Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | SIMÕES FREIRE | ||
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Nº do Documento: | SJ200302130045652 | ||
Data do Acordão: | 02/13/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 4737/02 | ||
Data: | 07/04/2002 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
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Sumário : | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A" com sede em Lisboa, intentou a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário contra B, com sede em Lisboa , C, com sede em Lisboa, D, com sede em Lisboa, e E, com sede em Lisboa pedindo que sejam a 2.ª e a 3.ª rés - e estas de acordo com a quota-parte respectiva na distribuição do co-seguro (2.ª Ré = 60% a 3.ª ré = 40%) - condenadas a pagar à A. a quantia de Esc. 1.482.565$00 com a seguinte discriminação: a) Esc. 506.249$00. valor global das rendas vencidas e não pagas e respectivo IVA. até à resolução do contrato pela A; b) Esc. 98. 463$00 valor dos juros de mora vencidos até 6.12.95 sobre o capital em dívida mencionado na alínea anterior, a que acrescerão os vincendos, a calcular à mesma taxa, até integral pagamento; c) Esc. 848.585$00 valor correspondente à soma das rendas vincendas; d) Esc. 29.268$00 valor dos juros de mora vencidos até 06.12.95 sobre o capital em dívida mencionado na alínea anterior a que acrescerão os vincendos até integral pagamento. Caso assim não se entenda, formula o seguinte pedido subsidiário: Serem a 2.ª e a 3.ª RR. - e estas de acordo com a quota-parte respectiva na distribuição do co-seguro - condenadas a pagar à A. a quantia de Esc. 789.225$00 com a seguinte discriminação: a) Esc. 506.249$00 valor global das rendas vencidas e não pagas e respectivo IVA até à resolução do contrato pela A.; b) Esc. 98.463$00 valor dos juros de mora vencidos até 06.12.95. sobre o capital em dívida mencionado na alínea anterior, a que acrescerão os vincendos a calcular à mesma taxa até integral pagamento; c) Esc.162.478$00 valor da indemnização calculada nos termos do art.º 15° n° 2 das "Condições Gerais" do contrato de locação financeira junto como doc. nº 1 a esta PI. que corresponde a 20% da soma das rendas vincendas e do valor residual do veículo locado; d) Esc.: 22.035$00 valor dos juros de mora vencidos até 6.12.95, sobre o capital em dívida mencionado na alínea anterior a que acrescerão os vincendos até integral pagamento. Pede ainda a condenação da 1.ª ré e 4.º réu a entregar-lhe o veículo com a matrícula ...-CL. Como fundamento dos pedidos alega que deu em locação financeira à 1.ª ré o veículo FORD modelo FIESTA com a matrícula ...-CL e esta não pagou as rendas vencidas em 10.8.94 e 10.11.94 num total de 506.249$00. Tendo resultado infrutíferas todas as tentativas da autora junto da 1.ª R. para cobrar os referidos créditos aquela viu-se forçada a resolver o contrato de locação financeira. Na carta de resolução a autora exigiu à primeira ré o pagamento das rendas vencidas e respectivos juros de mora e ainda a indemnização devida. A primeira ré celebrou com as 2.ª e 3.ª rés, por imposição da A., contrato de seguro-caução para garantia das obrigações assumidas pela B, tendo a autora reclamado da 2 tI R. o pagamento da indemnização devida nos termos da apólice de seguro-caução. Nem a segunda nem terceira rés pagaram a quantia reclamada pela autora. Citadas as rés contestou a ré B dizendo, em síntese, que a A. exigiu que apresentasse caução para assegurar o cumprimento da obrigação de pagamento da totalidade das rendas dos contratos de locação financeira. equivalente ao preço do veículo, caução que foi prestada, mediante seguro caução. A A. vinculou-se perante a 1.ª ré a não resolver o contrato celebrado em caso de incumprimento, optando por accionar a caução existente. A autora celebrou o contrato de locação financeira por intermédio da ré, celebrando esta um contrato de aluguer de longa duração. Ao demandar directamente a R. esquecendo o seguro-caução a A. age com abuso de direito. As rés C e D contestaram alegando, em resumo, por impugnação que a locação financeira só pode ser praticada por sociedades de leasing e os bens objecto de locação só podem ser de equipamento, não estando incluídos os veículos automóveis. Para contornar a disposição legal que impede a locação financeira de automóveis a autora recorreu à ré B. A ré foi contactada pela ré B que alegou dedicar-se à actividade de aquisição às sociedades de leasing e que alugava esses veículos a clientes e estabelecia com eles um contrato-promessa de compra e venda pelo qual prometia vender ao locatário e este prometia comprar os mesmos veículos. Propôs-lhe o seguro das prestações a pagar pelos clientes, com as seguintes condições: os seguros seriam feitos com a indicação dos meios financeiros dos clientes e a B obrigava-se a transferir a propriedade do veículo locado para a C no caso de incumprimento dos clientes; por outro lado o risco estava distribuído por várias entidades e não só pela C. Nas negociações nunca se veio a pôr a questão de vir a pagar a responsabilidade da B perante as sociedades Leasing que lhe forneciam os veículos, situação que a ré nunca aceitaria. E esse acordo foi o clausulado nas apólices emitidas. A partir de Novembro de 1992 foi introduzido um regime de co-seguro em virtude do qual ficaram a garantir o mesmo risco as rés D e C. Em 1993 foi estabelecido novo protocolo que estabeleceu o alcance dos anteriores. Não assumiram assim as obrigações da B para com a autora. Foi este o sentido do contrato de locação financeira celebrado entre a B e as rés, relativamente ao veículo Ford Fiesta locado a E, facto de que a autora tinha conhecimento. Em qualquer das circunstâncias nunca poderia a responsabilidade das seguradoras recair sobre as rendas vincendas e o valor residual. Por outro lado a apólice foi cancelada em 31-8-1994, pelo que o máximo que poderia pedir-se às rés eram as rendas vencidas em 10-8-1994. Em reconvenção pedem que a A. seja condenada a pagar-lhes as indemnizações que vierem a liquidar-se em execução de sentença, equivalente, no mínimo, ao montante pelo qual viesse a responder por força da apólice fundamentando este pedido no facto de a B ter vindo a receber do locatário a quem cedeu o veículo em ALD os alugueres, apropriando-se das respectivas importâncias e não pagando as rendas à A. Na réplica a autora manteve, no essencial, a posição inicialmente expressa. Por despacho de fols. 143 e seguintes os pedidos reconvencionais foram liminarmente indeferidos. A autora desistiu do pedido em relação à B e ao E a folhas 142. Prosseguindo os autos os seus termos veio a ser proferida sentença em primeira instância que condenou solidariamente as rés C e D a pagarem à autora a quantia de 1.482.565$00. Interposto recurso pelas rés foram confirmadas as decisões de primeira instância, negando-se provimento ao agravo e improcedente o recurso da decisão final. Veio a ré C interpor recurso de revista e vem alegado pelas duas rés (C e D), pelo que se vê ter havido lapso manifesto em incluir apenas a primeira ré no requerimento de interposição. Nas suas alegações, concluem: O contrato de seguro dos autos, como contrato formal que é, está corporizado em documento que constitui a respectiva apólice, onde a obrigação a que o mesmo se reporta, está claramente identificada sob o sugestivo título de objecto da garantia, como consistindo no "Pagamento das Rendas Referentes ao Aluguer de Longa Duração do Veículo Ford Fiesta 1. 1, Matricula ...-CL"; A decisão proferida vai frontalmente contra esta definição clara e directa da obrigação a que se reporta o seguro, assim violando a alínea b), do n° 1, do artigo 8.º do DL 183/88 de 24 de Maio; O Tribunal cometeu um lapso manifesto na análise da definição do objecto da garantia constante das condições particulares da apólice, que não faz referência, nem ao número, nem à periodicidade das rendas garantidas, que são claramente identificadas como consistindo naquelas referentes ao aluguer de longa duração do veículo; Sendo embora verdade que da análise isolada dos artigos 1.º e 2.º das condições gerais da apólice poderíamos ser levados a concluir que a garantia prestada consiste no pagamento das importâncias que a autora tem a receber da B, não deixa de ser igualmente verdade que estamos aí na presença de definições genéricas que carecem de concretização nas condições particulares, o que aconteceu da forma acima descrita; Seja como for, se houvesse qualquer contradição entre o objecto da garantia definido nas condições particulares e as definições genéricas das condições gerais da apólice, sempre as primeiras prevaleceriam sobre as segundas, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, verdadeira trave mestra do direito dos contratos, de que o artigo 405° do Código Civil constitui afloramento; E no caso em apreço a conclusão tem ainda mais força por estarmos, no que respeita às Condições Gerais da apólice, claramente perante cláusulas contratuais gerais ou cláusulas de adesão, objecto de regulamentação especifica através do decreto-lei n° 446/85 de 25 de Outubro, que, entre outras regras e limitações, estabelece que em caso de contradição entre as cláusulas de adesão e aquelas sujeitas a negociação entre as partes, prevalecem estas últimas sobre as primeiras (artigo 7.º); Um declaratário de normal diligência e medianamente instruído, colocado na posição de bom pai de família, certamente não interpretaria a declaração constante das condições particulares da apólice sob o título "objecto da garantia" como consubstanciando uma garantia ao pagamento das rendas referentes à locação financeira do veículo aí identificado; A interpretação sugerida pelas ora Recorrentes está em perfeita sintonia com as regras de interpretação dos negócios formais (artigo 238º do Código Civil), pois tem no texto da apólice, muito mais do que um mínimo de correspondência, uma total correspondência, reforçada pelos elementos auxiliares de interpretação; A decisão não foi acompanhada da necessária análise crítica dos meios de prova oferecidos pelas partes, em flagrante violação do artigo 659 do CPC; A anulação da apólice por falta de pagamento do sobre-prémio reclamado - é plenamente -válida e eficaz, assentando no disposto nos artigos 8.º e 5° das condições gerais da apólice e no artigo 16 §3 do protocolo de 01.11.93; A julgar-se improcedente a primeira parte da presente revista confirmando-se a interpretação acolhida a respeito do objecto da garantia prestada através da apólice dos autos, sempre a condenação das ora recorrentes deveria limitar-se às quantias peticionadas sob as alíneas a) e b) do pedido subsidiário. O pedido reconvencional formulado pelas Recorrentes encontra-se devidamente fundamentado, tendo a liquidação dos danos invocados sido remetida para a execução de sentença ao abrigo do disposto na lei processual, nada justificando o seu indeferimento liminar; O acórdão recorrido viola os artigos 8° do DL 183/88 de 24 de Maio, 236.º, 238.º, 405° e 801° do Código Civil, 7.º do DL 446/85 de 25 de Outubro e 659.º do Código de Processo Civil. Contra-alegou a autora defendendo que deve manter-se a decisão recorrida. Perante as alegações das recorrentes são as seguintes as questões postas: Reconvenção. Objecto da garantia; Prevalência da liberdade contratual; Limitação da responsabilidade. Factos. A A. exerce a actividade de locação financeira de bens móveis. A A. e a 1.ª R. celebraram um contrato de locação financeira mobiliária, conforme escrito de que existe cópia a fls. 12 e ss.. tendo a A. locado à 1.ª ré, com efeitos a partir de 10-8-1993 um veículo automóvel da marca Ford modelo Fiesta 1.1.Wave, matrícula ...- CL no valor de Esc. 1.684.000$00 (IVA incluído). O contrato foi celebrado pelo prazo de 36 meses com 12 rendas trimestrais de 145.057$00 a que acresce o IVA. A 1.ª R. destinou o veículo objecto do contrato de locação financeira a aluguer de longa duração. A 2.ª R. emitiu em 11-8-1993 a apólice de seguro n.º 150104103400 de que existe cópia a fls. 40 e 41 em que é tomador de seguro a 1.ª R. e beneficiário a A.. Lê-se na referida apólice "condições particulares" que o objecto da garantia é o pagamento das rendas referentes ao aluguer de longa duração do veículo da marca Ford Fiesta matrícula ...-CL capital 1. 786.405$00: prémio 15.706$00: e que o seguro é feito pelo prazo de 36 meses com início em 10-8-1993 e termo em 9-8-1996. De acordo como artigo 1° das "condições gerais" da apólice de seguro de caução directa, tomador do seguro é a pessoa que contrata com a C, sendo responsável pelo pagamento dos prémios: beneficiário a entidade a favor de quem reverte o direito a ser indemnizado pela C e que igualmente subscreve a apólice: sinistro: o incumprimento atempado pelo tomador do seguro da obrigação assumida perante o beneficiário. Nos termos do artigo 2° n.° 1 das "condições gerais" da apólice de seguro de caução directa a C com base na proposta subscrita pelo tomador do seguro e de acordo com o convencionado nas condições gerais, especiais e particulares deste contrato, garante ao beneficiário, pela presente apólice, até ao limite do capital seguro, o pagamento da importância que deveria receber do tomador do seguro, em caso de incumprimento por este último da obrigação garantida. A 1.ª R. não pagou à A. as rendas vencidas e facturadas em 10-8-1994 e 10-11-1994 no valor de 168.266$00, cada e a renda vencida em 10-2-1995 no valor de 169.717$00. A A. enviou à 1.ª R. a carta datada de 6-3-1995 de que existe cópia a fls. 28 e 297 que esta recebeu. Dos factos referidos na alínea anterior a A. deu conhecimento à 2.ª R.. por carta datada de 7-3-1995 que esta recebeu e de que existe cópia a fls. 43-44. Em 7-6-1995 a A. enviou à 2.ª R. a carta de que existe cópia a fls. 45 informando que o locatário tinha em dívida o pagamento de 8 rendas trimestrais no valor global 1.354.834$00 e que nos termos da apólice do seguro caução de que ocupava a posição de beneficiária lhe era devida aquela importância, reclamando em consequência o pagamento da mesma pela 2.ª Ré. Por carta datada de 16-8-1994 de que existe cópia a fls. 137 a 2.ª R. informou a A. que a responsabilidade por si assumida destinou-se a garantir o cumprimento das rendas devidas à B pelos locatários dos veículos sob o regime de aluguer de longa duração, pelo que. apenas, na falta de pagamento por parte desses locatários, responderemos perante V. Ex.as. Por carta de 23.8.94 a C propôs à B, nos termos do n.º 1 do art. 5° das Condições Gerais da Apólice o pagamento de sobreprémio de 45.018$00 devido pelo agravamento do risco resultante da anulação da apólice emitida pela C que garantia o risco do veículo respectivo. Nesta carta terminava-se nos seguintes termos: "Na falta de acordo de V. Ex.as a este sobreprémio, no prazo de oito dias, a contar da presente data, usaremos da faculdade conferida no n.º 3 do art° 8° das mesmas Condições Gerais da Apólice e resolveremos os contratos sem necessidade de novo aviso." Na mesma data de 23 de Agosto de 1994 a C dirigiu à A. a carta que se junta sob o n° 9 e se dá também como reproduzida, comunicando a proposta do sobreprémio enviada à B e as consequência da não aceitação da mesma - resolução do contrato de seguro - "no sentido de permitir a V. Ex.as (A), se assim o entenderem substituírem-se ao tomador do Seguro no pagamento do agravamento". Nem a B, nem a A., aceitaram o sobreprémio ou efectuaram o respectivo pagamento. Nas negociações que precederam a celebração do referido contrato de locação financeira a A. fez depender a conclusão do mesmo de que a 1.ª R. obtivesse de um terceiro com capacidade financeira a prestação de uma garantia idónea. A 1.ª R. pretendia que a C garantisse por seguro caução as prestações a pagar pelos adquirentes dos veículos em regime de aluguer de longa duração, garantia que a B endossaria às companhias de locação financeira que entrassem no negócio. A B convenceu a C que o risco a assumir era diminuto pois os seguros seriam propostos com a indicação das identidades e condições financeiras dos locatários para que a seguradora pudesse apreciar a solvabilidade dos mesmos. Em caso de incumprimento dos locatários, a "B" obrigava-se a transferir a propriedade do veículo locado para a C sem contra-prestação ou quaisquer encargos. E ainda porque, tratando-se de seguro caução garantindo o cumprimento das prestações devidas, por cada um dos clientes da B, o risco da seguradora estava repartido por diversos agentes económicos e não concentrado numa única entidade.- Os valores oferecidos pela B eram de 1% para contrato até 12 meses: 1 ,35% até 24 meses e 1.75% até 36 meses. Estas taxas eram inferiores às do mercado em operações de garantias semelhantes. Apesar das circunstâncias referidas a C aceitou a proposta por considerar o risco relativamente pequeno, por as garantias estarem repartidas pelos diversos locatários. Na sequência das negociações havidas entre a B e a Inter Atlântico foram celebrados protocolos com a finalidade de definir as relações entre empresas no tocante à emissão de seguros caução, destinados a garantir o pagamento à B das rendas relativas ao aluguer de longa duração emergentes de contratos celebrados entre a B e terceiros. A apólice referida na al. E) da especificação foi emitida ao abrigo do protocolo celebrado em Novembro de 1992 de que existe cópia a fls. 123 e 124. Em Novembro de 1992 foi celebrado um protocolo que introduziu um regime de co-seguro, conforme fls. 123-124. Em 1 de Novembro de 1993 foi celebrado um novo protocolo de que existe cópia a fls. 125-128, que esclarece o alcance dos anteriores, substituindo-os. A apólice em causa nos presentes autos foi emitida sob proposta da B. acompanhada da ficha de informação relativa ao adquirente do veículo. O direito. Reconvenção. A primeira instância indeferiu liminarmente o pedido reconvencional deduzido pelas rés com base nos artigos 10.º e 14.º das Condições Gerais das Apólices de Seguro Caução Directa, com fundamento em que as rés pretendem obter, por via da reconvenção, precisamente o mesmo valor por que eventualmente venham a ser condenados na acção. Por outro lado, as rés não invocam qualquer prejuízo decorrente da invocada violação do contrato, qual seja o dever de avisar as rés da falta de pagamento das prestações pela B. A requerida indemnização não corresponde ao montante pelo qual as rés venham eventualmente a responder por força da apólice. Aquela indemnização nada tem a ver com o alegado incumprimento do contrato de locação por parte da ré B e, por isso, a medida daquela não é a deste. Esta posição foi assumida pela Relação que acrescenta: do contrato de locação financeira resulta (art. 15.º) que a resolução do contrato de locação era uma mera faculdade concedida à autora; o dever da autora em providenciar pela restituição do veículo sempre estaria subordinado à sua opção pela resolução imediata ou pelo decurso do prazo contratual. O único prejuízo concretamente invocado é a deterioração. Não vêm alegados os pressupostos da responsabilidade civil contratual, fundamentados no incumprimento ilícito e culposo do contrato e do nexo de causalidade entre o incumprimento e o prejuízo. Apreciando a contestação e os fundamentos para o pedido reconvencional, alegam as recorrentes que no dia 10-8-1994, a ré C recebeu uma carta da autora, onde a alertava para o facto de a B não estar a cumprir com as suas obrigações advindas do contrato de leasing e em resposta a essa carta a C esclareceu que as apólices não garantem as obrigações da B emergentes do contrato de locação financeira, mas sim "o incumprimento por parte dos locatários ALD perante a B". A autora alega que a B não pagou as rendas vencidas em 25-8-1994, 25-11-94 e 25-11-1995, sendo o contrato apenas resolvido em 9-3-1995, do que resultaram prejuízos para as recorrentes pois estas têm os direitos que resultam do artigo 14.º das condições gerais da apólice: ficarem sub-rogadas nos direitos do beneficiário sobre o tomador do seguro ou contra terceiros emergentes do presente contrato, até à concorrência da indemnização paga, obrigando-se o beneficiário a abster-se de praticar quaisquer actos ou omissões que possam prejudicar a sub-rogação sob pena de responder por perdas e danos. A autora é beneficiária da apólice e a B é a tomadora. Fundamentam as recorrentes, para o caso de se julgar que a autora tem direito às rendas e este é o objecto do contrato, o pedido reconvencional pelo facto de da autora não ter comunicado a falta de pagamento pela B e não ter resolvido o contrato de locação, evitando a desvalorização do veículo locado. Acontece que as próprias seguradoras alegam que a autora lhes comunicou no dia 10-8-1994 que a B não estava a cumprir as suas obrigações, tendo-lhes respondido a C que não garantiam as obrigações da B, mas sim o incumprimento por parte dos locatários da ALD perante a B (ver documentos a folhas 131 e 132). Nestes documentos, a comunicação da autora, alerta-se a C para as dificuldades por que estava a passar a B e do pedido desta para que lhe fosse concedido um prazo para regularizar a situação. A seguradora alheou-se do pagamento das rendas à autora e nenhuma providência sugeriu que fosse tomada para a resolução do contrato, nomeadamente o que está em causa nos autos e que agora invoca como falta de diligência para evitar a continuação da falta de pagamento das rendas e a demora na resolução do contrato. Perante tais factos, como se diz no acórdão recorrido, as seguradoras não alegaram o facto ilícito da autora, nomeadamente a violação da alínea b) do n.º 2 do art.10 das cláusulas gerais da apólice: "A tomar as medidas ao seu alcance para limitar ou evitar os prejuízos, não alterar a sua avaliação e proteger o direito de regresso da C". Contrariamente ao que resulta das alegações das seguradoras, a autora comunicou genericamente as dificuldades por que estava a atravessar a B e a resposta da C foi no sentido de que as "nossas apólices garantem o incumprimento dos locatários ALD perante a B pelo que, apenas a falta de pagamento por parte desses locatários, responderemos perante V. Ex.as". Face a uma tal comunicação não tinha a autora que comunicar qualquer outro sinistro que viesse a ocorrer e a própria iniciativa de resolução não foi suscitada pelas seguradoras para acautelar os eventuais prejuízos. Temos, assim, que foi bem indeferido liminarmente o pedido reconvencional. Objecto do seguro. Nas suas alegações dizem as recorrentes que se põe nos autos a questão de saber se as rendas garantidas pela apólice são as do aluguer de longa duração, contrato celebrado entre a B e os seus clientes, no caso D, ou as rendas devidas pela B à autora. Ora, o acórdão recorrido concluiu que o contrato de seguro caução estabelecido entre a B e a seguradora visava garantir as rendas devidas à autora pela tomadora do seguro (B). O contrato de seguro de longa duração foi estabelecido entre a B e o seu cliente não sendo a autora parte no contrato. Diz-se no artigo segundo das condições gerais da apólice, com a epígrafe "Objecto da Garantia": "A C, com base na proposta subscrita pelo tomador do seguro e de acordo com o convencionado nas Condições Gerais, Especiais e Particulares deste contrato, garante ao beneficiário, pela presente apólice, até ao limite do capital seguro, o pagamento da importância que devia receber do tomador do seguro em caso de incumprimento por este último da obrigação garantida, conforme se expressa nas condições particulares ......". Definidos os termos do seguro, estipula o art. 1.º da apólice junta: Tomador do seguro - A entidade que contrata com a C sendo responsável pelo pagamento dos prémios. Beneficiária - A entidade a favor de quem reverte o direito a ser indemnizado pela C e que igualmente subscreve a apólice. Sinistro - O incumprimento atempado pelo tomador do seguro da obrigação assumida pelo beneficiário. No contrato de folhas 40 figura como tomador do seguro a "B-Comércio de Automóveis, S. A.", sendo C a seguradora e a autora é beneficiária tendo como objecto da garantia o pagamento das rendas referentes ao aluguer de longa duração do veículo Ford Fiesta 1.1, matricula ...-CL, sendo o capital de 1.786.405$00, o seguro feito pelo prazo de 36 meses, com início em 10-8-1993 e termo em 10-8-1996. Em 11-8-1993 a ré C emitiu a apólice 150104103400 constando das condições particulares que se tratava dum seguro de caução directa. Tendo em conta que estamos perante um negócio, há que recorrer para a sua interpretação ao sentido que lhe atribui um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário e que ele possa deduzir do comportamento do declarante (art. 236 n.º 1 do C. Civil). Sendo o negócio formal, como é o caso, "não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso" (art. 238 n.º 1 do C. Civil). A determinação do objecto do contrato colhe-se pela impressão do destinatário, ou seja, pelo sentido que a este deva ser atribuído por um declaratário normal, medianamente instruído e diligente, colocado na posição de real declaratário, face ao comportamento do declarante (Pires de Lima e A. Varela, C. Civil anotado, vol. I, pág. 223, 4.ª ed.). Vem consagrada na nossa lei uma "doutrina objectivista da interpretação, em que o objectivismo é, no entanto, temperado por uma salutar restrição de inspiração subjectivista" (o. e l. citados), que se colhe da parte final do n.º 1 do art. 236. Neste aspecto já a doutrina anterior ao texto daquele artigo defendia que haveria que levar em conta na interpretação os interesses em jogo, a finalidade prosseguida pelas declarações prévias, as precedentes relações negociais entre as partes e outros elementos adjuvantes para a interpretação, como vem referido por Manuel Andrade na Teoria Geral do Direito Civil, pág. 313. Para um declaratário normal, segundo o entendemos, o que a C garantiu foram as rendas do objecto locado. Assim se compreende a cláusula de sub-rogação da seguradora nos direitos do beneficiário (autora) sobre o tomador do seguro até à concorrência da indemnização paga ou contra terceiros (art. 14.º das cláusulas gerais). A estes aspectos há que fazer acrescer a matéria dada como provada, acima indicada, e onde nomeadamente se diz: Objecto da Garantia: Pagamento das rendas referentes ao aluguer de longa duração e indica o capital garantido e o prazo do seguro. Aliás, no anexo II ao contrato de locação estabelecido entre a B e a A nenhuma referência se faz ao locador do aluguer de longa duração. Todavia, nas condições de seguro de caução diz-se que o beneficiário do seguro é sempre a autora, o objecto de seguro caução será o pagamento de todas as obrigações emergentes do contrato de locação. E mais adiante acrescenta-se: "A indemnização a pagar pela Companhia de Seguros corresponderá a cada momento ao valor das rendas vencidas em dívida, bem como às vincendas não pagas tendo como limite o capital seguro indicado na apólice." Nenhuma referência se faz às rendas do aluguer de longa duração neste anexo, nem no anexo I e à obrigação de pagá-las, mas refere-se claramente que o valor a pagar corresponde às rendas vencidas em dívida, bem como às vincendas não pagas. O tipo de garantia é o de seguro caução. Verifica-se das condições gerais da apólice e das particulares que o contrato de seguro expresso nos contratos celebrados entre a B, como tomadora, e as seguradoras, como promitentes, tendo como beneficiária a autora, que o que podia e tinha de estar seguro eram as rendas do contrato de locação feito pela autora com a B. Nas condições particulares da apólice aparece como tomadora a B, beneficiária a autora, sendo a C seguradora. Não se coaduna com a interpretação dum declaratário normal entender que o seguro de caução assumido pelas seguradoras se refere ao pagamento das rendas de aluguer de longa duração. Para este contrato e garantia de pagamento das rendas tinha de ser beneficiária a B e quem fazia o contrato era o locador de longa duração. Temos, assim, como correcta a interpretação feita nas instâncias. Aliás, a este respeito diz-se no acórdão desta secção (rev. 438/2000 de 16-3-2000): "É certo que as condições particulares precisam o objecto da garantia no sentido que consiste no pagamento de 12 rendas trimestrais referentes ao aluguer de longa duração do veículo ...... . Todavia, a referência ao aluguer de longa duração surge aqui, não como alteração da cláusula segunda n.º 1 das condições gerais, mas com vista a identificar o objecto do seguro: ele respeita ao veículo mencionado que a B alugou a terceiro mediante contrato de longa duração. E tanto é assim que as 12 rendas trimestrais a que as condições particulares se referem são as da locação financeira e não as do aluguer de longa duração." E acrescenta: "A esta interpretação do contrato de seguro não obstam os "protocolos" subscritos pela B, pela C e pela D. A este respeito basta observar que, independentemente de saber se tais protocolos abrangem o seguro em causa ou outros seguros concluídos pela B junto daquelas seguradoras, eles são inoponíveis ao beneficiário duma promessa irrevogável, nos termos do disposto no art. 448 n.º 1 do C. Civil. Quaisquer alterações ao contrato a favor de terceiro exigem, neste caso, o consentimento do beneficiário (veja-se, neste sentido, o acórdão do STJ de 13 de Abril de 1994, no BMJ 436, pág. 339". E no mesmo sentido se pode ver o Ac STJ de 16-12-1999, CJ(S) VII-3-141. Esta a posição que seguimos, expressa no acórdão de 18-10-2001, revista 2567/2001, que teve o mesmo relator, e de que resulta a responsabilidade das rés seguradoras pelas rendas em dívida pela B à autora. Desta forma também não se vê que a decisão recorrida, ao fazer a interpretação que fez, tenha violado a alínea b) do art. 8.º do DL 183/88 de 24-5. Diz-se nesta disposição: "1 - Dos contratos de seguro a que se referem os capítulos anteriores, deve constar, além do estabelecido no Código Comercial: ....................................................................................................................... b) Obrigação a que se reporta o contrato de seguro. ........................................................................................................................" . Ora, como se vê dos factos acima referidos vem dito a que contrato de seguro se refere ao pagamento das rendas referentes ao aluguer de longa duração do veículo Ford Fiesta com a matricula ...-CL. Não se diz nesta apólice o nome do adquirente, nem isso interessava, atento a que estavam identificadas as partes: seguradora (C), beneficiária (A) e tomadora (B). O locatário desta não vem abrangido pelo contrato de seguro, como é natural, dentro da interpretação que fazemos do objecto do seguro. Prevalência da Liberdade negocial. Entendem as recorrentes que, decorrendo dos art.s 1.º e 2.º das condições gerais da apólice a possibilidade da sua responsabilização, ela seria afastada com as condições particulares que a lei impõe no caso de as partes acordaram doutro modo, conforme o artigo 7.º do DL 446/85 e art. 405 do C. Civil. Seria, no entender das recorrentes, a prevalência da vontade efectiva, delineada pelos outorgantes sobre as cláusulas gerais, previamente delineadas, e às quais os outorgantes aderem sem emprestar vontade própria ao conteúdo negocial. Como vem sendo entendido pela doutrina, indicada no Ac. STJ de 1-3-2001, CJ(S) IX-1-135, e neste aresto "o teor das cláusulas particulares prevalece sobre o das cláusulas gerais; em caso de dúvida deve optar-se pela leitura negocial que não favorece o contraente que estipula as regras de adesão". Todavia, como resulta do que acima se disse, o contrato a folhas 40, onde se identifica o bem que constitui o referencial do contrato e as partes outorgantes, não aproveita às consequências que as recorrentes pretendem extrair das disposições invocadas (art. 7.º do DL 446/85 e art. 805 do C. Civil). Mas acima de tudo é contra os princípios da boa fé que a C, que apresentou para seguro a Apólice de Seguro de Caução Directa, folhas 38, onde se incluem as condições gerais, e as Condições Particulares, folhas 40, ela própria invoque a nulidade das cláusulas que apresentou para a realização do seguro. Por outro lado, quanto aos protocolos estabelecidos entre a B e a C, que vêm invocados pelas recorrentes como matéria não objecto de atenção pelo acórdão recorrido, verifica-se, como consta daqueles documentos e da matéria provada sob as alíneas z) e aa) que neles não interveio a aqui autora. E nem se compreenderia que a locadora e proprietária dos veículos ficasse à margem do deliberado nos acordos, quando era a proprietária dos ditos veículos. A argumentação de que a locadora não é parte nos seguros, não colhe, a nosso ver. É que o acordo comercial celebrado entre a autora e a B, folhas 31, postula o contrato de seguro, tal como o vimos interpretando. O mesmo se dirá do documento a folhas 129, onde aquele documento nada tem a ver com seguro de folhas 40 e a proposta de folhas 130 não vincula a autora e é alheia ao acordo comercial acima referido. Não procede, em suma, a argumentação apresentada quanto a esta parte. Anulação da apólice por falta de pagamento do sobreprémio. Por carta de 23-8-1994 a ré C propôs à B, nos termos do n.º 5 das Condições Gerais da Apólice o pagamento do sobreprémio de 45.018$00. Dispõe para o efeito o art. 5 n.º 1 das Condições Gerais da Apólice: "O Tomador do Seguro e/ou o Beneficiário devem comunicar no prazo de 8 dias qualquer modificação verificada na caução capaz de produzir um agravamento do risco. A C dispõe de oito dias para recusar o risco agravado ou propor novas condições." Da matéria provada resulta que por carta de 23-8-1994 a C propôs à B no termos do n.º1 do artigo 5.º das Condições Gerais da Apólice, o pagamento do sobreprémio de 45.018$00, devido pelo agravamento do risco resultante da anulação da apólice emitida pela C que garantia o risco do veículo respectivo. Nesta carta, terminava-se nos seguintes termos: "Na falta de acordo de VV. Ex.as a este sobreprémio, no prazo de oito dias, usaremos da faculdade conferida no n.º 3 do artigo 8.º das Condições Gerais da Apólice, e resolveremos os contratos, sem necessidade de novo aviso". Na mesma data de 23 de Agosto de 1994, a C dirigiu à autora a carta que se junta sob o n.º 9, comunicando a proposta de sobreprémio enviada à B, e as consequências da não aceitação da mesma - resolução do contrato de seguro - "no sentido de permitir a VV. Ex.as (A), se assim o entenderem, substituírem-se ao tomador do seguro no pagamento do agravamento" . Nem a B nem a autora aceitaram o sobreprémio ou efectuaram o respectivo pagamento. Resulta do n.º 3 do artigo 8.º das Condições Gerais da Apólice: "A C poderá resolver o contrato dando conhecimento do facto ao beneficiário, quando face ao agravamento do risco que se refere o n.º 1 do art. 5.º o tomador do seguro não aceitar o sobreprémio correspondente." Face ao disposto no artigo 5.º das Condições Gerais seria o Tomador do Seguro e/ou o Beneficiário que deviam comunicar no prazo de 8 dias qualquer modificação verificada na caução capaz de produzir um agravamento do risco. E a C dispunha de oito dias para recusar o risco agravado ou propor novas condições. No caso dos autos, aquilo que a ré C invoca como nulidade tratando-se antes de resolução do contrato, estão invertidos os papeis. Não é a tomadora ou a beneficiária que comunica qualquer agravamento do risco, mas a seguradora que, sem que nada o justifique, vem exigir um sobreprémio. A atitude das ré C não é aceitável, viola o contrato e a aceitação da resolução, depois de lhe serem comunicadas as condições difíceis por que estava a atravessar a B com a carta de 10-8-1994, folhas 131, representa uma violação do princípio da boa fé, que, a ser aceite, constituiria um abuso de direito. Improcede, assim, a invocada anulação. Limitação da responsabilidade. No contrato de locação financeira celebrado entre a autora e a B, folhas 13 e seguintes, diz-se no art. 15.º: "O contrato poderá ser resolvido por iniciativa do locador, sem qualquer outra formalidade, oito dias após a comunicação do locatário, por carta registada com aviso de recepção, no caso do locatário não pagar qualquer das rendas ou de não cumprir qualquer outra das condições gerais e especiais ou particulares deste contrato e bem assim no caso de suspensão da sua actividade económica ou profissional durante mais de três meses, venda judicial dos seus bens, situação que fundamenta a falência, morte, dissolução ou liquidação, com ressalva do disposto no art. 5.º do DL 171/79 de 6 de Junho. 2 - Em qualquer dos casos de resolução referidos no número anterior o locatário fica obrigado a: a) Restituir o equipamento ao locador em lugar indicado por este, correndo os encargos e riscos da operação de restituição, nomeadamente o seguro, por conta do locatário; b) Pagar as rendas vencidas e não pagas, acrescidas dos juros de mora calculados nos termos do n.º 7 do artigo 9.º bem como todos os encargos suportados pelo locador por força da resolução; c) A título de indemnização por perdas e danos sofridos pelo locador, pagar uma importância igual a 20% do resultado da adição das rendas ainda não vencidas, na data da resolução, com o valor residual de juros de mora calculados nos termos do n.º 7 do art. 9.º. 3 - Em alternativa ao n.º 2 pode o locador optar por exigir o pagamento do montante de todas as rendas vencidas acrescidas dos juros calculados nos termos do n.º 7 do art. 8.º, desde as datas do vencimento dessas rendas até às da sua efectiva cobrança, das rendas vincendas e do valor residual. 4- ................................................................................................................. ". Das alegações das recorrentes a este respeito resulta que a locadora resolveu o contrato e que nos termos do n.º 2 do artigo 15 a locatária ficava obrigada à devolução do equipamento, ao pagamento das rendas vencidas e não pagas e a uma percentagem de 20% do resultado da adição das rendas ainda não vencidas. Trata-se do interesse contratual negativo. Já nos termos do n.º 3 se estipula a indemnização nos termos do interesse contratual positivo. Todavia, a autora pediu a cumulação das duas indemnizações. Ora, tal pedido é ilegal. Com o devido respeito pelas doutas alegações produzidas e citações mencionadas, entendemos que elas não têm cabimento no caso dos autos. Com efeito um contrato é o de locação financeira celebrado entre a autora e a B, que não está em causa nos autos. O contrato em debate é o de seguro caução entre a autora e as recorrentes. Se não tivesse havido este seguro caução e as recorrentes representassem os interesses da B, poderiam elas invocar esse contrato e os termos que acima apontam. Mas como a B se obrigou a celebrar o seguro caução cujos termos constam das condições gerais e particulares do seguro, já a posição da B ficou subordinada ao que aí foi convencionado. Noutro passo das suas alegações e para efeito de reconvenção defendem as recorrentes que não devem ser responsabilizadas pelas rendas não pagas porque a autora demorou na informação dos sinistro quando havia rendas por pagar; por outro lado afirmam terem sido prejudicadas porque o veículo se desvalorizou entre o primeiro sinistro e a resolução do contrato. Conforme resulta do artigo 14.º das Condições Gerais da Apólice "A C fica subrogada nos direitos do beneficiário sobre o Tomador do seguro ou contra terceiros emergentes do presente contrato, até à concorrência da indemnização paga, obrigando-se o beneficiário a abster-se de praticar quaisquer actos ou omissões que possam prejudicar a sub-rogação sob pena de responder por perdas e danos". Desta forma a questão posta pelas recorrentes deverá ser equacionada entre elas e a B no âmbito do direito de sub-rogação. Não está em causa a violação do artigo 801 n.º 2 do C. Civil. Para com a autora, como acima se referiu, o pagamento devido pelas seguradoras é o das rendas vencidas e vincendas e demais quantias que constam do pedido principal. Nem está em causa qualquer confusão no seguro caução com a fiança. - "O seguro de caução, como resulta do art. 6.º do DL 183/88 de 24-5, cobre directa ou indirectamente, o risco de incumprimento ou atraso no cumprimento das obrigações que, por lei ou convenção, sejam susceptíveis de caução, fiança ou aval." Refere Almeida Costa (RLJ 129-20) que "o contrato de seguro de caução assume a função típica dum contrato a favor de terceiro: é celebrado entre a empresa seguradora e o devedor da obrigação a garantir ou o contragarante, a favor do respectivo credor (art. 9.º n.º 2"). Nas garantias pessoais autónomas que funcionam à primeira solicitação (on first demand) implicam que o garante pague a quantia garantida com base no mero pedido, solicitação ou exigência do beneficiário, sem que lhe seja admitido invocar qualquer excepção fundada na relação fundamental entre o tomador e o beneficiário (ver Almeida Costa e Pinto Monteiro, CJ XI-V-20 e ROA 52-532). O seguro de caução, onde se indica o tomador, a seguradora e o beneficiário, como é o caso da apólice de folhas 40 e onde se garante o beneficiário até ao limite do capital seguro da importância que devia receber do tomador do seguro em caso de incumprimento por este último da obrigação garantida, é, fundamentalmente, um negócio em favor de terceiro. Diz o art. 1.º n.º 1 do DL 183/88 que "os seguros dos ramos "crédito" e "caução" regem-se pelas disposições do presente diploma e, subsidiariamente, pelas normas sobre seguros em geral que não sejam incompatíveis com a natureza destes ramos". Não se pode entender aplicável, em geral, ao seguro de caução os princípios da autonomia que, normalmente, figuram nas garantias bancárias. Aqui trata-se dum negócio atípico, ao passo que o seguro vem regulado na lei e nela se estabelecem princípios que regulam este instituto e que podem ser incompatíveis com a autonomia. Veja-se que no caso do art. 8.º n.º 2 do DL citado se estabelece que a seguradora tem a faculdade de, na apólice, subordinar a eficácia do seguro a condições, bem como a estabelecer prazos constitutivos do sinistro. Daí que o fundamento principal que tipifica o seguro de caução seja a dum contrato a favor de terceiro (ver Almeida Costa, rev. cit. e Ac. STJ de 20-1-1998, BMJ 473-467 e de 2-10-1997 CJ(S) 5-3-45). Nestes contratos (art.s 443 e seg.s do C. Civil) o terceiro fica com o direito à prestação independentemente da aceitação. Conforme referem Meneses Cordeiro (O Direito, 123-675) e A. Varela (Das Obrigações em Geral, 6.ª ed. pág 383) há nos contratos a favor de terceiro duas relações: uma de cobertura ou provisão, entre o promitente e o promissário, e outra entre o promissário e o beneficiário, relação de valuta. O terceiro beneficiário pode aceitar o direito ou rejeitá-lo, enquanto a ele não tiver aderido (art. 447 n.º 1); e o promissário tem o direito de exigir do promitente o cumprimento. Daí que não se possa aceitar a afirmação das seguradoras nas suas alegações a folhas 763 de que resulta não merecer a menor crítica a caracterização do seguro caução com a fiança e que com a resolução deixaram de ser exigíveis quaisquer rendas por parte da B para além das já vencidas. Esta interpretação não está de acordo com os princípios acima referidos que caracterizam a o seguro caução. Improcedem, assim, as alegações na parte em que se pretende que a condenação devia limitar-se às quantias peticionadas nas alíneas a) e e) do pedido subsidiário. Nos termos expostos improcedem as alegações das recorrentes. Nega-se revista. Custas pelas recorrentes. Lisboa, 13 de Fevereiro de 2003 Simões Freire Ferreira Girão Luís Fonseca (vencido conforme declaração de voto junta) DECLARAÇÃO DE VOTO: Entendo que o objecto do seguro é o pagamento das rendas referentes ao aluguer de longa duração do veículo de marca Ford Fiesta , matrícula ...-CL.Com efeito, o contrato de seguro caução é um negócio formal, devendo ser reduzido a escrito num instrumento que constitui a apólice de seguro e, em regra, é pelas estipulações da apólice que o contrato se regulará - cfr. artigos 426º e 47º do Cód. Comercial. Sendo um negócio formal, não pode a declaração valer com um sentido que não tenha em mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso - cfr. nº1 do art. 238º do Código Civil, podendo esse sentido, porém valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade - cfr. nº2 do art. 238º. do Cód. Civil, podendo esse sentido, porém valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade - cfr. nº2 do art. 238º . Lê-se na apólice deste seguro, "condições particulares", que o objecto da garantia é o pagamento das rendas referentes ao aluguer de longa duração do veículo da marca Ford Fiesta, matrícula ...-CL , capital: 1.786.405$00 ; prémio: 15.706$00 ; e que o seguro é feito pelo prazo de 36 meses com início em 10/08/93 e termo em 9/8/96 . Daqui se verifica, conforme consta das condições particulares da apólice do contrato de seguro em causa, que o objecto do seguro caução é a garantia do pagamento das rendas referentes ao aluguer de longa duração do veículo Ford Fiesta, matrícula ...-CL, da qual é beneficiária a autora; e não as rendas do contrato de locação financeira. O sentido da declaração, apoiado no texto do documento, só pode ser o de que o objecto da garantia é o pagamento das rendas relativas ao aluguer de longa duração do veículo em causa, sendo a autora a beneficiária. Ora, se relativamente a tal veículo foram celebrados dois contratos - um de locação financeira entre a autora e a B e outro de aluguer de longa duração entre esta e um terceiro, dando ambos lugar a pagamento de rendas, o objecto da garantia do seguro caução refere-se ao contrato de aluguer de longa duração. E outro sentido não pode ter visto que as razões determinantes da forma - certeza e segurança jurídica, opõem-se a que a declaração possa ter outro sentido que não seja o que as condições particulares da apólice evidenciam. E o Protocolo subscrito pela B e a recorrente onde se fixam as regras que devem presidir à celebração dos contratos de seguro, confirmam este entendimento, assumindo um indiscutível valor interpretativo do objecto do contrato de seguro para resolver dúvidas do que efectivamente as partes quiserem segurar. Aliás, sendo o contrato de seguro um contrato a favor de terceiro, aproveita o beneficiário apenas nos precisos termos contratados entre a seguradora e o tomador do seguro (que são os previstos no protocolo) . Luís Fonseca |