Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | FERREIRA DE ALMEIDA | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO PAULIANA MATÉRIA DE FACTO PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA REQUISITOS INTENÇÃO DAS PARTES | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | SJ200106280012212 | ||
Data do Acordão: | 06/28/2001 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL ÉVORA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 286/00 | ||
Data: | 11/09/2000 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I. São os seguintes os requisitos da impugnação pauliana: a)- ser o crédito anterior ao acto ou, caso seja posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor; b)- resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade. II. Sendo o acto oneroso, exige-se que tanto o devedor como o terceiro tenham agido de má-fé, entendendo-se por má-fé, "a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor". III. Não se exige a intenção, o propósito ou a vontade de prejudicar os credores (dolo directo), bastando apenas a consciência, a representação do prejuízo que o negócio causa ao credor (dolo necessário). IV. A existência da "consciência do prejuízo que o acto causa ao credor" é conclusão a extrair de factos que a patenteiem, pois que atinente à descoberta da real intenção ou estado de espírito das partes ao emitir a declaração negocial - o chamado "animus contrahendi". V. Como tal, trata-se de pura matéria de facto cujos conhecimento e apuramento constituem prerrogativa exclusiva das instâncias, sendo que ao Supremo é vedado extrair ilações ou conclusões de factos provados. VI. Recai sobre o credor-impugnante o ónus da alegação e de prova de que do acto realizado pelo devedor, apesar do seu carácter oneroso, resultou efectivamente a impossibilidade de satisfação integral do seu crédito (ou o agravamento dessa impossibilidade) - incumbindo ao devedor e/ou terceiro interessado na subsistência do acto impugnado a alegação e a prova de que o devedor possui bens susceptíveis de penhora de igual valor. VII. A circunstância de a adquirente conhecer bem as dívidas dos devedores para com a entidade bancária credora não é de per si suficiente para se concluir pela existência de má-fé para os efeitos do art. 612º, nº 1, do C. Civil. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. "Empresa-A", com sede da Rua Tenente Valadim, nº ..., Porto, instaurou no Tribunal de Círculo de Portimão acção ordinária contra: "AA" e mulher BB, casados no regime de comunhão de adquiridos, com domicílio profissional na Praceta Alves Redol, nº ..., em Santarém e CC, viúva, residente em Viale Leonardo da Vince, nº..., Piacenza, na Itália, alegando resumidamente o seguinte: - O A., no exercício da sua actividade bancária, concedeu um financiamento à sociedade Empresa-B, com sede na Praceta Alves Redol, nº ..., Santarém; - Tal operação, que se encontrava caucionada por uma livrança em banco, subscrita pela sociedade supra identificada e avalizada pelos 1ºs Réus, foi denunciada, no seu termo, não tendo sido regularizada, posteriormente, nem pela sociedade mutuária nem pelos avalistas; - este facto motivou a instauração duma execução que corre termos pela Comarca de Lisboa, onde se encontra registada no 17º Juízo, 3ª Secção, sob o número 8605; - no âmbito desta execução, a A. não conseguiu fazer penhorar qualquer imóvel de que os 1ºs Réus fossem proprietários, nomeadamente a fracção autónoma, designada pela Letra "F", que corresponde ao apartamento nº ..., com arrecadação nº.., do prédio urbano em Valmangude ou Areias de S.João, lotes ... e ..., freguesia e concelho de Albufeira, omisso na matriz e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 05126/890616; - se é certo que outros bens foram nomeados à penhora, não têm valor económico que permita saldar o débito para com o A. e que monta a 23.558.087$70. - valor económico tinha, sim, a já referenciada fracção "F", que os Primeiros Réus venderam à 2ª Ré, em 16-3-93, pelo preço de 8.100.000$00, para assim impedirem o ressarcimento do crédito da A., e, para obterem o crédito, os 1ºs Réus informaram o A. da existência da aludida fracção, que valeria vários milhares de contos; - a alienação em causa foi muito posterior à constituição do crédito do A. e ao vencimento dele. E foi, ainda, posterior à data de citação dos 1ºs Réus no processo executivo 10-3-93. - a 2ª Ré conhecia bem as dívidas dos 1ºs Réus, pois que é sua amiga pessoal e que, com tal negócio, tomava impossível ou agravada a satisfação do direito do A.; - a "compra" em causa foi simulada, pois nem os 1ºs Réus quiseram vender, nem a 2ª Ré quis comprar, não tendo sido paga nem recebida qualquer importância a título de preço. Todos eles pretenderam, tão somente impedir que a fracção viesse a ser penhorada pela A. - verificados estão os pressupostos constantes dos artigos 610º e ss do Código Civil. Concluiu por pedir a procedência da acção com a consequente declaração de ineficácia do negócio efectuado e a obrigação da 2ª Ré restituir o bem ao património dos 1ºs Réus. 2. Citada, contestou a Ré CC, alegando: - no início de 1993, a sociedade Empresa-B era devedora à firma Empresa-C do montante de 10.120.699$40, débito proveniente de produtos fornecidos; - a firma Empresa-C tem o seu capital social dividido em duas quotas: uma de 6.000.000$00 pertencente a DD e outra de 4.000.000$00 pertencente à sociedade italiana Empresa-D. - a contestante é sogra de DD e presidente da firma Empresa-D; - foi com base nas relações comerciais existentes que, no início do ano de 1993, começou a ser equacionada a hipótese de compra da fracção "F", e isto por a Empresa-B ter confessado a sua impossibilidade de proceder ao pagamento integral da sua dívida à Empesa-C; - após várias negociações, ficou acordado que a Ré CC adquiriria a fracção "F", pelo preço de 8.100.000$00; teria que proceder ao pagamento duma dívida hipotecária que recaía sobre a Fracção, da qual era credor o Banco Empresa-E; a diferença entre o montante liquidado na dívida hipotecária e o prelo de aquisição seria entregue à firma Empresa-C e levada a crédito da conta da Empresa-B; - e foi assim que o Banco Empresa-E recebeu o valor da sua dívida - 6.253.083$20 renunciou à hipoteca, por instrumento de renúncia que entregou à Empresa-C; por seu turno, a conta da Empresa-B na firma Empesa-C foi creditada em 9.100.077$40, montante correspondente a 7.253.160$60 - directamente entregue pela Empresa-B - e 1.846.916$80 entregue pela ora Ré (diferença entre o preço da aquisição e a quantia entregue ao Crédito Predial Português). E a firma Empresa-C emitiu o correspondente recibo a favor da Empresa-B. Nunca existiu, pois, qualquer convénio entre a Contestante e os Primeiros Réus. E da parte da Contestante nunca houve qualquer intuito de prejudicar fosse quem fosse, designadamente o ora Autor, tanto mais que desconhecia qualquer dívida dos Primeiros Réus para com ele. - a contestante pretendeu, sim, adquirir a Fracção para a usufruir - e tanto assim que no Verão de 1993 nela passou férias com a sua família - e ao mesmo tempo garantir o recebimento, pelo menos parcial do crédito que a Empresa-C tinha sobre a Empresa-B; - o contrato de fornecimento de energia eléctrica à Fracção, a partir de Junho de 1993, passou a figurar em nome da Constante. E o seu genro, o já mencionado DD, sempre que está em Portugal, instala-se na Fracção. Termina e após invocar a sua boa fé na realização do negócio, pela improcedência da acção. 3. Os Réus AA e esposa BB não apresentaram contestação. 4. Por sentença de 11-5-99, o Mmo. Juiz do Tribunal de Círculo de Portimão julgou a acção procedente e, em consequência, declarou a venda efectuada pelos 1ºs Réus à 2ª Ré ineficaz relativamente ao A., «ficando esta obrigada à restituição do bem àqueles, de modo a este poder executar o seu crédito sobre aquele imóvel sem que os Réus AA e BB possam fazer qualquer oposição, ordenando, para tanto, o indispensável averbamento na Conservatória do Registo Predial de Albufeira» (sic). 5. Inconformados interpuseram os Réus recurso de apelação mas o Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 9-11-00, concedeu provimento ao recurso, revogou o acórdão recorrido e julgou improcedente a acção. 6. Agora inconformada com tal aresto, dele veio recorrer de revista a entidade bancária autora Empresa-A, agora ..., formulando, para tanto, as seguintes conclusões: 1ª - O Tribunal da Relação, compilou os documentos dos autos e os depoimentos das testemunhas, para reavaliar a prova produzida; 2ª - Em consequência alterou todas as respostas dadas aos quesitos números 6º, 8º, 9º, 10º, 11º, 13º e 14º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 26º, 27º; 3ª - E veio a concluir pela inexistência dos requisitos consignados no artigo 612º do CC; 4ª - Isto é, veio a concluir pela inexistência de má-fé na venda impugnada; 5ª - Ora, da prova efectuada, não era possível concluir tal; 6ª - Com efeito, as testemunhas ouvidas falaram do que sabiam; 7ª - As testemunhas arroladas pelo Banco tinham pleno conhecimento dos factos relevantes para a causa. E sabiam do que falavam; 8ª - Ora, da matéria constante dos autos é inquestionável que, o Banco tinha um crédito sobre a Empresa-B, relativamente ao qual os Réus AA e mulher figuravam como avalistas; 9ª - Tal crédito encontrava-se totalmente por ressarcir; 10ª - Depois de citados para a acção executiva, intentada pelo Banco para ressarcir esse crédito, estes avalistas procederam à venda da fracção de que eram proprietários; 11ª - Ora, da experiência comum, resulta que esta venda não pode ter outro objectivo senão o de impossibilitar o ressarcimento do crédito do Banco; 12ª - Aliás, bem sabiam os Réus AA e mulher que, ao venderem o único bem que tinham, impossibilitavam o Banco de obter o pagamento do seu crédito; 13ª - De qualquer forma, essa venda foi onerosa; 14ª - Mas "ficticiamente" onerosa; 15ª - Isto é, o apenas o suficiente onerosa para liquidar a hipoteca que incidia sobre o seu objecto e com isso branquear a transacção efectuada; 16ª - A "venda" não foi efectuada pelo valor de mercado, como aliás resulta da prova efectuada; 17ª - Ao adquirir o imóvel, a compradora analisou seguramente as condições da venda; 18ª - Sabia pois, bem, ou pelo menos não podia deixar de saber, que comprava a fracção por preço muito inferior ao do mercado; 19ª - Sabia que a hipoteca não se encontrava em incumprimento; 20ª - Tinha de saber obviamente o que é que estava por detrás desta venda; 21ª - Aliás, está provado que a 2ª Ré (11 e 12) conhecia bem as dívidas dos 2ºs Réus, era sua amiga pessoal; 22ª - Se conhecia as dívidas e era sua amiga pessoal, se comprou por preço inferior ao do mercado, não podia deixar de ter consciência do prejuízo que era para os credores dos Réus a compra e venda efectuada; 23ª - O elo de ligação está pois funcional e incólume; 24ª - Do exposto, resulta inequívoca a existência da má-fé, ao contrário do afirmado pelo douto Acórdão; 25ª - E se resulta inequívoca esta má-fé, o recurso da acção interposta tinha de improceder e a acção de proceder; 26ª - Assim sendo, subsiste pois do douto Acórdão em crise um grave erro de interpretação que determinou a violação do disposto nos art.s 610º e 612º do C.Civil; Termos em que e com a fundamentação acima indicada deverá ser alterado o Acórdão em crise, mantendo-se incólume e eficaz a sentença proferida em 1ª Instância. 7. Os Réus não contra-alegaram 8. Colhidos os vistos legais, e nada obstando, cumpre apreciar e decidir. 9. Em matéria de facto relevante, deu a Relação como assentes os seguintes pontos: a) - Em 16-3-93, os Réus Eng. AA e mulher, BB, venderam à Ré CC, a fracção autónoma designada pela letra "F", que corresponde ao apartamento nº 6, com arrecadação nº ..., do prédio urbano sito em Valmangude ou Areias de S.João, lote ... e..., freguesia e concelho e Albufeira, omisso na matriz e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 05126/890616; b) - Venda esta registada a favor da Ré CC, em 4-7-93; c) - O preço foi de 8.100.000$00; d) - Em 16-3-93, o Banco Empresa-E enviou ao Réu AA um documento com o seguinte teor: "Assunto: Empº HP 38.225 de AA Para os devidos efeitos se declara que recebemos da firma Empresa-C, contribuinte nº ..., a quantia de Esc. 6.253.083$20, (Seis Milhões duzentos e cinquenta e três mil e oitenta e três escudos e vinte centavos) através do cheque nº ... do Banco Empresa-F, para liquidação do empréstimo em referência. Por não ser possível fazer entrega do respectivo Título de Renúncia de Hipoteca o mesmo será oportunamente enviado". e) - No dia 19-3-93, o Banco Empresa-E emitiu um título particular no qual se lê: "Que para segurança do crédito desta Instituição Bancária formalizado por título particular nº 38.225, de 30.01.90, foi no mesmo constituída hipoteca, inscrição C-1, por apresentação 32/291189 e C-2, por apresentação 07/160390, que incidem sobre fracção "F" do prédio descrito sob o nº 05126/160689 da freguesia de Albufeira, da Conservatória do Registo Predial de Albufeira. Que nos termos e para os efeitos dos artigos 730º e 731º do Código Civil, o Crédito Predial Português renuncia totalmente às mencionadas inscrições hipotecárias."; f) - O A., no exercício da sua actividade bancária, a pedido e no interesse de ambas as partes concedeu um financiamento à sociedade Empresa-B, com sede na Praceta Alves Redol, nº ..., Santarém; g) - Esse financiamento, que se encontrava caucionado por uma livrança em branco, subscrita pela sociedade supra identificada e avalizada pelos Réus Eng. AA e mulher BB, foi denunciado, no seu termo, não tendo o mesmo sido regularizado posteriormente nem pela sociedade mutuária, nem pelos avalistas; h) - Facto que deu origem à execução ordinária, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, sob o nº 8.605, 17º Juízo 3ª Secção; i) - O crédito do A., no valor de 23.558.087$70, encontra-se totalmente por ressarcir; j) - Na acção executiva os Réus Eng. AA e esposa BB foram citados em 10-3-93; l) - A Ré CC conhecia bem as dívidas dos Réus Eng. AA e mulher BB para com o Banco Empresa-E e da firma Empresa-B para com a Empresa-C; m) - Trata-se de uma amiga pessoal dos Réus Eng. AA e esposa BB; n) - No início do ano de 1993, a Empresa-B era devedora à Empresa-C, da quantia de 10.120.699$40; o) Débito este proveniente de vendas de produtos do seu comércio feitas pela Empresa-C a Empresa-B; p) - Em negociações preliminares entre Empresa-C, CC e Eng. AA ficou acordado que CC adquiriria a fracção a AA; q) - O preço da aquisição seria de Esc. 8.100.000$00. r) A ré CC teria de proceder ao pagamento da dívida hipotecária que onerava a fracção ao Empresa-E; s) - A diferença entre os 8.100.000$00 ajustados para a compra e o valor a ser pago ao Banco Empresa-F (leia-se Empresa-E) seria entregue, não ao vendedor, mas sim à própria Empresa-C, quantia essa que seria levada a crédito da conta da Empresa-B perante aquela sociedade; t) Ajustados os termos em que o negócio seria efectuado, e para proceder aos pagamentos ajustados, a ora Ré transferiu de Itália, para a conta que a Empresa-C possui do Banco Empresa-F, em Santarém, a quantia de 9.098.5445$00. u) - Quantia esta que, deduzida de 1.000$00 de despesas, foi creditada na referida conta da Empresa-C, em 9-3-93; v) - A diferença entre o preço ajustado, ou sejam 8.100.000$00 e o montante mencionado no documento de folhas 44 dos autos - 6.253.083$20 - seria entregue à Empresa-C para encontro de contas com a Empresa-B; x) - Foi assim que, nesse mesmo dia, ou seja, em 16-3-93, foi a conta da Empresa-B, perante a Empresa-C, creditada em 9.100.077$40, montante este correspondente a 7.253.160$00 directamente entregues pela própria Empresa-B, e mais Esc: 1.846.926.20, montante este correspondente à entrega feita pela R.CC, nos termos ajustados, ou seja a diferença entre o preço (Esc: 8.100.000$00) e o valor pago ao Banco Empresa-E (6.253.083$20). Passemos agora ao direito aplicável. 8. Insurge-se o recorrente, na respectiva alegação, contra as alterações introduzidas pela Relação no que concerne à matéria de facto que havia sido fixada na 1ª instância. Sustenta que nos autos não existiam elementos de prova que impusessem essas alterações. Não obstante tal discordância, o mesmo não chegou a verter tal matéria nas proposições conclusivas na respectiva alegação, o que logo seria impeditivo do seu conhecimento (art.s 684º, nº3 e 690º do CPC). Seja como for, o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista que é apenas conhece de matéria de direito (conf. art. 26º da LOFTJ 99 e 722º, 729º nº 2 e 755º nº 2 do CPC), ressalvando-se, embora, dessa delimitação negativa, as excepções contempladas na 2ª parte desse art. 722º do mesmo CPC. É-lhe porém lícito verificar se a Relação, ao fazer uso dos poderes concedidos pelo art. 712º do CPC (redacção anterior à introduzida pelo DL nº 375-A/99, de 20-09), agiu ou não dentro dos limites legais. No caso sub judice, constavam do processo todos os elementos que fundaram o julgamento de facto efectuado pela 1ª instância - documentos e depoimentos reduzidos a escrito, porque deprecados - pelo que era lícito à Relação, face ao disposto no art. 712º, nº1, alínea a), do CPC, alterar as respostas dadas aos quesitos e que foram postas em crise pela recorrente. Uso que, diga-se desde já, não merece qualquer censura. 9. O «punctum saliens» das conclusões da alegação da recorrente é a de saber se - perante a factualidade que vem fixada - se torna ou não possível concluir pela existência do requisito da má-fé exigido no art. 612º do CC, sendo que foi negativa a resposta dada pela Relação a tal interrogação. Os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, caso se verifique o concurso das seguintes circunstâncias: a)- ser o crédito anterior ao acto ou, caso seja posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor; b)- resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade. Aos requisitos acima enunciados acresce, sendo o acto oneroso, a exigência de que o devedor e o terceiro tenham agido de má-fé (nº 1 do art.612º). E por má fé entende-se, esclarece o nº 2 do mesmo preceito, "a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor". Ora, a existência desta "consciência do prejuízo que o acto causa ao credor", é conclusão a extrair de factos que a patenteiem - conf.,v.g. o Ac do STJ de 16-05-00, in Proc 294/00 - pois que atinente à descoberta da real intenção ou estado de espírito das partes ao emitir a declaração negocial - o chamado "animus contrahendi"; trata-se de pura matéria de facto cujos conhecimento e apuramento são apanágio exclusivo das instâncias, sendo que ao Supremo é vedado extrair ilações ou conclusões de factos provados - conf., v.g., os Ac do STJ de 2-6-99, in Proc. 398/99, e de 27-4-99, in Proc. 249/99. Assim, sendo defeso ao Supremo Tribunal de Justiça substituir-se á Relação no que tange à extracção da mencionada conclusão da matéria de facto provada, tal interdição sairá reforçada no caso de o tribunal «a quo», com acatamento dos limites que lhe são impostos quanto à alteração da matéria de facto, ter dado como não provados quesitos cuja resposta, se afirmativa, corresponderia a dar como assente a matéria respeitante à existência do apontado requisito. Ora, a Relação, alterando o decidido pela 1ª Instância, deu como não provados os decisivos quesitos 8º e 11º, do seguinte teor: "Sabia que com a aquisição tornava impossível ou agravava a satisfação do direito do A?"; "O que todos quiseram foi evitar que o referido bem acabasse por ser penhorado pelo Banco A. para satisfação do respectivo crédito?". Resulta pois do exposto não poder este Supremo Tribunal concluir pela verificação, pela banda da Ré CC, do requisito da má fé reclamado pelo citado art. 612º. E, como assim, não se encontrando comprovado tal requisito, sempre teria de negar-se provimento à revista com a consequente e necessária improcedência da acção. Não obstante, sempre se dirá que o A. funda parte das suas conclusões em matéria que não foi dada como assente, assim, pela base os pressupostos em pretende sustentar o bom fundamento do seu raciocínio. É o que se sucede quando se refere a uma venda como "ficticiamente" onerosa, e quando pretende dar como assente que tal venda foi efectuada por "preço muito inferior ao do mercado". Dir-se-à, por último, que a circunstância de a ré CC conhecer bem as dívidas dos Réus para com a Empresa-E, não é de per si suficiente para se concluir pela existência de má-fé para os efeitos do citado art. 612º - conf. Ac do STJ de 15-12-1998, in Proc 1194/98. 10. Em face do exposto, decidem: - negar a revista; - confirmar, em consequência, o acórdão recorrido. Custas pela entidade recorrente. Lisboa, 28 de Junho de 2001 Ferreira de Almeida (Relator) Moura Cruz Barata Figueira |