Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | SILVA FLOR | ||
Descritores: | RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA REJEIÇÃO DE RECURSO CONCURSO DE INFRACÇÕES | ||
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Nº do Documento: | SJ200310150018703 | ||
Data do Acordão: | 10/15/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | 3 V CR LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 55/00 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
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Sumário : | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Na 3.ª Vara Criminal de Lisboa, em processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, foram pronunciados os arguidos: A, casada, nascida em 22/10/58, em Lisboa, filha de B e de C, residente no Casal do Pinto à Picheleira, Rua ..., nº ..., em Lisboa, actualmente detida no Estabelecimento Prisional de Tires; D, solteiro, nascido em 03/10/970, em Angola, filho de E e de F, residente na Rua do Sol a Chelas, ...., em Lisboa, actualmente detido no Estabelecimento Prisional do Linhó; G, casado, agente da PSP, nascido em 30/10/68, em S. Sebastião da Pedreira, Lisboa, filho de H e de I, residente na Urbanização Cabeço da Fonte, ...,..., Algueirão, Mem Martins; J, casado, subchefe da PSP, nascido em 16/06/63, em Carrazedo de Montenegro, Valpaços, filho de L e de M, residente na Rua Heróis de Mucaba, nº ..., Santa Cruz, Chaves; e N, divorciada, empregada de balcão, nascida em 3/8/70, na freguesia de Campo Grande, Lisboa, filha de O e de C, residente no Casal do Pinto à Picheleira, ...., Lisboa, pela prática, a primeira, como co-autora de um crime de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos, p.p. pelos artºs 23º, nº 1 e 24º, alínea c), ambos do DL 15/93 de 22/01, um crime de corrupção activa, p. e p. pelo artº 423º, nº 1 e 420º nº 1, ambos do Código Penal de 1982 e 374º nº 1 do Cód. Penal revisto, e um crime de fraude fiscal, p.p. pelo artigo 23º, nºs 1 e 2, alíneas a) e c), 3 als. a), b) e 4 do DL 20-A/90 de 15/01, com a redacção introduzida pelo DL 394/93 de 24/11; o segundo, como co-autor de um crime de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos, p. e p. pelos artºs 23º, nº1 e 24º alínea c) do DL 15/93 de 22/01 e um crime de corrupção activa, p. e p. pelos artºs 423º nº 1 e 420º nº 1 do Cód. Penal de 1982 e 374º nº1 do Cód.Penal revisto, o terceiro, como cúmplice de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artºs 21º, nº1 e 24º, alínea d) do DL 15/93 de 22/01, 27º nºs 1, 2, 74º do Código Penal de 1982 e 27º nºs 1, 2 e 73º do Cód. Penal revisto, como co-autor de um crime de corrupção passiva, p. e p. pelo artº 420º nº 1 do Cód. Penal de 1982 e 372º nº1 do Cód. Penal revisto; o quarto, como cúmplice de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 21º, nº1 e 24º, alínea d) do DL 15/93 de 22/01, 27º nºs 1,2, 74º do Cód. Penal de 1982, 27º nºs 1, 2 e 73º do Cód. Penal revisto, como co-autor de um crime de corrupção passiva, p. e p. pelo artº 420º nº 1 do Cód. Penal de 1982 e 372º nº 1 do Cód. Penal revisto e de um crime de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos, p. e p. pelos artºs 23º, nº 1, alínea a) e 24º, alíneas c) e d) do DL 15/93 de 22/01, e um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo artº 23º, nºs 1 e 2, alíneas a) e c), 3 a) e b) e 4 do DL 20-A/90 de 15/01, com a redacção introduzida pelo DL 394/93 de 24/11; a quinta, como co-autora, de um crime de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos, p. p. pelos artºs 23º, nº1, alínea a) e 24º, alínea c) do DL 15/93 de 22/01. Realizado o julgamento foram os arguidos D, G e N absolvidos da prática dos crimes que lhes eram imputados. A arguida A foi condenada pela prática de um crime de fraude fiscal p.p. pelo artº 23º nºs 1 e 2 al. c) e 4 do Dec. Lei 20-A/90 de 15/1, na redacção dada pelo Dec. Lei 394/93 de 24/11, com referência ao artº 33º § 2º do Cód. do Imposto da Sisa (Dec. Lei 41 969), na redacção dada pela Lei 39-B/94 de 27/12, na pena de 2 (dois) meses de prisão, pena essa que foi declarada integralmente perdoada ao abrigo do disposto no artº 1º nº 1 da Lei 29/99 de 12/5, sob a condição resolutiva do artº 4º da mesma Lei. O arguido J foi condenado: pela prática de um crime de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos, p.p. pelos artºs 23º, nº 1 al. c) e 24º alínea d) do DL 15/93 de 22/01, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão e na interdição do exercício das suas funções policiais pelo período de 3 (três) anos - artº 100º do Cód. Penal; e pela prática de um crime de fraude fiscal p.p. pelo artº 23º nºs 1 e 2 al. c) e 4 do Dec. Lei 20-A/90 de 15/1, na redacção dada pelo Dec. Lei 394/93 de 24/11, com referência ao artº 33º § 2º do Cód. do Imposto da Sisa (Dec. Lei 41 969), na redacção dada pela Lei 39-B/94 de 27/12, na pena de 2 (dois) meses de prisão, pena essa que se declara integralmente perdoada ao abrigo do disposto no artº 1º nº 1 da Lei 29/99 de 12/5, sob a condição resolutiva do artº 4º da mesma Lei. II. Inconformado com a condenação na pena de 2 anos e 9 meses de prisão e de interdição das suas funções policiais pelo período de três anos, o arguido J recorreu dessa parte do acórdão para o Tribunal da Relação de Lisboa. Este Tribunal, por acórdão de 30-01-2003, rejeitou o recurso por manifesta improcedência, nos termos do artigo 420.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. De novo inconformado, o arguido J recorre para este Supremo Tribunal, formulando na motivação do recurso as seguintes conclusões: 1 - O acórdão recorrido rejeitou o recurso por manifesta improcedência do mesmo, nos termos do artigo 420.º do Código de Processo Penal; 2 - Acontece que uma leitura atenta do acórdão revela que afinal houve julgamento, mas de forma eufemística, já que ao longo das Fls. 8 a 20 o tribunal da relação julgou, não se limitando a sumariar os motivos da rejeição; 3 - Porém, ao fazê-lo o tribunal da relação não deu ao recorrente as garantias de defesa que a fase de julgamento do recurso deve dar; 4 - Por outra via, ao expressamente dizer que não julgou o recurso o tribunal "a quo" faz enfermar do vício de omissão de pronúncia o acórdão recorrido, vício previsto no art° 379° n° 1 al. c) do CPP, vício que se argui; 5- O acórdão da Relação sofre, também, dos mesmos vícios imputados ao acórdão do tribunal de 1ª instância, na medida em que é violada a norma do art° 374° n° 2 do CPP, o que gera nulidade por força do art° 379° n° 1 al. a) do CPP; 6 - Isto porque esses acórdãos não fundamentam suficientemente as razões de facto e de direito, nem indicam a prova em que se poderiam basear para julgar que o recorrente sabia que a Deolinda era traficante de droga; 7 - "A", na data do negócio não estava presa, não tinha antecedentes criminais, e o recorrente como polícia não podia julgar que ela era traficante, não podia ter a certeza, nem tinha competência para julgar tal, na medida em que a A gozava da presunção de inocência, direito fundamental que todos os cidadãos têm que observar, por força do disposto no art. 32º nº 1 da CRP; 8 - Por outra via, o recorrente, como polícia, tinha um dever acrescido de observar esse direito, por força da lei especial que rege e regia os polícias da PSP, designadamente da norma do art° 2° n° 2 al.(?) da Lei 5/99, de 27/1, que tinha norma homóloga na lei orgânica da PSP vigente na data, que salvo erro era o 321/94, de 29/12; 9 - Por outro lado, os acórdãos da 1ª instância e da Relação partem do princípio de que o recorrente residia na zona de Lisboa, na data do negócio, mas da prova documental junta aos autos, emitida pela Junta de Freguesia, pela PSP, resultava que residia na zona de Chaves; 10 - Mais, por força do art° 87° do C.Civil o recorrente tinha que ter domicílio na área da sua actividade, logo na zona de Chaves; 11 - É verdade que uma coisa é o domicílio e outra a residência, mas aqui temos que ter em atenção que o Tribunal tem obrigação de saber que um sub-chefe da PSP apenas tem uma folga semanal, por força dos regulamentos da PSP, que é direito administrativo em sentido material, e que tendo ele passado a trabalhar na zona da sua terra, em Chaves, existindo prova de que ele ali ficou a residir, que a venda do imóvel teve origem nessa manifestação de vontade, as regras da experiência dizem-nos que sendo Chaves longe de Lisboa, era impossível um homem ter apenas um dia de folga semanal e passá-lo na estrada de Chaves para Lisboa e vice versa; 12 - O princípio da livre apreciação da prova não permite ao tribunal concluir e julgar de forma a que resulte o contrário do que o devir social impõe; 13- O acórdão recorrido sofre dos vícios de nulidade previstos nos art°s 374°, n° 2, 379° n° 1 al. a) e c), 410° n° 2, viola ainda as normas dos art°s 97° n ° 4 e 127° e 420°, do CPP, bem como as normas dos art°s 18° e 32° n° 1 e 2 da CRP, e a norma do art° 6° n° 1 da CEDH, vícios que se arguem para todos os efeitos legais; 14- O tribunal "a quo" viola ainda a norma do art° 87° do C.Civil; 15 - Por outro lado, a norma do art° 420° do CPP é materialmente inconstitucional, por violação da norma do art° 32° n° 1 da CRP, se interpretada - como o tribunal "a quo" interpretou - no sentido de poder haver rejeição do recurso quando são arguidas as nulidades dos art°s 410° n° 2 e 379° do CPP, já que a especificação sumária dos fundamentos não se coaduna com 11 fls. de fundamentação, como é o caso, e ao longo das quais afinal o tribunal "a quo" julga efectivamente, mas sem dar as garantias de que os art°s 411° a 431° do CPP impõem, inconstitucionalidade que expressamente se argui; 16 - O tribunal recorrido interpretou as normas indicadas nas conclusões 13, 14 e 15 no sentido de não se terem verificado as nulidades arguidas e de dever rejeitar o recurso, quando as deveria ter interpretado no sentido de dever julgar e de elas se verificarem. Nestes termos, deve ser julgado nulo o acórdão e em consequência dado provimento ao recurso descendo os autos ao tribunal recorrido para que proceda ao julgamento. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto na Relação de Lisboa, respondendo à motivação do recurso levantou a questão prévia da não admissibilidade do recurso. Também neste Supremo Tribunal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto se pronunciou pela inadmissibilidade do recurso, que por isso deverá ser rejeitado, nos termos dos artigos 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Notificado nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do mesmo Código, o recorrente respondeu, alegando que o recurso não deve ser julgado inadmissível. No exame preliminar o relator tomou posição no sentido de o recurso dever ser rejeitado, por o acórdão da Relação de Lisboa ser irrecorrível. Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. III. Está em causa determinar se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa é recorrível. Nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, são irrecorríveis os acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão da primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções. O crime de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos pelo qual o recorrente foi condenado, é punível, em abstracto, com pena de prisão de 1 ano e 4 meses a 6 anos e 8 meses. O crime de fraude fiscal pelo qual foi também condenado, é punível em abstracto com prisão até 3 anos ou multa não inferior ao valor da vantagem patrimonial, nem superior ao dobro, sem que esta possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido. A pena aplicável ao cúmulo correspondente às duas penas aplicadas, teria como limite máximo 2 anos e 11 meses de prisão artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal. Quando, no âmbito de aplicação do disposto no artigo 400.º, n.º 1.º, alínea f), do Código de Processo Penal, ocorre um concurso de infracções, duas correntes de interpretação se desenham na jurisprudência deste Supremo Tribunal sobre o alcance a atribuir à expressão «mesmo em caso de concurso de infracções». Segundo uma, há que atender apenas às molduras penais correspondentes a cada um dos crimes em concurso. Se qualquer delas não for superior a oito anos de prisão, a decisão é irrecorrível, qualquer que seja a pena aplicada ou aplicável em cúmulo jurídico (Acs. do STJ de 13-02-2003, Proc. n.º 4667/05 5.ª Secção, e de 16-01-2003, Proc. .n.º 4508 5.ª Secção). Segundo outra, tal expressão deve ser entendida como significando que no caso de prática pelo arguido de várias infracções, ainda que cada uma delas não exceda a pena abstracta de oito anos de prisão, se o cúmulo jurídico correspondente exceder essa pena, o recurso é admissível (Acs. do STJ de 2-05-2002, Proc. n.º 220/02-3.ª Secção, e de 25-09-2002, Proc. n.º 168/02, 3.ª Secção). O Prof. Germano Marques da Silva, em Curso de Processo Penal. Vol. III, pg.325, é de opinião que a expressão mesmo em caso de concurso de infracções, usada no referido preceito, parece significar que se há-de atender apenas à pena aplicável a cada um dos crimes em concurso. É este também o nosso entendimento. No caso, porém, quer se atenda à moldura penal correspondente a cada um dos crimes em concurso, quer se atenda à pena máxima que em cúmulo podia ser aplicada 2 anos e 11 meses de prisão a pena a considerar para efeitos daquele preceito do Código de Processo Penal, é sempre inferior a 8 anos de prisão. O acórdão da Relação, se for considerado confirmativo da decisão da primeira instância, é, assim, irrecorrível. E, embora formalmente não seja um acórdão confirmativo na sua parte decisória, já que é de rejeição do recurso interposto da decisão da primeira instância, deve substancialmente considerar-se como tal. Com efeito, o recurso foi rejeitado pela Relação «por manifesta improcedência», nos termos do artigo 420.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Diversamente do que se verifica em relação à rejeição formal, por não verificação dos requisitos prescritos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 412.º ou verificação de causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do artigo 414.º, n.º 2, que obsta ao conhecimento do mérito do recurso, a rejeição substantiva, por manifesta improcedência, nos termos do artigo 420.º, n.º 1, 1.ª parte, pressupõe a apreciação do mérito, mas através de um procedimento muito mais simplificado do que o usual Drs. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, pg. 110. Como tem entendido este Supremo Tribunal, um acórdão que rejeita um recurso deve ser considerado como confirmativo do acórdão recorrido. O instituto da rejeição de um recurso não pode ter outro sentido que não seja o de confirmar, para todos os efeitos legais, a decisão posta em crise, isto é, manter como estava o anterior julgado. Essa manutenção realiza a ideia da dupla conforme. Acórdão deste Supremo Tribunal de 21-11-2002, Proc. n. 3411 5.ª Secção, e jurisprudência nele citada. O acórdão da Relação de Lisboa deve assim ser considerado confirmativo da decisão da primeira instância. O despacho que na Relação admitiu o recurso não vincula o tribunal superior artigo 414.º, n.º 3, do Código de Processo Penal. Em conclusão: sendo o acórdão da Relação de Lisboa, ora posto em crise, irrecorrível, não pode ser admitido artigo 414.º, n.º 2 , devendo ser rejeitado artigo 420.º, n.º 1, 1.ª parte. III. Nestes termos, acordam em rejeitar o recurso interposto por J. Custas pelo recorrente, com 5 UCs de taxa de justiça, a que acresce a sanção de 4 Ucs nos termos do n.º 4 do artigo 420.º do Código de Processo Penal. Lisboa, 15 de Outubro de 2003 Silva Flor Soreto de Barros Armindo Luís |