Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A2989
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SILVA SALAZAR
Descritores: FALÊNCIA
APENSAÇÃO DE PROCESSOS
Nº do Documento: SJ200610310029896
Data do Acordão: 10/31/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :
I - Da conciliação dos arts. 154.º, n.º 3, e 175.º, n.º 3, ambos do CPEREF, e atendendo a que a finalidade da apensação de processos aos autos de falência é facultar ao liquidatário judicial a liquidação do activo com inclusão dos próprios bens apreendidos naqueles processos, pressupondo portanto o último dos referidos normativos que tais bens ainda não tenham sido vendidos, resulta que, para reduzir ao mínimo os inconvenientes que da apensação resultariam para o exequente, esta, na execução em que haja outros executados além do falido, só deverá ter lugar quando os bens inicialmente apreendidos ainda não tenham sido objecto de venda, visto que, nessa hipótese, a liquidação do activo deve ser efectuada pelo liquidatário judicial (art. 180.º do CPEREF).
II - No caso contrário, isto é, se a venda já tiver sido efectuada, não se suscita qualquer necessidade de apensação por o liquidatário já não ter que providenciar por tal venda e facilmente o produto desta poder ser posto à ordem do processo de falência mesmo sem à apensação se proceder.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em 9/7/90, no Tribunal Cível da comarca de Lisboa, o Banco ……., S.A., actualmente Banco ………, S.A., Sociedade Aberta, instaurou a presente acção executiva para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, contra L…….., L.da, AA, BB e mulher, CC, e DD.
No âmbito desta execução foram penhorados os bens móveis pertencentes à executada L……. identificados no auto de penhora de fls. 34.
Tais bens foram vendidos pelo preço de 29.927,87 euros, e os autos foram oportunamente remetidos à conta para liquidação do depositado, tendo, uma vez pagas as custas da execução, ficado depositada à ordem destes autos a quantia de 28.492,97 euros.
O Banco ……. requereu a passagem do respectivo precatório – cheque para levantamento da quantia depositada, mas, vindo aquela executada L…… a ser declarada falida por sentença de 18/7/03, transitada em julgado, acabou por ser proferido despacho que determinou a apensação dos presentes autos ao processo de falência.
Deste despacho recorreu o Banco….. para a Relação, mas sem sucesso, uma vez que a Relação negou provimento ao recurso e confirmou a decisão ali recorrida.
É do acórdão que assim decidiu que vem interposto o presente recurso, de novo pelo Banco …….
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Antes de mais, e para maior clareza, desde já se procede à enumeração dos factos assentes:
Os factos:
O ora recorrente, então sob a denominação de Banco…….., S.A, (actualmente ……, S.A.), instaurou acção executiva para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo ordinário, contra L….., L.da, e outros, tendo no requerimento executivo indicado à penhora um conjunto de teares “Somet“ que asseguravam o seu crédito através de penhor mercantil anteriormente constituído;
Esses teares, pertencentes àquela executada, foram penhorados em 20/03/91, conforme auto de penhora de fls. 34, vindo a ser vendidos pelo preço de 29.927,87 euros em 12/3/02, conforme fls. 302, após o respectivo depósito desse produto da venda em 19/02/02, conforme fls. 301;
Em 10/05/02, o ora recorrente requereu a remessa dos autos à conta (fls. 310), o que foi deferido por despacho que determinou a sustação da execução e a remessa à conta, com custas pelos executados, bem como o cumprimento do disposto no art.º 844º (retribuição do depositário) do C.P.C., em 17/06/02 (fls. 311);
Os autos foram remetidos à conta para liquidação do depositado (fls. 333/334), e, depois de pagas as custas da execução e a remuneração do depositário, ficou ainda depositada à ordem dos mesmos autos a quantia de 28.492,97 euros;
O Banco …….., S.A., foi notificado da conta e da liquidação do julgado para efeito de reclamação, por carta de 22/11/02 (fls. 334/335), com a seguinte anotação:

Liquidação do julgado
Depositado € 29.927,87
Pagamentos
Custas da execução € 1.434,90
Capital em dívida € 435.940,34
Juros vencidos até 19.02.02 € 1.839.462,14
Despesas € 17.437,86

Imposto de selo
€ 2.519.910,17
Continua em dívida ao exequente € 2.491.417,20.
Precatórios cheques a passar
A favor do Secretário de Justiça € 1.434,90
A favor do Exequente, quando solicitado € 28.492,97

Lisboa, 22 de Novembro de 2002.

Face à liquidação do julgado precedentemente anotada, o Banco …….. requereu, em 03/12/02 a emissão a seu favor do competente precatório cheque para levantamento da quantia depositada (fls. 337), mas em 17/12/02 (fls. 338) foi junto ofício do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca de Guimarães a comunicar que em processo especial de recuperação de empresa contra a L………, L.da, fôra proferido o despacho a que se referia o art.º 28º do C.P.E.R.E.F.,;
Por sentença do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca de Guimarães de 18/7/03, transitada em julgado em 25/8/03, foi, porém, a executada L…………, L.da, declarada falida, conforme certidão de fls.363/364;
Por requerimento datado de 11/1/04 e entrado em Juízo em 13/1/04, a fls. 357 e 382, o liquidatário judicial da massa falida requereu que a quantia relativa à venda efectuada nestes autos e que à ordem dos mesmos se encontrava fosse depositada à ordem do processo de falência, ao que o Banco…………., notificado, se opôs (fls. 367/368);
Por despacho de 19/11/04, a fls. 389/390, foi ordenada a apensação dos presentes autos ao processo de falência que corre termos sob o n.º ……….., no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Guimarães.

II – Alegações:

Nas alegações que apresentou, formulou o recorrente as seguintes
Conclusões:
1ª - O Meritíssimo Juiz do Tribunal “ a quo “, por despacho de 19 de Novembro de 2004, face à declaração de falência da executada L……….., invocando o disposto nos art.º 154º, n.º 3 e 175º n.º 3 do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), determinou a remessa dos autos de execução para o 3º Juízo do Tribunal Judicial de Guimarães, para apensação ao processo de falência que ali corre sobre o n.º …………;
2ª - A interpretação do estabelecido nos art.ºs 154º e 175º do CPEREF, não deve cingir-se à letra da lei, mas antes atender aos elementos sistemáticos, substanciais e racionais que a norma encerra;
3ª - Mesmo de acordo com a letra da lei, n.º 3 do artigo 154º do CPEREF, a declaração de falência não obsta ao prosseguimento de execução em que houver outros executados, prosseguindo contra estes;
4ª - Por outro lado, em 10.05.2002, o ora recorrente requereu a remessa dos autos à conta (fls. 310), pedido deferido por douto despacho “ À conta, com custas pelos executados. “ cumpra o disposto no art.º 844º do CPC”, de 17.06.2002 (fls. 311 );
5ª - A fls. 363 dos autos acha-se junta certidão do 3º Juízo de Guimarães donde consta que a falência da executada L……….., L.da, foi declarada em 18.07.2003 (fls. 364);
6ª - O pedido de apensação da acção formulado pelo senhor Liquidatário da falência da L……….., L.da, ocorreu em 18.10.2004 (fls. 382);
7ª - As custas do processo de execução encontram-se liquidadas por cheque precatório emitido a favor do Secretário de Justiça do valor que, no caso, coube, no montante de € 1.434,90 (fls. 353), bem como o competente pagamento ao depositário dos bens;
8ª - No caso em análise, estamos perante uma instância com liquidação do julgado e “pendente“ de apenas meros actos administrativos de secretaria, não jurisdicionais, de tal sorte que apenas ao exequente, ora recorrente, não foi entregue o competente precatório cheque;
9ª - O douto despacho sob recurso violou o disposto nos art.ºs 9º do Código Civil, 154º, n.º 3 , e 175º, do CPEREF, e art.º 287º do CPC.

Termina pedindo a revogação do despacho recorrido e que seja proferido outro a ordenar a entrega ao recorrente do valor de € 28.492,97, valor apurado na liquidação do julgado, bem como a revogação do despacho que ordenou a apensação dos autos de execução ao processo de falência da L…., L.da.
Não houve contra alegações.
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Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
Ao invés do que sustenta o Banco recorrente, pelo menos nos presentes autos, a fls. 382, não se encontra, nem em qualquer outra parte do processo, requerimento do Sr. liquidatário judicial a pedir a apensação dos presentes autos aos de falência: o que naquela folha consta é um requerimento do Sr. liquidatário judicial no sentido de o depósito existente nestes autos ser posto à ordem do processo de falência.
Por outro lado, o despacho da 1ª instância que deu origem ao recurso para a Relação, e de seguida para este Supremo, nada decide, nem num sentido nem noutro, sobre tal requerimento do Sr. liquidatário judicial, nem sobre o anterior requerimento do Banco ora recorrente no sentido de lhe ser passado precatório – cheque para levantamento do montante depositado.
Limita-se esse despacho a, oficiosamente, determinar a remessa dos presentes autos para apensação ao processo de falência, decisão essa que foi confirmada pelo acórdão recorrido.
Assim, o que está em causa neste recurso é apenas saber se deve ou não ser feita a decretada apensação, não cabendo aqui decidir se deve ou não ser emitido o precatório – cheque requerido pelo Banco recorrente ou se o montante depositado à ordem dos presentes autos deve ou não ser colocado à ordem do processo de falência. Isto porque, como é sabido, os recursos se destinam a reapreciar questões decididas no Tribunal recorrido e não a proferir decisões sobre questões nele não objecto de apreciação e decisão, a menos que se trate de questões de conhecimento oficioso, o que aqui não se verifica (art.º 676º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil).
Ora, dispunha o art.º 154º, n.º 3, do C.P.E.R.E.F., que “a declaração de falência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva contra o falido; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes”.
Por sua vez, o n.º 3 do art.º 175º do mesmo diploma dispunha que “o Juiz requisitará ao tribunal ou entidade competente a remessa, para efeitos de apensação aos autos da falência, de todos os processos nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens do falido”.
E, embora se saiba haver quem sustente que dos termos deste último dispositivo resulta que, tendo sido apreendidos bens do falido em alguma outra acção, esta terá de ser sempre apensada ao processo de falência ainda que naquela outra acção sejam demandados não só o falido mas também terceiros, entende-se que da conjugação daqueles dois dispositivos resulta a necessidade de limitar essa apensação aos casos em que a mesma se imponha, dispensando-a quando desnecessária.
Na verdade, correndo um processo executivo instaurado contra alguém que, em processo próprio, venha a ser declarado falido, e havendo na mesma execução outros executados, essa execução, mesmo que ainda se encontre pendente em relação ao falido, não pode já prosseguir contra ele, mas tem, por imposição legal tendente a possibilitar ao exequente que tente obter por todos os meios ao seu alcance o pagamento das quantias a que tenha direito, de prosseguir contra os demais executados.
Ora, a apensação dos autos ao processo de falência, sem mais, impediria manifestamente o prosseguimento da execução contra os demais executados, o que retiraria coerência à citada regulamentação legislativa.
Assim, da conciliação daqueles dois preceitos, e atendendo a que a finalidade da apensação é facultar ao liquidatário judicial a liquidação do activo com inclusão dos próprios bens apreendidos nos processos a apensar, pressupondo portanto o n.º 3 do citado art.º 175º que os bens apreendidos inicialmente em tais processos ainda não tenham sido vendidos, resulta que, para reduzir ao mínimo os inconvenientes que da apensação resultariam para o exequente, esta, na execução em que haja outros executados além do falido, só deverá ter lugar quando os bens inicialmente apreendidos a este ainda não tenham sido objecto de venda, visto que nessa hipótese a liquidação do activo deve ser efectuada pelo liquidatário judicial (art.º 180º do C.P.E.R.E.F.).
No caso contrário, isto é, se a venda já tiver sido efectuada, não se suscita qualquer necessidade de apensação por o liquidatário já não ter que providenciar por tal venda e facilmente o produto desta poder ser posto à ordem do processo de falência mesmo sem à apensação se proceder, se for caso disso, - coisa que neste recurso não há, como se disse, que decidir -, não se justificando em consequência a produção do inconveniente que para o exequente consistiria na impossibilidade de fazer prosseguir a execução contra os demais executados.
Foi, aliás, certamente por isso que o liquidatário judicial não requereu, pelo menos nos presentes autos, a apensação, mas apenas a colocação do montante depositado à ordem do processo de falência.
Por outro lado, a apensação não podia ser feita oficiosamente, como resultava do disposto no n.º 1 do citado art.º 154º. Isto é, tinha de ser requerida pelo liquidatário judicial, com fundamento na conveniência para a liquidação, - e se ele não a requereu é porque não a entendeu conveniente -, ou, na hipótese do n.º 3 do citado art.º 175º, de ser requisitada pelo Juiz da falência após informação do liquidatário, que consequentemente sempre se poderia certificar da regularidade da alienação.
Nenhuma destas hipóteses se mostra ter ocorrido nos presentes autos.
Por tudo, não havia lugar ao decretamento da apensação, embora não haja também, neste recurso, pelos motivos acima expostos, que decretar a emissão do precatório – cheque pretendido pelo recorrente.
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Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento parcial ao recurso e em revogar o acórdão recorrido, bem como o mencionado despacho da 1ª instância.
Custas na proporção de metade pelo Banco recorrente e metade pela sociedade executada.
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Lisboa, 31 de Outubro de 2006

Silva Salazar
Afonso Correia
Ribeiro de Almeida