Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
039427
Nº Convencional: JSTJ00022768
Relator: MENDES PINTO
Descritores: EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
SENTENÇA
TRÂNSITO EM JULGADO
INIMPUTABILIDADE
RÉU
DOENÇA MENTAL
Nº do Documento: SJ198804270394273
Data do Acordão: 04/27/1988
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: AUTORIZADA A REVISÃO.
Área Temática: DIR PROC PENAL.
Legislação Nacional: CPP29 ARTIGO 673 N4 N5.
Sumário : Enquadra-se no n. 4 do artigo 673 do Código de Processo Penal, a hipótese de, durante a execução da pena, se terem levantado suspeitas sob o estado mental do réu, confirmada por sentença transitada em julgado que o declarou inimputável para o crime por que foi condenado.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo tribunal de Justiça:
O réu A, com os sinais dos autos, foi condenado por sentença transitada em julgado poferida pelo Tribunal da comarca de Vila do Conde e pela prática do crime previsto e punido pelo artigo 277 do Código Penal.
Durante a execução da pena levantaram-se suspeitas sobre o seu estado mental, e, realizado o seu exame médico-forense, foi proferida sentença, também transitada em julgado - folhas 18 do apenso do incidente de alienação mental - que o declarou inimputável para o crime por que foi condenado.
Com tais fundamentos e considerando que se durante a audiência de julgamento houvesse conhecimento do estado mental do réu à data da prática dos factos que lhe foram imputados, teria o mesmo sido julgado irresponsável pelo crime e absolvido da pena, requereu o Digno Agente do Ministério Público dessa comarca revisão daquela primeira sentença.
Remetidos os autos a este Supremo Tribunal, aqui o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu douto parecer de folhas 6 no sentido de dever ser autorizada a revisão.
Corridos os vistos legais, vêm agora os autos para decidir.
E decidindo:
Vem, pois, requerida a revisão da sentença condenatória do réu A com fundamento no n. 5 do artigo 673 do Código de Processo Penal e, tendo-se levantado suspeitas durante a execução da pena em que havia sido condenado, ter ele vindo a ser declarado inimputável para o crime por que fora condenado.
Efectivamente, o exame médico-forense a que ele foi submetido e cujo relatório consta de folhas 13 dos autos apensos, devidamente aprovado pelo Conselho Médico-Legal - folhas 17 do mesmo apenso - concluiu que o "réu sofre de doença psiquiátrica de evolução prolongada (psicose dissociativa); que é inimputável para o crime em questão; que não oferece perigosidade imediata e que justifica tratamento regular e frequente".
E a folhas 18 do apontado apenso foi decidido com trânsito em julgado que o réu é inimputável para o crime por que foi condenado.
Do exposto resulta a irresponsabilidade do mesmo réu com referência a esse crime e a legalidade da requerida revisão.
Só que, como se disse acima, o Digno requerente apoia-se no n. 5 do aludido normativo, cuja doutrina parece não se adequar à hipótese vertente.
Na verdade dispõe ele que poderá ser revista uma sentença com trânsito em julgado, "quando, por exame médico-forense feito em qualquer réu que esteja cumprindo pena e, por quaisquer outras diligências necessárias, se mostrar que a sua falta de integridade mental poderia ter determinado a irresponsabilidade pela infracção por que foi condenado".
Ora este comando, em perfeita consonância com o disposto pelo artigo 131 do mesmo Código e até com muito ligeiras diferenças de formulação, estabelece dois pressupostos da sua aplicabilidade: a) - a suspeita, durante o cumprimento da pena, da ausência de integridade mental por parte do réu; e b) - a possibilidade de ela ter determinado a irresponsabilidade pela qual foi ele condenado.
Acontece que, se no caso sub judice o primeiro pressuposto sem dúvida ocorre - atente-se no ofício do Estabelecimento Prisional do Porto que acompanhou a "Declaração" médica do Hospital Magalhães Lemos daquela cidade - já o mesmo se não dirá do último.
Com efeito, quer o exame médico-forense de folhas 13, nas suas conslusões 1. e 2., quer a decisão do M.mo Juiz de Vila do Conde, a folhas 18, afirmando peremptoriamente a inimputabilidade do réu para o crime em questão, transmudam aquela "possibilidade", aquela falibilidade, em facto seguro e certo, cientificamente verificado, com referência à data do crime.
Deste modo, a perturbação mental do réu constituirá antes um "facto novo", apurado no exame psiquiátrico posteriormente efectuado - muito embora a "declaração" junta a folha 40 do processo principal já se lhe referisse - o qual constitue um "novo elemento de prova", conducente a uma grave presunção da inocência do réu no que respeita à sua imputabilidade, por ser anterior á comissão do crime pelo qual foi condenado, a sua perturbação psíquica, a referida psicose dissociativa a que o laudo pericial atribui uma evolução prolongada.
O que implica o enquadramento da hipótese sub judice não no transcrito n. 5, mas sim no n. 4 do mesmo artigo 673, segundo o qual, "se, no caso de condenação, se descobrirem novos factos ou elementos de prova que, de per si ou combinados com os factos ou provas apreciados no processo, constituam graves presunções da inocência do acusado", poderá a sentença ser revista.
Deste modo, embora com fundamento diverso do invocado,
é de atender o que vem requerido.
Nesta conformidade, decidem autorizar a requerida revisão.
Sem imposto por indevido.
Lisboa, 27 de Abril de 1988.
Mendes Pinto,
Alves Peixoto,
Villa Nova,
Manso Preto,
Pinto Gomes,
Almeida Simões,
José Saraiva,
António Poças,
Barbosa de Almeida,
Vasco Tinoco.