Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00042892 | ||
Relator: | MIRANDA GUSMÃO | ||
Descritores: | SOCIEDADE COMERCIAL DIREITO À INFORMAÇÃO ÓNUS DE AFIRMAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | SJ200202280000177 | ||
Data do Acordão: | 02/28/2002 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 2214/00 | ||
Data: | 06/05/2001 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Área Temática: | DIR COM - SOC COMERCIAIS. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ARTIGO 342. CSC86 ARTIGO 290 N3. | ||
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Sumário : | I - Há recusa ilícita de informação, nos termos do art. 290, n. 3 do CSC sempre que o órgão competente denegue essa prestação ou forneça informação falsa, incompleta ou não elucidativa. II - Segundo os critérios de repartição do "ónus de afirmação", nos termos do art. 342 do Cód. Civil, o pleito será decidido contra a parte que não cumpriu esses ónus relativamente a factos indispensáveis à sua pretensão. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I 1. No 12º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, A intentou acção com processo ordinário contra Companhia de Seguros B, pedindo sejam anuladas as deliberações tomadas na Assembleia Geral da Ré; de 29 de Março de 1996, com o fundamento em que tal assembleia lhe recusou injustificadamente a prestação de informações que lhe solicitou, a que estava abrigada a satisfazer, e por não ser aceitável o pagamento da quantia de 851912992 escudos e 50 centavos nem se percebe a quem terá sido feito. 2. A Ré contestou, invocando abuso de direito. 3. O Autor replicou, pugnando pela improcedência da excepção. 4. No despacho saneador-sentença foi julgada a acção improcedente por não provada, absolvendo-se a Ré do pedido. 5. O Autor apelou. A Relação de Lisboa, por acórdão de 5 de Junho de 2001, negou provimento ao recurso. 6. O Autor pede revista, formulando conclusões nas suas alegações, no sentido de serem apreciadas as seguintes questões: a primeira, se as deliberações tomadas na Assembleia Geral da Ré sobre os três primeiros pontos da ordem dos trabalhos são anuláveis por recusa injustificada das informações requeridas; a segunda, se as deliberações são anuláveis com base numa segunda causa de pedir invocada; a terceira, se é abusivo o exercício do direito de informação por parte do autor; a quarta, se existe abuso de direito por parte do autor de impugnação das deliberações sociais. 7. O Réu/recorrido apresentou contra-alegações. Corridos os vistos, cumpre decidir. II Questões a apreciar no presente recurso. - A apreciação e a decisão do presente recurso, delimitada pelas conclusões das alegações, passa, fundamentalmente, pela análise de quatro questões: a primeira, se as deliberações da assembleia geral da Ré, de 29 de Março de 1996, sobre os três primeiros pontos da ordem dos trabalhos são anuláveis por recusa injustificada das informações requeridas; a segunda, se as deliberações são anuláveis com base numa segunda causa de pedir invocada; a terceira, se é abusivo o exercício do direito de informação por parte do autor; a quarta, se existe abuso de direito por parte do autor de impugnação das deliberações da assembleia geral da Ré, de 29 de Março de 1996. - A terceira e a quarta questões ficarão prejudicadas na sua apreciação caso a primeira questão sofra resposta no sentido de as deliberações não serem anuláveis. - Abordemos tais questões. III Se as deliberações da assembleia geral da Ré, de 29 de Março de 1996, sobre os três primeiros pontos da ordem dos trabalhos são anuláveis por recusa injustificada das informações requeridas. 1. ELEMENTOS a TOMAR em CONTA: 1. A Ré é uma Companhia de Seguros constituída sobre a forma de sociedade anónima, com o capital de 48600000 contos, representada por 48600000 acções no valor nominal de 1000 escudos cada uma, cotadas na Bolsa de Valores de Lisboa e matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n.º 1639. 2. O autor é accionista da Ré detendo 100 acções. 3. Em 26 de Março de 1996, o autor deslocou-se à sede social da Ré onde consultou os documentos e demais elementos a que se refere o artigo 289º, do Código das Sociedades Comerciais, aí colocadas à disposição dos accionistas e processou informações respeitantes à compra pela Ré do capital do Banco C na sequência de acordo outorgado por D em Dezembro de 1994 com o grupo E. 4. Em 29 de Março de 1996 reuniu a assembleia geral ordinária da Ré em primeira convocação, com a seguinte ordem de trabalhos: Ponto 1. - deliberar sobre o relatório de gestão, as contas do exercício e demais documentos de prestação de contas respeitantes ao exercício de 1995, bem como o relatório de gestão e as contas consolidadas relativas ao mesmo exercício. Ponto 2. - deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados. Ponto 3. - proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade. 5. A assembleia geral ordinária da Ré decorreu nos termos da acta certificada a fls. 45/56 dos autos. 6. Constata-se desta acta que posto à discussão o ponto 1., o sócio A leu um documento, transcrito em acta, onde formula 13 (treze) perguntas, sendo as primeiras sete relativas à compra pela Ré do capital do Banco C, na sequência de acordo outorgado por D em Dezembro de 1994; a pergunta 8ª versou a questão de saber se a Ré e ou sociedades coligadas financiaram partidos políticos e/ou políticos, quais, como e quando; a pergunta n.º 9, consiste em pretender saber a quem, quando e como comprou o C e F as 2536164 acções da G; as perguntas 10 a 13, versam directamente a pessoa de D, créditos e financiamentos relacionados com a Ré, o F e o C ou sociedades coligadas. 7. Conforme consta da acta do Sr. Presidente do Conselho de Administração depois de citar os elementos informativos constantes das páginas quinze e vinte quatro do Relatório do Conselho de Administração, passou a responder às perguntas escritas do sócio A nos moldes constantes da acta, que aqui se dá por reproduzida. 8. Conforme consta da acta o senhor accionista A votou contra o ponto um, que foi aprovado com o seu voto contra e com uma abstenção, tendo lido uma declaração de voto do seguinte teor: "Por não terem sido prestadas informações requeridas ao abrigo do artigo 290º do Código das Sociedades Comerciais, e porque a recusa das informações não foi justificada, voto contra o ponto um da ordem dos trabalhos". 9. Conforme consta da acta, antes do ponto 1 ser posto à votação, o Senhor accionista A pediu novamente a palavra para dizer que não se considerava satisfeito com a resposta dada pelo Senhor Presidente do Conselho de Administração. 10. Conforme consta da acta, pediu de seguida a palavra o Senhor accionista H para afirmar que o artigo 290º do Código das Sociedades Comerciais refere muito claramente quais são as informações que o accionista pode obter e decorre de tal disposição que as questões colocadas por mera curiosidade estão fora daquele âmbito e que as perguntas feitas acerca de um contrato tinham sido respondidas de forma cabal, até porque, como é óbvio, o Conselho de Administração não traz consigo todos os contratos celebrados pela sociedade durante o ano de mil novecentos e noventa e cinco. 11. Conforme consta da acta, o senhor accionista A votou contra o ponto 2, que foi aprovado por maioria com 294771 (duzentos e noventa e quatro mil setecentos e setenta e um) votos a favor e um voto contra. 12. Conforme consta da acta, entrando no ponto 3, o senhor accionista A afirmou que colocava ao Conselho Fiscal as questões que tinha colocado ao Conselho de Administração e que não tinham sido respondidas. 13. Conforme consta da acta, o Presidente do Conselho Fiscal respondeu que as questões colocadas já tinham sido cabalmente respondidas pelo Presidente do Conselho de Administração, tendo pedido a palavra o accionista A para perguntar em que data foram pagos os cerca de quinze milhões de contos ao E pela aquisição da participação no C, tendo respondido o Presidente do Conselho de Administração a dizer não estar em condições de responder com exactidão à pergunta por não ter de memória as datas em que foram feitos os pagamentos à E. 2. POSIÇÃO das INSTÂNCIAS e das PARTES: 2.a) A Relação de Lisboa depois de aderir à fundamentação fáctica e jurídica da decisão da primeira instância (onde se defendeu não assistir ao autor, atento o número de acções de que era titular, o direito à informação que se arroga, com base em interpretação do artigo 290 n. 1 do Código das Sociedades Comerciais), sustenta que na assembleia geral, e sem embargo de algumas das perguntas formuladas não terem qualquer relação com os negócios sociais da Ré, foram-lhe fornecidas informações e esclarecimentos adequados e compatíveis com as possíveis em assembleia geral. 2.b) O autor / recorrente sustenta que as deliberações da assembleia geral da Ré, de 29 de Março de 1996, sobre os pontos da ordem dos trabalhos são anuláveis por as respostas dadas serem insuficientes, porquanto, por um lado, a afirmação do capital do C foi feita directamente ao E vinha confirmar as passagens do relatório do Conselho de Administração que referem a cessão feita à Ré por D, pelo que o Autor tinha o direito a ser informado sobre o teor dessa cessão e do contrato-base, bem como sobre as datas dos pagamentos efectuados, a fim de poder verificar se havia ou não discrepância entre o valor despendido segundo as contas apresentadas e os preços reais de aquisição. Por outro lado, nenhum elemento factual foi fornecido quanto aos montantes e destinatários políticos efectuados, como nada foi, também dito quanto a pagamentos ou financiamentos, directos ou indirectos, feitos a D (pergunta n.º 10) nem quanto a vendas, compras ou dações em pagamento à Ré (perguntas n.ºs 12 e 13). 2.c) A Ré/recorrida sustenta não serem anuláveis as deliberações da assembleia geral da Ré, de 29 de Março de 1996, porquanto, por um lado, foram facultados ao Autor todos os elementos e documentos que a lei exige sejam facultados aos accionistas em geral, como o Autor confessa quando alega que "em 26 de Março de 1996, deslocou-se à sede social da Ré, onde consultou os documentos e demais elementos a que se refere o artigo 289º do C.S.C., aí colocados à disposição dos accionistas - artigo 5º da p.i. -; por outro lado, a Ré, através do seu presidente do Conselho de Administração prestou as informações exigíveis e proporcionadas para permitirem ao autor formar opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberações. Que dizer? 3. A questão colocada terá resposta facilitada na análise de duas subquestões: a primeira, quando há recusa ilícita de informação em assembleia geral de sociedade anónima; a segunda, o ónus de afirmação na acção de anulabilidade de deliberações com base na recusa injustificada das informações. A) 1.ª Subquestão: quando há recusa ilícita em assembleia geral de sociedade anónima. 1. A recusa ilícita de informação em assembleia geral não constituiria causa de anulabilidade da deliberação nos termos gerais do artigo 58 do CSC; por isso o artigo 290 n. 3 comina expressamente essa nulidade, desorte que deve haver ligação clara e directa entre a informação e o assunto sujeito a deliberação literalmente entendida, o artigo 290 n. 3 não considera anulável a deliberação se alguma informação foi prestada, embora falsa, incompleta ou não elucidativa. Esse n.º 3 sanciona, porém, a falta de cumprimento do dever de prestação de informações "verdadeiras, completas e elucidativas", prescrito no n.º 1 e deve ser entendido com a mesma latitude: cfr. RAÚL VENTURA, Sociedade por Quotas, vol. I, 2.ª ed., 317. No mesmo sentido PINHEIRO TORRES que escreve: "Existe recusa de informação no sentido de recusa ilícita de informação sempre que o órgão competente para a sua prestação, face a uma solicitação feita por um ou mais sócios, nas condições de legitimidade estabelecidas na lei, quando admissível e nos limites fixados, denegue essa mesma prestação ou forneça informação falsa, incompleta ou não elucidativa. Assim é possível concluir para as sociedades anónimas dos artigos 292, n. 1 e 271, n.s 2 e 4 - cfr. O DIREITO a INFORMAÇÃO nas SOCIEDADES COMERCIAIS, págs. 217. 2. Qual o critério com base no qual se pode atribuir à falta de informações o efeito de produzir a anulabilidade de uma deliberação social, conhecidas as consequências que os sobressaltos ligados à anulação de deliberações sociais - ou tão só a ameaça dessa anulação - provocam sobre a vida social? PINHEIRO TORRES aponta o critério quando escreve: "Esse efeito apenas deve ser admitido nos casos em que a consideração, no que este conceito integra da ideia de valoração, do interesse do sócio sobreleva a do interesse da sociedade na estabilidade da sua vida e actividade ...". "Assim, só quando a falta de informação tenha efectivamente viciado a manifestação de vontade do sócio sobre o assunto sujeito a deliberação é que deverá admitir-se a solução da anulabilidade: é necessário que a não prestação de informação tenha influído directa e decisivamente no sentido da deliberação, por ter impedido que a vontade do sócio votante se manifestasse de forma completamente esclarecida ou por ter determinado a ausência do sócio da assembleia. Assim resulta, também do texto do artigo 290 n. 1, segundo o qual a prestação de informações deve permitir ao accionista "formar opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberação" - cfr. obra citada, págs. 283/284. 3. Conforme sublinha, RAÚL VENTURA, há um aspecto delicado do pedido e da prestação de informação em assembleia que é o da conjugação com o fornecimento da assembleia: o pedido ser de tal natureza que a resposta não possa ser dada durante o tempo normal de funcionamento da assembleia e, por isso, interferir com esta, de sorte que "um órgão social ... deve ter conhecimento de todos os factos relativos à sociedade, mas às pessoas que o compõem não é lícito exigir aquilo que razoavelmente não pode ser pretendido de qualquer pessoa designadamente que respondam a qualquer pergunta sem se socorrerem de elementos pessoais ou materiais ou que tenham ao seu alcance, por ocasião da assembleia, todos esses elementos. "Assim, o accionista não pode legitimamente esperar que na assembleia lhe sejam prestadas informações que exigem demorada consulta a elementos cuja presença na assembleia ou ao alcance imediato nessa altura não seja razoável pretender" - cfr. OBRA CITADA, págs. 304/305. B) 2.ª Subquestão: o ónus de afirmação na acção de anulabilidade de deliberação com base na recusa injustificada das informações. 1. Em homenagem ao princípio dispositivo, a adução do material de facto a utilizar pelo juiz para a decisão da causa só compete, em princípio, às partes: a estas corresponde proporcionarem ao juiz, mediante as suas afirmações de facto (não notórias) a base factual da decisão. Cada uma das partes suporta, em resultado do princípio dispositivo, um ónus de afirmação. Decidir que um ónus de afirmação incumbe a uma das partes significa que será julgado o pleito contra si, se os factos não alegados forem indispensáveis à sua pretensão. O problema do ónus de afirmação não deixa de ser idêntico ao do ónus da prova, de tal sorte que estamos como MANUEL de ANDRADE quando diz que os critérios gerais para a repartição do ónus da prova valem do mesmo modo para o ónus de afirmação. Estes critérios, em conformidade com o artigo 342º, do Código Civil, sintetizam-se no seguinte: - o autor terá o ónus de afirmar os factos constitutivos correspondente à situação de facto (tatbstand) traçado na norma substantiva em que funda a sua pretensão; - ao réu, compete-lhe a alegação de factos impeditivos ou extintivos da pretensão da contraparte determinados de acordo com a norma em que assenta a excepção por ele invocada - cfr. Noções de Processo Civil, 1956, págs. 189. 2. Presentes as considerações feitas a propósito da 1.ª subquestão (quando há recusa ilícita em assembleia geral de sociedade anónima) e, ainda, os critérios gerais para a repartição do ónus de afirmação, habilitados estamos para precisar que em acção de anulação de deliberações em assembleia geral de sociedade anónima com base em recusa ilícita de informações, o Autor terá de alegar que: - as informações pedidas são necessárias para formar opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberação; - ter havido recusa ilícita de informação quer por certa e determinada informação não ter recebido resposta quer por as respostas terem sido falsas, incompletas ou não elucidativas, com a devida individualização das informações e das respectivas respostas; - os órgãos sociais recusaram-se a dar as informações solicitadas (ou deram informações falsas, incompletas ou não elucidativas), apesar de disporem, no momento (ou seja, na assembleia que está a decorrer), de todos os elementos para darem respostas a cada uma das informações pedidas e, ainda, de darem respostas verdadeiras, completas e elucidativas; - a falta de informação viciou a manifestação da sua vontade sobre o assunto sujeito a deliberação. C) A solução da questão: se as deliberações da assembleia geral da Ré, de 29 de Março de 1996, são anuláveis por recusa injustificada das informações requeridas. Conforme se sublinhou, a questão colocada terá resposta facilitada na análise das duas subquestões. - A primeira subquestão permite-nos precisar que só existe recusa ilícita de informações quando, por um lado, a informação é necessária à formação da vontade sobre o assunto em questão e houve recusa ou, pelo menos, resposta não verdadeira, incompleta ou não elucidativa; por outro lado, necessário será que os órgãos sociais tenham à sua disposição, no decurso da assembleia geral onde o accionista pediu informações todos os elementos para darem quer a informação solicitada, quer a informação verdadeira, completa e elucidativa. - A segunda questão foi analisada no sentido de precisar-se em que se traduz o ónus de informação por parte do accionista que intenta acção de anulação de deliberações de assembleia geral de sociedade anónima com base em recusa ilícita de informações. Face à analise destas subquestões, dúvidas não subsistem que as deliberações de assembleia geral da Ré, de 29 de Março de 1996, não são anuláveis para o autor não ter cumprido o seu ónus de afirmação. Na verdade, a análise da petição inicial permite-nos precisar que o Autor não alegou o que devia ser alegado em relação a cada uma das perguntas e respectiva resposta: que a resposta à pergunta era falsa, incompleta ou não elucidativa e, ainda, que essa resposta poderia ter sido completa, verdadeira e elucidativa dado quer o Presidente do Conselho de Administração quer o Presidente do Conselho Fiscal disporem, no momento (ou seja, na própria assembleia geral) dos elementos necessários. IV Se as deliberações são anuláveis com base numa segunda causa de pedir invocada. 1. ELEMENTOS a TOMAR em CONTA: 1. Recusadas injustificadamente as informações pedidas, as deliberações tomadas sobre os três primeiros pontos de ordem dos trabalhos ... são anuláveis (artigo 36º da p.i.). 2. Tal como está, a primeira deliberação é ainda anulável por não ser aceitável o pagamento da quantia referida em 34., nem se perceber a quem terá sido feito, sendo reflexamente anuláveis as duas outras deliberações (artigo 37º, da p.i.). 3. Efectivamente, sendo de 14648087007 escudos e 50 centavos a parte devida pela Ré ao E e tendo por bem o esclarecimento de que com mais ninguém a Ré negociou e, portanto, a mais ninguém pagou fosse o que fosse pela referida operação, tem de se concluir que os 851912992 escudos e 50 centavos não foram despendidos (artigo 38º da p.i.). 4. Consequentemente, essa quantia tem de ser adicionada ao lucro apresentado, totalizando a soma de 2547690224 escudos e 10 centavos (artigo 39º, da p.i.). 5. Tal como está, a acção não pode deixar de ser decidida já no despacho saneador, devendo ter-se por demonstrada a falta de informação e, até prova em contrário, a injustificação do pagamento pela Ré dos 851912992 escudos e 50 centavos, referentes aos juros da operação (ambas causas de pedir na acção) - artigo 28º, da Réplica. 2. POSIÇÃO da RELAÇÃO e das PARTES: 2.a) A Relação de Lisboa decidiu não existir segunda causa de pedir invocada pelo autor, porquanto, por um lado, a causa de pedir fora invocada no artigo 28º da Réplica, porém extemporaneamente, por não ser admissível alteração ou ampliação da causa de pedir na réplica. Por outro lado, a matéria alegada pelo autor no artigo 37º da p.i., está englobada na 1.ª causa pedir, não constituindo, pois, causa de pedir autónoma. 2.b) O autor/recorrente sustenta que invocou uma segunda causa de pedir: a irregularidade do relatório de gestão e das contas do exercício relativos a 1995, consistente na injustificação do pagamento pela Ré da quantia de 850000 contos, contabilizados naqueles documentos, mas que, na realidade, não foi efectuado, ou seja, invocou com base nos factos alegados na petição inicial (artigos 37º a 39º), a anulabilidade derivada da irregularidade das contas apresentadas e, por conseguinte, dos lucros aprovados. 2.c) A Ré / recorrida defende que o Autor sustentou o seu pedido de anulação das deliberações, quer na petição inicial quer na réplica, com base em violação pela Ré do seu dever de informação e não com base em qualquer irregularidade do relatório ou das contas. Por outro lado, o Autor / recorrente não alegou sequer quaisquer factos que fundamentassem o seu pedido de anulação das deliberações ao abrigo do disposto no artigo 69 n.s 1 e 2, do C.S.C., pelo que, em qualquer caso, nunca poderia tal pedido proceder. Que dizer? 3. Os elementos a tomar em conta para a solução da presente questão permitem-nos precisar que, por um lado, o Autor invocou uma segunda causa de pedir da anulação das deliberações da assembleia geral da Ré, de 29 de Março de 1996: precisamente a irregularidade do relatório de gestão e das contas do exercício relativo a 1995, consistente na injustificação do pagamento pela Ré da quantia de 850000 contos. Por outro lado, o Autor não cumpriu o ónus de afirmação na medida em que a invalidade das deliberações deriva não da violação do artigo 58º do Código das Sociedades Comerciais, mas da do artigo 69º, n.º 1 que prescreve que: "a violação dos preceitos legais relativos à elaboração do relatório de gestão, das contas do exercício e de demais documentos de prestação de contas torna anuláveis as deliberações tomadas pelos sócios". Dado que o Autor não alegou factos subsumíveis à causa de pedir invocada, a questão terá de ser decidida no sentido, de que as deliberações em causa não são anuláveis. V Conclusão: Do exposto, poderá extrair-se que: 1) Há recusa ilícita de informação, nos termos do artigo 290, n. 3, do Código das Sociedades Comerciais, sempre que o órgão competente denegue essa prestação ou forneça informação falsa, incompleta ou não elucidativa. 2) Segundo os critérios de repartição do "ónus de afirmação", nos termos do artigo 342, do Código Civil, o pleito será decidido contra a parte que não cumpriu esse ónus relativamente a factos indispensáveis à sua pretensão. Face a tais conclusões, em conjugação com as conclusões chegadas na apreciação das questões, poderá precisar-se que: 1) O autor não alegou factos indispensáveis à sua pretensão: anulação das deliberações da assembleia geral da Ré, de 29 de Março de 1996, quer com base na recusa injustificada de informações quer com base na irregularidade do relatório de gestão e das contas do exercício relativas a 1995. 2) O acórdão recorrido não merece censura dado que não inobservou o afirmado em 1. Termos em que se nega a revista. Custas pelo recorrente. Lisboa, 28 de Fevereiro de 2002 Miranda Gusmão, Sousa Inês, Nascimento Costa. 12º Juízo Cível de Lisboa - P. 359/96 - 3.ª Secção. T. Relação de Lisboa - P. 2214/00 - 1.ª Secção. |