Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02B1834
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Nº do Documento: SJ200206270018342
Data do Acordão: 06/27/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 761/01
Data: 01/14/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça :

1. A, viúva, residente em Lama, freguesia de Freamunde, Paços de Ferreira, por si e na qualidade de legal representante de seus filhos menores B e D, intentou acção sumária para efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação contra a COMPANHIA DE SEGUROS D, com sede na Av. da..., 4000, Porto, pedindo a condenação desta a pagar à A. e seus representados a quantia de 29106000 escudos.
Fundamentou o pedido em factos que implicam a responsabilidade civil, transferida contratualmente para a ré, do condutor do veículo ligeiro de passageiros de matrícula QI, o qual, ao aproximar-se de um cruzamento e tendo pela sua frente o sinal de "Stop", não parou e foi embater no velocípede com motor de matrícula 2-PFR que circulava já pelo aludido cruzamento.
Solicitou, em consequência, a condenação da Ré, por danos patrimoniais e não patrimoniais.

2. Pelo CENTRO NACIONAL DE PENSÕES foi deduzido pedido de reembolso no montante de 594160 escudos a titulo de subsídio por morte e pensão de sobrevivência.

3. Pelo Centro Regional de Segurança Social do Norte foi deduzido pedido de reembolso no montante de 25890 escudos a título de subsídio de funeral.

4. Contestou a ré, impugnando os danos decorrentes de tal evento, aceitando, porém, a versão que do mesmo deu a autora.

5. Ainda pela R. foi deduzido o incidente de intervenção principal provocada da ALIANÇA SEGURADORA SA, alegando, em síntese, que o evento foi simultaneamente de viação e de trabalho.

6. Admitida a intervir, veio essa interveniente deduzir pedido de condenação da Ré a reconhecer a sua obrigação de reembolsar a interveniente por todas as quantias que a mesma já despendeu ou venha a despender a favor dos titulares do direito à reparação do foro laboral e a pagar o montante correspondente a tais quantias.

7. Por sentença de 7-9-99, o Mmo Juiz da Comarca de Paços de Ferreira julgou a acção procedente e, em consequência, condenou a R. a pagar à A. e seus representantes a quantia de 29106000 escudos, a título de danos patrimoninais (fixando a respectiva parcela em 20059000 escudos para se conter dentro dos limites do pedido) e não patrimoniais, acrescida dos juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde a sua citação até efectivo pagamento.
Julgou igualmente procedente o pedido da interveniente Aliança Seguradora, condenando, em consequência, a R. a reembolsar aquela das quantias que despendeu e venha a despender a favor dos titulares à reparação no foro laboral.
Absolveu porém a Ré seguradora do pedido de reembolso contra si deduzido pelo CNP e pelo CRSS do Norte.

8. Inconformada com essa decisão, dela veio a Ré COMPANHIA DE SEGUROS D apelar, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 14-1-02, negado provimento a esse o recurso mas concedido provimento ao recurso do CNP quanto ao reembolso do subsídio de funeral, no montante de 25890 escudos, por parte da A., nessa parte revogando a decisão recorrida.

9. Inconformada com tal aresto, dele veio a mesma Ré COMPANHIA DE SEGUROS D recorrer de revista para este Supremo Tribunal, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões :
1ª- Na fixação da indemnização devida às AA. por danos patrimoniais devem considerar-se os valores por elas recebidos e a receber de outras entidades, de modo a que não haja duplicação, pelo menos parcial, da indemnização;
2ª- Por isso, a indemnização por danos patrimoniais - lucros cessantes, pela perda da capacidade de ganho da vítima deve quantificar-se em 8500000 escudos;
3ª- A indemnização por danos não patrimoniais deve, por força da lei, ser fixada actualizadamente à data da sentença, pelo que, sobre ela, os juros apenas são devidos a partir desta e não da citação.
Foram violados os artigos 562º, 566°, nº 2 e 3 e 805°, nº 3 do C. Civil.

10. Contra-alegou a recorrida A sustentando a correcção do julgado.

11. Colhidos os vistos legais, e nada obstando, cumpre apreciar e decidir.

12. Em matéria de facto relevante, limitou-se a Relação a remeter para a já assente em 1ª instância, o que fez ao abrigo do disposto no nº 6 do artº 713º do CPC, com excepção da resposta ao quesito 7º, que deveria ser do seguinte teor: "da gestão e lucros daquela sociedade tirava mensalmente 150000 escudos", mas cujo assentamento, com vista a uma maior transparência, a seguir se reproduz :
1º- No dia 28 de Setembro de 1994, cerca das 10 horas, no lugar de Pessô, da vila de Freamunde, comarca de Paços de Ferreira, no cruzamento constituído pela Estrada Municipal que liga a freguesia de Ferreira ao lugar da Lama da freguesia de Freamunde e pela Estrada Municipal que ligar o lugar de Plaina e Matos, ambos da freguesia de Freamunde, o velocípede com motor de matrícula 2-PFR, pertencente a E e por ele conduzido e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula QI, conduzido por F e sua pertença, embateram entre si;
2º- O 2-PFR circulava no sentido Plaina/Matos, pela hemi-faixa direita atento o seu sentido de marcha;
3º- E à velocidade de 30 Km/h;
4º- A via por onde circulava o 2-PFR fica à direita da via por onde circulava o QI;
5º- Na via por onde circulava o QI e junto ao cruzamento referido existe implantado um sinal de "Stop";
6º- Quando o 2-PFR se encontrava no cruzamento surgiu o QI a circular na referida via a 60 Km/h;
7º- O QI foi embater com a sua parte frontal na parte esquerda do 2-PFR;
8º- O embate deu-se quando o 2-PFR se encontrava com a roda dianteira no fim do entroncamento;
9º- Após o embate, o QI projectou o 2-PFR a cerca de 20 m;
10º- Em consequência do acidente, o E sofreu as lesões constantes do relatório de autópsia de fls. 74 a 80 que lhe determinaram a morte;
11º- E era forte e saudável;
12º- Não padecia de qualquer deformidade;
13º- Era titular de uma quota correspondente a 50% do capital social da sociedade Silva & Costa, Lda;
14º- Era sócio-gerente dessa sociedade;
15º- Trabalhava na referida sociedade como marceneiro;
16º- Como trabalhador auferia uma remuneração mensal de 54000 escudos;
17º- Da gestão e lucros daquela sociedade tirava mensalmente 150000 escudos;
18º- Entre o momento do acidente e o da morte de E decorreram horas;
19º- A A. sofreu com a morte do seu marido;
20º- A A. nunca exerceu qualquer profissão;
21º- Com a morte de E, a A. ficou sem meios para se manter e para manter seus filhos;
22º- O que lhe causou e causa fortes angústias;
23º- O convívio da A. limitava-se ao do seu marido e filhos;
24º- A A. sentiu e sente um vazio existencial;
25º- Os filhos do E sofreram e sofrem com a morte do pai;
26º- Devido à morte do pai, os AA. sentiram e sentem um vazio existencial;
27º- A A. dispendeu com o funeral e cerimónias fúnebres do seu marido a quantia de 143000 escudos
28º- Com a aquisição e arranjo de uma sepultura para os restos mortais de seu marido dispendeu a A. a quantia de 373000 escudos;
29º- O capacete que E usava ficou danificado e irrecuperável;
30º- O seu valor era de 10000 escudos;
31º- As calças, camisa, camisola e sapatos que o E usava no momento do acidente ficaram danificados;
32º- O seu valor era de 20000 escudos;
33º- A A. por si e em representação de seus filhos, requereu ao CNP as respectivas prestações por morte de E;
34º- Em consequência, o CNP pagou à A., a título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência, no período de Outubro de 1994 a Maio de 1995, a quantia de 594160 escudos;
35º- O CNP continuará a pagar aos AA. a pensão de sobrevivência;
36º- Tal pensão inclui um 13° mês em Dezembro de cada ano;
37º- E um 14° mês em Julho de cada ano;
38º- Os valores actuais das pensões de sobrevivência são de 17060 escudos;
39º- E de 4270 escudos para cada um dos filhos de E;
40º- Em consequência do acidente o CRSS do Norte pagou à A., que o requereu, a quantia de 25890 escudos de subsídio de funeral;
41º-O E faleceu dia 28 de Setembro de 1994;
42º- À data do acidente tinha 48 anos de idade;
43º- A A. foi casada com o E até à data da morte deste;
44º- E deixou como únicos filhos os AA. B e D;
45º- O E faleceu intestado;
46º- À data do acidente, a responsabilidade pelos danos provocados a terceiros pelo QI encontrava-se transferida para a Ré, por contrato de seguro titulado pela nº 6911182;
47º- O acidente ocorreu no momento em que o E se encontrava ao serviço da sociedade "X", com sede em Plaina, Freamunde da Comarca de Paços de Ferreira;
48º- Esta sociedade havia transferido para a Aliança Seguradora, SA, através de contrato de seguro titulado pela apólice nº 083864, do ramo «acidentes de trabalho», a obrigação de indemnizar para si emergente da responsabilidade civil infortunístico-laboral, encontrando-se o E, à data do acidente, englobado no conjunto de pessoas seguras;
49º- A interveniente Aliança Seguradora, SA, já dispendeu e vai dispender dinheiro para ressarcir os danos decorrentes do acidente a que se repostam os presentes autos;
50º- O E era beneficiário do CRSS respectivo com o nº 109550892.

Passemos ao direito aplicável.

13. Âmbito e objecto da revista :
Deve adiantar-se, desde já, não vir questionada a culpa exclusiva do condutor segurado na ora recorrente na produção do evento.
Os pontos centrais de discórdia da recorrente-seguradora relativamente ao acórdão revidendo centram-se no seguinte :
1º- Montante encontrado para a indemnização por danos patrimoniais / perda da capacidade aquisitiva / lucros cessantes da vítima e sua eventual duplicação, montante esse que deveria cifrar-se em apenas 8500000 escudos;
2ª- Contabilização dos juros de mora da indemnização por danos não patrimoniais, a qual deveria operar apenas a partir da data da sentença e não da data da citação.

14. Danos patrimoniais futuros / lucros cessantes :
Concluiu a Relação que a fixação dos montantes indemnizatórios pelo tribunal de 1ª instância não viola nenhum dos dispositivos legais invocados, designadamente, os artigos 562° e 564° nº1 do C.Civil, já que «as quantias peticionadas, relativas a cada um dos danos específicos, foram criteriosamente justificadas e a R. não invoca qualquer razão válida para as alterar».
E Também este Supremo - adianta-se desde já - entende não haver razões para agora, em sede de recurso de revista, proceder a qualquer alteração dos respectivos cômputos.
Com efeito, em tal fixação tiveram-se presentes ao parâmetros referenciais comummente utilizados pela jurisprudência dos tribunais superiores, designadamente a duração provável de vida activa da vítima em ordem a representar (aquele quantum) um capital produtor do rendimento que cubra a diferença entre a situação existente e a actual até final desse período, segundo as tabelas financeiras usadas para determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica à taxa de juro anual (actualmente), tudo tendo como meta o respectivo esgotamento na data final do considerado período.
Nessa senda, considerou-se - e bem - o entendimento de que a vida activa se prolonga normalmente até aos 65 anos, tendo-se tido todavia presente que o rendimento perdido pela vítima, constante ao longo de todo a sua vida activa, teria também de ter em conta o valor de inflação, os ganhos de produtividade e as promoções na carreira, sendo certo que o valor dos salários tenderia a crescer mercê de tais factores.
Isto sem embargo de alguma imprevisibilidade e imponderabilidade desses últimos factores, os quais teriam, contudo, de ser encarados numa perspectiva de longo prazo, sob pena de se chegar a valores desconformes com a realidade.
No cálculo de tal indemnização, «trabalhou-se» com uma taxa de juro anual de 7% ( algo superior à já então em vigor a rondar os 3,5/4% ) e com uma taxa de inflação de valor de 4% ao ano, com os ganhos de produtividade (cerca de 1%) e com as promoções profissionais (progresso na carreira cerca de 1 %, no longo prazo ) bem como com os rendimentos mensais produzidos pela posição social da vítima na sociedade "X".
Possuía a vítima 48 anos de idade à data do acidente (tempo normal de vida activa de 65 anos ) e auferia uma quantia mensal de 204000 escudos, ou seja um rendimento anual de 2448000 escudos; não se havendo apurado quanto é que a vítima aplicava, regularmente, nas despesas do seu agregado familiar, entendeu-se - e bem - que despenderia, em média, 1/3 do seu vencimento nos suas necessidades pessoais, sendo o restante atribuído às despesas do lar, pelo que do rendimento anual que o A. retira de sua actividade, só 2/3 poderiam ser atendidos, isto é o montante de 1632000 escudos.
Assim, aplicando a fórmula descrita supra, obter-se-ia a prestação a receber pela lesada, no 1º ano. Mas, para que ela fosse actualizada com base naqueles factores, ter-se-ia de considerar ainda - como realmente se considerou - a percentagem de 6% correspondente à soma dos mesmos, corrigindo-se assim aquela fórmula, nos termos matemáticos explicitados no último acórdão citado, assim se obtendo a quantia indemnizatória de 25523801 escudos - valor arredondado (correspondente ao coeficiente de 15,639584 a multiplicar pelo valor de 1632000 escudos).
Há que dizer, neste conspectu, não assistir qualquer razão à recorrente, quando pretende pôr em crise designadamente a quantia de 150000 escudos retirada pela vítima dos lucros da empresa, na qualidade de sócio-gerente da mesma, pois que se torna evidente que o respectivo decesso pôs termo à percepção do correspondente rendimento, não se afigurando, de todo o modo, excessivo ou desproporcionado o respectivo montante.
A A. ora recorrida, deixou assim de poder contar com esse rendimento, sendo, de resto, que competia à Ré ora recorrente, o ónus ( não satisfeito ) de alegar e provar que, não obstante o decesso de seu marido, a A. auferiria e continuaria a auferir os mesmos ou outros rendimentos - artº 342º nº 2 do C. Civil.
No que tange à consideração na fórmula de cálculo dos danos patrimoniais futuros da possibilidade de promoções profissionais da vítima, dos ganhos de produtividade (1%) bem como da previsível e futura inflação de 4% também não merece censura a decisão das instâncias.
O marido da A. ora recorrida, adquiriria, muito provavelmente, como profissional e gestor, ao longo da sua previsível vida profissional activa por, mais de cerca de 20 anos, um acrescido "know how", quiçá de cariz tecnológico, gerador de uma maior produtividade e consequentemente de uma maior retribuição do exercício do seu múnus. Remuneração que excederia muito previsivelmente a actualização anual referenciada à taxa de inflação.
Tendo assim por balizas os aludidos parâmetros referenciais integradores da fórmula utilizada, temperados pelo sempre indispensável juízo de equidade plasmado no nº 3 do artº 566º do C. Civil, nada há a apontar ao valor indemnizatório encontrado para os danos patrimoniais futuros / lucros cessantes.
Quanto aos danos não patrimoniais, não vem questionada a verba de 5.000.000 escudos arbitrada a título de perda do direito à vida de E, nem tão pouco o montante dos danos sofridos pela vítima no período que mediou entre o acidente e a morte também não merece reparo.

15. Da alegada cumulação de indemnizações :
Alega a recorrente que a perda patrimonial apurada sempre teria que ser confrontada com o que os lesados recebiam a título de pensão, quer do Centro Nacional de Pensões quer da Aliança Seguradora.
Assim, ao montante apurado deveria ser deduzido o que os AA recebem do CNP 25600 escudosx14 meses = 358400 escudos, sendo que a A. já recebera de pensão por acidente de trabalho a quantia de anual de 213387 escudos.
Que dizer ?
No caso de acidente simultaneamente de viação e de trabalho, as duas indemnizações completam-se, sem sobreposição, de forma a que o lesado seja ressarcido do total dos prejuízos sofridos.
Nestas hipóteses nascem duas responsabilidades específicas, regidas por critérios algo diferenciados e quiçá com destinatários diferentes. Há cumulação de responsabilidades mas não de indemnizações, pois o sinistrado apenas pode receber a maior de ambas.
Nos termos da Base XXXVII da Lei 2127 de 3-8-65, o acidente causado por terceiros só é acidente de trabalho consequencialmente, sendo principal e primária a responsabilidade dos terceiros e secundária a da entidade patronal.
Ao proceder ao pagamento da indemnização, o responsável pelo acidente de trabalho fica na situação de lesado, podendo, pois, ele próprio exigir do terceiro responsável pelo acidente de viação as quantias já por si pagas ao lesado.
Deste modo, indemnização a arbitrar ao lesado deverá ser calculada como se este nada tivesse recebido das instituições sociais; e, com o recebimento da indemnização, o beneficiário deixa de ter direito às prestações que vinha recebendo por doença ou invalidez, ficando até obrigado às reposições do que anteriormente tenha recebido.
O tribunal comum, ao julgar a acção por acidente de viação e ao condenar os responsáveis no pagamento da respectiva indemnização, tem de considerar esta na sua globalidade, independentemente do que se passou nas relações ( internas ) entre o lesado e por ex. a segurança social, realidade a que os lesantes são alheios. Conf. neste último sentido, o Ac deste STJ de 9-5-02, in Proc 1162/02 - 2ª Sec. A não se proceder desse modo, acabaria a segurança social por ser penalizada com uma parte da indemnização, o que não pode ser tolerado pelo tribunal - conf. neste sentido, o Ac do STJ de 27-2-91, in BMJ nº 404, pág 442 e ss.
Também no Ac do STJ de 11-12-90, citado na anotação ao Ac de 27-2-91, e publicado in "Actualidade Jurídica", nº 13/14 se obtemperou sumariamente o seguinte :
Num acidente simultaneamente de viação e de trabalho, as obrigações que dele resultam para o causador do acidente, para a entidade patronal ou para as seguradoras de um e de outro encontram-se, entre si, numa relação de solidariedade imperfeita.
Em tais casos, o responsável principal pelos danos causados é o causador do sinistro, por ser aquele que cria o risco mais intenso.
Por isso se concede à entidade patronal, ou melhor, ao seu segurador, o direito a uma indemnização pelas quantias pagas ao sinistrado e a cobrar daquele maior responsável.
A entidade patronal ou o respectivo segurador podem substituir-se ao sinistrado contra o principal causador do acidente por um fenómeno de sub-rogação e na precisa medida do que hajam efectivamente desembolsado a favor daquele.
Dado que a sub-rogação não se verifica em relação às prestações futuras a seguradora laboral pode exercer esse direito apenas quanto à parte da indemnização que já se mostre paga no último momento processualmente atendível, ou seja o encerramento da discussão oral em 1ª instância. Mas só quanto ao efectivamente pago, uma vez que, atenta a doutrina do Assento do STJ de 9.11.1977, in BMJ 271°-100, a subrogação não se verifica em relação a prestações futuras.
Conforme o estatuído no artº 16° da L 28/84 de 14/8 também «as instituições de segurança social,em caso de responsabilidade de terceiros, ficam subrogadas no direito do lesado até ao limite do valor das prestações que lhe cabe conceder.
Por efeito de tal subrogação legal, havendo um terceiro responsável pelo evento "morte" as instituições referidas adquirem os poderes que competiam ao seu beneficiário, na qualidade de lesado / credor de indemnização nos termos da responsabilidade civil extracontractual (artº 593º do C.Civil).
Não constitui, assim, encargo normal do CNP a satisfação de pensões de sobrevivência quando haja responsável pela prática do acto gerador da responsabilidade civil e que seja causa das mesmas prestações, pelo que tais prestações pecuniárias compensatórias serão da responsabilidade de quem tenha praticado o acto em causa (artºs 495º, nº 1, 562º e 564º do C.Civil).
Por outro lado, não são cumuláveis as prestações da segurança social com as indemnizações a pagar por terceiro civil responsável.
Destarte, tendo a recorrida optado pela indemnização que lhe viesse a ser fixada nos autos de acidente de viação, não pode cumular o recebimento daquela com recebimento das pensões do CNP.
Decidiu aliás, neste sentido, o acórdão recorrido, louvado, para tal, na previsão-estatuição do nº 1 do artº 473 n° 1 C.Civil.
Assim sendo, a recorrida, ao optar pela indemnização de acidente de viação (como realmente optou) perde também o direito a perceber mensalmente a pensão que lhe foi fixada no processo por acidente de trabalho.
Para um mais completo enfoque destas situações de responsabilidade civil / arbitramento de indemnizações por acidente simultaneamente de viação e de trabalho, veja-se o Ac deste Supremo de 30-11-93, in CJSTJ, 1993, ano I, Tomo III, pág 250 e ss.
Na situação sub-judice é o próprio acórdão revidendo a afirmar que, sendo embora, e em abstracto, de deduzir a quantia já efectivamente recebida pelo lesado por mor do acidente laboral, o certo é que não fluem dos autos elementos suficientes para determinar com segurança a parte já paga ao lesado a título de pensão vitalícia, sendo certo que o pedido da interveniente é ilíquido.
Terá pois que ser or outra via, que não a do presente processo, que a aquela restituição ou reembolso terá que ser operada.
Improcede, também, por conseguinte, nesta parte, a revista da recorrente.

16. Taxa de juro e taxa de inflação adoptadas pelas instâncias.
Quer a taxa de juro, quer a taxa de inflação rondavam, na altura da fixação dos cômputos indemnizatórios, a taxa de 4%.
Todavia, a fórmula de cálculo utilizada adoptou a taxa referencial de juro de 7% ao ano, no pressuposto de que, ao longo do tempo, a mesma se viesse a consolidar numa tal percentagem.
Previsão essa que veio a ser desmentida pela realidade económica, já que tal taxa veio a situar-se num patamar variável entre os 3% e os 5%.
Só que a ter-se adoptado esta taxa referencial inferior, também o montante da indemnização deveria ter sido empolado para cima, pois que para produzir uma taxa anual de juro mais baixa se exigiria a disponibilidade de uma maior capital produtor de rendimento; variando a indemnização na razão inversa da taxa de juro / inflação ( quanto menor a inflação maior a indemnização ) se a fórmula de cálculo usada tivesse tomado por referência a taxa de juro / inflação por ex. de 4% e não a de 7%,a indemnização obtida cifrar-se-ia em montante significativamente superior.
Tudo ao arrepio do objectivo «redutor» dessa indemnização inserto na alegação da recorrente, uma vez que então a indemnização fixada pecaria, não por excesso, mas por defeito

17. Indemnização por danos não patrimoniais. Juros : «dies a quo» relevante para a sua contagem.
Sustenta a recorrente que a dívida de juros sobre a indemnização fixada por danos não patrimoniais deve operar, não a contar da data da citação, mas apenas da data da prolação da sentença em 1ª instância.
Quid juris ?
Acerca do momento a partir do qual devem ser contados os juros moratórios, quer para a indemnização fixada relativamente aos danos patrimoniais quer para a fixada a título de danos não patrimoniais, deve, por princípio, seguir-se agora ( artº 8º nº 3 do C. Civil ), mesmo tratando-se de processo pendente, a doutrina contida no recente Acórdão Uniformizador de Jurisprudência datado de 9-5-02, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no processo de revista ampliada nº 1508/01- 1ª Sec, nos termos do qual - sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artº 566º do C. Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artºs 805º nº 3 ( interpretado restritivamente ) e 806º nº 1 também do C. Civil, a partir da decisão actualizadora e não partir da citação.
Doutrina que pressupõe pois que haja sido proferida «ex-professo» uma decisão actualizadora, que não uma decisão simplesmente «presumida» em tal sentido.
Ora, não se mostra que, no caso sub-specie, o aludido cálculo operado em 1ª instância já tenha em linha de conta o critério «actualista» definido no n° 2 do citado artigo 566°.
Está, assim, a ré ora recorrente obrigada a pagar à autora os juros vencidos por tais quantias, calculados à taxa legal, desde a sua citação para a acção até efectivo pagamento.

18. Assim havendo decidido em tal pendor, não mercê o acórdão revidendo qualquer censura, pois que não violou nenhuma das disposições legais invocadas pela recorrente

19. Decisão :
Em face do exposto, decidem :
- negar a revista;
- confirmar, em consequência, o acórdão recorrido.
Custas no Supremo e nas instâncias na proporção da sucumbência, atentas porém as isenções legais.

Lisboa, 27 de Junho de 2002
Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida,
Abílio Vasconcelos Carvalho,
Manuel Maria Duarte Soares.