidade da reprovação que deve dirigir-se ao agente do crime por ter praticado o mesmo delito (conteúdo da culpa).
Não obstante, estes dois factores básicos para a individualização da pena não se desenvolvem paralelamente sem relação alguma. A culpa jurídico-penal afere-se, também, em função da ilicitude; na sua globalidade aquela encontra-se substancialmente determinada pelo conteúdo da ilicitude do crime a que se refere a culpa.
A ilicitude e a culpa são, assim, conceitos graduáveis entendidos como elementos materiais do delito. Isto significa, entre outras coisas, que a intensidade do dano, a forma de executar o facto a perturbação da paz jurídica contribuem para dar forma ao grau de ilicitude enquanto que a desconsideração; a situação de necessidade; a tentação as paixões que diminuem as faculdade de compreensão e controle; a juventude; os transtornos psíquicos ou erro devem ser tomados em conta para graduar a culpa.
A dimensão da lesão jurídica mede-se desde logo pela magnitude e qualidade do dano causado, devendo atender-se, em sentido atenuativo ou agravativo, tanto as consequências materiais do crime como as psíquicas. Importa, ainda, considerar o grau de colocação em perigo do bem jurídico protegido quer na tentativa quer nos crimes de perigo.
A medida da violação jurídica depende, também, da forma de execução do crime. A vontade, ou o empenho empregues na prática do crime são, também, um aspecto subjectivo de execução do facto que contribui para a individualização. A tenacidade e a debilidade da vontade constituem valores angulares do significado ambivalente da vontade que pode ser completamente oposto para o conteúdo da ilicitude e para a prevenção especial. Conf. Jeschek Tratado de Direito Penal” ed espanhola pag 780
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O conteúdo da culpa ocupa o lugar preferencial entre os elementos fácticos de individualização da pena que o Código Penal coloca como directriz da actuação do juiz. Os motivos e objectivos do agente, a atitude interna que se reflecte no facto e a medida da infracção do dever são todos eles circunstâncias que fazem aparecer a formação da vontade do agente a uma luz mais ou menos favorável e, como tal, minoram ou aumentam o grau de reprobabilidade do crime.
Dentro dos motivos do facto criminoso distingue-se entre estímulos externos (v.g. a penúria económica, a instigação política e a coacção) e os motivos internos (v.g. o ódio, o ânimo de lucro, a codicia, a compaixão ou a justa cólera). Em qualquer dos grupos interessa para a individualização da pena constatar o grau de força do motivo e indagar o seu valor ético. Também os objectivos perseguidos pelo agente devem ser examinadas no que respeita á sua qualidade ética.
Não deve equiparar-se a atitude interna do agente com o seu carácter, mas deve entender-se como um posicionamento actual referido ao delito concreto o que corresponde á formação da vontade na execução daquele. Também a atitude interna do arguido deve ser valorada conforme as normas da ética social (v.g. posição de indiferença face ao bem jurídico protegido, escassa reprobabilidade do facto por circunstancias externas, predisposição neurótica, erro de proibição, situação passional inevitável ou transtorno mental agudo.

Para a individualização da pena, tanto na perspectiva da culpa como da prevenção- é essencial a personalidade do agente que, não obstante, só pode ter-se em conta para a referida individualização quando mantenha relação com o facto.
O círculo de elementos fácticos de individualização de pena amplia-se substancialmente mediante a consideração da vida anterior do agente e a conduta posterior ao delito. Esta ampliação é indispensável para relacionar de uma maneira de uma forma que seja justo e previna a comissão de delitos.
A conduta posterior ao delito pode constituir um elemento importante a propósito da culpa e da perigosidade do arguido.
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III
Face a esta explanação de natureza teórica, e que apenas pode relevar como premissa na lógica que nos leva á individualização da pena no caso concreto, impõe-se, agora, a consideração das circunstâncias singulares que este revela. Uma primeira conclusão que se impõe, face á argumentação do recorrente, é de que foram valorados os factores de medida da pena que justificam o aumento da pena aplicada.
A decisão recorrida imprime um carácter vincante, na medida da pena, ás necessidades de prevenção geral expressas na perturbação comunitária que provoca este tipo de infracções em que está em causa o valor nuclear É imperioso que a comunidade esteja certa de que as violações dos laços mais básicos de relação social sejam penalizados com adequada punição e, por tal forma, se tenha a noção de que a Vida é um valor intocável.
A mesma decisão por alguma forma filia a conduta do recorrente numa atitude passional, numa perturbação que afectou a vontade do arguido, fruto de um contexto emocional de confronto com a vitima no qual se descreve a morte desta como a consequência de um relacionamento patológico em que á passividade do arguido se contrapunham as atitudes depreciativas daquela sobre o arguido. Sobre tal circunstância pode–se convergir na afirmação da existência de uma ambiente conflitual em que, sucessivamente, forma ultrapassados patamares de consideração e respeito recíprocos até atingir uma fase de exasperação de sentimentos susceptível de atingir a vontade.
Todavia, existem duas circunstâncias que interrompem uma equação linear entre o acto praticado e uma eventual afectação momentânea da vontade do arguido. Na verdade, o homicídio desenvolveu-se em dois momentos distintos expressos nos pontos 6 e 7 da matéria considerada provada onde se refere que:
6. No desenrolar desse confronto físico, BB caiu no chão, entre a cama e a cómoda, em frente da porta de entrada do quarto, colocando-se o arguido, de joelhos, em cima daquela, ao mesmo tempo que posicionou as suas mãos com força em volta do pescoço da mesma, exercendo pressão de forma crescente até que aquela ficou, por momentos, inanimada.
7. Em seguida, o arguido, na posse de uma faca de cozinha, com lâmina de 7,5cm de comprimento e 1,7cm de largura, que fora buscar à cozinha, colocou-se de novo, de joelhos, sobre BB que continuava estendida no chão, sem se mexer, e desferiu-lhe cinco golpes com a faca no peito, na região mamária esquerda.

Significa o exposto que o arguido, após um primeiro momento que, por alguma forma, a sua conduta ilícita se configura como estrangulamento, afastou-se do local onde a vítima estava, e estava inanimada, e foi á cozinha buscar a faca com que, posteriormente, e regressando ao local do crime, desferiu os golpes mortais. É certo que não existiu um processo de premeditação, longamente congeminado ou arquitectado, com o intuito de matar a vítima, mas dúvidas não existem de que os segundos de tempo que intermediaram com a sua deslocação até cozinha tiveram por propósito uma reflexão e procura sobre o meio mais adequado para tirar a vida e não provocaram no arguido qualquer reflexão ou retracção no fim ilícito a que se propunha.
Tal reflexão sobre o meio adequado, e a insistência no atingir dos objectivos, reflecte uma culpa intensa expressa através do dolo directo. Tal intensidade e propósito reflectem-se ainda em dois pormenores indiciários:-por um lado o facto de a vítima estar indefesa por inanimada e, ainda, a circunstância de o arguido ter desferido sucessivos golpes (cinco) sobre a mesma vítima.
Não se ignora a notícia sobre a forma patológica como a vítima vivia a sua relação de “namoro” com o arguido inclusive com manifestações publicas de menosprezo o que terá provocado um acumular de tensão emocional. Porém, se tal facto não pode ser desprezado, por inócuo, em sede de medida da pena também é certo que o mesmo não pode ser valorizado de forma a obscurecer a intensidade da culpa.
Por outro lado não esquecemos as referências que se fazem, em sede de factores de medida da pena, á atitude processual do arguido, refugiando-se em explicações incongruentes sobre o sucedido o que afasta a possibilidade de uma afirmação decidida sobre a existência de uma confissão ou de um arrependimento.
De relevo a demonstrada inserção social, familiar e profissional bem como o correcto percurso de vida do arguido.

Sopesando o peso dos factores supra referidos, e considerando as finalidades da pena nos termos enunciados, entende-se com justa retribuição do crime praticado a pena de treze anos de prisão pela prática do crime de homicídio previsto e punido nos termos do artigo 131 do Código Penal praticado pelo arguido AA.

Nestes termos se julga parcialmente procedente o recurso interposto.
Sem custas

Em tal consideração relevaram circunstâncias ligadas á “execução do facto” abrangendo-se a elevada ilicitude deste reflectida nas quantidades apreendidas.

A culpa é intensa e exprime-se através do dolo directo. A opção desvaliosa do recorrente em termos de percurso de vida exprime-se através de um acto que assume uma dimensão elevada em termos de ilicitude.
A confissão foi devidamente valorada.
Pode-se, assim, concluir que não existe qualquer motivo que nos leve a colocar em crise a decisão recorrida sendo certo que quer em relação ao arguido quer aos co-arguidos o Tribunal de primeira instância agiu com uma criteriosa benevolência


Assim sendo, encontrando-se correctamente definidos os parâmetros dentro dos quais tem lugar a fixação da medida concreta da pena não se vislumbra qualquer razão para, no que concerne, colocar em causa a decisão recorrida no que concerne á pena aplicada.

Termos em que decidem os Juízes que integram a 3ª Secção deste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso interposto
Custas pelo recorrente
Taxa de Justiça 6 UC

Supremo Tribunal de Justiça, 18 de Maio de 2011
Santos Cabral (relator)
Oliveira Mendes