Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
No Círculo Judicial de Portimão, no processo comum nº 364.09.0GESLV do 1º Juízo da comarca de Silves, foram submetidos a julgamento perante tribunal colectivo, os arguidos:
AA, casado, carpinteiro, nascido em 31.01.1977, filho de BB e de CC, natural de Viseu, residente na Rua ........., Lote ...... – ....., em Portimão; e DD, solteiro, pintor da construção civil, nascido em 29.12.1968, filho de EE e de FF, natural de Vila Real de Santo António, residente na Rua ........., ...., ....., em Portimão,
Era-lhes imputada a prática:
- Em co-autoria, de cinco crimes de roubo, pp. e pp. pelo art. 210º, nº 1 do Código Penal, sendo um deles na forma tentada, e de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, alínea b), com referência ao art. 204º, nº 1, alínea b), ambos do Código Penal;
- Por cada um dos arguidos, em autoria material, de um crime de falsidade de declaração, p. e p. pelo art. 359º, nº 2 do Código Penal.
A final, foi proferido acórdão, em 13 de Janeiro de 2010, que, julgando a acusação parcialmente provada, decidiu:
a) Absolver os arguidos AA e DD dos crimes de falsidade de declaração e de dois dos crimes de roubo de que vinham acusados;
b) Condenar o arguido AA, pela prática de quatro crimes de roubo, pp. e pp. pelo art. 210º, nº 1 do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão para cada um desses crimes, e pela prática de um crime de roubo na forma tentada, p. e p. pelos arts. 210º, nº 1, 22º e 23º, todos do Código Penal, na pena de dezoito meses de prisão.
Operando o cúmulo jurídico destas cinco penas, foi o arguido condenado na pena única de seis anos de prisão.
c) Condenar o arguido DD, pela prática de quatro crimes de roubo, pp. e pp. pelo art. 210º, nº 1 do Código Penal, na pena de três anos e quatro meses de prisão para cada um desses crimes, e pela prática de um crime de roubo na forma tentada, p. e p. pelos arts. 210º, nº 1, 22º e 23º, todos do Código Penal, na pena de dois anos de prisão.
Operando o cúmulo jurídico destas cinco penas, foi o arguido condenado na pena única de oito anos de prisão.
Inconformados com tal condenação os arguidos AA e DD interpuseram o presente recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, pugnando:
- O arguido/recorrente AA, pela revogação do acórdão condenatório e pela aplicação de penas parcelares mais baixas (não superiores a 2 anos de prisão por cada um dos crimes de roubo e não superior a 1 ano e 2 meses de prisão pelo crime de roubo na forma tentada) e pela aplicação de uma pena única não superior a 4 anos de prisão, suspensa na sua execução, ainda acompanhada de regime de prova;
- O arguido/recorrente DD, igualmente pela revogação do acórdão condenatório e pela aplicação de penas parcelares mais baixas (não superiores a 2 anos de prisão por cada um dos crimes de roubo e não superior a 1 ano de prisão pelo crime de roubo na forma tentada) e pela aplicação de uma pena única não superior a 5 anos de prisão, suspensa na sua execução, por igual período de tempo.
Recurso do arguido AA:
Na respectiva motivação, formula as seguintes - - - - - - - -
CONCLUSÕES:
A) O presente Recurso vem interposto do douto Acórdão que condenou o Arguido AA como autor de cinco crimes de roubo, um deles na forma tentada, e depois de operado o cúmulo jurídico na pena única de seis anos de prisão;
B) Salvo o devido respeito, entende o ora Recorrente que as Meritíssimas Juízes "a quo" não fizeram uma correcta aplicação do Direito aos factos, nomeadamente quanto à medida das penas aplicadas ao Recorrente, que foram excessivas;
C) Pelo passado criminal do Arguido e pela matéria dada como provada, as penas aplicadas àquele mostram-se bastante elevadas, atento o circunstancialismo em que ocorreram os factos e o não uso de violência por parte do Recorrente;
D) O Recorrente não causou quaisquer danos à integridade corporal de qualquer dos Ofendidos, e os objectos retirados pelos Arguidos foram de valor reduzido;
E) Os Ofendidos não demonstraram medo nem recearam pela sua integridade física, nem foram colocados em situação de não poderem resistir;
F) As penas de prisão aplicadas são excessivas face à culpa do Arguido, aos meios utilizados pelo Arguido e atentos os fins que visam tais penas e as finalidades de prevenção;
G) Atendendo à personalidade do Arguido, às suas condições de vida e à sua conduta na sociedade, as penas de prisão aplicadas mostram-se gravosas, e vão contra a equidade e o próprio fim das penas;
H) As penas de prisão aplicadas ao ora Recorrente, pela prática dos crimes de roubo, não deveriam ter sido superiores a dois anos de prisão por cada um dos crimes;
I) Enquanto a pena de prisão aplicada ao crime de roubo na forma tentada não deveria ter sido superior a um ano e dois meses de prisão;
J) Operando o cúmulo jurídico nos termos referidos no douto Acórdão recorrido, seria adequada a imposição ao ora Recorrente, de uma pena única de quatro anos de prisão;
L) Tal pena de prisão de quatro anos, atendendo o sentido pedagógico e ressocializador da pena, deverá ser suspensa na sua execução;
M) É justa e suficiente para efeitos de exigência de prevenção, a aplicação da pena única de quatro anos, suspensa na sua execução, ainda que acompanhada de regime de prova;
N) Tal pena seria suficiente para atingir os fins da norma incriminadora;
O) O tempo de prisão efectiva já cumprido pelo ora Recorrente, e a ameaça de nova prisão, realizará de forma adequada e suficiente as finalidades da punição;
P) Ao não entender assim, o douto Acórdão recorrido violou o preceituado nos artigos 40°, 50°, 70°, 71° e 210° do Código Penal;
Q) E deve ser alterado por outro que reduza a pena de prisão única aplicada para período não superior a quatro anos de prisão, suspensa na sua execução, ainda que acompanhada de regime de prova.
Respondeu o Exmº Magistrado do MºPº junto do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Silves, pugnando pelo não provimento do recurso e pela manutenção das penas parcelares e única aplicadas.
Na respectiva motivação, alega, em resumo:
Entendemos que não assiste razão ao recorrente, nada havendo a censurar ao douto acórdão condenatório, tanto em termos de apreciação da matéria de facto, quer em termos da integração dessa matéria no tipo de crime em causa, quer em termos de escolha das penas que foram impostas em concreto.
Entendendo-se que o pedido de redução não deverá ser atendido, por nem fundamentado estar.
O recorrente (bem como o co-arguido DD), utilizando de todas as vezes a força e intimidando as pessoas contra as quais agiram, levando-as a terem receio de serem molestadas fisicamente, agiram reiteradamente, conseguindo obter bens que sabiam alheios, actuando em desconformidade com a vontade de tais pessoas, auxiliando-se mutuamente nesse objectivo
É certo que, como se refere na motivação, os bens subtraídos foram de baixo valor. Mas apenas porque as pessoas que abordaram não possuíam mais.
É certo que nunca ameaçaram os ofendidos ao ponto de estes recearem pela vida. Mas conseguiram levar, com a sua actividade, a que receassem pela integridade física (que ofenderam mesmo, impossibilitando as vítimas de se defenderem, quer agarrando-as, quer ameaçando-as com instrumento cortante).
Por outro lado, se nenhum dos ofendidos disse ter receio, essa declaração nem seria necessária - basta ler a descrição dos factos para se concluir no sentido oposto... a não terem receio, não teriam, entregue os bens, ou não teriam deixado que lhos retirassem. Não teriam, sequer, apresentado queixa...
(Quanto a terem os factos ocorrido em locais que, segundo o recorrente, são frequentados por homossexuais, tendo ocorrido na sequência de abordagens sexuais de tal natureza, não pode ser, obviamente, entendido como factor atenuante).
Daqui que nenhum dos argumentos utilizados na motivação de recurso seja, por si só, ou conjugados entre si, possibilitador de se entender nos termos pretendidos.
As condutas do arguido foram graves, sendo necessária uma punição efectiva em termos de prevenção geral (atento o aumento de comportamentos do género) e também em termos de prevenção especial.
É que é preciso não olvidar os antecedentes criminais do arguido, em que releva uma condenação por factos da mesma natureza, com uma pena que ficou suspensa na sua execução.
Daqui que se tenha de considerar (e aqui entramos no pedido de suspensão de execução da pena) que a simples advertência nunca seria suficiente para o afastar da prática de novos ilícitos - como não o foi a anterior pena que ficou suspensa na execução -, não tendo o mesmo interiorizado a gravidade das condutas que leva a cabo (nesse sentido, veja-se que em julgamento nem sequer admitiu os factos, indício revelador dessa postura desconforme com as mais básicas regras de convivência social e de conformação com os direitos dos outros).
Pelo que não merece qualquer censura o douto acórdão recorrido, devendo julgar-se totalmente improcedente o recurso, mantendo-se as penas parcelares e única impostas ao arguido/recorrente AA.
Recurso do arguido DD:
Na sua motivação, formula as seguintes - - - - - - - -
CONCLUSÕES:
A) O presente Recurso vem interposto do douto Acórdão que condenou o Arguido DD, como autor de quatro crimes de roubo, na pena de três anos e quatro meses de Prisão para cada um desses crimes e pela prática de um crime de roubo na forma tentada, na pena de dois anos de prisão.
B) Operando o cúmulo jurídico destas cinco penas, o Arguido foi condenado na pena única de 8 (oito) anos de prisão.
C) Salvo o devido respeito, entende o ora Recorrente que os Meritíssimos Juízes "a quo" não fizeram uma correcta aplicação do direito aos factos, nomeadamente quanto à medida da pena aplicada ao Recorrente.
D) Será necessária a reavaliação da pena aplicada a cada um dos crimes por serem as mesmas inadequadas e desproporcionais, não serve as finalidades de prevenção, tendo ultrapassado a medida da culpa;
E) Os valores roubados foram de valor muito diminuto, não foi usada violência, ameaça ou perigo iminente para a vida, tanto mais que nenhum dos Ofendidos referiu que teve medo ou receio pela sua integridade.
F) O Tribunal "a quo", ao realizar uma interpretação literal tal como é feita no douto Acórdão, limitou-se a aplicar uma medida penal mais gravosa ao ora Recorrente.
G) Apesar de referir que "a Toxicodependência do Arguido foi um estímulo para a prática dos crimes", o Tribunal "a quo" não valorou tal situação.
H) A pena aplicada ao Arguido é excessiva, desproporcional e desadequada, sendo justa e suficiente para efeitos de exigências de prevenção e ressocialização a aplicação de no máximo de 2 (dois) anos de prisão para cada um dos crimes de roubo, bem como a pena aplicada ao crime de roubo na forma tentada, não poderia ser superior a 1 (um) ano de prisão.
I) O que, em cúmulo jurídico, a pena de prisão concreta a aplicar ao Arguido ora Recorrente nunca deveria ser superior a 5 anos de prisão, suspendendo-se a mesma na sua execução por igual período;
J) A ameaça de prisão realizará de forma razoável e justa as finalidades de punição
Respondeu o Exmº Magistrado do MºPº junto do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Silves, pugnando pelo não provimento do recurso e pela manutenção das penas parcelares e única aplicadas.
Na respectiva motivação, alega, em resumo:
Entendemos que não assiste razão ao recorrente, nada havendo a censurar ao douto acórdão condenatório, tanto em termos de apreciação da matéria de facto, quer em termos da integração dessa matéria no tipo de crime em causa, quer em termos de escolha das penas que foram impostas em concreto.
Entendendo-se que o pedido de redução não deverá ser atendido, por nem fundamentado estar.
O recorrente (bem como o co-arguido AA), utilizando de todas as vezes a força e intimidando as pessoas contra as quais agiram, levando-as a terem receio de serem molestadas fisicamente, agiram reiteradamente, conseguindo obter bens que sabiam alheios, actuando em desconformidade com a vontade de tais pessoas, auxiliando-se mutuamente nesse objectivo
É certo que, como se refere na motivação, os bens subtraídos foram de baixo valor. Mas apenas porque as pessoas que abordaram não possuíam mais.
É certo que nunca ameaçaram os ofendidos ao ponto de estes recearem pela vida. Mas conseguiram levar, com a sua actividade, a que receassem pela integridade física (que ofenderam mesmo, impossibilitando as vítimas de se defenderem, quer agarrando-as, quer ameaçando-as com instrumento cortante).
Por outro lado, se nenhum dos ofendidos disse ter receio, essa declaração nem seria necessária - basta ler a descrição dos factos para se concluir no sentido oposto... a não terem receio, não teriam, entregue os bens, ou não teriam deixado que lhos retirassem. Não teriam, sequer, apresentado queixa...
Quanto à toxicodependência do recorrente, que este entende não ter sido valorada, por apenas se ter mencionado ter sido estímulo para a prática dos crimes, lembra-se que no acórdão foi dado como provado que é o próprio arguido que não se preocupa em livrar-se dessa situação.
Na verdade, ficou ali provado que em meio prisional chegou a integrar o grupo terapêutico GRATO, mas que foi excluído por desestabilizar os outros.
Ora, muito embora tenha sido a toxicodependência entendida pelo colectivo como atenuante, possibilidade existia até - e pior seria para o arguido - que tivesse sido valorada em sinal contrário.
Como é sabido, a jurisprudência tem-se dividido quanto a esta matéria, desde a que entende o arguido toxicodependente como um doente, à beira da total inimputabilidade, até à que liga tal dependência à culpa na formação da personalidade, entendendo que não é motivo não só para não diminuir a medida da pena como para a agravar.
Por si só, a toxicodependência não pode levar a uma qualquer cega atenuação das penas, pois que "Considera-se censurável socialmente o consumo de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, desde logo pela quebra de responsabilidade individual de cada cidadão perante os outros".
É que, na verdade, se possível será atender-se à situação de toxicodependência como atenuante quando a conduta criminosa se dirige a actividade de tráfico de estupefacientes, já assim não pode ser aceite quando estão em causa outros crimes, mesmo que relacionados com aquela adição.
Isto porque a lei não visa apenas proteger o delinquente, mas também salvaguardar a posição de todos os cidadãos que podem ser vítimas de crimes.
Mesmo se se entender que o arguido tinha o direito a consumir drogas (1), certo é que esse consumo lesou terceiros, alheios a tal consumo.
Daqui que nunca se possa, num caso como o dos autos, e ao contrário do pretendido pelo recorrente, entender a sua culpa como especialmente atenuada pelo facto de ser consumidor de estupefacientes.
Para mais quando, como se disse atrás, ficou provado que o arguido dessa dependência parece não querer livrar-se ...
Daqui que nenhum dos argumentos utilizados na motivação de recurso seja, por si só, ou conjugados entre si, possibilitador de se entender nos termos pretendidos.
As condutas do arguido foram graves, sendo necessária uma punição efectiva em termos de prevenção geral (atento o aumento de comportamentos do género) e também em termos de prevenção especial.
É que é preciso não olvidar os antecedentes criminais do arguido, em que se contam condenações pela prática de um crime de furto qualificado, tendo sido condenado, por decisão datada de 11.07.1997, na pena de dois anos e três meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos; de crimes de furto qualificado, furto qualificado na forma tentada e roubo, tendo sido condenado, por decisão datada de 30.06.1999, na pena única de dois anos e quatro meses de prisão, de um crime de violência depois da subtracção, tendo sido condenado, por decisão datada de 09.11.2002, na pena de cinco anos e seis meses de prisão, de um crime de furto qualificado, tendo sido condenado, por decisão datada de 16.12.2002, na pena de dezoito meses de prisão, tendo o arguido sido então condenado na pena única de oito anos e seis meses de prisão, tendo saído em liberdade condicional em 14.11.2006.
Mesmo depois de todas estas condenações e de ter cumprido pena de prisão, voltou a delinquir, o que leva a considerar (e aqui entramos no pedido de suspensão de execução da pena) que a simples advertência nunca seria suficiente para o afastar da prática de novos ilícitos, não tendo o mesmo interiorizado a gravidade das condutas que leva a cabo (nesse sentido, veja-se que em julgamento nem sequer admitiu os factos, indício revelador dessa postura desconforme com as mais básicas regras de convivência social e de conformação com os direitos dos outros).
Pelo que não merece qualquer censura o douto acórdão recorrido, devendo julgar-se totalmente improcedente o recurso, mantendo-se as penas parcelares e única impostas ao arguido/recorrente DD.
Remetido o processo a este STJ, o Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu douto e muito bem fundamentado Parecer no sentido de que, deverá negar-se provimento a ambos os recursos, atendendo a que os arguidos usaram de violência; á gravidade objectiva dos ilícitos praticados; á sua reiteração e á sua concentração temporal; ao dolo directo com que actuaram e ás expressivas exigências de prevenção geral.
Acresce que o facto de o arguido DD se ter tornado “heroinómano aos 21 anos” e de o arguido AA ter iniciado o consumo de estupefacientes, com cerca de 18 anos, foi devidamente valorado na decisão recorrida.
Foi cumprido o estatuído no artigo 417º-2 do CPP.
Colhidos os vistos, cumpre conhecer.
As únicas questões suscitadas pelos recorrentes e a decidir são somente as respeitantes à medida das penas parcelares aplicadas e á medida da pena única.
É a seguinte a matéria de facto provada (transcrição):
A – No dia 3 de Maio de 2009, pelas 15 horas, na Rua do Sol, em Portimão, os arguidos, de comum acordo e em comunhão de esforços, abordaram GG e exigiram que o mesmo entregasse tudo o que tivesse de valor, tendo um dos arguidos retirado das mãos de GG um telemóvel e do bolso dos calças um outro telemóvel, enquanto o outro arguido puxou a mochila que trazia ás costas, partindo o fecho, e do seu interior retirou 5 euros.
B – Os arguidos quiseram fazer seus aqueles objectos e dinheiro, conforme fizeram, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade do dono. Para tanto, utilizaram a força para os retirar e de forma a intimidar GG e a causar-lhe receio de vir a ser molestado fisicamente, o que quiseram e conseguiram.
C – No mesmo dia, pelos 16h30m, no Alto do Vau, em Portimão, os arguidos, de comum acordo e em comunhão de esforços, abordaram HH e pediram-lhe dez euros, que o mesmo referiu não ter. De seguida, agarraram os braços de HH e retiraram-lhe dos bolsos das calças a chave do carro e o bilhete de identidade, após o que se introduziram na viatura daquele e conduziram a mesma até junto ao viaduto da V3, onde o abandonaram, tendo retirado do interior da mesma vários documentos do veículo, um cartão de débito e a quantia de 20 euros.
D – Os arguidos quiseram fazer seus aqueles objectos e dinheiro, conforme fizeram, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade do dono. Para tanto, utilizaram a força para os retirar e de forma a intimidar HH e a causar-lhe receio de vir o ser molestado fisicamente, o que quiseram e conseguiram.
E – No dia 11 de Maio de 2009, pelos 18h30m, na Mata de João Arez, em Alvor, os arguidos, de comum acordo e em comunhão de esforços, abordaram II e pediram-lhe dinheiro, que o mesmo referiu não ter, tendo-lhe, de seguida, agarrado e retirado do bolso das calças a chave do carro, após o que abriram o mesmo e do seu interior retiraram um telemóvel, um casaco, um relógio e três cartões (um de crédito e dois de débito).
F – Os arguidos quiseram fazer seus aqueles objectos, conforme fizeram, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que actuavam contra o vontade do dono. Para tanto, utilizaram a força para os retirar e de forma a intimidar II e a causar-lhe receio de vir a ser molestado fisicamente, o que quiseram e conseguiram.
G – No dia 21 de Maio de 2009, pelas 15h15m, na Mata de João Arez, em Alvor, os arguidos, de comum acordo e em comunhão de esforços, abordaram JJ e, com um canivete apontado na direcção do mesmo, exigiram que lhes entregasse o dinheiro que tivesse consigo, tendo de seguida o agarrado pelos braços e retirado dos bolsos das calças a quantia de € 30 e a chave do carro, o qual depois abriram, retirando do seu interior algumas moedas, no valor de cerca de € 1.
H – Os arguidos quiseram fazer seus aqueles objectos e quantia, conforme fizeram, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade do dono. Para tanto, utilizaram o canivete de forma a intimidar JJ e a força física para os retirar, causando a este receio de vir a ser molestado fisicamente, o que quiseram e conseguiram.
I – No dia 30 de Maio de 2009, pelas 14h30m, na Praia Grande, em Armação de Pêra, os arguidos, de comum acordo e em comunhão de esforços, aproximaram-se de KK pelas costas, tendo o arguido AA agarrado os braços deste, imobilizando-o com os braços atrás das costas, após o que o arguido DD lhe retirou dos bolsos das calças um telemóvel, as chaves do carro e um cartão de débito.
J – De seguida, levaram KK até junto do respectivo veículo e obrigaram este a conduzir a viatura até Armação de Pêra para aí fazerem levantamentos monetários com o cartão de débito, o que só não concretizaram por, entretanto, ter surgido uma patrulha da Guarda Nacional Republicana.
L – Os arguidos quiseram fazer seus aqueles objectos, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade do dono, o que só não lograram devido a circunstâncias alheias à sua vontade. Para tanto, quiseram molestar fisicamente KK, causando-lhe arranhões e contusões no braço direito, de forma a forçá-lo à entrega dos mesmos, conforme aconteceu.
M – Todos os referidos objectos foram recuperados e entregues.
N – Em todas as situações descritas os arguidos agiram concertada, livre, deliberada e conscientes de serem as suas condutas proibidas.
O – No dia 1 de Junho de 2009, no Tribunal Judicial de Portimão os arguidos foram sujeitos a interrogatório perante o Mmº Juiz de Instrução Criminal no âmbito dos presentes autos.
P – Nesta diligência foram advertidos de que eram obrigados a responder com verdade quanto aos seus antecedentes criminais, sendo-lhes perguntado se já tinham sido condenados criminalmente, por que crimes e se á tinham estado presos.
Q – Nessa sequência a arguido DD referiu ter estado preso durante 5 anos pela prática de dois crimes de furto a residência.
R – Tal declaração não correspondia à verdade porquanto havia sido condenado, para além dos dois crimes de furto referidos, pela prática de um crime de roubo e um crime de violência após a subtracção.
S – Também o arguido AA referiu, na sequência da advertência judicial, que estivera preso preventivamente, mas fora absolvido.
T – Tal declaração não correspondia à verdade porquanto havia sido condenado pela prática dos crimes de detenção de arma proibida, falsificação de documento, roubo e falsidade de testemunho, tendo sido condenado em pena de prisão que ficou suspensa na sua execução.
U – Ao prestarem tais declarações, ambos os arguidos agiram de forma livre e deliberada.
Provou-se ainda que:
V – O arguido AA, de 32 anos de idade, é casado e tem dois filhos menores. O agregado reside em casa arrendada. Originário de uma família de condição social mediana, frequentou o sistema escolar, de forma desmotivada, até concluir o 6º ano de escolaridade. Iniciou, então, actividade profissional numa oficina de mecânica e, posteriormente, transitou para a área de carpintaria de limpos; à data dos factos encontrava-se desempregado havia cerca de 3 meses, recebendo subsídio de desemprego, tendo no período anterior trabalhado na montagem de cozinhas. Com cerca de 18 anos iniciou o consumo de estupefacientes, designadamente, heroína e cocaína; integrou o programa de metadona no CAT de Portimão, onde mantinha acompanhamento psicoterapêutico. Em meio prisional optou por abandonar o tratamento de metadona. Beneficia de suporte afectivo quer da família constituída, quer da família de origem.
X – Este arguido foi julgado no processo nº 50/2000, do 1º juízo do T.J. de Viseu, pela prática, em 05.07.1999, de um crime de detenção de arma proibida, tendo sido condenado, por decisão datada de 09.05.2000, na pena de 100 dias de multa, desde logo considerada integralmente cumprida; foi também julgado no processo nº 76/98.9PEVIS, do 1º juízo criminal de Viseu, pela prática, em 24.03.1999, de um crime de falsificação de documento e de um crime de roubo na forma tentada, tendo sido condenado, por decisão datada de 17.01.2005, na pena única de 24 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos; finalmente, foi julgado no processo nº 1046/02.0TAVIS, do 2º juízo criminal de Viseu, pela prática, em 17.09.2002, de um crime de falsidade de testemunho, tendo sido condenado, por decisão datada de 09.05.2006, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 5,00.
Z – O arguido DD, de 41 anos de idade, é solteiro. Tem, como habilitações literárias, o 4º ano de escolaridade. Iniciou os consumos de estupefacientes por volta dos 18 anos de idade, tornando-se heroinómano aos 21 anos; aquando da última saída da prisão, em Novembro de 2006, era um indivíduo sem recursos, necessitando da intervenção da rede social secundária a vários níveis; foi beneficiário do rendimento social de inserção e careceu de apoio social para alojamento e alimentação – manifestou, então, uma postura activa e empenhada em melhorar as condições de vida; manteve um relacionamento marital com uma agente da PSP de Portimão entre Outubro de 2007 e Abril de 2009, o qual veio a terminar por iniciativa da companheira; no contacto directo, o arguido revela uma atitude extrovertida e auto-confiante, defendendo-se através de uma imagem sobrevalorizada de si próprio, mostrando-se pouco autêntico, com um estilo comunicacional tendencialmente manipulativo; em meio prisional chegou a integrar o grupo terapêutico do GATO, mas foi excluído por desestabilizar os outros; encontra-se actualmente inactivo; não conta com apoio familiar no exterior.
AA – Este arguido foi julgado: i) no processo nº 43/97, do 2º juízo do extinto Tribunal de Círculo de Portimão, pela prática, em 16.01.1996, de um crime de furto qualificado, tendo sido condenado, por decisão datada de 11.07.1997, na pena de dois anos e três meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos; ii) no processo nº 58/99, do 1º juízo do extinto Tribunal de Círculo de Portimão, pela prática, em 30.12.1998, de crimes de furto qualificado, furto qualificado na forma tentada e roubo, tendo sido condenado, por decisão datada de 30.06.1999, na pena única de dois anos e quatro meses de prisão; iii) no processo nº 195/02.9GEPTM, do 1º juízo criminal de Portimão, pela prática, em 09.05.2002, de um crime de violência depois da subtracção, tendo sido condenado, por decisão datada de 09.11.2002, na pena de cinco anos e seis meses de prisão; iv) no processo nº 400/94.3TAPTM, do 2º juízo criminal de Portimão, pela prática, em 02.11.1993, de um crime de furto qualificado, tendo sido condenado, por decisão datada de 16.12.2002, na pena de dezoito meses de prisão; neste processo foi efectuado cúmulo com as penas aplicadas nos processos nºs 481/99.3TBPTM, 195/02.9GEPTM e 790/98.9GDPTM, tendo o arguido sido condenado na pena única de oito anos e seis meses de prisão; o arguido saiu em liberdade condicional em 14.11.2006.
Os Factos e o Direito:
As questões suscitadas pelos recorrentes e a decidir são, como atrás de disse, as respeitantes à medida das penas parcelares e única.
Diga-se, antes do mais, que estando embora em causa, no caso em apreço, penas singulares inferiores a 5 anos de prisão, temos entendido que o recurso para este STJ é, neste caso, admissível, face ao estatuído no artigo 432º-1-c) do CPP.
Na verdade, nos termos deste preceito, “Recorre-se para o STJ de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito”.
No caso, o recurso visa exclusivamente o reexame de matéria de direito: a medida das penas aplicadas.
E a decisão recorrida é um acórdão do tribunal colectivo, sendo que as penas únicas aplicadas foram de 6 anos de prisão (quanto ao arguido AA) e 8 anos de prisão (quanto ao arguido DD).
Assim sendo, se não se admitisse o recurso relativamente ás penas parcelares, estar-se-ia a privar os arguidos do direito ao recurso, direito esse constitucionalmente garantido e consagrado.
Daí que os recursos sejam admissíveis, como atrás se disse.
Prosseguindo:
Como é sabido e resulta claro do estatuído no artigo 434º do CPP, o recurso para este Supremo Tribunal é restrito á matéria de direito, embora o STJ possa conhecer dos vícios do artigo 410º-2 do CPP por iniciativa própria, para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto claramente insuficiente, ou fundada em erro de apreciação ou assente em premissas contraditórias, detectadas por iniciativa do STJ, ou seja, se concluir que, por força da existência de qualquer daqueles vícios, não pode chegar a uma correcta solução de direito e devendo sempre o conhecimento oficioso ser encarado como excepcional, surgindo como último remédio contra tais vícios.
Ora, da análise do acórdão recorrido, do respectivo texto, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum e sem recurso a quaisquer elementos externos ou exteriores ao mesmo (designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo, designadamente em julgamento ou, como diz Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, III, pág. 339 “ … vedada a consulta a outros elementos do processo, nem é possível a consideração de quaisquer outros elementos que lhe sejam externos. É que o recurso tem por objecto a decisão recorrida e não a questão sobre que incidiu a decisão recorrida. …”) não se indicia a existência de qualquer um daqueles vícios.
Assim, a matéria de facto fixada pela instância está definitivamente assente.
Por outro lado, como decorre do artigo 412º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo(s) recorrente(s) na respectiva motivação apresentada, em que resume(m) as razões do(s) pedido(s), que se define o âmbito do(s) recurso(s).
É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões (exceptuadas as questões de conhecimento oficioso).
Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal - acórdão do Plenário da Secção Criminal, de 19-10-1995, no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no DR, I Série - A, nº 298, de 28-12-1995 (e BMJ 450, 72), que fixou jurisprudência então obrigatória (É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito) e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379º, nº 2 e 410º, nº 3, do CPP - é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido (artigo 412º, nº 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.
Cumpre, então, agora apreciar e decidir as questões suscitadas nestes recursos e atrás enunciadas, ou seja, a medida das penas parcelares e única.
Pretendem ambos os recorrentes que lhe sejam aplicadas pena parcelares mais baixas e o recorrente AA, uma pena única que não exceda os 4 anos de prisão e que seja decretada a suspensão da execução da mesma, se necessário acompanhada de regime de prova; e o recorrente DD, uma pena única que não exceda os 5 anos de prisão e que seja decretada a suspensão da execução da mesma por igual período de tempo.
Ambos os recorrentes alicerçam aqueles pedidos de redução das penas, em resumo, no facto de, em seu entender, as penas aplicadas terem ultrapassado a medida da culpa, não servindo as finalidades de prevenção porquanto os valores roubados foram de valor diminuto; não foi usada violência, ameaça ou perigo eminente para a vida dos ofendidos; e nenhum dos ofendidos referiu que teve medo ou receio pela sua integridade.
E o arguido/recorrente DD alega, além disso, que não foi valorada a (sua) toxicodependência.
Quid juris?
Medida das penas parcelares:
No domínio da versão originária do Código Penal de 1982, uma parte da jurisprudência referindo apoiar-se na posição do Prof. Eduardo Correia (Actas das Sessões, pág. 20) segundo a qual o procedimento normal e correcto dos juízes na determinação da pena concreta, em face do novo Código, seria o de utilizar, como ponto de partida, a média entre os limites mínimo e máximo da pena correspondente, em abstracto, ao crime, adoptou tal orientação, considerando-se em seguida as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depusessem a favor do agente ou contra ele.
(Neste sentido, cfr. os acórdãos de 13-07-1983, BMJ 329, 396; de 15-02-1984, BMJ 334, 274; de 26-04-1984, BMJ 336, 331; de 19-12-1984, BMJ 342, 233; de 11-11-1987, BMJ 371, 226; de 19-12-1994, BMJ 342, 233; de 10-01-1987, processo n.º 38627 - 3ª, Tribuna da Justiça, nº 26; de 11-11-1987, BMJ 371, 226; de 11-05-1988, processo n.º 39401 - 3ª, Tribuna da Justiça, nºs 41/42).
Contra este entendimento pronunciou-se Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, § 277, págs. 210/211.
A refutação de tal critério foi feita por Carmona da Mota, in Tribuna da Justiça, nº 6, Junho 1985, págs. 8/9 e Alfredo Gaspar, em anotação ao acórdão de 02-05-1985, in Tribuna da Justiça, nº 7, págs. 11 e 13, dando-se conta em ambos os casos que a primeira decisão em que se verificou uma inflexão na jurisprudência foi o acórdão da Relação de Coimbra de 09-11-1983, CJ 1983, tomo 5, pág. 73.
Posteriormente, ainda antes de 1995, partindo da ideia de que a culpa é a medida que a pena não pode ultrapassar, nem mesmo lançando apelo às necessidades de prevenção, mesmo que acentuadas, começou a considerar-se não ser correcto partir-se dum ponto médio dos limites da moldura penal para a agravação ou atenuação consoante o peso relativo das respectivas circunstâncias, como vinha sendo entendido, salientando-se que a determinação da medida da pena não depende de critérios aritméticos.
(Neste sentido, cfr. os acórdãos de 16-12-1986, BMJ 362, 359; de 25-11-1987, BMJ 371, 255; de 22-02-1989, BMJ 384, 552; de 09-06-1993, BMJ 428, 284).
E no acórdão de 27-02-1991, A. J., nº 15/16, pág. 9 (citado no acórdão de 15-02-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 216), decidiu-se que na fixação concreta da pena não deve partir-se da média entre os limites mínimo e máximo da pena abstracta. A determinação concreta há-de resultar de a adaptar a cada caso concreto, liberdade que o julgador deve usar com prudência e equilíbrio, dentro dos cânones jurisprudenciais e da experiência, no exercício do que verdadeiramente é a arte de julgar.
Definindo o papel que cabe à culpa na determinação concreta da pena, nos termos da teoria da margem de liberdade (Claus Roxin, Culpabilidade y Prevención en Derecho Penal, 94 -113) é ele o seguinte: a pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa), limites esses que são determinados em função da culpa do agente e aí intervindo dentro desses limites os outros fins das penas (as exigências da prevenção geral e da prevenção especial), referido no Ac. STJ in Processo nº 8523.06.1, desta 3ª Secção.
A partir de 1 de Outubro de 1995 passou a entender-se que a pena servia finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel limitador da pena.
Figueiredo Dias, em Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, no tema Fundamento, Sentido e Finalidades da Pena Criminal, págs. 65 a 111, diz que o legislador de 1995 assumiu, precipitando no artigo 40º do CP, os princípios ínsitos no artigo 18º, nº 2 da CRP, (princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso) e o percurso doutrinário, resumindo assim a teoria penal defendida:
1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial.
2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa.
3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.
4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.
Américo Taipa de Carvalho, em Prevenção, Culpa e Pena, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 322, afirma resultar do actual artigo 40º que o fundamento legitimador da aplicação de uma pena é a prevenção, geral e especial, e que a culpa do infractor apenas desempenha o (importante) papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite máximo da pena a aplicar por maiores que sejam as exigências sociais de prevenção.
Está subjacente ao artigo 40º uma concepção preventivo-ética da pena.
Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção;
Ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa.
A terceira alteração ao Código Penal operada pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte, estabeleceu que os princípios que deviam presidir à determinação da pena, eram os da necessidade, proporcionalidade e adequação.
E, no artigo 40º estabeleceu-se que a finalidade das penas e medidas de segurança é «a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», ou seja, a reinserção social do agente do crime.
Apesar disso e como se refere no preâmbulo do citado DL 48/95, com tal reforma o legislador não prescindiu de oferecer aos tribunais critérios seguros e objectivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa, dispondo o nº 2 que «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».
Em conformidade com estes princípios preceitua o artigo 71º, n.º 1 do CP, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”; o n.º 2 enumera, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena; e o n.º 3, estatui que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, “injunção com concretização adjectiva no artigo 375º, nº 1 do CPP, ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada. (Em sede de processo decisório, a regulamentação respeitante à determinação da pena tem tratamento autónomo relativamente à questão da determinação da culpabilidade, sendo esta tratada no artigo 368º, e aquela prevista no artigo 369º, com eventual apelo aos artigos 370º e 371º do CPP)” – cfr. Ac. STJ in Processo nº 8523.06.1, desta 3ª Secção, supra citado e que seguimos de perto.
Para o efeito de determinação da medida concreta que vai aplicar o juiz serve-se do critério geral contido naquele artigo 71º do Código Penal (cuja redacção – e também a do artigo 40º - se manteve inalterada com a Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro), estando vinculado ao critério ali estabelecido.
Como se refere no acórdão de 28-09-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173, na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
Acatados e respeitados estes critérios de determinação concreta da medida da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável.
O referido dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação tem por finalidade tornar possível o controlo - total no caso dos tribunais de relação e limitado às «questões de direito» no caso do STJ, ou mesmo das relações quando se tenha renunciado ao recurso em matéria de facto – da decisão sobre a determinação da pena.
Estando o conhecimento - em recurso de revista - limitado a matéria de direito, coloca-se a questão da controlabilidade da determinação da pena nesta sede.
Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, págs. 217/8, defende que a questão da determinação da espécie e da medida da sanção criminal redunda numa verdadeira questão de direito.
Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, págs. 196/7, § 255, depois de referir que existe uma tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é susceptível de revista, afirma estarem todos de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda estar plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e relativamente à determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, esta será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.
Ainda de acordo com o mesmo Professor, nas Lições ao 5º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, págs. 279 e seguintes: «Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo de medida (sentido estrito ou de «determinação concreta») da pena.
As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena».
Anabela Miranda Rodrigues, O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, nº 2, Abril/Junho de 2002, págs. 147 e ss., como proposta de solução defende que a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Adianta que “é o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – protecção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada - que justifica que se fale de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exacta, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (óptima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral”.
Apresenta três proposições em jeito de conclusões e da seguinte forma sintética:
“Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”.
E finaliza, afirmando: “É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente” – cfr. Ac STJ cfr. Ac. STJ in Processo nº 8523.06.1, desta 3ª Secção, supra citado e que, como se disse, vimos seguindo de perto.
Quanto ao controle da fixação concreta da pena a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça tem de ser necessariamente “parcimoniosa”, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”.
(Neste sentido cfr. acórdãos do STJ de 04-07-2007, processo n.º 1775/07 - 3ª; de 17-10-2007, processo n.º 3321/07 - 3ª; de 10-01-2008, processo n.º 907/07 - 5ª; de 16-01-2008, processo n.º 4571/07 - 3ª; de 20-02-2008, processos n.ºs 4639/07 - 3ª e 4832/07-3ª; de 05-03-2008, processo n.º 437/08 - 3ª; de 02-04-2008, processo n.º 4730/07 - 3ª; de 03-04-2008, processo n.º 3228/07 - 5ª; de 09-04-2008, processo n.º 1491/07 - 5ª e processo n.º 999/08-3ª; de 17-04-2008, processos n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 - 3ª; de 21-05-2008, processos n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5ª secção; de 29-05-2008, processo n.º 1001/08 - 5ª; de 03-09-2008 no processo n.º 3982/07-3ª; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08 - 3ª; de 08-10-2008, nos processos n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3ª secção; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 - 3ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08-3ª; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08-3ª).
As penas, embora devam ter um sentido pedagógico e ressocializador, são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime, e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal” (cfr. Acs. STJ de 10.04.96 in CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 168; de 17-09-1997 in processo n.º 624/97-3ª; e de 20-05-1998, processo n.º 370/98-3ª, este publicado na CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 205 e BMJ 477, 124
Como se refere no acórdão do STJ de 22-09-2004, in processo n.º 1636/04-3ª, in ASTJ, n.º 83: “a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível”.
Feita esta incursão pela doutrina e jurisprudência, vejamos então se, no caso em apreço, é de manter ou reduzir a pena aplicada pelo crime de tráfico de estupefacientes.
Sobre esta questão deve dizer-se desde já que, tendo em conta os parâmetros legais de determinação da medida concreta da pena e as molduras penais abstractamente aplicáveis e ainda todas as circunstâncias relevantes para a determinação da medida concreta daquela (artigos 40º-1 e 2 e 71º-1 e 2, do C. Penal), as penas parcelares aplicadas e a pena aplicada em cúmulo, afiguram-se algo excessivas, justificando-se uma ligeira redução, como veremos.
Voltando ao caso em apreço, importa, desde logo, ter em atenção a moldura penal correspondente aos crimes praticados pelos arguidos/recorrentes (tendo-se em atenção que não é posta em causa no recurso, nem a qualificação jurídica dos factos provados nem a opção feita na decisão recorrida, de aplicação de pena privativa de liberdade):
Cada um dos 4 crimes de roubo (na forma consumada) p. e p. pelo artigo 210º-1, do Código Penal, por que cada um dos arguidos/recorrentes foi condenado: prisão de 1 (um) a 8 (oito) anos.
- Relativamente ao crime de roubo na forma tentada (em que é ofendido KK) da previsão dos artigos 210º-1, 22º e 23º, todos do Código Penal: prisão de 1(um) ano a 5 (cinco) anos.
Importa ainda referir, desde já, que o acórdão recorrido aceitou (expressamente) que “a toxicodependência de ambos os arguidos terá sido o estímulo que os determinou á prática dos factos”.
Além disso, na determinação da medida concreta das penas parcelares, refere o acórdão recorrido:
“ … Assim, considerada a objectiva gravidade dos factos praticados, as expressivas exigências de prevenção geral que tais crimes implicam – já que se trata de criminalidade que mina o sentimento de segurança dos cidadãos em geral, conduzindo à instalação do medo de circular nas ruas das suas cidades – mas também de prevenção especial – atendendo a que ambos os arguidos mostram alguma dificuldade em interiorizar as mais básicas normas de convivência social, tais como não fazer mal aos outros e não os desapossar dos seus bens – e, bem assim, o elevado grau de culpa por ambos exibido, devendo todavia assinalar-se que o passado criminal do arguido DD reclama maior dureza nas sanções a aplicar, já que parece evidente que este arguido, tendo sido objecto de anterior censura penal (e tendo cumprido pena de prisão), não viu na mesma estímulo bastante para afastar-se de tais práticas, entende este Tribunal ajustada a imposição, ao arguido AA, da pena de dois anos e seis meses de prisão, para cada um dos crimes de roubo, consumado, que cometeu, e ao arguido DD, da pena de três anos e quatro meses de prisão, para cada um desses crimes.
No que se refere ao crime de roubo na forma tentada também cometido por ambos os arguidos, mostra-se ajustada a imposição de uma pena de um ano e seis meses de prisão para o arguido AA e de dois anos de prisão para o arguido DD …”.
Acresce que no mesmo acórdão foram devidamente considerados e ponderados os factos concretos tidos por assentes.
Por isso, a nosso ver, a decisão não merece grande censura.
Com efeito, as circunstâncias que rodearam os factos cometidos em co-autoria denotam frieza e insensibilidade, pois que os arguidos agiram em superioridade numérica sobre cada uma das vítimas, determinando-lhe, pelo menos num dos casos, lesões físicas (arranhões e contusões num braço).
É certo que os bens subtraídos são de baixo valor.
Porém, não pode esquecer-se também que tal não resultou da vontade expressa ou escolha, dos arguidos; antes resultou da circunstância de que as pessoas que os arguidos abordaram não possuíam outros ou mais bens ou valores.
Também é certo que os arguidos nunca ameaçaram os ofendidos ao ponto de estes recearem pela sua vida.
Mas a verdade é que utilizaram a força para lhes retirar os bens e valores que possuíssem.
E, dessa forma, intimidaram os ofendidos e causaram-lhes receio de virem a ser molestados fisicamente.
Na verdade, está provado que os ofendidos recearam pela sua integridade física que os arguidos ofenderam mesmo, pois impediram as vítimas de se defenderem, quer agarrando-as, quer ameaçando-as (num dos casos utilizando até um instrumento cortante – canivete).
Com efeito, no caso do ofendido JJ, os arguidos para além da força física, ainda utilizaram um canivete que apontaram ao ofendido.
E no caso do ofendido KK, os arguidos causaram-lhe mesmo, arranhões e contusões no braço direito.
E que os ofendidos recearam pela sua integridade física, resulta claro dos factos assentes e do facto de terem entregue ou consentido que os arguidos lhes retirassem os bens ou valores que possuíam.
Por outro lado, não releva – como factor atenuante - a alegação dos arguidos de que se trata de uma “vingança” por parte de clientes de serviços sexuais que seriam por eles prestados, pois, como se refere no acórdão recorrido (fundamentação da matéria de facto) “ainda que se possa admitir (como se admite) que as vítimas da actuação dos arguidos tenham tido com os mesmos (ou com algum deles) qualquer abordagem de cariz sexual, tal não justifica, por si só, que depois viessem, todas elas, apresentar queixa contra os arguidos, por roubo”.
Os factos praticados por cada um dos arguidos são objectivamente graves.
Quanto à ilicitude, entendida como juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento, por este lesar e pôr em perigo bens jurídico-criminais, sendo diversos os bens tutelados – no caso (roubo) o património e bens jurídicos eminentemente pessoais – será de considerar como média.
Quanto à modalidade de dolo, os recorrentes agiram com dolo directo e intenso, embora o período da actividade ilícita agora em apreço tenha sido de cerca de um mês e o número de crimes e de vítimas tenha sido de cinco.
As exigências de prevenção geral são elevadas atentando-se no proliferar de condutas similares e, sobremaneira, nos efeitos devastadores que elas têm sobre as vítimas. E, como bem se refere na decisão recorrida “trata-se de criminalidade que mina o sentimento de segurança dos cidadãos em geral, conduzindo á instalação do medo de circular nas ruas das suas cidades”.
E não há dúvida que ambos os recorrentes carecem de forte socialização.
As exigências de prevenção especial são elevadas pois no caso vertente, decorre que as personalidades dos arguidos se mostram alheias ao assumir cabal das responsabilidades decorrentes das sua condutas, como bem se denota na postura assumida em audiência de julgamento, negando a prática dos factos descritos na acusação (e tentando explicar o seu envolvimento nos mesmos, como atrás se disse, como uma vingança por parte de clientes de serviços sexuais que seriam por eles – arguidos – prestados).
Além disso, as suas condutas anteriores aos factos não se mostram as mais conformes com os ditames das regras sociais, se atentarmos nas várias condenações judiciais sofridas por ambos os arguidos, sendo que, como se refere na decisão recorrida, “o passado criminal do arguido DD reclama maior dureza nas sanções a aplicar já este arguido, tendo sido objecto de anterior censura penal e tendo cumprido pena de prisão, não viu na mesma estímulo bastante para afastar-se de tais práticas”.
Há, porém, que ter também em atenção – como está provado – que:
O arguido AA, de 32 anos de idade, é casado e tem dois filhos menores. O agregado reside em casa arrendada. Originário de uma família de condição social mediana, frequentou o sistema escolar, de forma desmotivada, até concluir o 6º ano de escolaridade. Iniciou, então, actividade profissional numa oficina de mecânica e, posteriormente, transitou para a área de carpintaria de limpos; à data dos factos encontrava-se desempregado havia cerca de 3 meses, recebendo subsídio de desemprego, tendo no período anterior trabalhado na montagem de cozinhas. Com cerca de 18 anos iniciou o consumo de estupefacientes, designadamente, heroína e cocaína; integrou o programa de metadona no CAT de Portimão, onde mantinha acompanhamento psicoterapêutico. Em meio prisional optou por abandonar o tratamento de metadona. Beneficia de suporte afectivo quer da família constituída, quer da família de origem.
E, o arguido DD, de 41 anos de idade, é solteiro. Tem, como habilitações literárias, o 4º ano de escolaridade. Iniciou os consumos de estupefacientes por volta dos 18 anos de idade, tornando-se heroinómano aos 21 anos; aquando da última saída da prisão, em Novembro de 2006, era um indivíduo sem recursos, necessitando da intervenção da rede social secundária a vários níveis; foi beneficiário do rendimento social de inserção e careceu de apoio social para alojamento e alimentação – manifestou, então, uma postura activa e empenhada em melhorar as condições de vida; manteve um relacionamento marital com uma agente da PSP de Portimão entre Outubro de 2007 e Abril de 2009, o qual veio a terminar por iniciativa da companheira; no contacto directo, o arguido revela uma atitude extrovertida e auto-confiante, defendendo-se através de uma imagem sobrevalorizada de si próprio, mostrando-se pouco autêntico, com um estilo comunicacional tendencialmente manipulativo; em meio prisional chegou a integrar o grupo terapêutico do GATO, mas foi excluído por desestabilizar os outros; encontra-se actualmente inactivo; não conta com apoio familiar no exterior.
Tendo tudo isto em consideração, e não esquecendo a idade dos arguidos á data da prática dos factos (o arguido AA, 32 anos e o arguido DD, 40 anos), é de concluir que as penas parcelares fixadas em 2 anos e 6 meses de prisão para cada um dos 4 crimes de roubo pp. pelo artigo 210º-1 do CP (dentro da moldura de 1 a 8 anos de prisão) e em 18 meses de prisão para o crime de roubo na forma tentada, pp. pelos artigos 210º-1, 22º e 23º, todos do CP – para o arguido AA; e em 3 anos e 4 meses de prisão para cada um dos 4 crimes de roubo pp. pelo artigo 210º-1 do CP (dentro da moldura de 1 a 8 anos de prisão); e em 2 anos de prisão para o crime de roubo na forma tentada, pp. pelos artigos 210º-1, 22º e 23º, todos do CP – para o arguido DD - se mostram algo excessivas, afigurando-se justas, adequadas ás finalidades de prevenção e proporcionais á culpa de cada um dos arguidos/recorrentes as seguintes penas parcelares que, por isso, agora se fixam:
Quanto ao arguido AA:
- 2 anos de prisão para cada um dos 4 crimes de roubo pp. pelo artigo 210º-1 do CP (dentro da moldura de 1 a 8 anos de prisão);
- 14 meses de prisão para o crime de roubo na forma tentada, pp. pelos artigos 210º-1, 22º e 23º, todos do CP (dentro da moldura penal de 1 a 5 anos de prisão);
Quanto ao arguido DD:
2 anos e 8 meses de prisão para cada um dos 4 crimes de roubo pp. pelo artigo 210º-1 do CP (dentro da moldura de 1 a 8 anos de prisão);
20 meses de prisão para o crime de roubo na forma tentada, pp. pelos artigos 210º-1, 22º e 23º, todos do CP;
Medida das penas aplicadas em concurso (únicas):
Tendo sido alteradas as penas parcelares, é obvio que as penas únicas respectivas, resultantes do cúmulo jurídico daquelas, terão de ser também alteradas.
Estabelece o artigo 77º, nº 1, do Código Penal, na redacção do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, inalterado pela Lei nº 59/07, de 4 de Setembro:
“Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
E dispõe o nº 2, que “A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.
A medida da pena a atribuir em sede de cúmulo jurídico tem uma especificidade própria.
Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal mais abrangente.
Por outro, tem lugar uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71º do Código Penal.
Como refere Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, §§ 420 e 421, págs. 290/2, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72º-1 (actual 71º-1), um critério especial: o do artigo 77º, nº 1, 2ª parte.
Explicita o Autor que, na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.
Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”.
E acrescenta que “de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.
Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso (neste sentido, acórdãos do STJ, de 09-01-2008, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181; de 06-02-2008, processos n.ºs 129/08-3ª e 3991/07-3ª CJSTJ 2008, tomo I, pág. 221; de 06-03-2008, processo n.º 2428/07 - 5ª; de 13-03-2008, processo n.º 1016/07 - 5ª; de 02-04-2008, processos n.ºs 302/08-3ª e 427/08-3ª; de 09-04-2008, processo n.º 1011/08 - 5ª; de 07-05-2008, processo n.º 294/08 - 3ª; de 21-05-2008, processo n.º 414/08 - 5ª; de 04-06-2008, processo n.º 1305/08 - 3ª; de 27-01-2009, processo n.º 4032/08-3ª) – cfr. Ac. STJ in Processo nº 8523.06.1, desta 3ª Secção supra citado e que vimos seguindo de perto.
A moldura abstracta do concurso tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas, e como máximo a soma de todas elas, mas sem ultrapassar os 25 anos de prisão.
No caso concreto, tendo em atenção as penas parcelares agora aplicadas, a moldura penal da pena aplicável em cúmulo tem os seguintes limites:
Mínimo: prisão de 2 anos (a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes) e o limite máximo de prisão de 9 anos e 2 meses (a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes) – relativamente ao arguido AA; e
Mínimo: prisão de 2 anos e 8 meses (a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes) e o limite máximo de prisão de 12 anos e 4 meses (a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes) – relativamente ao arguido DD;
A pena única tem de socorrer-se dos parâmetros da fixação das penas parcelares, podendo funcionar como “guias” na fixação da pena do concurso.
A sua fixação – tal como resulta da lei – não se determina com a soma dos crimes cometidos e das penas respectivas, mas da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do arguido, pois tem de ser considerado e ponderado um conjunto de factos e a sua personalidade “como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado” (Figueiredo Dias, supra citado)
Atento tudo o que se deixou dito, é óbvio que na pena única a aplicar, terá de relevar a medida de cada uma das penas concretas aplicadas por cada um dos crimes de roubo (4 consumados e 1 tentado).
Quanto à ilicitude, entendida como juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento, por este lesar e pôr em perigo bens jurídico-criminais, sendo os bens tutelados (neste caso, de roubo) o património e a integridade física das vítimas - será de considerar como elevada em ambos os casos.
Quanto à modalidade de dolo, os arguidos/recorrentes agiram com dolo directo e intenso, consubstanciado no período da actividade ilícita agora em apreço (cerca de um mês), no número de crimes (5 crimes de roubo, sendo 4 consumados e 1 tentado) e de vítimas (5).
Na avaliação da personalidade de cada um dos recorrentes, importa reter o que consta dos factos dados como provados, nomeadamente, as suas condições de vida, tendo, como se disse, o arguido AA, à data da prática dos factos cerca de 32 anos de idade (e actualmente 33) e o arguido DD, cerca de 40 anos (e actualmente 41).
Por outro lado, cremos que poderá ainda considerar-se o ilícito global agora julgado como não sendo resultado de uma tendência criminosa, reportando-se o caso a comportamentos surgidos já na idade adulta de ambos os arguidos, mas assumindo um carácter pluriocasional.
No que toca à prevenção especial, não há dúvidas que, como se disse, ambos os recorrentes carecem de forte socialização.
Tendo tudo isto em consideração, importa ainda não esquecer a existência de antecedentes criminais relativamente a ambos os arguidos (por crimes de detenção de arma proibida, falsificação de documento e roubo na forma tentada, e falsidade de testemunho – quanto ao arguido AA; e por crimes de furtos qualificados, furto qualificado na forma tentada e roubo, e crime violência depois da subtracção – quanto ao arguido DD).
Neste contexto, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade de cada um dos arguidos/recorrentes, entendemos justas, adequadas e proporcionadas (face ás penas parcelares aplicadas e supra descritas) as seguintes penas únicas que agora se aplicam:
Ao arguido/recorrente AA: pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Ao arguido/recorrente DD: pena única de 7 (sete) anos de prisão.
E porque estamos perante penas superiores a 5 anos de prisão o regime penal vigente impede a suspensão da execução dessas penas.
Portanto, os recursos procedem em parte.
Decisão:
Pelo exposto, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em:
Conceder parcial provimento aos recursos interpostos pelos arguidos/recorrentes AA e DD, e, em consequência, condenam-se aqueles nas penas parcelares e únicas supra discriminadas.
Sem custas.
Lisboa, 14 de Julho de 2010
Fernando Fróis (relator)
Henriques Gaspar
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(1) "A esfera de liberdade de cada um integra, ineludivelmente, o direito de decidir causar mal ao seu corpo e à sua saúde, sem que o Estado esteja legitimado a intervir. O consumo ou abuso de drogas constituirá, na pior das hipóteses, um lento suicídio" -- Rui Carlos Pereira, O consumo e o Tráfico de Droga na Lei Penal Portuguesa, Revista do Ministério Público, n° 65, 1996, pág. 59 e sgts