Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
003137
Nº Convencional: JSTJ00010802
Relator: BARBIERI CARDOSO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
CADUCIDADE DA ACÇÃO
CONTAGEM DOS PRAZOS
Nº do Documento: SJ199107100031374
Data do Acordão: 07/10/1991
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N409 ANO1991 PAG586
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR TRAB - ACID TRAB.
Legislação Nacional: L 2127 DE 1965/08/03 BXXXVIII BXL.
D 360/71 DE 1971/08/21 ARTIGO 13.
CPT81 ARTIGO 27 N1 N2 ARTIGO 102 N1 ARTIGO 132 N1 B.
CPC67 ARTIGO 456 N2.
Sumário : O prazo de contagem do direito de acção nos acidentes de trabalho inicia-se com a cura clinica ou a morte do sinistrado, e finda na data da participação do acidente - inicio da fase conciliatoria do processo - e não na data da propositura da acção - inicio da fase contenciosa.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferencia, no Supremo Tribunal de Justiça:

Participado ao Tribunal do Trabalho de Guimarães, em 7 de Outubro de 1987, o acidente mortal de trabalho de que foi vitima em 23 de Setembro desse ano o sinistrado A, seguiu este processo especial os termos proprios da sua fase conciliatoria ate a tentativa de conciliação de folhas 40, a qual compareceram a viuva daquele B, por si e em representação de seus filhos menores, C na qualidade de entidade patronal e a seguradora deste Fidelidade - Grupo Segurador.
No referido acto, a seguradora assumiu a responsabilidade pelas consequencias do acidente com base no salario de 43300 escudos mensais coberto pelo contrato de seguro e inferior ao declarado pela viuva - 65000 escudos por mes - tendo a entidade patronal recusado conciliar-se relativamente a parte excedente.
Homologado o acordo parcial, foi a instancia suspensa em 20 de Junho de 1988, nos termos do artigo 122, n. 2, do Codigo de Processo do Trabalho. E em 26 de Maio de 1989 iniciou-se a fase contenciosa do processo com a apresentação da petição de folhas 49, dirigida contra o reu C, na qual a autora viuva pede que este seja condenado a pagar-lhe e a seus filhos o complemento das pensões devidas correspondente a mencionada diferença salarial.
Contestou então o demandado alegando não ser responsavel pelas consequencias do acidente, visto que o sinistrado não trabalhava por sua conta mas sim para a sociedade Transportes C, Lda, ao serviço da qual auferia somente, como motorista, o vencimento mensal de 43300 escudos e não o de 65000 escudos.
Invocou ainda, a cautela, a caducidade do direito de acção com fundamento no facto de esta haver sido instaurada mais de um ano apos a morte do sinistrado, ocorrida em 23 de Setembro de 1987.
Citada em seguida a sociedade Transportes C, Lda, reconheceu esta a sua qualidade de entidade patronal mas defendeu-se por excepção e impugnação nos termos em que o fizera o co-reu C.
O despacho saneador julgou procedente a excepção da caducidade deduzida por ambos os reus ao abrigo da Base XXXVIII da Lei 2127 e absolveu-os da instancia.
Desta decisão agravaram a autora e a re Transportes C, Lda, vindo a ser proferido o acordão da Relação de Lisboa de folhas 107 e seguintes que, concedendo provimento ao recurso de agravo da autora, julgou improcedente a excepção da caducidade do direito de acção e ordenou o prosseguimento dos autos, considerando prejudicado o recurso da re, que pretendia ser absolvida do pedido e não da instancia, como fora.
Inconformada, interpos a mesma re recurso de agravo para este Supremo Tribunal, concluindo nas suas alegações:
1- O douto acordão recorrido considerou que tendo a participação do acidente dado entrada em juizo apenas 15 dias apos a morte do sinistrado, a fase conciliatoria pela qual se iniciou o processo para efectivação dos direitos da autora começou muito antes de expirado o prazo de caducidade de um ano previsto na Base XXXVIII da Lei n. 2127.
2- Contudo, o mesmo acordão omite o facto de a entidade patronal do sinistrado ter sido a sociedade Transportes C, Lda, e não a pessoa singular C.
3- Ora tanto na participação do acidente como durante toda a fase conciliatoria nunca o nome da re constou dos autos, tudo se passando a sua revelia, embora fosse esta a entidade patronal do sinistrado.
4- Logo, a participação do acidente so teria como efeito imediato corresponder a instauração da acção contra a entidade patronal se se tivesse participado que o sinistrado havia falecido ao seu serviço, o que não aconteceu.
5- Não foi dada oportunidade a re de se pronunciar e conciliar na fase conciliatoria e nesta medida não se pode dizer que existiu uma valida e eficaz fase conciliatoria.
6- So em Julho de 1989 e trazida a acção o nome da firma para a qual o sinistrado trabalhava e so em Outubro do mesmo ano e demandada a re.
7- Deste modo,a instauração da acção, acto a que a lei atribui efeito impeditivo da caducidade segundo o acordão recorrido, so aconteceu valida e eficazmente na data em que a entidade responsavel foi citada para contestar, o que so aconteceu em Outubro de 1989.
8- Tendo a morte do sinistrado ocorrido em 23 de Novembro de 1987, quando em Outubro de 1989 a re foi notificada da propositura da acção, ja havia caducado o direito de acção da autora por terem passado quase dois anos sobre a data da morte do seu marido.
9- Tal caducidade constitui excepção peremptoria, pelo que deve conduzir a absolvição da re do pedido, de acordo com o artigo 493, n. 3 do Codigo de Processo Civil.
10- Deve revogar-se o acordão recorrido, substituindo-se por outro onde se declare procedente o agravo da re, ordenando-se a revogação do despacho saneador e a sua substituição por outro que conduza a absolvição do agravante do pedido.
Não houve contra-alegação.
A Excelentissima Procuradora Geral Adjunta neste Supremo Tribunal emitiu o douto parecer de folhas 128, no qual conclui que o recurso não merece provimento.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
O objecto do presente recurso confina-se a questão de saber se se verifica ou não a caducidade do direito de acção dos autores nos termos previstos na Base XXXVIII da Lei n. 2127, de 3 de Agosto de 1965.
Segundo dispõe a referida Base no seu n. 1, o direito de acção respeitante as prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano, a contar da data da cura clinica ou, se do evento resultar a morte, a contar desta.
O mencionado preceito estabelece, portanto, um prazo de caducidade do direito de acção, o qual começa a correr a partir da data do obito da vitima.
Resulta, porem, do artigo 27, n. 2, do Codigo de Processo do Trabalho que nas acções emergentes de acidentes de trabalho e de doenças profissionais a instancia inicia-se com o recebimento da participação, acrescentando o n. 1 do artigo 102 do mesmo Codigo que estes processos se iniciam por uma fase conciliatoria dirigida pelo Ministerio Publico e terão por base participação do acidente ou da doença profissional.
Assim, o momento a que se tem de atender para efeito da caducidade do direito da acção nestes autos não e o da data da propositura da acção (inicio da fase contenciosa), mas sim o da data da participação (inicio do processo e da sua fase conciliatoria).
Ora no caso "sub judice" a participação do acidente, feita pela seguradora, verificou-se em 7 de Outubro de 1987, no prazo estabelecido no artigo 18 do Decreto n. 360/71, de 21 de Agosto e assim foi nessa data que a instancia se iniciou.
Por outro lado, estes processos correm oficiosamente, sem necessidade, por conseguinte, do impulso das partes, como se prescreve no n. 1 do citado artigo 27.
Acresce ainda que a disciplina de tais processos e dominada por normas de interesse e ordem publica, precisamente porque visam satisfazer direitos irrenunciaveis e indisponiveis, como nos revela a Base XL da Lei n. 2127 ao considerar nula a convenção contraria aos direitos ou as garantias defendidas nessa lei ou com elas incompativeis, assim como os actos e contratos que visem a renuncia a tais direitos.
Nestas circunstancias, e evidente que uma vez participado tempestivamente o acidente ao tribunal e iniciada assim a instancia, nenhum fundamento valido existia para, atentos os principios atras referidos, se invocar a caducidade do direito de acção com a alegação de que a acção so fora instaurada em 26 de Maio de 1989 e a re Transportes C, Lda, apenas em 6 de Outubro desse ano tivera conhecimento do processo, tanto mais que a intervenção desta teve lugar nos termos estabelecidos no artigo 132, n. 1, alinea b) do Codigo de Processo do Trabalho - indicação na contestação do demandado de outra pessoa eventual responsavel - que constitui uma das fases peculiares destes processos especiais.
Por conseguinte, iniciada a instancia, a viuva e filhos do sinistrado ficaram com o direito a serem reconhecidos em juizo todas as prestações devidas como reparação do acidente, sem que a demora na instauração da acção ou a intervenção de outro presumivel responsavel na fase contenciosa pudesse determinar a caducidade do direito de acção a sombra da Base XXXVIII da Lei n. 2127.
Mas para alem da referida argumentação de natureza essencialmente juridica, algo mais temos a dizer a proposito da maneira um tanto insolita como a recorrente expõe as suas razões na alegação que produziu. E que a recorrente afirma peremptoriamente que não lhe foi dada a oportunidade de fazer ouvir a sua voz na tentativa de conciliação, de cuja existencia não lhe foi dado sequer conhecimento, enfim, que não pode informar que era ela a entidade patronal do sinistrado, e isso não corresponde minimamente a verdade.
Com efeito, se e exacto que a re Transportes C, Lda, não foi chamada a intervir na tentativa de conciliação, todavia esteve ai presente o seu representante legal e co-reu C, na pessoa do qual a re veio a ser citada mais tarde (certidão de folhas 60).
E foi este que declarou na tentativa de conciliação de folhas 40 que o sinistrado estava ao seu serviço e que transferira a sua responsabilidade patronal para a re Fidelidade - Grupo Segurador.
Quer dizer, a re teve desde o inicio conhecimento da existencia do processo e se não interveio mais cedo, tal deveu-se exclusivamente a atitude que tomou de ocultar ao tribunal a sua qualidade de entidade patronal da vitima, que posteriormente invocou.
Assim, a recorrente ao defender-se no presente recurso nos termos em que o fez, socorrendo-se de uma situação que ela propria criou intencional e conscientemente, faltando a verdade e omitindo facto essenciais, para fazer vingar a tese da caducidade do direito de acção, litiga manifestamente de ma fe, tal como se preve no artigo 456, n. 2, do Codigo de Processo Civil, incorrendo, em consequencia, na sanção cominada no n. 1 do mesmo artigo.
Pelo exposto, negam provimento ao recurso e confirmam o douto acordão recorrido, condenando a recorrente, por litigancia de ma fe, na multa de oito Ucs.
Custas pela agravante.
Lisboa, 10 de Julho de 1991.
Barbieri Cardoso,
Sousa Macedo,
Roberto Valente.